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Arquivo para novembro, 2021

Forma e ato

16 nov

Informação é uma palavra forte neste momento da história, porém o conceito de forma de in-formar parece estar separado do conceito de matéria, hylé para os gregos e se torna dados apenas.

A filosofia moderna separou a forma do conteúdo, assim como se separa um rótulo do ingrediente que existe num frasco, mas isto vem da compreensão reduzida do que é a matéria, o hylé dos gregos, cujo pensamento na terminologia aristotélica interliga-os no hilemorfismo (ὕλη, hýle = “matéria”; μορφή, morphé = “forma”).

Para que isto tenha um alcance antropológico, necessário ao discurso da diversidade cultural, é preciso ligar ato e potência, como o fez Tomás de Aquino, onde matéria não é aquilo que hoje designamos assim (como a substância por exemplo), mas sim aquilo que é como possibilidade ou em potência, escrito assim por Tomás: “matéria est id quod est in potentia” (matéria é aquilo que é em potência) (TOMÁS, ST I q.3 a.2 c), em termos atuais, enquanto se não é ato, é apenas um dado.

Assim o ato é a existência de fato, ou a atuação em si, ou seja, “forma est actus (forma é ato) (ST I q.50, a.2, obi.3).

Assim a articulação dos binômios potência x ato e matéria x forma deste modo, “matéria não é senão potência, já a forma é aquilo pelo qual algo é, pois é o ato” (TOMÁS, ScG II, c.43), estas categorias dão uma distinção da metafísica fundamental, e antropologicamente significam que uma coisa é a possibilidade de existir ou atuar: potência ou matéria, outra coisa é de fato existir ou atuar: ato ou forma.

Algumas teologias modernas querem separar corpo e alma, isto é sem fundamento escatológico e bíblico, senão a figura humana de Jesus seria dividida em duas: a divina e a humana, que estariam em oposição e lutariam uma contra a outra, e por isto que a antropologia cristã deve ser rigorosamente unitária, como o é em Tomás de Aquino.

A existência de um corpo na condição humana é a união entre a potência e o ato, entre a matéria e a forma (vista neste novo aspecto ligada ao conteúdo e essência), sem a sua existência de fato (forma) o corpo nem sequer existia, mas só a possibilidade de existir (em potência) o faz existir em ato, esta unidade é radical, já que a condição necessária para sua existência é o corpo. isto é fundamental para compreender a antropologia cristã escrita de forma clara por Tomás: “O ser humano não é apenas alma, mas algo composto de alma e corpo” (TOMÁS, ST I q. 75 a 4c), se por um lado todo materialismo (que não é hilemorfismo) nega a existência da alma, muita má teologia procura negar a existência do corpo, é a relação dualista moderna, cristalizada em objetividade e subjetividade, no qual ambas saem mutiladas.

Segundo Tomás de Aquino, os corpos vivos humanos e a existência de fato (forma, chamada também por ele de alma intelectiva) é imortal, ao contrário dos demais corpos vivos não humanos, cuja existência tem início e fim, não o fim escatológico, mas o fim finalista de uma interrupção, pois todos os humanos morrem, e para ele a morte é explicada como uma deficiência provisória pela qual passamos apara uma existência imortal e ultrapassamos a deficiência radical do corpo vivo através da morte.

Dito de maneira mais clara: “Que a alma permanece após o corpo, isto acontece por uma deficiência do corpo [per defectum corporis] que é a morte.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica São Paulo: Loyola, 2001-2006. 8 v.

 

A pandemia ainda não acabou

15 nov

É triste e angustiante a constatação, mas a pandemia ainda não acabou, a Europa vive grande preocupação com a covid-19 e no Brasil onde os números ainda não baixaram da casa de 260 óbitos diários, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) registrou um aumento em crianças nos casos do vírus sincicial respiratório (VRS) com registros superiores a Covid 19.

Embora o aumento de casos em países como a Alemanha, Rússia, Hungria, Eslováquia e República Checa, a Rússia bateu novo recorde de infecção e mortes na semana passada (Ela tem apenas 34% da população vacinada), a preocupação é crescente com a chegada do inverno, e na Áustria o governo decretou lockdown para pessoas não vacinadas.

Na Rússia a medida tomada foi um recesso nacional de 30 de outubro a 7 de novembro, na Alemanha o diretor da virologia do hospital Charite, de Berlim enfatizou: “Temos uma emergência real agora”, pois o país registrou quase 40 mil casos da covid, o maior desde o início da pandemia, e fez uma previsão alarmante, 100 mil pessoas podem morrer.

