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Porque é difícil uma vacina este ano
Há três fases para que uma vacina seja liberada, no Brasil o órgão responsável pela avaliação e aprovação de solicitações para realização de pesquisas clínicas com fins de registro e de pedidos de registro de produtos imunobiológicos desenvolvidos na indústria farmacêutica é feito pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), há comitês de ética que acompanham as etapas dos estudos, os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e/ou da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), então há critérios e cuidados que são observados.
Na fase 1, são selecionados pequenos grupos de voluntários, normalmente adultos saudáveis, são avaliados para a verificação da segurança e determinação do tipo de resposta imune provocada pela vacina, na fase 2, há a inclusão de um maior número de indivíduos e o produto é administrado em indivíduos representativos da população com menores proteções imunológicas (crianças, adolescentes, idosos e pessoas com imunologia comprometida), já na terceira fase é preciso aplicar numa grande quantidade de indivíduos e garantir o mínimo possível de reações adversas e contra-indicações, nesta etapa o número de voluntários deve ser grande.
A empresa só vai solicitar o registro de produtos com estudos na fase 3 em andamento, assim os dados das etapas 1 e 2 devem estar consolidados e sua eficiência demonstrada com alta eficiência terapêutica e/ou preventiva, e não exista terapia alternativa comparável aquele estágio da doença, aqui entra em cena o jogo dos interesses econômicos que podem ser levados para o campo político e até mesmo de disputa de mercados, porém é de se esperar que no caso da Covid-19 haja alguma ética neste processo.
Há 26 vacinas em estágio avançado, mas as quatro vacinas com potencial uso no Brasil são de quatro técnicas diferentes: o vetor viral é a técnica de Oxford e AstraZeneca que tem colaboração da FioCruz brasileira, a do laboratório chinês Sinovac tem participação do Instituto Butantan, a BioNTech – Wytech/Pfizer tem laboratórios privados no Brasil e anunciou que poderia estar pronta em Outubro, e, a Janssen Pharmaceuticals (Johnson & Johnson) adota a técnica do vetor de adenovírus (veja as técnicas e colaborações na figura).
A Sinovac com a técnica de vírus inativado poderá estar pronta para o ano que vem, a Janssen não fez grandes anúncios ainda, mas sabe-se que irá para a terceira fase, e a mais promissora que é a de Oxford está na fase 3, mas não deverá estar disponível até na melhor das hipóteses em dezembro.
De acordo com a Anvisa, o prazo para a manifestação sobre a vacina é de até 60 dias, embora a Anvisa tenha acelerado o processo de pedidos para medicamentos e vacinas no caso da Covid-19 instituiu um Comitê de Avaliação de Estudos Clínicos, Registro e pós-registro de Medicamentos, que inclui vacinas.
Assim ainda que o pedido esteja encaminhado em Outubro o provável de sua aprovação é para dezembro, até iniciar a produção e colocar a disposição dos órgãos de saúde deverão estar pronta para início da vacinação em meados de janeiro, antes disto cuidado, prevenção e manter as esperanças.
Enquanto isto estamos, no Brasil, paralisados num patamar de mil mortes diárias.
Depois da chuva e a pandemia
O filme de um assistente de Akira Kurosawa, Tadashi Koizumi, tem este nome “Depois da chuva” (Ame Agaru, 1999) era um roteiro de Kurosawa que Tadashi herdou, o primeiro ponto que pode-se destacar neste filme é a relação homem/natureza que limita a ação humana e ficam presos no meio de um caminho esperando a chuva passar, como muitos outros tem também um samurai, mas ele vai ter ali que realizar uma tarefa que não é muito digna de um samurai, arrumar dinheiro para as pessoas que ficam ali poderem comer, esta é minha analogia com a pandemia, ali do tempo em que todos ficam presos na casa, analogia que faço com o isolamento social.
