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Arquivo para a ‘Linguagens’ Categoria

A ira e as questões sociais

15 fev

Um dos argumentos fortes para a ira é a questão social, antes econômica, agora cultural, étnica e de genero.

O livro do americano John Steinbeck, causou um grande mal-estar na sociedade, foi citado com certa reverência quando ganhou o premio Nobel de Literatura em 1962 embora o livro seja de 1939, o livro foi bem recebido no leste europeu soviético da época e nos países escandinavos.

Na época o livro chegou a queimado em praça pública e banido das escolas, foi o inicio da guerra fria e do macartismo (perseguição aos comunistas nos EUA), embora o autor nunca teve afiliação.

O livro começa com Tom Joad, o personagem central do livro, pedindo uma carona após 7 anos de prisão que foi sua sentença por ter assassinado uma pessoa em decorrência de uma briga de bar, mesmo tendo sido em sua autodefesa acabou sendo declarado culpado.

Não encontra nada em sua antiga casa e acaba descobrindo que tinham vendido todos os pertences e indo para a casa do Tio John e chegando lá percebe que todos estão preparados para sair e descobrem que as grandes empresas e as fazendas estão fechadas e os agricultores indo embora para a Califórnia para procurar trabalho.

É período da grande depressão americana, e as questões sociais são emergentes, o livro mostra as condições de trabalho e exploração nos campos de plantações de frutas na Califórnia, Steinbeck é da região de Salinas, onde se passa o romance que embora ficção tem ligação com a região.

O questionamento é até onde podem ir os limites deste tipo de revolta, é justo violências e lutas ideológicas quando estas condições se apresentam, quais são as alternativas para os problemas, é provável que entremos em nova recessão, além do risco da guerra, o livro de Steinbeck nos dá um cenário parecido (recessão e guerra) e podem nos apontar não um retorno ao passado, mas numa nova possibilidade para o futuro sombrio que nos aguarda.

STEINBECK, J. As vinhas da ira. Trad. Herbert Caro e Ernesto Vanhaes. 10ª. Ed. SP: Record, 2012.

 

Sobre a Ira e a Guerra

14 fev

Há quem defenda que a Ira e sua expressão máxima a guerra são necessárias e em muitas situações inevitáveis, o filósofo romano Sêneca além de teorizar a questão e a escrever um tratado “Sobre a Ira”, em três livros, no primeiro teorizar, no segundo trata de conselhos e exemplos para evita-la, já que pare ele a ira é sempre prejudicial.

O trabalho conclui com dicas de como acalmar a si e outras pessoas e faz uma síntese da obra, segundo o filósofo um grande homem nunca deve irar-se.

Uma leitura obrigatória para os dias atuais, é a leitura de Ira e Tempo: ensaios psico-políticos, de Peter Sloterdijk em que ele trata além de um panorama da questão no pensamento ocidental, acrescentamos Sêneca de propósito como contraponto, o autor mostra que ela é apreciada por ser força motriz de heróis e guerreiros, e diz que esta força se perdeu com a repressão da ira, mas será que é mesmo assim, ou ela foi transferida ao Estado que a monopolizou.]

O Amor nos tempos do cólera é um livro de Gabriel Garcia Marques de 1985, onde o cenário de fundo é a America Latina, o gênero é o realismo fantástico e fala de um triângulo amoroso que durou por mais de 50 anos, ao contrário do que parece e sugere, há um amor verdadeiro por trás do triângulo.

Durante toda a sua vida Florentino Ariza amou e esperou, por mais de cinquenta anos, Fermina Daza, o romance pode lembrar e é um bom paralelo com Candido ou o otimismo, de Voltaire (que é de 1759) e que ironiza o espírito provinciano de Candido na espera eterna de sua amada Cunegundes, que ao fim da vida finalmente a conquista, neste caso não há triângulo, mas um impedimento pela nobreza da donzela e a vulgaridade do plebeu.