No Brasil, embora ande em ritmo menos acelerado do que no período anterior de vacinação da vacina, o número aumenta e em muitos lugares há uma procura pelas pessoas que não vieram para a segunda dose. perto de 59% da população brasileira está totalmente imunizada e quase 80% já receberam a primeira dose, os dados são do consórcio de veículos de imprensa e foram divulgados as 20h deste domingo (14/11).

Sete estados brasileiros estão em alta após uma forte queda no mês anterior: Santa Catarina, Pará, Roraima, Rondônia, Bahia, Ceará e Piauí, um caso que chamou a atenção foi o de Serrana onde o governo paulista fez uma vacinação em massa tentando tornar a cidade modelo de vacinação, houve 563 casos no último mês e o número tão alto (a cidade tem 45.644 habitantes) não teve uma explicação clara (veja a foto, dados oficiais da secretaria do município).

As festas de fim de ano se aproximam e a preocupação é com a vigilância que inexiste em espaços públicos (shows, shoppings, supermercados, etc.) e um repique da doença traria não só um agravamento sanitário, mas alargaria a crise social que já atinge níveis insuportáveis, não há medidas em torno deste agravamento, a alta de preços está aí.

Outro fator preocupante é agora a saúde psicológica da população submetida a um stress alto e a uma constante pressão de preocupação com a doença sem políticas claras, já é possível observar muitas pessoas com alterações: angústia, tensão, depressão e atitudes antissociais, a superação da crise exigirá muitos esforços públicos.

É fácil observar nos mercados e no consumo diário um aumento do alcoolismo e uso de medicamentos, as festas de fim de ano poderiam melhorar este aspecto, mas a crise social não ajuda, as festas deverão ser modestas ou em festas não natalinas onde o exagero e as bebidas permitem que se estravassem as energias contidas na pandemia.

 

Distancias em anos luz eventos em milhões de anos

12 nov

Se numa escala da vida humana falamos no máximo em centenas de anos, numa escala planetária devemos falar em milhões e até bilhões de anos, se em termos de distância podemos falar em milhares de quilômetros na escala planetária, em termos astronômicos esta escala são milhões de anos-luz, o tempo que a luz percorre por ano.

Isto nem quer dizer que eventos extraordinários não aconteçam, porque em termos de vida planetária e universal já se passaram bilhões de anos, portanto em algum ponto do tempo isto poderá acontecer, como o fim dos dinossauros, a era glacial e mudanças na geologia do planeta que já ocorreram, e nem que isto ocorrerá amanhã ou nos próximos anos, porém em algum ponto do tempo eles podem ocorrer.

O vulcão da ilha de La Palma dá sinais de que pode estar encerrando sua erupção, assim as catástrofes que eram sugeridas (em hipótese e com rara possibilidade de ocorrer) não irão acontecer, porém também não quer dizer que outras em algum outro ponto do planeta não possa acontecer, terremotos e eventos climáticos tem ocorrido e causado tragédias, como a de Fukushima no Japão em março de 2011.

Também esta pandemia parece estar no final de seu ciclo, embora a Europa esteja alerta, porém lá mais que aqui o número de pessoas que resistiram a vacina é muito grande.

Devemos estar sempre alerta, a vida no planeta corre risco sim, o problema do equilíbrio ambiental, o problema social decorrente da crise pandêmica, porém que já era enorme antes dela, o eterno perigo das guerras pelas disputas de mercado e pela intolerância religiosa está sempre a nos rondar.

Um grande acordo internacional que unisse os povos e que estabelecesse tréguas em conflitos, que realizasse a solidariedade entre os povos e resolvesse o equilíbrio ecológico, poderia ser um grande alento para uma civilização em crise.

Em termos espirituais significa que a humanidade deve evoluir também neste ponto, e os sinais não são os melhores, então não se trata de apocalipse ou ameaça, quando o espirito humano libera toda energia contrária ao seu bem estar e progresso caminha para um abismo e para tragédias, o dia em que uma grande noite cairá sobre os homens parece então estar próximo, assim diz a leitura bíblica (Mc 13,24-15): “Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a luz não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céus serão abaladas”, porém a leitura logo em seguida também indica (Mc 13,32): “quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai”.

Portanto vivamos a vida e vamos favorecer o que seja bom para toda a humanidade, não apenas para grupos ou ideologias, a vida precisa continuar e é preciso lutar por ela.

