Arquivo para janeiro, 2025
Dostoiévski e a guerra
Imaginar que toda literatura russa seja soviética, é antes de tudo a-histórico porque grandes mestres da literatura são anteriores ao período soviético: Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Anton Tchecov (1860-1904) e Leon Tostói (1828-1910), sem falar de Gogol, Pushkin e outros.
Dostoievski foi um mestre em explorar as questões éticas e espirituais em seus personagens, também aborda questões de fé, redenção e a busca pela verdade.
Dostoievski esteve preso por motivos políticos, seu estilo de literatura era realista, porém do ponto de vista filosófico para dar uma conotação mais precisa era um existencialista, suas ideias anti-czar (a monarquia russa) fazem muitos interpretes o colocam como “revolucionário”.
Dostoievsky pertenceu a um grupo conhecido como Circulo Petrashevsky, apesar de serem de correntes diferentes, eram majoritariamente progressistas e queriam o fim do feudalismo russo.
Entre suas obras mais conhecidas estão: Os irmãos Karamazov, O idiota e Crime e Castigo, embora sejam dramas éticos e existencialistas, há no interior destas obras o ideal do pan-eslavismo, um ideal de unidade entre todas as nações cristãs ortodoxas e eslavas e neste sentido eram conservadores, já que outras correntes defendiam a integração à Europa.
O Idiota, foi um romance iniciado em setembro de 1867 quando o autor estava em Genebra e concluído em janeiro de 1869 na cidade de Florença, só isto indicaria seu caráter universal e com temas que extrapolam o âmbito literário e político.
O idiota narra a estória do jovem príncipe Míchkin que, após vários anos em um sanatório na Suíça, regressa a Rússia e se depara com um mundo atolado na indolência e na vida material.
Ao contrário do título, o personagem visto por muitos como idiota por se recusar a valores e ao espírito de indolência regressando ao seu país, sente-se um idiota até certo ponto, porém nos ensina que é possível viver fora dos padrões antiéticos e imorais do seu tempo.
O personagem resolve ser cortês e sincero num mundo corrompido e escreve o autor sobre ele: “Ninguém deve esperar mais do que isso, de mim. Talvez aqui também me olhem como uma criança; não faz mal” e complementa: “Mas posso eu ser idiota, agora, se me sinto apto a ver, por mim próprio, que todo o mundo me toma por um idiota? Quando cheguei, pensei: “Bem sei que me tomam por um idiota; todavia tenho discernimento e eles não se dão conta disso!…”.
Assim o drama russo de viver o pan-eslavismo ou a integração ao ocidente já estava presente.
Testemunhar e agir na paz
Pode parecer que a paz vista como uma nova maneira de pensar as relações pessoais e sociais, seja algo intimista ou pura “interioridade” (ela é complemento da exterioridade), mas não é, pois é possível agir conforme esta paz diferente daquela concebida como apenas humana.
Esta paz interior, que não é a que desenvolvemos no post anterior, não é aquilo que os gregos chamavam de ataxia, paz de espírito livre de medo, e nem a aponia, ausência de dor, que seriam os estados ideais de vida, a dor e o medo existem, em especial em momentos de crise.
Na verdade, é esta má relação com a dor e com o medo que faz a sociedade mergulhar mais fundo em sua crise, a busca do prazer sem medidas e a ausência do temor de atitudes e ações cotidianas contrárias a paz no mundo, as guerras começam em pequenas ações de ódio.
Comprometer com a paz, no âmbito da verdade pode inclusive colocar até mesmo a vida em risco, afirma Tomás de Aquino: “Quem diz verdades perde amizades”, mas é preciso dizer que sua verdade não é lógica e sim onto-lógica, ou seja, segue uma lógica do Ser.
Retomamos já em posts anterior a questão das virtudes cardeais, apontadas especialmente por Philippa Foot (filósofa inglesa), em Tomás de Aquino encontramos a conexão entre a paz e estas virtudes: justiça, sabedoria, prudência e caridade, para o Aquinate a paz se concretiza em meios aos homens se estas virtudes auxiliarem a produção desta paz desejada pela humanidade.
Tomas de Aquino entende a paz também num sentido mais amplo: “a paz é a tranquilidade do modo, da espécie e da ordem” (Aquino, 2019) ( Vale ressaltar que, por ordem, entende-se que cada coisa está no seu devido lugar) .
Assim junto as virtudes da justiça, sabedoria e prudência, deve-se ter o vínculo da caridade, que não simples apreço ou amor mundano, a caridade não unifica só os apetites de indivíduos, também leva cada homem a amar o seu próximo como a si mesmo, isto é, a querer realizar os desejos e necessidades do próximo como se fosse os seus.
Diz o doutor Angélico: ““Paz nada mais é do que a unidade dos afetos, o que é próprio de Deus somente, porque é pela caridade – que só procede de Deus –que os corações são unidos. De fato, Deus sabe reunir e unir, porque Deus é Amor, que é o vínculo da perfeição” (Aquino 2019).
Assim esta paz desejada depende mais que o amor divino, coloca-lo em prática em nossa vida e em nosso dia a dia, iluminar relações conflituosas com a concórdia e a unidade.
SANTO TOMAS DE AQUINO. Corpus Thomisticum. [S. l.]: Fundação Tomás de Aquino, 2019. Disponível em: http://www.corpusthomisticum.org, acesso: dezembro 2024.
Permanecer em paz
Dia 1º. de janeiro é conhecido como dia mundial da paz, ontem não postamos por ser feriado e fizemos o propósito de quatro livros que leremos e postaremos no correr do ano.
O que é a paz, já falamos da paz da desconhecida (pela maioria) na Sassânida, chamada de paz ibérica (527-531) e sobre a paz cristã: “Eu vos dou a paz, mas não como o mundo dá” (Jo 14:27), os sinais sombrios do ano que se inicia são indicativos para entender melhor esta paz.
Diga o que pensa, tente ser coerente em suas ações e palavras, mas não espere nem concordância, nem aplausos, em geral a verdade quando é dura nunca é bem aceita, cada vez mais temos um mundo de narrativas e bipolarização e cada um fica com sua “estória”.
Diz o ditado popular que nunca guerra o primeiro que morre é a verdade, e se tem uma posição justa e coerente (é impossível isto sem uma posição moral, e lembro as virtudes cardiais descritas por Philippa Foot), se é templo da paz (a paz vem do alto) prepare-se.
Também em termos sociais, aqueles que se envolvem em conflitos e eles não tem poucas situações para isto hoje, é preciso permanecer em paz e ter serenidade e resiliência.
Por outro lado, aqueles que sofrem com problemas sociais e econômicos imaginam que a saída espiritual resolve, como se o divino fosse uma casa de crédito ou a solução de problemas estruturais, é preciso caminhar junto com outros que sejam serenos e bons administradores.
Procure alternativas de médio e longo prazo, as imediatas são panaceias, em especial naquilo que é financeiro, e muito cuidado por que os ventos sopram na direção contrária.
Enfim mantenham a paz interior, busquem soluções práticas para coisas práticas e sejam serenos.