O protagonista do filme é um personagem do tipo “jidai-geki” (os filme que tem inspiração na história do Japão), poderia ser também um filme sobre o “outono de um samurai”, há outro filme de roteiro feito por herdeiros de Kurosawa chamado “Rapsódia em Agosto” (1991), neste o diretor foi Kiyoko Mura.
Esta cosmovisão de não conceber o homem separado da natureza, em tempos que a ecologia era ainda tema marginal, agora com a redescoberta da natureza temos uma interessante analogia a ser feita, a natureza nos limitou atrás de um vírus, e ontem assistimos picos de temperaturas baixas no sul do continente americano, as temperaturas tem ficado 20ºC abaixo de zero em Rio Grande (Terra do fogo), de acordo com os dados do Serviço Meteorológico Nacional (SMN) da Argentina.
Já nos EUA onde é verão, o recorde de temperatura alta foi no “vale da morte”, 54,4ºC um recorde muito próximo da maior temperatura já registrada na região que foi de 56,9ºC em 1913, segundo o Serviço Nacional de Meteorologia (NWS) americano, a natureza dá seus sinais de reação a ação ecológica pandêmica de séculos.
Voltando a chuva no meio de uma mata por onde passam pessoas pobres, num certo momento o samurai se vê na condição de ajudar aquelas pessoas devido o longo período que estão isolados, e ao sair depara-se com um assassino que o samurai vai impedir um duelo que poderia terminar em morte, e por isto o senhor feudal dono daquelas terras decide emprega-lo como mestre espadachim, resta um escrúpulo que é aceitar dinheiro, o que é desonroso para o samurai.
O Samurai decide fazê-lo por um fim nobre que é ter alimento para aqueles pessoas que estão retiradas ali quase todas pobres por estarem fazendo aquele caminho pelo meio da mata, quando foram impedidos de prosseguir pela chuva.
Se a mensagem naquele tempo foi pouca apreciada, hoje com a situação econômica que teremos depois da pandemia, a mensagem é nobre e social.
Abaixo um link para ver o filme:
https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=1mR0KV-c9EY
A pandemia e a doxa
A mera opinião sobre temas tão complexos quanto o tratamento da pandemia expôs o mundo da mera opinião ou da “doxa” como os gregos chamavam aquilo que era oposto a episteme, ou o conhecimento organizado e sistematizado.
O número de soluções curiosas no combate ao vírus é enorme: usar limão até ozônio, os remédios que são efetivos para outras doenças como o uso da cloroquina para malária, usos de chás e águas quentes, determinadas frutas e legumes, a FioCruz que acompanha o desenvolvimento da vacina de Oxford fez uma pesquisa, que dá como 73% falsas as notícias sobre curas do coronavírus no Whatsapp, em sua grande maioria são receitas caseiras sem efeito nenhum sobre a doença.
Toda a vida no tempo de Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) acontecia em torno da polis, onde já haviam então o cidadão da polis, o político, porém ainda dominavam os sofistas, que buscavam apenas argumentos para favorecer o poder, sem se preocupar com a justiça e a verdade.
No livro República de Platão o termo episteme, que antes suportava a possibilidade de ter habilidade para algo, agora adquire o conteúdo de saber pleno de certeza, um saber evidente que é ligado a realidade do Eidos (a Ideia para os antigos), com isto episteme é conhecimento verdadeiro e totalmente oposto a doxa, reduzida a simples opinião.
É na relação entre epistemologia e ética, que é possível considerar a ação sob um ponto de vista da doxa, embora não signifique um fundamento deste tipo de saber ético em Platão, pois ele aparecerá com Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), em especial no seu livro “Ética a Nicômaco”.
O problema da determinação destes conceitos ligando-os a questões éticas aparecem nos primeiros diálogos até a República, que se mantém depois no diálogos sobre as Leis, tornando possível abordar esta questão em diálogos posteriores.
Platão usa os conceitos de nous (República VI 511d4) e noesis (República VI 511e1), a doxa está no mundo da realidade sensível, enquanto a episteme está no conhecimento dianoético (dianoia, é a forma de pensar menos elevado que a noesis) que tem por objetos os noeta, mas são inferiores a dialética (República VII 533d).