 

A evolução das estrelas e as anãs brancas

11 nov

A evolução de uma estrela como o Sol, passa da fase gigante para a supergigante e ejeta uma nebulosa planetária e depois transforma-se em uma anã branca quando está perdendo sua energia e seu brilho.

A base dos cálculos da evolução estelar é chamada de Equilíbrio Hidrostático pelo qual a pressão do gás contrabalança a gravidade, na maior parte da vida das estrelas, já que se não houver este equilíbrio ou tempo dinâmico ela entra em colapso, assim estrelas têm reações nucleares em alguma etapa da sua evolução, as que não tem são as anãs marrons.

Usando o rádio-observatório ALMA, no Chile, que estudam uma dúzia de gigantes vermelhas, o estágio evolutivo em que as estrelas se aproximam da morte, elas liberam uma enorme quantidade de energia, produzindo um vento estelar constante, ou seja, ejetando um fluxo de partículas que lança a massa da própria estrela para todas as direções, e estas são as bases de suas imagens espetaculares.

Se fossem nebulosas solitárias elas teriam só formatos concêntricos, porém a presença de outras estrelas companheiras e até planetas que orbitam as gigantes vermelhas, a influência de seus campos acaba formando outras imagens, influenciadas pelo objetos ao redor, dando configurações e cores específicas.

Um dos cientistas do projeto Carl Gottlieb, co-autor do estudo “(Sub)stellar companions shape the winds of evolved stars” afirmou: “Agora temos uma visão sem precedentes de como as estrelas como o nosso Sol, irão evoluir durantes os últimos estágios de sua evolução”, é claro isto numa escala de milhões e até bilhões de anos.

O paleontólogo e teólogo Teilhard Chardin disse que na escala do Cosmos: “só o fantástico tem a condição de ser verdadeiro, as nebulosas planetárias formam incríveis imagens cósmicas que mais parecem pinturas divinas e se formam ao redor de uma estrela que atingiu o estágio de gigante vermelha, e recentemente cientistas descobriram porque suas formas são únicas.

 

O que são os buracos negros ?

10 nov

Buracos negros são regiões no espaço-tempo (nem o espaço nem o tempo são absolutos como pensam os idealistas), onde o campo gravitacional é tão intenso que nada do que conhecemos, nenhuma partícula ou radiação eletromagnética como a luz, pode escapar dele, a teoria da relatividade geral de Einstein previa isto como o cálculo de uma massa extremamente compacto que deformaria o espaço-tempo para formar um buraco negro.

Em 10 de abril de 2019, um gigantesco buraco negro foi “fotografado” (figura), alojado no coração da galáxia Messier 87 (M87) localizada a 55 milhões de anos luz de distância foi fotografado, sob o aspecto de um círculo escuro cercado por um anel flamejante.

Esta foto na verdade usou um algoritmo computacional, uma vez que os cientistas não podem observar diretamente com os telescópicos que usam para detectar outros corpos usando raio X, luz ou outras formas de radiação eletromagnética, mas podem inferir detectando a interferência em corpos ao lado de matérias próximas, assim se um buraco negro passar por uma nuvem de matéria interestelar, ele atrairá a matéria para dentro em um processo conhecido como acréscimo, ele primeiro aquece e depois é dilacerada na medida que vai em sua direção, tendo assim uma interferência dramática nos corpos na sua vizinhança disparando rajadas poderosas de raios gama.

A formação de buracos negros é até agora conhecida como resultado de colisões estelares, logo após o lançamento em dezembro de 2004, o telescópico Swift da NASA observou poderosos flashes de luz que eram rajadas de raios gama, e logo após o evento Chandra e o Telescópio Espacial Hubble da NASA coletaram dados do “pós-brilho” deste evento o que induziu os cientistas concluírem que poderosas explosões ocorrem quando um buraco negro e uma estrela de nêutrons colidem, produzindo outro buraco negro.

Mesmo sendo conhecido o processo básico de formação dos buracos negros, um mistério permanece que é que eles existem em escalas radicalmente diferentes, espalhados por todo o universo, por um lado existem muitos remanescentes de explosões de estrelas massivas, eles são geralmente 10 a 24 vezes maiores em “massa estelar” que o Sol, outros são pequenos e difíceis de detectar, mas cientistas estimam que existam de dez milhões a um bilhão destes buracos só na Via Láctea.

Noutro extremos estão os buracos negros “supermassivos” que são milhões até bilhões de vezes mais massivos que o Sol, os astrônomos acreditam que eles podem estar no centro de todas grandes galáxias, incluindo a nossa Via Láctea, a observação é possível a partir dos efeitos nas estrelas e nos gases próximos a ele.  

