Arquivo para novembro, 2020
Os pobres e a pobreza
O pobre é a condição desumana de vivência de uma determinada pessoa que pode ou não estar vinculada a condição social, já a pobreza é estrutural e onde ela existe boa parte da população ali está condenada a ser pobre.
Relatório da ONU de 2019 dava o dado de 500 milhões de pessoas vivendo em condição de pobreza, abaixo da linha da dignidade humana, o português Pedro Conceição, diretor do Escritório que fez o relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, cria um conceito importante da pobreza multidimensional, que cria indicadores ligados a saúde, à educação que são o impacto estrutural em suas vidas:
“Pobreza Multidimensional é um conceito importante, porque tenta perceber de que forma é que as pessoas vivem em pobreza, mas não só. Através do fato de serem baixos níveis de rendimento. Tende a medir também a forma como indicadores ligados a saúde e à educação têm impacto na forma como as pessoas vivem as suas vidas. Quando temos este conceito um bocado mais abrangente da pobreza, aquilo que verificamos é que o número de pessoas que vivem em pobreza é maior do que aquele número de pessoas que vivem em pobreza quando medimos apenas através do rendimento. Há 500 milhões de pessoas que vivem em pobreza multidimensional do que aquelas que vivem em pobreza extrema, se olharmos apenas para indicadores de rendimento.”
Assim quando medimos apenas o rendimento estamos encontrando aqueles que são pobres, e é preciso atacar o problema estrutural que é multidimensional.
O relatório diz que 85% da pobreza mundial está concentrada na África subsaariana, em países como Burquina Faso, Chade, Etiópia, Niger e Sudão do Sul, há 90% de crianças com menos de 10 anos consideradas multidimensionalmente pobres.
O relatório avalia os progressos que foram conseguimos para atingir o objetivo 1 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável que prevê erradicar a pobreza “em todas as suas formas em todos os lugares”, neste relatório o número cresce para cerca de 2 bilhões de pessoas que abrangem a pobreza global.
Locais onde há “um progresso estatisticamente significativo” para alcançar o objetivo 2 e reduções mais rápidas ocorrem na Índia, Camboja e Bangladesh, mas não se pode pensar que este desenvolvimento será “natural” se não houver um esforço por parte de países ricos de repensar a distribuição de renda.
A segunda onda e as vacinas
A segunda onda chegou nos Estados Unidos, é bom lembrar que está no mesmo hemisfério que a Europa, assim o período sazonal no qual a o vírus prefere períodos mais frios e úmidos, lá estão no meio do outono e se aproximando do inverno, fez com que os números de infecções e mortes subisse em território americano, quinta feira passada chegou aos
Já as vacinas seguem a polêmica da Coronavac, enquanto o sucesso inicial dos testes da Pfizer e BioNTech apontando uma eficácia superior a 90%, fez até as bolsas subirem e haver um otimismo em torno da pandemia, afetando até mesmo as bolsas.
A fórmula de desenvolvimento possui uma ação diferente das tradicionais, funciona como um imunizante que sim ter a capacidade de acabar com a pandemia da Covid-19, a maioria das vacinas usam a ideia do vírus enfraquecido ou do vírus inativado, que é o caso da Coronavac.
A vacina das farmacêuticas Pfizer e BioNTech, apontaram uma eficácia superior a 90% e a fórmula possui uma ação diferente das vacinas tradicionais, ele possui um imunizante a ideia é fazer o nosso próprio corpo produzir a proteína do vírus e assim ampliar as possibilidade de produção de anticorpos.
Os casos relatados que afirmam que a vacina provoca uma “ressaca”, como o próprio nome diz são casos e não há nenhum estudo científico que indique algum problema devido a este efeito colateral, quase todas vacinas provocam algum efeito uma febre pequena, um cansaço ou alguma dor no corpo.
Também a antecipação da vacina é possível tanto para a Pfizer como para a coronavac, com a comprovação de uma segunda onda vindo, o número de casos nos EUA cresceu de maneira surpreendente chegando a 76.195 na última quinta-feira (o recorde de 16 de julho foi 77.299) e a Europa já adota medidas de isolamento social para tentar conter a segunda onda, que já anunciaram medidas de fechamento de escolas e restrição de bares e restaurantes.