Aristóteles vai negar a existência de eide (pensamento puro) em termos platônicos, assim sua episteme vai designar para ele o conhecimento das causas necessárias (está desenvolvido nos primeiros analíticos) e consiste de na demonstração (apodeixis) e na sensação (aisthesis) tornam-se necessárias para a episteme.
Para não complicar muito, os gregos foram, é na Metafísica (E 1, 1025b-1026a) que o termo episteme vai designar uma organização sistemática dos conhecimentos racionais, chegando assim a apontar para o conhecimento teorético, em sua oposição ao conhecimento prático e poiético (Ética a Nicômaco VI 3, 1139b14-36).
Seja qual for a forma de conhecimento sistemático, a ciência tem seus caminhos e negá-los é colocar toda a humanidade a prova, nem receitas caseiras, nem vacinas sem as condições de testes são aceitáveis, é preciso prudência já pagamos um preço demasiado pelas mortes na pandemia, que a cura seja para eliminar as possibilidades de reinfecção e efeitos colaterais, é a dose do veneno que faz o remédio, porém o inverso é verdadeiro também.
A pandemia e o Areté
Areté era para os gregos um conjunto de virtudes que deviam ser exercitados para evitar uma crise ainda maior na democracia grega.
Embora esteja ligada a virtude moral, no sentido grego é claro, duas características da areté são necessárias neste momento da pandemia: a prudência e adaptação perfeita.
As condições da pandemia exigirá de todos uma adaptação, os números de infectados e mortos evoluem numa curva estável, porém em números absolutos significa um aumento diário na casa dos milhares de mortos, e milhões de infectados, os cuidados devem se tomados e significa uma adaptação a situação atual, um novo normal incerto virá , o que vivemos agora é uma adaptação a uma situação de exceção.
A prudência deve estar em nossa mente, é uma situação de limitações, porém se levada a sério torna o dia-a-dia menos tenso, também as autoridades de saúde e políticas devem tomar cuidados ao adotar as vacinas, além da saúde existem questões políticas e interesses econômicos envolvidos, e novamente a saúde deve ter prioridade, toda prudência na adoção da vacina será necessária.
A grande razão de termos dificuldades em cumprir regras, e também ter sensibilidade e respeito ao cumpri-las é que as virtudes não estão na moda, a moda é a plena liberdade, e não ela nunca é possível por razões de leis e regras sociais de boa convivência, em período de um estado completamente excepcional exige de todos atitudes ainda mais disciplinadas, de higiene, de distanciamento social e de delicadezas.
A solidariedade é outro valor que deve voltar a moda porque muitas pessoas precisaram de nossa compreensão para poderem ter sua sobrevivência garantida, não faltam campanhas e atitudes é verdade, porém será necessário um esforço ainda maior para que realmente todos tenham o mínimo de dignidade para viver.
Os gregos que construíram o primeiro modelo de polis, podem nos ajudar a corrigir valores que a cultura contemporânea corrompeu, por isto, durante toda a semana que passou tratamos deste tema, prudência e adaptação exigem esforço para que o drama da pandemia não seja um flagelo ainda pior.
A espera de uma vacina
Duas vacinas estão próximas de brasileiros pela participação de institutos de pesquisa locais, a vacina de Oxford, onde que tem o brasileiro Pedro M. Folegatti na equipe de desenvolvimento (autor do artigo na revista The Lancet), da qual participa também o laboratório Fio Cruz com incentivo do governo, e a vacina chinesa a qual na etapa de testagem participa o Instituto Butantã da USP, com acordo do governo de São Paulo para o desenvolvimento.
Pode gerar uma confusão de interpretação o fato que o laboratório AstraZeneca britânica, que está no desenvolvimento da vacina de Oxford, fechou acordo para produzir a vacina também na China através da empresa Shenzhen Kangtai Biological Products, anunciado na quinta feira passada, de 6 de agosto.