 

Planetas, Exoplanetas, Anãs Marrons e estrelas

09 nov

Os planetas como nós conhecemos são os corpos celestes que giram em torno de um campo gravitacional composto de pelo menos um sol (pode haver mais de um), já o exoplaneta orbita uma estrela que não é um sol, até 21 de setembro de 2021, eram conhecidos 4841 exoplanetas em 3578 sistemas, com 796 sistemas tendo mais de um planeta.

Uma estrela em geral tem mais de 80x a massa de Jupiter, entretanto existe estrelas menores e com menos brilho conforme mais velhas forem, elas tem uma massa de 13 a 80 vezes a de Jupiter, e os astrônomos já encontraram cerca de 2 mil em nossa galáxia, a Via láctea.

Em geral as anãs marrons são novas, entretanto recentemente foi descoberta, por acaso como a maioria das descobertas astronômicas, um corpo chamado de WISEA J153429.75-104303.3, com mais de 13 milhões de anos, como foi fortuita sua descoberta ficou apelidada de “O acidente”.

A idade é interessante porque pode nos falar algo da origem do universo, ou da origem deste universo no caso de haver um multiverso, porém pela sua idade dará muitas pistas.

Uma anã marron é um corpo maior que qualquer planeta, mas pequeno e frio demais para ser uma estrela, isto ocorre porque a anã não tem massa suficiente para fundir o hidrogênio em seu núcleo, e assim liberar energia estelar, com a idade vai esfriando.

A anã marron tem características diferentes das outras, não tem sequer o brilho tênue (veja abaixo uma imagem da detecção), e isto intrigou os cientistas, disse Davy Kirkpatrick: “este objeto desafiou todas as nossas expectativas”, um dos coautores da descoberta Publicada no Astrophysical Journal Letters.

Outros dois fatos surpreendentes do “Acidente” é que ele está a cerca de 53 anos luz de distância do Sol, quase vizinho ao Sistema Solar, e percorre a galáxia de modo muito rápido, a cerca de 207,4 k/s, ou seja, 25% mais rápido que qualquer outra anã marrom.

O misterioso universo nos faz não apenas pensar sobre a origem e o destino de tudo que existe, mas também sua originalidade e beleza que emanam de algo superior a nós.

 

Porque a Covid 19 não acabou

08 nov

Na quinta feira passada Hans Kluge, diretor da OMS para a Europa afirmou que 53 países da região estão enfrentando “uma ameaça real do ressurgimento da COVID-19” e encorajou os governos da região tomarem medidas urgentes, na China o governo aconselhou inclusive a população a estocar comida, a nova onda é devido a variante delta.

Na Alemanha, 66,5% da população está totalmente vacinada, mas de acordo com o RKI (Instituto Robert Rock, responsável pelo controle de doenças infeciosas), há mais de 3 milhões de pessoas com mais de 60 anos que não se vacinaram e o risco é alto, e na última sexta-feira registrou pouco 37.000 infecções, um número recorde, já a Rússia registrou 40.735 novos casos e 1192 mortes relacionados ao vírus na última sexta-feira, segundo dados do próprio governo.

França, Holanda, Itália e Inglaterra registram altas de infecções, Portugal tem uma alta apesar de ter a mais alta taxa de vacinação do mundo (quase 90%) e somente a Espanha não teve alta de infecções, o problema deve-se além da variante delta, a baixa taxa de imunização.

Na China o surto que ainda é em número pequeno atingiu diversas regiões do país, e o governo chegou a aconselhar a população a fazer estoque de alimentos.

O Brasil tem 58,2% da população totalmente vacinada, enquanto 76,3% já tomaram ao menos uma dose, a margem de segurança ainda é pequena para uma liberação geral que já aconteceu, não há mais controle de temperatura e aglomerações o que é preocupante, o país ainda está na faixa das 300 mortes diárias, e acima de 11 mil infecções.

A vacinação continua, o país recebeu neste domingo 1,1 milhão de doses de vacina contra a Covid 19 no aeroporto de Viracopos, apesar de algumas correntes criticarem a qualidade da vacina, não há critérios científicos para esta crítica.

O ministério informou que o número até o final de semana era de 122,3 milhões de pessoas imunizadas, e a população alvo é de 177 milhões de pessoas.