O romance se passa na passagem do século XIX para XX, e tanto havia a peste da cólera e da guerra, e isto trás uma realidade muito atual, não é um amor idealizado em um contexto contraditório (cólera e guerra), Fermina foi casada com médico renomado Dr. Juvenal Urbino, a narrativa é inteligente porque já no início do livro o médico falece, e então o autor vai colocar a história de ambos e um amor reprimido, e como é o amor numa fase madura.

Esta maturidade e apesar do realismo fantástico, segundo o próprio autor teria muito a ver com a história de amor dos próprios pais, e embora fale apenas de um amor humano, traz uma reflexão positiva sobre o que é o amor, o quanto pode ser verdadeiro e maduro quando a vida toda ele é provado.

Em 2007 foi filmado e dirigido por  Mike Newell, confesso que não vi, mas acredito que o pouco interesse da crítica é um termômetro de que é tão bom.

 

MARQUEZ, Gabriel Garcia. O Amor nos tempos do cólera. Trad. Antonio Callado. Ed. Especial capa dura, SP: Editora Record, 2016.

SENECA. Sobre a ira: sobre a tranquilidade da alma, Trad. José Eduardo S. Lohner, SP: Ed. Penguin-Cia. 2014.

SLOTERDIJK, P. Ira e tempo: ensaio político-psicológico. SP: Estação Liberdade, 2012.  

 

Essência, o justo e a ética

10 fev

Ao discutir a “vida boa”, conceito clássico que Paul Riocour retoma em sua reflexão sobre o justo, ele o liga a filosofia clássica onde “ é “o desejo de uma ´vida boa´ com e para os outros em instituições justas”, e há problemas nas instituições democráticas, porque abandonou-se o conceito do ser.

A reflexão que fizemos sobre a questão do Ser em Heidegger, deixamos um link para o que é essência pensada como agir, on se diferencia o universal concreto de universal conceitual ou representacional, o agir é uma questão e não se pode reduzi-lo ao conceito, então envolve uma interioridade, e não apenas uma subjetividade ou objetividade, como queria Hegel.

Assim a justiça depende do Justo, que questiona e corrigi seu agir, nisto consiste a dialética Platônica, vista como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego), e isto implica em corrigir a ação pelo pensar, não apenas punir, mas modificar o pensamento sobre a ação.

Não podemos apenas questionar os aspectos legais da justiça sem que cada homem, incluindo aqueles que praticaram crimes, possa repensar e agir de forma nova na condução de sua própria vida e da vida com os outros, claro há reincidentes, mas tanto as normas para isto são claras, para a correção não.

O que há de fundo na eticidade de Hegel, e insto perpassa o pensamento de Rawls é que devemos sempre optar entre dois males, quando é possível corrigir tanto o mal menor (de onde se originam maus maiores) como o mal maior para repensar a sociedade e a justiça, inclusive na distribuição dos bens sociais.

O longo discurso de Jesus aos seus discípulos em Mt 5,17-37, ele explica que a justiça deles deveria ser superior a dos homens, começa explicando que não veio abolir a lei e os profetas, mas dar a ela maior amplidão, depois explica sobre não matar, e diz que mesmo quem se encoleriza contra os irmãos já está pecando, enfim vai dando a cada ensinamento “legal” maior profundidade, e assim não é mero legalismo, mas o pleno cumprimento do que é justo.

Aqueles que condenam a norma, e lembram apenas do fato dos fariseus não permitirem que Jesus curasse e fizesse o bem no sábado, sem dúvida uma hipocrisia, não podem esquecer que para Ele haviam “leis divinas”, que corrigiam a ação humana e que a sociedade moderna quer abolir.

A liberdade plena significa também a justiça plena, e não há sociedade justa sem homem justos, é preciso educa-los, isto se pensa desde Platão.

 

A eticidade e o justo

09 fev

A compreensão do que é a ética, já vimos nos posts anteriores, é fundamental para compreender o que é justo, porém a ética grande se desenvolveu para o idealismo contemporâneo, e enquanto o neocontratualismo é só uma verdade, o conceito de eticidade é essencial para entender os valores idealistas.