As vacinas tem também diferentes desenvolvimentos, enquanto a vacina chinesa segue o desenvolvimento tradicional de vacinas para gripes e algumas doenças comuns como sarampo, cachumba e outras, que é o desenvolvimento de uma dose mais fraca do próprio vírus produzindo assim uma imunidade no corpo, após alguns pequenos incômodos, no caso do corona vírus fica uma pergunta, será que não há a possibilidade de reinfecção, já há casos no mundo todo, que estão sendo estudados.
A vacina de Oxford, que tem a participação da FioCruz e incentivo do governo brasileiro, já foi explicado num post que é produzindo um vetor viral não replicante, ele é modificado e não infeccioso, uma proteína escondida no vetor leva uma proteína que produz anticorpos e imuniza o vacinado, o laboratório de Oxford afirma que com duas doses é 100% eficaz.
Há muitos outros projetos em desenvolvimento no mundo, as empresas chinesas participam além destes dois, em mais 8 dos 26 projetos que lideram o desenvolvimento da vacina por estarem já na etapa de teste das vacinas em humanos ao redor do globo.
A corrida pela vacina tem dois aspectos, o positivo há uma corrida que pode trazer a vacina mais cedo, a outra temerosa é que etapas de segurança sejam ultrapassadas, a Rússia diz já ter uma vacina para breve, mas há duvidas sobre o cumprimento dos protocolos antes da vacinação em massa, é necessário prudência.
https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2931604-4
A noite escura da humanidade
Assistir a debates políticos ou mesmo questões relevantes da vida pública, um breve olhar sobre a cultura e a religião, qualquer angulo que se olhe o momento agravado pela pandemia, é relevante que se aponte os traços confusos deste momento civilizatório.
É fato que já passamos por outra pandemia, em números assustadores a chamada “gripe espanhola” em meio a 1ª. guerra mundial, foi um grande e humanitário desastre que desafiou a humanidade, e mesmo assim depois veio a segunda guerra, os campos de concentração e a bomba de Hiroshima, porém os contornos deste momento parecem ainda mais graves, há uma crise do pensamento.
O que se observa são frases feitas de impacto duvidoso, apelos ao otimismo impossível diante do quadro pandêmico ou a esperança “depois que tudo isto passar”, porém na medida em que a vacina não chega a realidade vai impondo, até mesmo aos sábios de plantão um pouco de sobriedade, porém ainda sem a solidariedade e humanidade que seriam desejáveis.
A crise do pensamento já apontada por Edgar Morin, Nicolescu Barsarab e muitos outros, para além do debate científico e técnico, é a dificuldade de compor elementos que deveriam ultrapassar os limites das especialidades para resolver problemas além da doença, do social e do religioso, para atacar em conjunto o problema seria necessária uma visão de conjunto e não uma empobrecida visão disciplinar de especialistas.
Quando menos se enxerga por pura e simples análise, mais escura esta noite se torna, os fundamentos perdidos, ainda que possam e devam ser superados os alicerces civilizatórios: a cultura grega, a religiosidade judaico-cristã que tantos sábios teve, também a islâmica com Avicena, Averróis, Al-Khwarismi e mais recentemente Abdus Salam, que ganhou o prêmio Nobel de Física em 1979.
A ciência ainda segue fortemente ligada ao positivismo e logicismo de dois séculos atrás, enquanto Karl Popper, Tomas Kuhn ou Bachelard ainda são pouco conhecidos e confinados em rodas de “especialistas do método científico” que indica uma leitura rasa destes questionadores da ciência convencional.
O século passado nos deu Gustave Klimpt, Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali, a arquitetura arrojada de Antoni Gaudi, do brasileiro Oscar Niemeyer, mas as fachadas retas, o abuso dos vidros e cristais que aparecem pela primeira vez no Palácio de Cristal (foto), estrutura arquitetônica inglês ado século XIX que invocava centro de recreações para “educação do povo”, citado por Sloterdijk e seu discípulo Byung Chul Han como representante da arquitetura atual, como centros de consumo e “uma forma arquitetônica foi proclamada como a chave para o capitalismo. condição do mundo” (SLOTERDIJK, 2005, P. 279).
