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Os passos de caranguejo e a guerra

20 abr

O livro de Umberto Eco: “A passo de Caraguejo: guerras quentes e populismo mediático” (edição portuguesa de 2012) é de mais de uma década atrás, mas atualíssimo, Eco faleceu em 19 de fevereiro de 2016, mas estivesse vivo teria muito a dizer, porque sua visão é profética.

Falava do retrocesso global, este é o passo do caranguejo, o ressurgimento do criacionismo, o rádio pelo iPod (agora em desuso), via no renascimento das nações não um período afirmativo de identidades culturais e sim “depois da queda do Muro de Berlim, a geografia política da Europa e da Ásia mudou radicalmente, tornando-se claro que estávamos a andar para trás. Os editores de atlas viram forças a … inspirar-se nos velhos modelos anteriores a 1914, como a sua Sérvia, o seu Montenegro, os seus Estados Bálticos e assim por diante” (ECO, 2022).

Via também o renascimento do criacionismo e tantas outras cosmovisões absurdas num processo de andar para trás como “os passos do caranguejo”, e quando menos esperamos a guerra e os novos modelos de expansionismo e colonização, e já alertava para o populismo midiático, hoje mais evidente.

Porém numa visão mais profunda Max Weber apontava já no início do século passado “o desencantamento do mundo”, forçado a uma visão excessivamente racional, onde via o modelo social: “não aquilo que pesa sobre os indivíduos, mas o que se veicula entre eles”, assim o que parece fora do mundo objetivo, o mundo das ideias é aquele que se veicula entre os homens.

Pierre Bourdieu volta ao “desencantamento” (Bourdieu, 1979) para analisar os pressupostos do iluminismo e de Kant como ponto de partida destas ideias, a ideia que é no saber científico, consolidado pela Revolução Francesa e seus modelos de estado que conjugado com a técnica, proporcionaria uma mudança drástica no estilo de vida humano, trazendo uma paz duradoura.

Porém além das ignoradas guerras coloniais, também duas guerras mundiais foram deflagradas, e os maus acordos no final de cada uma delas levou a outras, o que de delineia agora é uma repetição de erros, onde a razão de cada estado quer prevalecer sobre o outro, e o racionalismo sem alma (e desencantado) nos mostra um mundo de horror, ódio e intolerância.

Bourdieu alertava para o mecanismo da democracia direta não se tornar elemento da opressão simbólica, e que a maior parte das palavras que dispomos para o social estão entre o eufemismo e a injuria, é como querer perpetuar o estado de segregação e opressão vigente.

BOURDIEU, P.  O desencantamento do mundo: as estruturas econômicas e estruturas temporais. Trad. Silvia Mazza, São Paulo: Editora perspectiva, 1979.

ECO, U. O passo do caranguejo: guerras quentes e populismo midiático. Trad. Sérgio Mauro. São Paulo: Record, 2022.

WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad. José Marcos M. de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

 

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