O sistema hegeliano pode ser visto em três partes (apenas didáticas): a ideia, a natureza e o espírito, a ideia é o plano geral da filosofia moderna (a esquerda os novos hegelianos e a direita os velhos hegelianos), a natureza é parte essencial para discutir o contratualismo e suas vertentes, o espírito se divide em: objetivo, subjetivo e absoluto.

Enquanto o absoluto remete a ideia do “puro”, o dualismo objetivo e subjetivo são parte do dualismo contemporâneo, quanto a justiça o objetivo pode ser dividido em: o direito abstrato, a moralidade e a eticidade.

É um tema demasiado longo e profundo, como é próprio do pensamento hegeliano, mas como consciente ou inconscientemente ele domina boa parte do pensamento (pelo menos aquele que é elaborado, é comum agora não se elaborar e apenas dizer, tipo “simples assim”), a eticidade é essencial para lê-lo.

Em Princípios da Filosofia do Direito, no parágrafo 142 ele escreve: “que minha vontade seja posta como adequada ao conceito e com isto e com isto superada e guardada sua subjetividade”, como é próprio do pensamento idealismo, a objetividade se sobrepõe a subjetividade (que é própria do sujeito) e grosso modo pode-se dizer que aqui reside a diferença fundamental com Paul Ricoeur, pois este se debruça sobre o que é Justo (subjetivo) e não justiça.

A passagem suposta de uma subjetividade abstrata para um substancial e de um universal para um concreto é realizada assim a eticidade é a própria definição do que é o bem e o que é da vontade subjetiva, no método hermenêutico, há uma intencionalidade e não uma subjetividade.

Assim a moralidade se reduz a moralidade social, ou a moralidade objetiva, enquanto indivíduo ele só pode se realizar em comunidade e nega a interioridade ou subjetividade.

No entanto, não há justiça sem homens justos, e em muitos momentos da história os homens tiveram que romper com tiranos, com falsos valores que se escondiam em torno de propostas sociais aparentemente altruístas, mas cujo projeto era de dominação, já diferenciamos poder de dominação.

Na perspectiva hermenêutica tanto o inconsciente como o imaginário são relevantes para a compreensão de um contexto, e eles estão quase sempre fundamentados em pré-conceitos, e o indivíduo se pergunta como se inserir numa história, também se pergunta qual ação objetiva deve realizar.

Sobre a universalidade, a fenomenologia rejeita a ideia do abstrato “puro”, Ricoeur vê um conflito entre o particularismo solidário e que somente um aprofundamento sobre aspectos interculturais podem concluir quais pretensos universais serão universais reconhecidos em diversas culturas.

Ao tratar da questão da justiça sobre a perspectiva social dos bens, Ricoeur trata do problema analisando a concepção puramente procedimental feita em Rawls, para ele o problema desta concepção está no fato que ela não se dá conta da heterogeneidade dos bens que estão implicados quanto a sua distribuição e para quais instituições foram definidas, o uso político, o proselitismo e o condicionamento de deveres definem muitas instituições.

Ricoeur também analisa o conflito de deveres em no âmbito da solicitude, e usa o caso da Medicina no âmbito da Anistia Internacional, fosse escrito agora na pandemia ele teria um belo exemplo para questionar esta questão da distribuição dos bens, como foram os casos das vacinas.

 

O justo e o legal

08 fev

A legalidade evidentemente baseia-se nas leis, mesmo que estranhas ou questionáveis, ela é uma espécie de “contrato social” para se viver em sociedade, por isto o tema do post anterior é relevante, ainda mais se for considerado que o ponto mais alto do que é legal hoje é o neocontratualismo.

Paul Ricoeur escreveu em dois volumes sobre o assunto, feito na forma de ensaios, no terceiro ensaio ele trata da Teoria da Justiça de John Rawls, não só atesta sua atualidade como também ele reivindica aquilo que quase todos nós dissemos em um momento da nossa infância: “isto é injusto” e então isto precede ao sentido do Justo como também dizem respeito não só ao direito, mas a todas as pessoas.

Ricoeur no prefácio de Justo 1 já atenta para o detalhe que o tema está conectado a ideia do que é ético, na filosofia clássica, é “o desejo de uma ´vida boa´ com e para os outros em instituições justas”, e aqui situa-se boa parte da crise civilizatória: a desconfiança que há nas instituições democráticas.