A dose adicional para grupos de idosos, a chamada “terceira dose” atingiu 8,9 milhões de doses adicionais, segundo o Ministério da Saúde.

Olhando o cenário da Europa é bom não relaxar e devemos continuar o esquema da vacinação completa, somente uma dose não garante a imunidade, mesmo no caso da Janssen está sendo aplicada uma dose de reforço.

 

A paz e alguns conceitos

05 nov

A Paz é desejada, mas raramente cultivada, sempre que se quer prevalecer uma determinada visão de mundo, ou uma cosmovisão no sentido filosófico mais profundo, na verdade está se preparando um conflito onde pontos divergentes não podem encontrar um horizonte comum.

A pax eterna romana, foi a submissão dos territórios ao império romano, a paz da Vestfália (1648) foi um acordo político para que as cosmovisões cristãs em conflito (romana e luterana) não provocassem guerras entre os reinos monárquicos na época, mas foi o tratado dos Pirineus (1659) que decretou paz entre França e Espanha, a etapa final do conflito e por isto é também parte da paz da Vestfália  (na foto a divisão Europa deste período).

Este tratado foi uma noção embrionária para o conceito de paz eterna, vindo do idealismo, que vai se aprofundar no Congresso de Viena (1815) e o tratado de Versailhes (1919).

O conceito de Paz Eterna foi elaborado por Immanuel Kant, como um dos ideais da Revolução Francesa, o estado de paz mundial criava na verdade o conceito de uma “república” única, capaz de representar as aspirações naturalmente pacíficas de povos e indivíduos, este conceito além de neocolonizado (e assim incorpora conceitos da pax romana) está fundamentado numa cosmovisão ocidental e não engloba os conceitos do mundo árabe e oriental, além de desconhecer os conceitos dos povos originários.

A paz numa cosmovisão mais ampla implica aceitar as diferentes visões de relação com a natureza e com os outros povos, diz Caio Fernando de Abreu em Pequenas epifanias: “exigimos o eterno do perecível, loucos”, porque só num modelo de cosmovisão ampla que englobe a paz poderíamos caminhar para uma nova realidade humana e natural.

Numa correspondência trocada entre Freud e Einstein, intitulada “Porque a Guerra?” de 1933 e que foi proibida pelo Terceiro Reich, no texto Freud a questão da interioridade, isto porque muitos que falam de paz querem e provocam a guerra, insistem em suas cosmovisões e querem submeter as outras, assim não colocam a questão da anterioridade, a qual se constitui em entender, considerar a guerra como um conceito quase universal e trans-histórico, mas que se origina na interioridade humana: ambição e poder.

A leitura freudiana, também Lacan fará isto mais tarde , é inscrever a paz de uma maneira inversa da perspectiva kantiana, abordando a questão do infinito, e também escapa de qualquer forma de consideração moral, a reflexão psicanalítica é a possibilidade do poder continuar a se confrontar, para desenvolver uma abordagem nova da coisa “política”.

Há trata-se do bem comum, também mas não só, uma segunda leitura das cartas de Freud e Einstein, acrescenta-se “porque a escolha da guerra”, assim a prévia da existência da guerra em si, fenômeno, processo ou fato que não é possível erradicar ou substituir, pode tornar-se uma busca olhando a ambição humana menos ou mais claramente anunciada, descobrindo a natureza, a essência e a razão de ser, é assim portanto uma questão ontológica de “escolha” da guerra e não da paz, muitas vezes difícil de ser encontrada, mas que deveria ser um desejo primário.

 

FREUD, S. (1995) “Pourquoi la guerre? Lettre d’Einstein à Freud”, in OCP, v.XIX. Paris: PUF.

 

O grito dos aflitos

04 nov

Em muitos momentos de dificuldades pessoais, conflitos mundiais e tragédias naturais sempre aparente um grito de desespero e dor, porém o nosso tempo é de um grito silencioso daqueles que perdem a razão de viver, também a pandemia provocou em muitos angústia, solidão e desespero.

O famoso quadro O grito do norueguês Edvard Munch (figura) representa uma figura andrógina num momento de profunda angústia e desespero, tendo ao fundo o fiorde de Oslo ao pôr do Sol, caracteriza bem o que significa aflição em nosso tempo, além da miséria e da falta de solidariedade, a angústia e ansiedade da figura pode ser do próprio autor, a frase escrita no alto do quadro: “só pode ter sido pintado por um louco”, analisada pelo Museu Nacional de Oslo concluiu que era mesmo do autor.