No Brasil os números também estão subindo, ainda sem medidas concretas, a maioria dos governos estaduais vacilam em tomar medidas duras devido o cansaço da população com as restrições que se prologam, embora nunca tenha havido uma medida dura como um lockdown ou restrição de circulação.
Uma análise comparativa com a segunda onda da gripe espanhola (figura) que matou 50 milhões de pessoas, numa população global bem menor que a atual mostra que a segunda onda pode ser de fato muito pior que a primeira, e também a sazonalidade (outono e inverno na Europa) deve ser considerada.
Culturas saudáveis e talentos
Uma sociedade do cansaço, do medo e de pressões autoritárias podem sufocar talentos, esconder dons naturais que todas as pessoas tem, e que desenvolvê-los dependem de cuidados especiaiscomo dar tempo, espaço e ter sensibilidade para que eles se desenvolvam.
Outro problema grave é a exigência social de eficiência e a pressão por resultados, eles virão naturalmente se houver espaço para aprendizagem, crescimento e respeitos as diferenças culturais e sociais, desde o cultivo na família, passando pela escolaridade e pela estrutura social, somente os dons serão desenvolvidos quando estas estruturas estiverem preparadas para apoiar o talento individual.
Do ponto de vista pessoal é preciso superar muitas vezes sentimento de inferioridade, conversar e procurar apoio em especialistas e setores sociais que possam desenvolver a aptidão que tem, que muitas vezes precisa de aprofundamento vocacional e cultivar os dons que possui até que ele se expresse como um talento.
Todo o trabalho sociológico de Marcel Mauss, em sua Teoria do Dom é para demonstrar que nem sempre é a utilidade, a simples troca por vantagens financeiras que em muitas sociedades transformam os dons culturais e sociais em estruturas sociais saudáveis, onde se desenvolvem naturalmente aqueles talentos que cada pessoa possui, a questão da troca e da reciprocidade são estudadas em algumas culturas antigas.
Ao estudar culturas não europeias, o dom no ciclo virtuoso dar-receber-retornar, Mauss ajudou a desconstruir o universalismo europeu, e pode ser considerado uma das fontes de estudos da decolonização.
Em seu ensaio o antropólogo e sociólogo Maus, percebeu muito cedo este desafio de aproximar uma discussão sobre a relação entre a crítica decolonial e a crítica antiutilitarista como a sua visão do “dom” que pode e deve se desenvolver em harmonia social.
Ao estudar culturas não-ocidentais, Mauss procura demonstrar o valor saudável e “universal” do sistema do dom, sob a forma do ciclo de dar-receber-retornar, existia antes do surgimento do mercado e do Estado e continua a existir, apesar da ideologia utilitarista dominante que buscar enfatizar o egoísmo e o mercantilismo dos talentos.
A parábola bíblica dos talentos, onde um homem ao viajar ao estrangeiro entrega seus bens aos seus empregados, dando “talentos”, embora isto signifique um valor financeiro a analogia com os talentos individuais fica clara no texto, diz a leitura Lc 25,14-15 : “Um homem ia viajar para o estrangeiro. Chamou seus empregados e lhes entregou seus bens. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro, um; a cada qual de acordo com a sua capacidade. Em seguida viajou”, e a parábola afirma que o que recebeu cinco dobrou o seu talento, enquanto o que recebeu um o enterrou para devolver quando o patrão voltasse.
Assim não se trata de igualitarismo, mas de uma livre distribuição de dons e como cada um trabalha seu talento, num contexto saudável no caso da parábola o homem “vai para o estrangeiro”, isto é, cada um pode trabalhar seu talento conforme recebeu, e ao voltar ele dá uma recompensa maior ao que mais trabalhou os talentos que recebeu, porém todos recebem algum “valor” em talentos e tem a oportunidade de desenvolver, também é claro que neste contexto é a capacidade de cada um em receber e retornar os talentos, como Mauss completa o ato do “dar”, criando um ciclo virtuoso.
Dons e talentos
Dons são coisas que fazemos e parece que nascemos com ela, por isso foi traduzido no português como “dádiva”, enquanto talento podemos ter uma aptidão mas ela precisa ser desenvolvida e aprimorada para se tornar realmente um dom, assim recebemos de alguém, de uma estrutura ou cultura e precisamos despendê-lo.