A expressão “vida boa” retomada de Aristóteles é um qualificativo de bom num sentido estrito do ético, assim o bem é inseparável do bem do outro, sob a pena de nada mais ser do que um egoísmo repreensível, que rebaixa o sujeito no sentido do plano moral.

Dito de forma mais clara a relação com o outro é constitutiva da consciência de si, e ela é em certa medida um ético além do legal e do meramente moral.

Onde apenas é determinante a obediência, mesmo com uma conformidade interior à Lei moral, podendo ela ser incontornável de toda vida ética, essa tem algo para além da Lei, nela o homem deseja o Bem, aspira o Bem para si e para os outros, num sentido que torna-se também consciência para o outro.

É obvio que isto encontra uma barreira em nossas falhas, os maus sentimentos, as más ações, a violência que marcam a sociedade desde os tempos mais primitivos, neste sentido é preciso despertar a consciência da culpabilidade, que encerra nela a própria concepção de julgamento, isto significa limitar-se.

Por isto o tema da liberdade é relevante, deseja-se tolher qual liberdade e a pretexto de qual concepção de justiça, assim é preciso “instituições justas”.

Assim esta é a formula de Ricoeur: “: « o desejo de uma vida boa com e para os outros em instituições justas », sem elas o legal torna-se revoltante.

Porém é preciso dizer que as “instituições” não se limitam ao aspecto jurídico, do mesmo modo que o justo não se reduz ao legal, é preciso analisar a fundo.

Para explicar isto Ricoeur diz o que é consciência da Lei: “Aplicar uma norma a um caso particular é uma operação extremamente complexa, que implica um estilo de interpretação irredutível à mecânica do silogismo prático”, ou seja, simples regras lógicas, há não uma subjetividade, mas uma transcendência.

Ao fazer uma palestra a Associação L´Arche (fundada por Jean Vanier) que cuida de excepcionais, ele abordou o tema e falou de respeito ao tratar da diferença entre o normal e o patológico, apoiando-se nas obras de Georges Canguilhem, que discute a epistemologia da biologia.

RICOEUR, Paul. O justo ou a essência da justiça. Trad. Vasco Casimiro. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

 

Ser, consciência e clareira

03 fev

A clareira do Ser foi uma tema importante na retomada ontológica feita por Heidegger, ela é inseparável da metodologia fenomenológica a qual seu professor Husserl foi o principal desenvolvedor moderno, porém fica uma aporia, conforme afirmam na Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer, se há de fato uma autodestruição do esclarecimento na modernidade e porque isto se deu.

Não se trata simplesmente então a retomada do Ser, mas como isto pode se dar a partir do método fenomenológico, então duas questão devem ser levantadas: o colocar entre parênteses os nossos pré-conceitos frutos do esclarecimento, o que é chamado por Husserl de epoché fenomenológico, e a questão da intencionalidade da consciência, nela o Ser se desvela, ali residem a maioria de nossos problemas e insatisfações.

A cultura (ou o que restou dela como diz Dalrymple, já postamos aqui) contemporânea vai de contramão neste sentido, aquilo que alguns autores chamam de excesso de positividade, aquela lógica descrita até mesmo como “mistério”, afirmação dos desejos e das necessidades, resumindo a vida vista como utilidade apenas e não como essência ou plenitude.

Assim devemos fazer um “vazio”, um silêncio na alma para que tenhamos a plenitude do ser, afastar os desejos e necessidades imediatistas para poder entender de fato as verdadeiras necessidades e alimentos do Ser que levam a alegria e a plenitude, o simples impulso leva as compulsões temporárias e como tal satisfazem apenas a necessidade imediata, o que é próprio do Ser permanece oculto.