A grandeza e a novidade cotidiana do Criador são um grande contraste com religiões repetitivas, ultrapassadas e que nada dizem ao mundo atual, sobre a pandemia oscilam entre a simples adesão ao discurso corrente a modelos de solidariedade e de defesa da vida muito frágeis para a tragédia pandêmica.
Há uma beleza e uma novidade que jorra da vida todo dia, mas o que persiste é uma mesmice incapaz de dar esperança a uma pós-pandemia melhor, a verdadeira ciência, a cultura e Deus nada terão a ver com esta miséria que virá, claro se tudo não mudar e houver um arroubo de luz e de sanidade.
SLOTERIJK, P. Crystal Palace, Chapter 33 of in Globalen Inneren Raum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (In the Global Inner Space of Capital: For a Philosophical Theory of Globalization). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2005, pg. 265-276.
A origem história de conflitos em pandemias
A ideia de esconder dados sobre a pandemia já havia ocorrido na gripe espanhola,que recebeu este nome apenas por razões políticas visto que a Espanha manteve-se neutra durante a primeira Guerra Mundial, o nome original era gripe das trincheiras por ter afetado muitos soldados e enfraquecido alguns exércitos.
A ideia de esconder a doença foi até mesmo sustentado por instituições de prestígio, como a Royal Academy of Medicine de Londres, até o final e 1918 poucos acreditavam na gripe.
O nome de influenza espanhola também é antigo, jornais brasileiros (houve um artigo da revista A Careta, n. 537) usavam o nome porém como agora o início do combate a doença foi conturbado, e as medidas coercitivas defendida pelo sanitária Oswaldo Cruz foi vista como uma tirania sanitária no país e os grupos políticos de oposição ao governo Wenceslau Braz (na figura) viam a gripe como um pretexto do governo para intervenção na vida da população.
Também o uso político foi feito, porém neste momento grave da história, é desejável que os verdadeiros espíritos humanitários se desarmem para defender a vida da população, a ação dos médicos, dos grupos de socorro e os esforços para a vacina.
A insistência em polarizar num momento tão trágico revela apenas a decadência dos mais caros valores de compaixão e solidariedade, até mesmo por grupos que deviam estar mais empenhados em unir esforços, e curiosamente encontramos mesmo em lados opostos tanto aqueles que se solidarizam como os que procuram desviar a atenção do verdadeiro inimigo: a pandemia que afeta a todos.
No país, perdida a oportunidade de fazer um #lockDown quando a doença ainda estava localizada em algumas regiões, agora se alastrou por todo país e apenas as medidas já conhecidas devem continuar a serem adotadas, vejo equipes médicas e os serviços de apoio atingirem o esgotamento, os casos de infecção deste verdadeiros heróis continuam crescendo.
O que há de novo é uma tensão mundial em limites verdadeiramente preocupantes, o desvario do abandono dos fundamentos básicos da sociedade e atitudes que variam entre o conformismo e o simples abandono de qualquer medida de proteção e isolamento social, como a marcha de milhares de pessoas na Alemanha.
Os patamares da pandemia no Brasil continuam estáveis, nem é verdade que a pandemia esteja sobre controle, nem é verdade que existe um genocídio no país, simplesmente as medidas que podiam ser tomadas não foram, e o tempo passou e a doença se espalhou.
Resta-nos a esperança da vacina, a de Oxford uma das mais confiáveis pelos critérios científicos, pela transparência dos cientistas que trabalham (um artigo detalhado foi publicado na revista The Lancet) e pelo rigor das etapas de liberação da vacina, sem atropelos.
