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Posts Tagged ‘Deus’

Agostinho e seu trinitarismo

14 mai

Agostinho de Hipona continua atual, entre suas contribuições mais profundas está justamente onde sua “conversão” operou, a mudança do maniqueísmo para o cristianismo.

Maniqueu (Manis ou Mani, 216-274 d.C.) era árabe e defendia a existência de dois princípios opostos o bem (espírito) e o mal (matéria), assim a busca ascética era a elevação da matéria ao espírito, porém eram forças equivalentes, boa parte da religiosidade ainda tem esta visão.

Agostinho de Hipona ao romper com esta filosofia entende que o mal não é uma força que independe e é coeterna a Deus (o Bem), a clássica pergunta onde estava Deus quando …, ela é uma perversão da vontade livre, posso optar pela morte, pela destruição e isto não é princípio.

Agostinho nas confissões fala de influências de outros filósofos além de Plotino, como a de Cícero (Confissões, III), porém toma um rumo novo e diferente a partir do ano de 387 d.C. quando num sábado na Festa da Epifania se batizam ele, o filho Adeodato e um amigo Alípio.

Por volta do ano 388 inicia a escrita dos seus livros: Os costumes da igreja católica e os costumes dos maniqueus e O livre arbítrio, que seriam concluídos por volta de 395, dois anos após escreve as Confissões, seu livro mais famoso e mais difundido.

No ano 396 é convidado pelo bispo Valeriano de Hippo Regius a passar uns dias na sua casa em Hipona, com a morte deste é aclamado a tornar-se bispo de Hipona, o ambiente romano da época era bastante tumultuado com invasões dos Vândalos e Godos na região.

É fundamental a exortação de Agostinho sobre o Genesis 1,26: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” onde o “nossa” lembra um coletivo e não uma pessoa da Trindade.

Hoje a maioria dos estudiosos de Agostinho de Hipona concordam que ele começou a escrever De Trinitate por volta de 399, terminando-o somente 20 anos depois, em 419-420, estava animado com a conclusão “trinitária” dos 17 anos do concílio sobre a “paz” de Constantinopla (381), e também o arianismo (que Jesus não seria Deus) e outras heresias estavam derrotados.

De Trinitate foi, sem sombra de dúvida, em todos os aspectos, a obra mais difícil de Agostinho. Não só pela complexidade e a profundidade do tema, mas também por todas aquelas contrariedades na com posição (mormente o dito “roubo” dos livros I a XII, por volta de 416) as quais, não fora fortemente instado aquando se deslocou a Cartago, em 418, o teriam levado a abandonar o projeto, afirma o prefaciador J. M. da Silva (AGOSTINHO, 2008, p. 16).

O prefaciador também afirma: “reside na ‘perspectiva fenomenológica’ que deliberadamente assumiu pois, visando sempre o mais essencial e o mais significativo da cogitatio fidei, começou por remontar às condições de possibilidade da revelação trinitária como tal considerando o modo como a mesma se revela quer na criação, quer no homem, quer no próprio Deus” (p. 18), porém ainda hoje o maniqueísmo e certo tipo de visão dualista permanecem vivos.

AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.

 

A idade da razão e a ontologia da coisa

25 abr

O final da idade média significa o renascimento do humanismo grego, porém retoma a ideia da intuição apenas se fundamentando no intelecto da razão, para René Descartes (1596-1650) ela é a única capaz de distinguir o verdadeiro do falso e ela que permite obter o conhecimento do mundo, os 4 pontos de seu método são: evidência, análise, ordem e enumeração.

Esse caminho constituído pela dúvida, a experimentação (nasce o empirismo) e a formulação de leis foram as influências que viriam a predominar os preceitos racionalistas do iluminismo.

Immanuel Kant (1724-1804) faz em sua Crítica da Razão Pura, uma reelaboração das ideias empiristas e racionalistas, e é esse caminho que irá elaborar as doutrinas iluministas dos século XVII e XVIII ocidental, ela afirma “Toda a nossa intuição não é mais do a representação de um fenómeno ; as coisas que nós intuímos não são, em si próprias, como nós as intuímos, nem as relações entre elas são em si próprias tais como nos aparecerem” sendo um ponto central da sua filosofia, em particular no seu Idealismo Transcendental.