Isto é possível com estas duas medidas: fazer um vazio (epoché) colocando entre parênteses o que é nosso pré-conceitos, reelaborando-os num círculo hermenêutico que permite de fato um novo “conceito”, após a fusão dos horizontes

Por isto, diz a ontologia, que o Ser permanece oculto, está além do que é imediato e aparente, não deve ser buscado “Fora”, mas “dentro”, é preciso verdadeira interioridade, sem manipulações e barreiras, aquilo que muitos pensadores, místicos e espiritualidades atingem, e alcançam uma plenitude, mesmo que temporal, e que é será alimento para uma verdadeira ascese, e esta poderá atingir seu cume.

Para a filosofia e teologia cristã não é possível atingir a verdadeira plenitude sem anunciar e viver seus valores, diz a leitura (Mt 5,14): “Vós sois a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde brilha para todos que estão na casa”, porém isto deve ser feito com respeito e fraternidade e nunca com proselitismos e julgamentos.

 

O ser, a verdade e a consciência

02 fev

Não é por acaso que ao nos defrontarmos com o maior desenvolvimento técnico da humanidade, o desenvolvimento atual da Inteligência Artificial que ameaça invadir o universo de todas as coisas (a IoT é só um detalhe disto), nos defrontamos também com a pergunta sobre o que é consciência.

Da verdade da antiguidade clássica, a Alethéia (a-létheia) é revelar o que está oculto, passando por inúmeros autores até chegar a Escola de Frankfurt onde Adorno e Horkheimer que fala da aporia do esclarecimento, aquele que no início da modernidade procura obter uma verdade “objetiva” e que oculta o ser.

Nesta questão da verdade, Heidegger que desenvolve a questão do esquecimento do Ser e da ocultação da verdade, a desenvolveu como: “na frase seguinte onde se escreve sobre a ‘verdade‘, fica evidente que se mantém a representação da essência da verdade ditada por algum manual moderno de epistemologia, deixando inalterada e intocada a essência da aletheia” (Heidegger, 1998, p. 115), diz o autor sobre autores que ficam presos apenas a etimologia da palavra.

Já os frankfurtianos assim descrevem a questão do esclarecimento: “A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objecto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma – e nisso reside nossa petitio principii – de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor” (Adorno & Horkeimer, 1947) que reduzem a um pequeno princípio, já que não veem como central a questão do Ser.

Ao questionar o que é consciência, ou o que é senciência na questão da Inteligência Artificial, não estamos questionando outra coisa que não seja o que nos separa das coisas, em última análise o que é o Ser e se de fato ele tem apenas o sentido de “objecto” que nos quis dar o esclarecimento moderno.

Também nos deparamos com os princípios éticos e morais ao “desvelar” (a-lethéia, não-oculto) a questão do Ser, retomá-la não é apenas um exercício de etimologia da palavra verdade ou de exercício filosófico, é antes de tudo fazer uma pergunta essencial, um lato principii: “o que é ser” e o que está oculto.

A possibilidade da clareira não é outra coisa que aquela que nos põe não diante da verdade desenvolvimento logicamente, para onto-logicamente, e a partir dela definir o que é consciência, desenvolvida por Heidegger da seguinte forma: “a consciência é o apelo da preocupação a partir do estranhamento do ser no mundo que desperta o Dasein para o seu poder ser culpado mais próprio” (Heidegger, 2012, p. 791).

Fica a pergunta se é possível para todos os seres, e para o homem moderno atual, uma “tomada de consciência” aquela que revela no seu interior como uma iluminação da consciência, além do ódio, da polarização, da intolerância e das narrativas que escondem a verdade do Ser.

Recorrer a adivinhos, auto-ajuda, não faz a roda da história e da verdade andar para trás, caminhamos no escuro, na ocultação e não na consciência do Ser.

 

ADORNO, T. W. T. W. & Horkheimer, M. Dialética do Esclarecimento, 1947.

HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.

______, Ser e Tempo (edição em alemão e português). Tradução de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp; Petrópolis: Rio de Janeiro, 2012.

 

A crise idealista e a retomada ontológica

01 fev

A evolução do iluminismo tanto na política como na economia culminou no hegelianismo, após a passagem pela crítica da razão por Kant, é a última grande teoria que procura realizar uma totalidade “integrada”, sujeita a contradições “dialéticas” (é diferente da dialética da antiguidade clássica) e segundo seu modelo a finalizada última seria atingir a plena essência espiritual, que pouco ou nada tem a ver com religiosidade.

