A teoria do dom
Deixamos uma questão ao final do post anterior (Poder e dom), como os dons poderiam servir a sociedade, e há estudos sociológicos a respeito.
Marcel Mauss, junto com seu tio Emile Durkheim foram animadores da Revista francesa Année Sociologique, e ele foi o principal sistematizador da teoria do “dom” que foi traduzida para o português como dádiva, em inglês é ainda pior porque tornou-se teoria do presente (gift em inglês), pensamentos importantes para os fundados de solidariedade e de alianças fraternas nas sociedades contemporâneas.
Alain Caillé, fundador e editor da Revue du M.A.U.S.S. (Movimento Anti‑Utilitarista nas Ciências Sociais) e um dos propagadores do pensamento de Marcel Mauss na atualidade afirmou que esta teoria “fornece as linhas mestras não apenas de um paradigma sociológico entre outros, mas do único paradigma propriamente sociológico que se possa conceber e defender” (Caillé, 1998, p. 11).
O livro de Marcel Mauss Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas (2003), trouxe entre muitas contribuições a ideia sociológica que o valor das coisas não pode ser superior ao valor da relação e que o simbolismo é fundamental para a vida social.
O surgimento de uma obrigação moral coletiva envolvendo os membros de uma sociedade, supõe aspectos tão diversos desde a troca de mercadorias como a simples troca de um mero sorriso, é preciso ressaltar a complexidade das motivações e as modalidades das interações para não reduzi-las ao simplismo das ideias puramente econômicas, aquilo que chamou de homo economicus.
As noções de honra e prestígio perpassam a economia da dádiva, sendo essenciais para garantir a circularidade e reversibilidade das trocas.
O Ensaio sobre a dádiva inaugura uma profícua tradição de estudos sobre a reciprocidade e a circulação das coisas, ampliando o tema da aliança, central na Antropologia francesa a partir da obra de Claude Lévi-Strauss (1908-2009), e que conhece leituras específicas nos trabalhos de Maurice Godelier (1934-) e de Pierre Bourdieu (1930-2002), ele elabora não apenas a teoria do dom ou do doar, mas a tríplice obrigação do dar, receber e retribuir, a partir da análise de diversos povos que estudou.
Em seus estudos os bens circulam entre clãs e tribos seguindo a regra de que, quanto mais grandiosas as doações, maior prestígio concedido a seus doadores, porém as prestações devem ser retribuídas, se não imediatamente, em momento posterior, assumindo um caráter disfarçadamente desinteressado ou informal.
Conforme seu estudo, isto ocorre com os taonga na Polinésia (foto), com os vaygu’a na Melanésia e com os cobres brasonados no noroeste americano.
Esta ideia de dom (ou dádiva como foi traduzido) é a que aquilo que temos seja como valor ou como talento pode ser dado, retribuído ou recebido.
CAILLÉ, Alain. “Nem holismo, nem individualismo metodológicos: Marcel Mauss e o paradigma da dádiva”, Revista Brasileira de Ciências Sociais.1998.
MAUSS, Marcel, Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques, Paris, PUF, 2007 (Trad. Bras. Paulo Neves. São Paulo, Cosac Naify, 2003)