O pós-pandemia assusta porque não há mesmo em setores conscientes da sociedade atitudes de sobriedade e equilíbrio, fica a impressão de um humanismo mais política que verdadeiro
Como viver a crise e o platô estável
Edgar Morin e Patrick Viveret escreveram em 2010 “Como viver em tempo de crise” (edição em português da Bertrand de 2013), e certamente não pensavam numa pandemia, porém já viam um horizonte difícil para humanidade, e certamente este horizonte foi agravado.
Assim filósofos e outros tipos de visionários que tentam ver um futuro tranquilo não tem um fundamento, ou até podem ter, mas baseados em filosofias e pensamentos já superados, a pandemia exigirá ainda mais dos grandes estrategistas e pensadores humanitários.
Na página 37 do livro mostra os sintomas da crise: “Wall Street conhece apenas dois sentimentos, a euforia e o pânico”, mesmo sem saber é assim que pensam os que prometem “felicidade”, mas é falsa e a ela se seguirá a depressão, uma análise mais sensata pode preparar o desafio que vem.
O platô estável chegou, em termos de mortes pois os dados de infecção são imprecisos, mostram estes picos, agora caminhando para um platô estável não só no Brasil, mas no mundo como um todo, isto porque o ciclo de infecção chegou a todo planeta, e no Brasil a todo país.
O ciclo pode ser realimentado porque não como isolar polos de infecção, mesmo países sem novos ciclos poderão ser afetados, mas observe-se que Nova Zelândia e Taiwan são ilhas, então com o isolamento por mar, são mais controláveis, porém o comércio também pode afetar estes países.
Edgar Morin e seu colaborador citam no livro “três mutações” importantes na crise e que valem para a situação social da pandemia, pois elas representam o mundo antigo, o mundo “estados-nação, da sociedade industrial, de uma organização segmentada (veja os conflitos EUA x China) … o desafio ecológico coloca a pergunta sobre o que vamos fazer com nosso planeta?” (pag. 57).
A revolução industrial colocou a vida num modo de viver frenético, “a sociedade industrial clássica se organizava em torno do sésamo clássico ´o que você faz da sua vida?´”, e que continua a ser uma pergunta que nos interroga a todos, o recém lançado em português “Tens de mudar sua vida” de Peter Sloterdijk coloca isto em torno da antropotécnica, trazendo ao debate a questão técnica.
Ambos apontam para a dupla face da crise: perigo e oportunidade, com respostas diferentes, no entanto o que devemos pensar indicam Morin e Viveret: “o que faremos do planeta, com nossa espécie e com nossa vida” (pagina 54), e dá uma resposta universal e possível: “na esfera de desenvolvimento da ordem do ser, mais que de um crescimento na ordem do ter” (pag. 55), enquanto Sloterdijk indaga se o humanismo não morreu.
O livro apesar da defasagem história é muito atual, e aponta para questão do além pandemia.
MORIN, E.; VIVERET, P. Como viver em tempo de crise? Tradução: Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2013.
A pandemia mudou a consciência humanitária ?
Em seu livro Ciência com consciência, Edgar Morin lançou a pergunta: “A aventura científica nos conduz à catástrofe ou a um mundo melhor?”, substituímos saberes espirituais e populares e, entretanto, não conseguimos evitar guerra, combatemos uma pandemia, mas e nossa relação humanitária irá melhorar? Quis acreditar que sim, mas parece que não.
Chegamos no Brasil ao prolongamento do Platô, que anunciamos desde o início de maio (post), mas só agora as grandes mídias e as organizações mundiais a reconhecem, e não deve cair até que o platô se estenda por todo território nacional, o que já está acontecendo, vai até o final de julho.
Muitas reflexões surgiram sobre melhorar as relações em família, e muitas melhoraram, diminuir o ritmo acelerado da vida moderna, até diminuiu, mas poucas pessoas parecem dispostas a um novo estilo de vida, a um “novo normal”, a maioria quer voltar a vida anterior: festas, consumo e vícios.