Foi assim a ascese materialista dialética que terminou num enorme vazio e no “esquecimento do ser”, termo usado por Heidegger para contradizer as teorias que desde Descartes esvaziaram e criticaram a leitura metafísica da realidade, na etimologia da palavra a meta-physis, neste caso o grega, já que sua origem é de lá, segundo Aristóteles era a primeira ciência, dava conhecimento sólido sobre as coisas, e o estudo se confunde com a ontologia, o “ser enquanto ser”.

Para Kant este estudo se confunde com o de costumes, é um conhecimento não-empírico ou racional, seu estudo sobre a moral e a “subjetividade” vai partir desta relação com os costumes culturais e aqui já há uma forte dose de relativismo, e aprofunda o dualismo entre Sujeito x Objeto, esquecendo o “Ser”.

Assim aquilo que é subjetivo, teórico ou metafísico vai caindo em descrédito e crescem as teorias da objetividade, da praticidade e do realismo empírico, isto não será feito sem contradição, porém a própria definição de dialética idealista é esta, o desenvolvimento deste conceito a partir de si mesmo.

Platão definia a dialética como a arte de pensar, de questionar e de organizar as ideias (eidos grego – imagem, já postamos algo), assim não estão fora de questão nem a teoria (também o idealismo é uma teoria, por sinal pouco prática), nem a metafísica nem o “ser”.

A teo-ontologia do final da idade medida vai estabelecer as relações entre o ente e o ser, segundo Tomás de Aquino ele “é infinito. Por isso, se ele se torna finito, é necessário que seja limitado por alguma coisa, que tenha a capacidade de recebê-lo, isto é, pela essência”, presente em sua tese “O ente e a essência”.

Em meio a crise do pensamento idealista, veja o post anterior, surge uma nova corrente a partir de Franz-Brentano na metade do século XIX, que retoma a fenomenologia e a ontologia trabalhando sobre a intencionalidade da consciência humana, que era um estudo específico em Tomás de Aquino, para tentar descrever, compreender e interpretar os fenômenos como eles se apresentam à percepção.

Brentano foi professor de Husserl, que relê Descartes e Kant, e elabora a fenomenologia com diferente sentido dado pelo seu professor Brentano, procura separar o que é empírico, assim o fenômeno do ato mental não é algo que aparece instantaneamente na mente, mas depende da memória e elabora a partir daí os conceitos de protensão e retensão, a discussão sobre o que é consciência hoje chega aos objetos da Inteligência Artificial.

Heidegger foi aluno de Husserl, e a partir dele pode-se considerar tanto a viragem linguística (nem todos autores concordam) quanto a retomada ontológica.

 

 

Encruzilhada da guerra e pandemia em análise

30 jan

Analisando estes dois temas de grande relevância mundial, elementos complicadores da grande crise civilizatória, que já analisamos o aspecto político e cultural que é seu fundo, vemos uma guerra em escalada mundial e uma pandemia em análise pela OMS, quanto ao uso do termo.

São dois eufemismos, pois a guerra já tem proporções mundiais com o envio de tanques Leopard por parte da Alemanha e Polônia, enquanto a Russia envia seu navio chamado “do fim do mundo” para águas internacionais no Atlântico Norte, não há perspectiva de Paz, a Pandemia continua o que se discute é só se a palavra deve continuar a ser usada, a infecção pela variante kraker já é vista mundialmente como de rápida e fácil transmissão.

Após o anuncio de entrega de tanques Leopard a Ucrânia, a Rússia já bombardeou o país com misseis hipersônicos que ficam fora do alcance do radar e anunciou o desenvolvimento em escala da arma nuclear Poseidon (imagem), um torpedo Autônomo Nuclear com capacidade intercontinental, como depende de submarinos pode atingir cidades costeiras praticamente em todos continentes.