Para Kant, mediante esta intuição, os objetos nos são dados e a doutrina que estuda estes dados é a Estética Transcendental, ela ordena e classifica as coisas segundo uma série de categorias não apenas intuídas, mas deduzidas pelo intelecto, não é mais uma transcendência divina, é fruto da razão prática de uma ordem moral.

O mundo do sujeito e suas elaborações fica reduzido a sua “subjetividade”, sua forma como cada indivíduo experiência e constrói o mundo, assim seu “método” em sua crítica da “razão pura” é a capacidade de um sujeito de pensar, julgar e agir sobre o conhecimento dos objetos.

Estabelece então um dualismo entre a objetividade do mundo das coisas e a subjetividade do sujeito que conhece através de uma “transcendência” que é sua experiência sobre o mundo.

O auge do idealismo, principalmente na Alemanha é o idealismo de Hegel e seus discípulos, e após a sua morte se dividem entre os velhos hegelianos presos ao mundo da transcendência e suas contradições dualistas e uma reelaboração do espírito religioso idealista, destacam-se David Frederico Strauss (1808-1874), os irmão Bruno Bauer (1809-1882) e Edgar Bauer (1820- 1886), e Max Stirner (1806-1956).

Entre os jovens hegelianos, segundo a visão de Karl Marx estavam ele e seu companheiro Frederic Engels, fazem uma crítica a Ludwig Feuerbach (1804-1872), para eles o único que teria passado do idealismo Hegel para um materialismo objetivista e assim nasce o marxismo.

Assim escreveu Engels:  ele [Feuerbach] “…pulverizou dum golpe a contradição, repondo em seu trono, sem mais delongas materialismo. A natureza existe independentemente de toda a filosofia e é a base sob a qual crescem e se desenvolvem os homens, que são também, eles próprios, produtos naturais; fora da natureza e dos homens nada existe …” (Engels, 1941).

Porém Feuerbach se apoiava na natureza e pouco na política, e aí nasce a crítica marxista.

A ideia de ser fica reduzida a uma concepção histórica e materialista, relacionada a produção, a economia e a política, já a visão contemplativa, moral e ética do Ser ficam sujeitas à “coisa”.

A ideia que houve um momento da criação do universo fica sujeita a matemática e a física.

 

Engels, F. Ludwig Feuerbach. Versão espanhola, página 13, Moscou 1941.

 

Sobre o ente e a essência: a ontologia escolástica

24 abr

Anselmo da Cantuária (1033-1109) é anterior a Tomás de Aquino (1223-1274) e influenciado por Boécio (480-534), já traçados em posts anteriores o caminho de Plotino até Boécio, passando por Porfírio (234-304 dC), e o seu nome verdadeiro seria Malco ou Telec, ele traduziu Enéada.

A influência de Aristóteles e Platão é grande, porém a tentativa de síntese de Aristóteles e Platão já em Isagoge de Porfírio, que foi traduzida para o latim por Boécio, sendo atribuída a Tomás de Aquino e por consequência a igreja católica é um equívoco, foi Anselmo da Cantuária o fundador de fato, da filosofia escolástica, com sua onto-teológica e seu “argumento ontológico” de Deus.

Deve-se a Boécio a “querela dos universais”, se eles existem ou são apenas nomes, o que dividiu o nominalismo e realismo, da Baixa Idade Média e inicio da Renascença.

Na adolescência Anselmo não teve aprovação do pai para ser monge, após uma doença, ele sai de casa e vai para a Normandia, lá seu conterrâneo Lanfranco o recebe como noviço na Abadia de Le Bec em 1059, e em 1063 se torna prior, quando escreve as obras Monológio e Proslógio.

Le Bec é por este período um centro de estudos, mas inicialmente protegido de Guilherme II, recebe terras que depois serão tomadas, é deste período as primeiras investigadas dos reis sobre as nomeações de bispos e até de papa (é uma história a parte), porém nomeado bispo da Cantuária (Canterbury, é até hoje é sede do bispado anglicano) (foto).

Ele se submete ao papa Urbano II (na mesma época havia Clemente III, considerado antipapa), foi o primeiro inclusive a falar contra o tráfico de escravos em 1102, num concílio em Westminster (revendo os fatos), não se submeteu à monarquia inglesa, e teve 2 exílios.

Em Proslógio,  a existência de Deus é um “a priori”, ou seja, através da razão, sem recorrer à experiência, parte do conceito que “um ser do qual não se pode pensar nada maior” (Deus) e argumenta que*, para ser o ser mais perfeito, Deus deve existe tanto na mente como na realidade. 