Algumas culturas trazem dons naturais, assim diz-se que aquela cultura tem bons cozinheiros, aqueles são trabalhadores natos, porém uma cultura nociva ou pouco natural pode não desenvolver os talentos e até dependendo de estruturas autoritárias, sufocá-la, mas também de modo branco uma cultura pode deteriorá-los.
Dons artísticos, estéticos e até mesmo morais dependem de uma cultura que propicie seu desenvolvimento e os tornem talentos que possam ser “doados” a população de um modo geral, qualquer cultura que sufoque dons naturais está em retrocesso e pode até mesmo perder suas raízes originárias, assim muitos povos que foram colonizados, marginalizados ou inferiorizados sofrem este tipo de mutilação, porém há sempre uma maneira de resistir.
Também estruturas sociais, educacionais e religiosas podem sufocar dons naturais, e com isto os talentos que devem ser desenvolvidos não afloram, percebem o processo de crise que vive, mas não percebem a raiz e o ponto focal da crise, matam os talentos e sufocam os dons naturais que em geral resistirão, a obra de Picasso “Guernica” (foto) é ícone da resistência espanhola ao autoritarismo, só voltou a Espanha quando a democracia se estabeleceu.
É a principal característica de um sistema autoritário, sufocar os talentos e tentar controlar os dons, assim poucos artistas sobreviveram tanto no stalinismo soviético como no nazismo e regimes totalitários que serviram de apoio, como o franquismo espanhol e o fascismo italiano, mas também a modernidade perece deste mal.
A arte é sempre um momento de resistência, Byung Chul Han desenvolveu o conceito de Jardim Secreto, onde é possível cheirar, apalpar e as coisas, sem mediação das mídias, uma forma de recuperar o que ele chama de “beleza original”, o termo é bom, mas deveria ser conjugado com o conceito de dons originários.
Também Da Vinci afirmou que a “lei suprema da arte é a representação do belo”, já para Kandinsky: “É belo o que procede de uma necessidade interior da alma”.
Segundo Aristóteles “o belo é o esplendor da ordem”, porém por causa da associação desta palavra ao positivismo, faria uma paráfrase dizendo que o belo pode contribuir para uma harmonia originária que nos leve ao bom e belo como pretendia Platão, um diálogo que leva a alma para além do mundo físico, então ali se encontra o dom, a parte da cultura originária de cada pessoa e de cada povo.
Conjugando dom e talento, temos um dom natural que ao desenvolver-se dentro de uma cultura propícia torna-se um talento e nos eleva enquanto Ser.
A teoria do dom
Deixamos uma questão ao final do post anterior (Poder e dom), como os dons poderiam servir a sociedade, e há estudos sociológicos a respeito.
Marcel Mauss, junto com seu tio Emile Durkheim foram animadores da Revista francesa Année Sociologique, e ele foi o principal sistematizador da teoria do “dom” que foi traduzida para o português como dádiva, em inglês é ainda pior porque tornou-se teoria do presente (gift em inglês), pensamentos importantes para os fundados de solidariedade e de alianças fraternas nas sociedades contemporâneas.
Alain Caillé, fundador e editor da Revue du M.A.U.S.S. (Movimento Anti‑Utilitarista nas Ciências Sociais) e um dos propagadores do pensamento de Marcel Mauss na atualidade afirmou que esta teoria “fornece as linhas mestras não apenas de um paradigma sociológico entre outros, mas do único paradigma propriamente sociológico que se possa conceber e defender” (Caillé, 1998, p. 11).
O livro de Marcel Mauss Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (2003), trouxe entre muitas contribuições a ideia sociológica que o valor das coisas não pode ser superior ao valor da relação e que o simbolismo é fundamental para a vida social.
O surgimento de uma obrigação moral coletiva envolvendo os membros de uma sociedade, supõe aspectos tão diversos desde a troca de mercadorias como a simples troca de um mero sorriso, é preciso ressaltar a complexidade das motivações e as modalidades das interações para não reduzi-las ao simplismo das ideias puramente econômicas, aquilo que chamou de homo economicus.
As noções de honra e prestígio perpassam a economia da dádiva, sendo essenciais para garantir a circularidade e reversibilidade das trocas.
O Ensaio sobre a dádiva inaugura uma profícua tradição de estudos sobre a reciprocidade e a circulação das coisas, ampliando o tema da aliança, central na Antropologia francesa a partir da obra de Claude Lévi-Strauss (1908-2009), e que conhece leituras específicas nos trabalhos de Maurice Godelier (1934-) e de Pierre Bourdieu (1930-2002), ele elabora não apenas a teoria do dom ou do doar, mas a tríplice obrigação do dar, receber e retribuir, a partir da análise de diversos povos que estudou.