É claro a pandemia apenas acelerou o que já estava em curso, famílias com dificuldades, com a forçada convivência diária pioraram, mas aquelas que não encontravam tempo, agora tem tempo, ajudar as tarefas diárias, mudar a lógica dos relacionamentos polarizados e encontrar o Outro.
Fizemos várias postagens na semana que passou sobre o bem, indicando que sua fragilidade (a filósofa Martha Nussbaum escreveu um livro sobre isto no pensamento na filosofia clássica), mas a fragilidade do bem é diferente da frivolidade, não é nem fútil nem superficial.
Tanto ainda é possível mudar a tendência da pandemia por uma maior consciência e cuidados com a pandemia, como também é possível (antes que seja tarde) a consciência dos problemas sociais e que são de fundo humanitários, respeito aos direitos, a diversidade de opiniões, raças e credos, etc.
Imaginamos que poderia ser mais curto o ciclo da pandemia, e também que o vírus se atenuaria ou outras falsas visões sobre uma pandemia, antes mesmo há quem acredite que ela não exista, no entanto o problema humanitário de fundo é o mais grave e para ele a consciência deve atentar.
Vale a máxima da fenomenologia não existe consciência num sentido abstrato, embora o “mal simbólico” possa criar bolhas nas quais alguns grupos sobrevivem, este é o perigo de uma consciência abstrata não fenomênica, a consciência a pandemia pode nos ajudar a melhorar a nossa percepção e sensibilidade do problema humanitário, que já é epocal (transição de épocas) e poderá tornar-se civilizatório, como riscos de uma desumanização ainda mais grave.
É possível uma mudança que comece a partir de cada atitude, de cada ação pessoal sobre os grandes problemas e cada um deles exige uma consciência fenomenológica, isto é, a dirigindo a interação a aquele problema com seus contornos, limitações e fragilidades.
Podemos inverter a curva humanitária, mas o tempo urge e a pandemia o acelerou.
Uma pandemia com muitos focos
Embora os grandes centros, São Paulo e Rio de Janeiro em especial, registrem quedas de número de infectados e de mortes, a pandemia se interiorizou e chega agora ao mais interior do país, que inclui pequenas cidades pobres, aldeias indígenas e regiões de pouco acesso sanitário.
O gráfico geral mostra uma estabilização em torno das 1200 mortes diárias, mas nem significa o controle da doença, nem qualquer indicativo de queda, já que a expansão para o interior e áreas carentes podem causar novas explosões, isto aliada a uma política de abre e fecha sem critério.
Apresentamos o gráfico geral acima apenas para indicar um gráfico geral, pois a política sob a responsabilidade dos governos regionais e prefeitos (foi determinada pelo STF) não permite dizer que haja uma política nacional de combate, embora as secretarias regionais de saúde se comuniquem e os governos façam leis estaduais, como a que obriga o uso de máscaras, havendo algum controle regional.
Um outro assunto polêmico é o uso de medicamentos, a hidroxicloquina, a polêmica inicial, e agora azitromicina, ivermectina e nitazoxanida não são recomendadas por critérios médicos, os medicamentos no fundo são ministrados caso a caso, por exemplo, para quadros infecciosos, sintomas depressivos ou os problemas respiratórios que são agudos, mas cada paciente pode ter ou não quadro que impeçam o uso de determinado medicamento.
No plano internacional algumas medidas sobre a debilidade econômica começam a ser pensadas, como socorrer os desempregados, como articular planos de ação conjunta entre países, que o grande bom exemplo é o da zona do euro.
As medidas preventivas devem continuar por longo tempo, que prefiro chamar de distanciamento social, porque a flexibilização já é crescente e pouco controlável, usar máscaras, manter uma certa distância em transportes, caminhadas mesmo considerando que são feitas em áreas arejadas são necessárias e fazem parte da chamada nova normalidade, basta ver os países saíram do pico.
No plano social medidas devem ser pensadas não apenas nacionalmente, mas mundialmente porque também as tensões de mercados podem se agravar e este enfrentamentos podem piorar as crises internas de cada país.