Tomás de Aquino sofreu influência de Santo Anselmo, e em sua obra de juventude “O ente e a essência” ele descreve a questão do ser e da realidade, distinguindo ente (aquilo que é, o ser) de essência (o que algo é), nela esclarece como o intelecto percebe inicialmente o ente e sua essência, explorando a relação entre substâncias simples e compostas. 

Para Duns Scotus (1265/1266-1308), um realista moderado para alguns, um nominalista na minha visão, os universais existem como entidades “in rebus” (nas coisas), mas não são separados deles como as ideias platonistas, e sim como uma “ratio” (razão) do intelecto.

Sua principal tese descrita em Ordinatio I, parte 1, qq. 1-2) é que “se há entre os entes um ente infinito atualmente existente”, para ele os universais “bondade” e “verdade” serão reais, isto está expresso biblicamente: “caminho, verdade e vida” (Jo, 14-6) e “só um é o bom” (Lc 18,19).

ANSELMO, St. Proslógio. Trad.: Ângelo Ricci, Ruy Afonso da Costa Nunes. São Paulo, SP; Nova Cutlural ed., 1988. (Coleção os Pensadores, Anselmo/Abelardo). (4ª. edição) (pdf)

AQUINO, S. T. O Ente e a Essência, R.J.: Mosteiro de São Bento, Editorial Presença, 1981.

SCOTUS, John Duns. Seleção de Textos. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

* ”Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque “o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe”?4 Porém, o insipiente, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, ouve o que digo e o compreende.” (4 Salmo 13, 1).  Texto na Coleção Pensadores.

 
 

Liberdade, memória e eternidade

10 abr

O tema pode parecer apenas teológico, mas não é, tanto Hannah Arendt como Byung-Chul Han trataram este tema, claro além de autores de alcance teológico como Agostinho de Hipona e Thomas de Aquino, também por autores atuais como Kierkegaard, Heidegger e Ricoeur que delinearam algumas questões na problemática entre tempo e eterno.

O esquema epistêmico de Hannah Arendt é bem mais profundo porque apresenta também o aspecto político: a memória, que tem referências a história, a narração, que tem a ver com a possibilidade ([hermenêutica] de resgatar os eventos, e a imortalidade, que coloca a ação do mundo concreto, tornando homens seres capazes de continuidade no tempo, visto assim:

“o sentido da Política é a liberdade” (ARENDT, 2002, p. 9).

Mneumônicos são inseridos em processos para preservar a narração, ou seja, sua memória.

Por outro lado, a imortalidade é aquilo que está sendo perpetuado pela memória e narração, porém a autora não se negou a ver uma diferença entre imortalidade e eternidade, apontamos no post anterior aquilo que é também a elaboração da autora, a ligação entre estas categorias.

Isso não nega e sim evidencia a concepção de imortalidade, que se impõe como aquilo que está sendo perpetuado no tempo pela memória, pela narração e também se desenvolve como uma Vita Activa, isto é o que compõe a tradição e a atualização de uma narrativa e neste ponto se confunde com a teologia, ou seja, ultrapassa o temporal e se desvela no eterno.

A tradição porém, foi gradativamente perdendo essa noção do público e do privado, a ponto desta fronteira entre os dois desaparecer, é fácil perceber isto na atualidade ao ver a exposição do privado até mesmo daquilo que é mais sagrado, e na concepção de Arendt, isto é um prejuízo vital, em vista da ação, categoria central para a constituição do mundo público, ela deixa de ser considerada em favor do respeito aos membros da sociedade.

Byung-Chul Han, no livro o Enxame sentencia: “o respeito é o alicerce da esfera pública. Onde ele desaparece, ela desmorona. A decadência da esfera pública e a recente ausência de respeito se condicionam reciprocamente.” (B.-C. Han, No exame, 2018, p. 12).

Arendt ressalta a ausência de empatia: “A morte da empatia humana é um dos primeiros e mais reveladores sinais de uma cultura à beira da barbárie”.

As religiões chamaram isto de aliança, porque todas elas têm um caráter simbólico, como a Arca da Aliança para o antigo testamento e a Paixão de Jesus para o novo testamento, este significado é o transcender a morte (eternidade), ultrapassá-la com todos seus valores: ódios, guerras, divisões e todo tipo de desumanidades praticamos pela finitude humana (Pillars of Creation, imagem do telescópio James Webb).