Em seus estudos os bens circulam entre clãs e tribos seguindo a regra de que, quanto mais grandiosas as doações, maior prestígio concedido a seus doadores, porém as prestações devem ser retribuídas, se não imediatamente, em momento posterior, assumindo um caráter disfarçadamente desinteressado ou informal.
Conforme seu estudo, isto ocorre com os taonga na Polinésia (foto), com os vaygu’a na Melanésia e com os cobres brasonados no noroeste americano.
Esta ideia de dom (ou dádiva como foi traduzido) é a que aquilo que temos seja como valor ou como talento pode ser dado, retribuído ou recebido.
CAILLÉ, Alain. “Nem holismo, nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva”, Revista Brasileira de Ciências Sociais.1998.
MAUSS, Marcel, Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques, Paris, PUF, 2007 (Trad. Bras. Paulo Neves. São Paulo, Cosac Naify, 2003)
O poder e os dons
É possível que alguém que tenha dons muito especiais tenha também poder, mas apenas como um serviço a determinado grupo e em certo contexto, as duas coisas pouco se confundem, e confundi-las é quase sempre um artificio demagógico.
Pessoas sabias receberão cargos ou estarão em estruturas de poder apenas por mérito, ou porque há uma necessidade de seus dons para aquela estrutura ou centro de poder, porém se são pessoas que desejam o poder a todo custo, raramente terão os dons necessários para aquilo para a qual são designados.
O poder já foi estudado na filosofia de diversas formas, na polis grega ele era um convite a cidadania, porém quase todos os filósofos (é claro depois de Socrátes e dos sofistas) deveriam se formar em valores e ter virtudes que contribuiriam para um cargo dentro da polis grega.
Entre os filósofos contemporâneos Max Weber definiu poder como a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos, enquanto para Marx o poder reside naquele que possui os meios materiais de produção de capital, que na sua época era as fábricas e as terras, mas hoje seriam as grandes corporações, os donos das mídias verticais (TVs, Radios, etc.) enquanto para Michel Foucault o poder na contemporaneidade não se encontra centralizado, mas dissolvido na sociedade, também criou o conceito de biopoder, enquanto as práticas pelas quais os estados modernos procuram regular os sujeitos e “obter a subjugação dos corpos e controle de populações”.
Peter Sloterdijk escreveu sobre a situação “timótica” de nosso tempo, o termo “thymós” está na base da teoria de Platão para designar os “órgãos” de onde nascem os impulsos, as excitações, as afecções mais inflamadas, parecem de fato algo comum em nossos tempo, não reagimos com reflexão as situações de poder e de comando para quase sempre emocionalmente, por impulso.
Byung Chul Han, que foi aluno de Sloterdijk escreveu sobre o psicopoder, influenciado pelas mídias verticais e claro também presentes nas mídias de redes sociais, onde o estado de alta tensão timótica é instaurado pelas sucessivas e repetitivas notícias que garantem este estado.
Os dons pessoais, coletivos ou sociais de cada pessoa ficam submersos a estas estruturas de poder e propaganda, semelhantes ao fascínio que exerceram os discursos de ditadores e populistas no período da guerra e posteriormente, e não podemos imaginar que isto esteja longe da realidade atual.
Quais são os dons daqueles que poderiam servir a população se não estiverem subjugados a este ou aquele grupo de pressão, é cada vez menos plausível, então o palco para demagogos e populistas está em aberto, e os ditadores estão a espreita.
Pandemia e suas segundas ondas
Na história houveram oito pandemias deste tipo desde 1700, vamos notar que pelo menos sete tiveram uma segunda onda em alguma parte do mundo, conta os registros de infectologistas, porém temos na memória a Gripe Russa (de 1889 a 1890), com a Gripe Espanhola (de 1918 a 1919), a Gripe Asiática (de 1957 a 1958), a de Hong Kong (1968 e 1969) e mais recentemente a Gripe Suína (de 2009).
A segunda onda da covid-19 na Europa está se espalhando de modo mais rápido do que a primeira, afirmou o infectologista Arnaud Fontanet, conselheiro científico do governo francês par ao combate a pandemia, enquanto a mutação do vírus se espalhou a partir da Espanha é já é 80% dos novos casos registrados.