O Vice-Presidente do Conselho de Segurança e ex-presidente da Rússia Medvedev afirmou que quem tem armas nucleares não perde uma guerra, e a declaração é vista como uma ameaça ao envolvimento de países europeus e dos Estados Unidos, agora vistos como envolvimento direto pelo envio declarado de armas, embora o presidente da Alemanha afirme que a escalada não envolverá a OTAN.

Analistas de todo mundo, entre eles o chamado “relógio Juízo Final” (Doomsday Clock) simbólico, que começou após o fim da segunda guerra, adiantaram o “relógio” para 90 segundos da meia noite, devido a guerra na Ucrânia e a escalada de ameaças entre o Ocidente e a Rússia.

Em 1945, criado pelo biofísico Eugene Rabinovitch e organizado pelo Bulletin of Atomic Scientists, o Doomsday Clock contou com cientistas como Albert Einstein, J. Robbert Oppencheimer e Marx Born, até hoje são cientistas renomados que mantem esta análise, o horário 23:58:30 é o mais próximo desde sua criação.

A OMS também analisa suspender o estado de “emergência de saúde pública de interesse internacional”, eufemismo para declarar o fim da pandemia, o que é preocupante porque só na China foi resultado mais de 170 mil mortes nas últimas semanas, e a variante kraken segue em expansão, com isto o socorro de nações com dificuldades sanitárias e uma política global de combate ao vírus fica debilitada.

Não acredito que a atual crise, que inclui e se fundamenta em valores culturais, possa se dissipar, porém atitudes de paz e cuidado com a vida podem nos dar algum alerta, as autoridades devem ter isto presente.

Adendo:

Após a publicação deste post, veio a declaração oficial da OMS: “Não podemos controlar o vírus da covid-19, mas podemos fazer mais para lidar com as vulnerabilidades das populações e dos sistemas de saúde”, disse seu diretor Geral Tedros Adhanom esta segunda-feira (30/01/2023).

 

O que é inteligência artificial e qual ética é necessária

25 jan

Normalmente IA tem sido caracterizada como “fazer o tipo de coisas que a mente é capaz de fazer” (Boden, 2020, p. 13), porém esta dimensão não tem uma dimensão única e podemos abordar “um espaço estruturado com diferentes habilidades de processar informação” (idem).

O desenvolvimento atual acrescenta “avatares de realidade virtual e os promissores padrões emocionais desenvolvimento para os robôs ‘para o acompanhamento pessoal” (Boden, pg. 14), o que tem sido chamado de assistentes pessoais, como o Siri, o Cortana e modelo de diálogo ChatGTP que é em código aberto e já exige regulamentação especial, por exemplo, a prefeitura de Nova York proibiu o uso nos níveis iniciais de escolarização.

Os chatbots já são conhecidos a algum tempo, porém são bem mais simples, o ChatGPT (Generative pre-Trained Transformer) é uma ferramenta simples e intuitiva, que o usuário usa e treina a partir dos conceitos de IA de Learning Machine, aprendizagem de máquina e portanto cresce em complexidade e capacidade de interação com o usuário na medida que é usado.

A influência em filosofia também é sensível, especialmente nas áreas cognitivas onde são feitas tentativas de explicar a mente humana, neste campo uma recente polêmica foi o fato de um engenheiro da Google afirmar que a plataforma de IA LAMBDA (Language Model for Dialogue Applications), era senciente (que é diferente de consciente), já publicamos um post e não desenvolvemos aqui devido a complexidade do tema.

O tema já teve inicio de discussão na Câmara Federal do Brasil e está para entrar em pauta no Senado Federal, através do projeto de lei PL 20/21, entre outras coisas estabelece um marco legal no desenvolvimento e uso de inteligência Artificial (IA) pelo poder público, empresas, entidades diversas e pessoas físicas, estão sendo ouvidos juristas renomados e especialistas da área.

Outra área preocupante que deve-se ter cuidado é o uso de IA na criação de “vida artificial”, “que desenvolve modelos computacionais das diferentes características de organismos vivos”, nesta área se destacam o desenvolvimento de algoritmos genéticos (AG). (Boden, 2020, p. 15).

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: Ed. UNESP, 2020.