 

ARENDT, A. O que é Política. Tradução Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

 

 

 

As vozes no deserto

10 jan

Em tempos de crises há um reduzido número de vozes que vê além das forças em embate, não são nem os apocalípticos nem os integrados (diria Umberto Eco), mas aqueles que entendem o panorama e as raízes das crises temporais e vem além do temporal, veem o civilizatório divino.

A figura do idiota de Dostoiévski é uma destas figuras que via na sociedade da época, um feudalismo decadente na Rússia, uma crise e imaginava uma sociedade com ética e moral, não apenas uma mudança estrutural, mas uma mudança no modo de ver a sociedade e o Outro.

Os integrados que vivem sobre o domínio de ideias já comprovadamente ultrapassados, quase todas oriundas do idealismo europeu, que imaginou uma paz eterna (Kant) sem entender a base dos conflitos que era uma visão de estado bélico e intercessor na vida cotidiana.

Também um quadro parecido é tratado por David Flusser ao analisar o quadro social da época de Jesus no primeiro século da era cristã, seu livro Jesus fala dos conflitos sociais, políticos e religiosos da época, como judeu traça um quadro visionário de Jesus na época.

Uma verdadeira profecia se realizava, e o profeta Isaias falava bem antes daquele tempo sobre um profeta que viria (o último e o maior, por isso verdadeiro) conforme Marcos (Mc 1,2-3): “Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas! ”.

João Batista era o “idiota” de seu tempo, poucos compreendiam claramente o que dizia da vinda do messias, alguns queriam interpretar politicamente como um guerreiro salvador e outros como um louco que vivia no deserto se alimentando de mel e gafanhotos.

A vida ascética de João Batista, era uma verdadeira ascese, os religiosos e apocalípticos de nosso tempo são incapazes de compreendê-lo e por isso são fariseus e falsos profetas, em meio a crise anunciam riquezas e abundâncias inatingíveis para o povo simples que por eles é explorado.

Salvadores da pátria são diferentes de salvadores que preparam um caminho divino para um futuro pós-guerra, pós-crise e pós-religiosidade belicista e de “sócios” (em referência a Paul Ricoeur citado em posts anteriores), é preciso uma visão de mundo que veja com clareza as virtudes cardeais e não separe delas a justiça e sabedoria.

 

A má religião e as virtudes

22 nov

A filosofia contemporânea oscila entre definições de ética e de moral, a moral vista como uma redução a moral dos costumes, não há nela uma profundidade de virtudes e verdadeira religiosidade.

As três virtudes teologais se perderam: fé, esperança e caridade, que devem ser “infundidas” por Deus, são confundidas com religiosidade de adivinhos e bens materiais, esperança torna-se uma espécie de pensamento positivo e sentimentos comportamentais animados por algum “coach” e caridade, alguma bondade superficial como dó, piedade e socorro social.

As chamadas virtudes cardeais são a prudência, atropelada por um mundo movido a impulsos, a justiça que tornou-se pura manipulação política, a fortaleza confundida com força física ou política e a temperança presente em raríssimas situações e pessoas, vivemos tempos da ira.

Uma rara filósofa contemporânea a tratar do tema foi Philippa Foot, falecida em 2010 com 90 anos, apesar do nome era britânica e é responsável pelo ressurgimento da “ética da virtude”.

Foot não abandonou os clássicos, mas os releu para tempos modernos, ela entendia que a moralidade deve ser entendida em termos de virtudes de caráter, ao invés de apenas entender como regras e consequências de ações.

Entre seus trabalhos ela modernizou a teoria ética de Aristóteles (Ética a Nicomaco) numa visão contemporânea do mundo, mostrando que ela pode competir com teorias populares como as éticas deontológicas e a ética utilitarista (aquela voltada aos bens, por exemplo, presente nas religiões).

Ela elaborou e discutiu o chamado dilema do Bonde (Foot, 1968, ver figura), também abordado por outros filósofos contemporânea como o badalado John Rahls, também extensivamente analisado por Judith Jarvis Thomson e mais atualmente por Peter Unger.

O dilema é simples o manobrista deve analisar o “mal-menor” onde numa linha atropelaria uma pessoa e noutra várias delas, num bonde que está descontrolado e não pode parar.