O aspecto de ansiedade permaneceria velado, não fosse esta análise, uma vez que o autor declarado em certa ocasião: “tenho sofrido um profundo sentimento de ansiedade que tentei expressar em minha arte”, e isto reflete nossos medos contemporâneos.

A TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) é um dos sintomas deste quadro, que pode ser também bipolaridade ou algum outro tipo de descontrole, este tipo foi chamado genericamente por Freud de Ansiedade Neurótica, mas há outras duas: a Realista e a Moral.

A ansiedade realista refere-se ao medo de algo existente no mundo exterior, então a pandemia ou uma catástrofe natural (furacão, terremotos, alterações bruscas no clima, etc.) são no fundo um tipo de medo de algo real acontecendo porém que nos coloca numa adrenalina diferente.

A moral é aquela que refere-se ao sentimento de culpa, que desencadeia um medo de ser punido, e isto leva a uma situação de conflito na interioridade, assim a pessoa perde aspectos sensíveis do seu interior: o inconsciente ameaçando adentrar o consciente o que significa na prática uma perda do autocontrole.

Mas os aflitos são também os desamparados, os abandonados e os rejeitados da sociedade, os diversos tipos de preconceitos sobre os quais nascem polêmicas atuais.

Na leitura cristã, o texto de Mateus (5,4) embora algumas traduções coloquem como “aflitos”, a tradução que preferimos aqui: “”Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!”, porque além do aspecto da “doença” existe o mal estrutural e o mal social que empurram muitas pessoas a este estado, e culpá-las apenas significa acrescenta a qualquer tipo de “aflição” a ansiedade neurótica que nasce de um sentimento de culpa desproporcional, e este é o grande tipo de pressão social atual.

Mas qual seria o consolo de que fala a bíblia, o consolo dos que creem é que o único mal que devem temer é o da alma, assim ao contrário do que diz muitas interpretações moralista, é uma moral equilibrada e sem o exagero da culpa que leva a um estado interior sem este tipo

 

Injustiça e poder

03 nov

Aqueles que praticam injustiças precisam desviar a vida de seu curso natural, precisam mudar o humanismo para transformá-lo em algo perverso, é preciso influenciar a cultura, retirar dela o que tem de belo e aprazível, desrespeitar os pobres e desamparados e confundir a alma com desejos de poder e avareza.

Poucos homens procuram desviar-se destas ciladas, com isto a ideia que uma pessoa “bem-sucedida” significa que teve sorte, foi abençoada ou lutou bastante domina o senso comum, porém ignoram pessoas e estruturas perversas que os favorecem, e talvez a maioria delas seja a estrutura de poder, por isto ele é fonte de polarização.

Ao longo da história somente os vencedores contaram suas glórias, “ao Vencedor as batatas” diz o personagem Quincas Borba (figura) no romance de Machado de Assis com o mesmo nome, onde ele desenvolve a ideia do humanitas, que enxerga a guerra como uma forma de seleção dos mais aptos, assim justifica a opressão e o empobrecimento dos injustiçados.

O personagem Quincas Borba é uma espécie de filósofo ateu, que tornou-se rico ao herdar os bens de um velho tio, morador de Barbacena, Estado de Minas Gerais, onde permanece um tempo nesta cidade antes de morrer.

Quem irá desfrutar da fortuna deixada por Quincas Borba será Rubião, um modesto habitante do interior de Minas Gerais, que recebe sua fortuna e decide ir viver no Rio de Janeiro, assim fala da migração do interior para as grandes cidades, não na perspectiva dos pobres que vão a busca de trabalho, mas dos ricos que vão em busca de boa vida.

Rubião vai para a cidade e tentará aplicar a filosofia do Humanitas desenvolvida por Quincas Borba e esta é na verdade o tema do livro.

Além do aspecto literário e histórico do romance, característico da época (o romance Quincas Borba foi publicado pela primeira vez em 1891), Rubião ao mesmo tempo que desfruta de uma fortuna fácil, é vítima de sua credulidade provinciana da qual seus amigos que o acolhem na “cidade grande” vão desfrutar.

O tema é universal, mesmo que pintado com cores históricas brasileiras, além das injustiças com pobre e desamparados, as artimanhas e maquinações que tiram também as posses de pessoas que por terem conquistado dinheiro fácil, não sabem como utilizá-lo bem e se perdem nas armadilhas preparadas por falsos amigos avarentos.

Entre as bem-aventuranças cristãs está aquela dedicada aos que tem fome e sede de justiça, “porque serão saciados” (Mt 5,6).