A segunda onda pode ocorrer por vários motivos, entre eles o comportamento humano, que significa como lidamos com o vírus e sua sazonalidade, também o número de pessoas suscetíveis, duração de imunidade e mutações (como a da segunda onda na Europa) são outras possíveis explicações para esta onda.
O comportamento é fácil de explicar, dificilmente em países mais liberais as pessoas estarão menos propícias a aceitar as privações do isolamento, já a sazonalidade pode ser entendida como picos em diferentes estações do ano, na Europa os picos são o outono e o inverno que acontece agora, enquanto no Brasil varia de acordo com a região: o Norte e Nordeste tem períodos mais chuvosos, no Sudeste e no Sul que se iniciará em março de 2021.
A promessa de uma vacina “mais rápida” é temerosa, os especialistas que respeitam o período de testes entendem que será muito difícil uma vacina antes de julho do ano que vem, e devemos respeitar e ser prudente com o período de testagem, equívocos de uma vacina podem ser mais graves que a própria pandemia.
Se a segunda onda ocorrer, a intensidade e a gravidade vão depender de nossa capacidade de aplicar medidas de intervenção e coordenação das medidas em um mundo que polarizou até mesmo questões básicas como saúde, alimentação e seguridade social, disto dependerá se a segunda onda seja mais grave que a anterior.
A principal função de esclarecer a segunda onda, o processo regulamentar de testagem das vacinas e as medidas preventivas é mantar a calma e a confiança da população de que está havendo um combate aos estragos provocados pela pandemia, é difícil, porém sem isto teremos um caos social cada vez maior.
Uma cidadania planetária
A crise pandêmica mostrou que nossos problemas mais sérios são globais, afetam todo planeta, a segunda onda que já está na Europa não tardará a chegar nos diversos continentes, se é que já não chegou em pequenas doses, elas nos levam a pensar planetariamente o que parece difícil com a polarização política.
O que é preciso é abandonar velhas propostas, e tornar possível a convivência da liberdade privada com as fortes urgências sociais, a proposta do banqueiro dos pobres Mohanmmad Yunus vai nesta direção, eliminar a pobreza, a emissão de carbono e garantir empregos para todos, tornou-se na pandemia mais urgentes.
Não é a proposta única, é claro, outra como economia solidária, criativa, grupos de cooperativas de pequenos agricultores, podem compor uma ecossistema produtivo capaz de se adaptar a interesses e vocações locais de produção e de vida humana, é preciso sobretudo sair do excesso de consumo e do stress social.
Não é menor nem desprezível os aspectos culturais nos quais se incluem as religiões e crenças (no sentido lato da palavra) dos povos e nações, faço distinção porque muitas nações já tem em seu interior povos de origens culturais diferentes, o que aqui se chama de cultura originária, nas quais incluem-se também as indígenas.
Não há um concerto claro de como isto pode ocorrer, um amplo diálogo pan-nacional (o que dissemos a pouco de “povos”) é fundamental para organizar um novo ecossistema social aonde o fundamento da seguridade social aliado a liberdade pessoal esteja como premissa para traçar este futuro.
Por enquanto, como uma família que desorganizou as contas da casa, e colhe muitos dissabores desta desorganização, ainda há ditaduras de diversas ideologias no planeta, guerras como tentativas de submissão cultural, novos tipos de colonialismo, embora tenha surgido uma forte corrente de decolonização (o termo é esse), o que acontece no planeta pode ser uma ruptura em situações graves e própria “casa comum” pode reagir, o que já chamamos de mutação aórgica.
Uma passagem bíblica fala sobre a sabedoria e os que a procuram, ela é um estágio acima da simples inteligência, é preciso estar aberto ao novo e deixar também o que ela “entre”, diz o livro da Sabedoria (Sb 6,13-15): “Ela até se antecipa, dando-se a conhecer aos que a desejam. Quem por ela madruga não se cansará, pois a encontrará sentada à sua porta. Meditar sobre ela é a perfeição da prudência; e quem ficar acordado por causa dela, em breve há de viver despreocupado”.
Assim a sabedoria está aliada ao dom da “prudência”, e meditar sobre ela é “a perfeição da prudência”, a ignorância cria apenas fanatismos e crueldades.