A variante de esperança é uma versão do dilema considerado por Daniel Zubiria, onde há 50% de chance do trem descarrilado salvar todas as pessoas e não optar por nenhuma das duas vias, uma argumento parecido é o de Jonah Barnaby.

O problema é interessante porque recai nas virtudes teologais necessariamente.

Sobre a fé há um único argumento possível: a oração, ela é inalienável do pensamento religioso, não se trata de exercício de retórica, de manobras lógicas e emocionais, ela deve se fundamentar exclusivamente na relação com Deus, assim é dispensável a relação utilitarista ou deontológica já que ela é teo-ontológica: “a casa de meu Pai é casa de oração” (Lc 19,46).

Philippa Foot, The Problem of Abortion and the Doctrine of the Double Effect in Virtues and Vices (Oxford: Basil Blackwell, 1978.

 

A diferença do Amor divino

19 set

É como no dia-a-dia pela secularização ou por descrença colocar o Amor em um patamar meramente humano, a leitura que Hannah Arendt faz de Santo Agostinho em sua tese de doutorado, permanece entre estas duas interpretações o Amor humano e o Divino.

Para analisar isto, Arendt qualquer interpreta a obra de Agostinho governada por três princípios que aparecem sem aparente contradição, ele aumentou sua rigidez dogmática de Agostinho na medida em que o cristianismo se insere em seu pensamento, esta consiste de sua da passagem do pensamento pré-teológico, filosófico, para o pensamento teológico, conforme a autora.

Assim a primeira parte da tese da autora, intitulada o “Amor como desejo: o futuro antecipado”, ela aborda o amor dentro de uma perspectiva filosófica de continuidade do pensamento helênico, em que o amor é visto como uma disposição sempre movida pela falta, por algo que não se possui, mas que se espera ter, como meio de alcançar a felicidade, assim o desejo é algo ainda não alcançado enquanto o Amor é o desejo obtido, e isto é filosófico.

Estes dois tipos de Amor recebem em Agostinho dois nomes: a caritas e a cupiditas, diferem no amor pelo objeto que amam, “porém, tanto o amor certo quanto o errado (caritas e cupiditas) possuem isto em comum – ânsia desejosa, quer dizer, appetitus”, escreveu a autora.

Caritas é o amor puro, verdadeiro, porque deseja a Deus, a eternidade e o futuro absoluto, enquanto a cupiditas ama o mundo, as coisas do mundo, aqui é pré-teológico, porque a caridade não é apenas um amor passageiro, ou desejo de um bem passageiro, mas do eterno.

Seja religioso ou não, estamos entre o desejo e a posse, depois que obtemos o objeto desejado em geral, e usufruindo do prazer desta posso a cupiditas passa e ficará algo eterno se nela houver a caritas, isto é um Amor Eterno, que dá uma posse eterna e então não passa.

Assim o homem que tem esta busca, deve se recolher em seu interior, e dentro de si, se isolando do mundo, penetra na “quaestio” agostiniana, o fio condutor que Arendt persegue: “pois quanto mais ele se retirava para dentro de si e recolhia a si mesmo na dispersão e da distração do mundo, mais ele se tornava uma ´uma questão para si mesmo´”, escreveu a autora.

Toda filosofia tem uma questão básica, e a de Agostinho se torna teológica: “O que eu amo, quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), ainda que seja “no mundo”.

Assim a segunda parte de sua tese recebe o nome “e “Criatura e Criador: o passado rememorado”, no livro X de Confissões. “A memória, então, abre o caminho para um passado transmundano como a fonte original da própria noção de vida feliz” escreveu a autora sobre Agostinho.

Ao se propor ao relacionamento com Criador, o homem não se perde, e sim se encontra e isto é diferente de todo tipo de apego mundano, o deus do dinheiro, do consumo ou do desejo.

ARENDT, H. O conceito de amor em santo Agostinho. Tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.

 

A alegria, o sacrifício e a dor

13 set

A dor faz parte da realidade humana, e assim nenhuma alegria é perene se não entende o sacrifício, na etimologia da palavra “ofício sagrado”, não é exatamente a dor, conforme descreve Byung-Chul Han em A sociedade paliativa: a dor hoje, a dor sem sentido, é  a “aflição corporal” a dor se coisificou, perdeu um sentido ontológico e de certa forma “escatológico”, “a dor sem sentido é possível apenas em uma vida nua esvaziada de sentido, que não narra mais.” (Han, 2021, p. 46).

Han cita autores da literatura como Paul Valéry, para quem em seu livro o personagem Monsieur Teste “Se cala em vista da dor. A dor lhe rouba a fala” (Han, 2021, p. 43), e também Freud, para quem “a dor é um sintoma que indica um bloqueio na história de uma pessoa. O paciente, por causa de seu bloqueio, não está em condições de avançar na história” (p. 45).

É com a mística cristão Teresa d´Ávila, como uma espécie de contrafigura da dor, “nela a dor é extremamente eloquente. Com a dor começa a narrativa. A narrativa cristã verbaliza a dor e transforma também o corpo da mística em um palco … aprofunda a relação com Deus … produz intimidade, uma intensidade” (p. 44), para quem não sabe foi com sua leitura que a filósofa Edith Stein, discípula de Husserl como Heidegger, se converte ao ler Teresa cristianismo, não por acaso receberá o nome novo Teresa Benedita da Cruz.

O sacrifício é a arte de viver de modo alegre a dor, claro é equívoco pensar e desejar a dor, se ela vem porém, e algum dia virá, ela pode ressignificar como “ofício sagrado” oferecido, Byung-Chul Han escreveu sobre ele: “O sofrimento não é um sintoma, nem é um diagnóstico, mas uma experiência humana muito complexa”, só penetraram nele grandes místicos.

No evangelho de Marcos (Mc 9,31), Jesus choca os discípulos ensinando em segredo, E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”, e depois nega toda forma de poder humano: “quer quiser ser o primeiro seja o servo de todos” e por último ensina a simplicidade das crianças: “quem acolher uma destas crianças é a mim que acolhe”, é diferente do que pensam hoje.

Compreender a dor, a lógica invertida de poder e a simplicidade e inocência das crianças é uma lógica distante numa civilização em crise, hedonista, autoritária e cheia de malícia.

HAN, BYUNG-CHUL. A Sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado, Petrópolis: ed. Vozes, 2021.

 

O céu pode falar

06 set

Sloterdijk supõe o tempo que através dos tempos os homens “fizeram deuses falarem”, assim diz também da “fala” de Jesus, e diz com propriedade histórica: “Por fim, esses que foram invocados em demasia também se deram a conhecer por meio da encarnação pessoal: algumas vezes tomaram a liberdade de recorrer a corpos aparentes que iam e vinham conforme lhes aprazia.” (pg. 22), é verdade e isto significa: Não usar o nome de Deus em vão.

Mas o raciocínio histórico ajuda melhor na outra alternativa do uso de “Deus”: “ … ou se condensaram “na plenitude do tempo”, em um Filho do Homem, em um Messias salvador. Depois que Ciro II, o rei dos persas famoso por sua tolerância religiosa, permitiu aos judeus que tinham sido levados em cativeiro para a Babilônia o retorno à Palestina no ano de 539 a.C., pondo fim a um exílio de quase sessenta anos … a elite espiritual dos judeus ficou muito mais receptiva a boas-novas de cunho messiânico — o Segundo Isaías deu o tom para isso.” (pg. 22).

Diz corretamente ao chamar “panegírico” (culto a um deus abstrato) de Ciro, ele não se converteu nem mesmo abandonou suas crenças em outros deuses, como “instrumento de Deus” ele libertou um povo, lembra o autor também Marcião que cultuava “o deus desconhecido” que vai fazer Paulo chamar os gregos de um povo religioso, porém afirma que o Deus conhecido é o que o apóstolo dos gentios (Paulo) o proclama na figura de Jesus, o Redentor.

A questão da redenção apontada por Sloterdijk do ponto de vista histórico, tem seu sentido pois são momentos que “céu se abriu”, mas o vê como um espetáculo onde “O estágio mais antigo de evidência de fontes sensíveis e suprassensíveis se mostra em forma de comoção dos participantes gerada por um “espetáculo”, um rito solene, uma hecatombe fascinante.” (pg. 24) e isto se repetiu através dos tempos, com grandes oradores e grandes “midiáticos”, mas será este o Deus verdadeiro, de Agostinho como o próprio Sloterdijk o cita (De Vera religione).

Ele também tem razão ao dizer sobre alguns que se julgam com dons “divinos”: “. Em geral, partia-se do pressuposto de que havia intérpretes capazes de associar um sentido prático aos símbolos codificados” (pg. 25), mas novamente não estes falsos oráculos que buscam holofotes.