Crise civilizatória e morte
Retomando o pensamento de Pablo Picasso que o pior perda da vida não é morrer, mas morrer enquanto vivemos é a que melhor explica o estado civilizatório, mesmo os que devem a fraternidade, o diálogo, o planeta como casa comum parecem sem esperança e por isso cansados, não aquele da Sociedade do Cansaço que é parte uma crise, mas aquele de quem deixou de encontrar o que une, o positivo e o verdadeiro na vida.
Dir-se da pós-verdade, o sofisma é pré-socrático, e a mentira pública também já foi veiculada por jornais e meios televisivos, conforme o lado político que tomam, no fundo todos acabam concordando que se não está do lado politicamente correto, não é verdade, então ficamos no relativismo e no dualismo, mesmo aos que pregam contra, Edgar Morin tem razão é uma crise do pensamento, e Peter Sloterdijk também “não é um tempo favorável ao pensamento”, é mais fácil tomar um lado, embora hajam erros e acertos em vários lados, porque não são apenas dois.
Vi no Instagram que dois vídeos muito populares são de uma jovem artista que faz fantoches com esqueletos, pássaros e figuras fúnebres e outro de uma menina cujo cabelo foi decorado como um cemitério (figura acima), é uma triste realidade os pós-góticos parecem dominar a fantasia juvenil.
Em reportagem a BBC do dia 31 de outubro, o banqueiro dos pobres Muhammad Yunus declarou: “Precisamos redesenhar o sistema garantindo uma nova economia de três zeros: zero pobreza, zero desemprego e zero emissões líquidas de carbono. E sabemos como fazer. O problema é que somos muito preguiçosos e estamos muito confortáveis no sistema que temos, não queremos sair da nossa zona de conforto”, é um novo pensar pode não dar certo, mas sem dúvida as pessoas, os pobres e o planeta precisa de respostas, as velhas criam mais polarização e equívocos, além de pós-verdades, neste caso com um novo sentido, do ponto de vista ideológico elas foram verdades um dia, hoje são pós-verdadeiras.
Há situações e penso que o próprio planeta poderá reagir, uma reação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, afinal viemos do pó, de alguma reação química e com certeza se não mudarmos a rota iremos voltar ao pó, não aquela fatalidade da vida, a morte pessoal física, mas o morrer em vida.
A pergunta que fica é se esta reação do inorgânico planeta poderia mudar algo no orgânico humano, a sua mente, o seu ser, para algo melhor.
Como prestar contas de nossas faltas
Todos cometemos faltas, se é verdade que não podemos enganar a vida com a morte, dizia o poeta Goethe, não podemos deixar de reconhecer a fatalidade da vida que é seu ocaso final.
Não há nenhuma contestação a fazer, ninguém ficou para semente diz um ditado popular brasileiro, e não sabemos o que há do outro, exceto para os que creem.
Durante anos da vida caminhamos desatentos com pequenas e grandes faltas, a maioria delas empurramos para debaixo do tapete, outras vezes justificamos nem sempre de maneira justa e convivente as faltas que tivemos, atribuindo a culpa ao Outro, porém o que fazer diante de um momento que devemos reconhecer aquilo que não fizemos bem e que podemos ter prejudicado muitas pessoas.
Leon Tolstói descreve em “A morte de Ivan Ilitch” um homem diante da morte, que vê os parentes mais preocupados com a herança do que com a própria vida dele, descreve no livro: “Chorou como uma criança. Chorou por causa do seu enorme enfraquecimento, e terrível abandono em que a família o deixava e pela crueldade e ausência de Deus.”
Claro que nem todos se lembrarão da ausência de Deus, é uma espécie de sacramento da ignorância, mas há também aqueles que mesmo tendo “praticado” uma religião terão dificuldades de perceber suas faltas e assim terão dificuldades de prestar contas delas.
Mesmo as alegrias da vida parecem distantes num momento e que todos estaremos muitos frágeis, descreve Tolstoi no seu conto: “Quanto mais se afastava da infância e se aproximava do presente, mais insignificantes, mais duvidosas eram as alegrias.”
Seria bom que por um evento sobrenatural pudéssemos ter clareza de nossas fraquezas e tempo para redimi-las, mas nem todos terão, talvez algo possa acontecer.
Seria uma grande prova da existência e Deus e a ideia que é possível a humanidade ter salvação, a crise pandêmica é maior porque existe uma crise civilizatória.