Veja uma vez que Jesus pede a cura de um surdo/mudo de nascença (Mc 7,34-36): “Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam”, este pequeno detalhe que aparece em muitos milagres, não divulguem, ou seja, não é um espetáculo, não significa não fazer bem feito, no entanto, com sentido sagrado.

O sentido desta cura é mais profundo, além de fazer um mundo e surdo de nascença ouvir e falar, lendo trechos anteriores do evangelista Marcos encontramos a ideia absurda (presente em meios “religiosos” de hoje), usando a ideia mulher siro-fenícia cuja filha tinha um “demônio”, não é  a ideia que uma doença ou alguma ocorrência ruim seja “castigo do céu”, pois é do coração do homem que saem as coisas “impuras”: maldades, cobiças, etc.

O Efatá dito para cura de um surdo-mudo de nascença é porque não é uma doença comum, alguém cuja vida e sistema cognitivo não foram ensinados a ouvir e falar, o fez imediatamente, o que é bem complexo, é mudar a mente.

Tempos sombrios, é preciso que surdos ouçam e mudos falem, pois há quem queira calar.

SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar: sobre teopoesia. Trad. Nélio Schneider. 1a. ed. – São Paulo: Estação Liberdade, 2024.

 

O universo foi criado

05 set

Seja válida ou não a hipótese da criação do universo pelo Big Bang (existe a hipótese do multiverso) em algum momento ele a-pareceu, é muito cara a categoria do dasein estar aí de Heidegger, mas isto é essencialmente o humano do Ser.

Sloterdijk vai entrar neste mérito escrevendo: “Trezentos anos após a morte do homem que foi venerado por seus seguidores como o Messias que chegara, o Concílio de Niceia estabeleceu o dogma de que o Senhor Jesus Cristo seria Deus de Deus e luz de luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado e não criado — o que quer que isso signifique.” (pg. 31), se o nome de Deus incomoda (e faz sentido), a criação não o ser-aí foi criado.

As fotos recentes do telescópio James Webb intrigam cientistas porque aparentemente não houve uma criação lenta, galáxias inteiras complexas parecem estar já no início do Big-Bang, e a força que as movimento parece ser algo realmente extraordinário, impensada pela ciência.

Como dissemos no post anterior, além de Jesus, para Sloterdijk também Sócrates e Sêneca devem ser examinados, e são próximos historicamente, escreveu: “O que na linguagem comum se chama “vir a ser humano” designa, descontadas as extrapolações, um estado de coisas que o filósofo romano Sêneca (1-65 a.C), em parte contemporâneo de Jesus (4 a.C-30 d.C), durante algum tempo mentor do jovem Nero [vejam] e, mais tarde, forçado por ele ao suicídio, patenteou na seguinte sentença: sine missione nascimur — com o sentido de: nascemos com a perspectiva segura de morrer” (pgs. 31-32).

Assim, poderia se separar o mortal do importante, mas Sloterdijk pensa diferente e escreve: “A leviandade cotidiana é uma máscara do fantasma atemporal da indestrutibilidade; o pregador na Palestina e o filósofo em Roma tiram essa máscara para testemunhar que existe algo indestrutível que não é de natureza leviana e fantasmática.” (pg. 33), por isso sua descrença com algo “indestrutível”, e a diferença do pregador messiânico da Palestina é “ressuscitou”.

Para ele Jesus se distinguiu no falar: “mas talvez também apenas uma façon de parler [modo de falar] para “eu” —, veio ao mundo, como ele próprio foi levado a dizer, para assinar seu ensinamento com sua vida.” (pg. 33), mas sua vida era de outro modo como alguém que veio de outra realidade e a conhece.

Assim está preso a ver as realidades humanas como “ex machina”: “O homem que chamara a si mesmo de “Filho do homem” falou elementos essenciais de sua mensagem do alto da cruz, na qual ele terminou como deus fixus ad machinam [deus preso à máquina]” (pg. 33), mas não é, vai examinar os escritos de Inácio de Loyola (fundador dos jesuítas) e de Hegel, mas fica preso a noção de absoluto de Hegel, porque este não chega a admitir o universo complexo que agora vemos através do James Webb.

SLOTERDIJK, P. Fazendo o céu falar: sobre teopoesia. Tradução Nélio Schneider. – 1. ed. – São Paulo : Estação Liberdade, 2024.