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A unidade e o terceiro incluído
A polarização, o dualismo e a ontologia binária (o ser é e o não-ser não é) estão tão presentes nas relações humanas do cotidiano que é difícil pensar numa terceira hipótese, porém a física quântica já a descreveu e mais do que seu efeito fantasmagórico (Einstein, Podolski e Rosen assim o chamaram e este efeito ficou então conhecido como EPR), há um efeito na vida real, os computadores quânticos vem aí, e seria bom que a filosofia acordasse de seu sono racional (que nada tem de líquido nem de sólido), e despertasse para uma nova realidade.
A lógica clássica aristotélica justifica a exclusão de um terceiro termo e ela prevaleceu até recentemente é ela que está na base das filosofias fundamentalistas, racistas e cientificistas, que fundamentam também o princípio do terceiro excluído que separa o “bem” do “mal” (o maniqueísmo) segundo esta lógica:
- Axioma da Identidade: “A é A”
- Axioma da Não-Contradição: “A não é não-A”
- Axioma do Terceiro Excluído: “não existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A”.
A lógica da física e também do cientificismo (não é a verdadeira ciência) estabelece isto, porém a contradição entre identidade e não-identidade é observada pela física quântica, sendo chamada de princípio da superposição quântica, cujo efeito foi estudado dentro da física chamado de “tunelamento” observando partículas qu transpõe o estado classicamente proibido.
A lógica do terceiro excluído foi primeiro enunciada pelo filósofo Stéphane Lupascu (1900 –1988), onde existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A, seu formalismo axiomático prevê que coexiste com a dinâmica da heterogeneidade (a qual pertence a matéria viva e o complexo universo), com a da homogeneidade (a qual governa a matéria física macroscópica), e assim existem diferentes “níveis de realidade”, claro toda o cientificismo fica em cheque.
Esta nova lógica (nível Q) não abole a lógica aristotélica do “sim” e do “não” (nível C), uma vez que apenas não se considera a existência de dois termos, mas além destes um terceiro (T) (veja a figura).
O primeiro a estabelecer os diferentes níveis de realidade foi Barsarab Nicolescu (1942- ), ele descreveu uma mudança de um nível de realidade para outro com leis, novas lógicas e conceitos próprios de cada nível, e assim estabeleceu o conceito da transdisciplinaridade, que também engloba a complexidade.
Esta lógica admite estabelece para a transdisciplinaridade três pilares:
- Diferentes Níveis de Realidade
- Lógica do Terceiro Termo Incluído
- Complexidade
Assim deve-se admitir, por exemplo, que entre duas pessoas existe um terceiro nível de realidade no qual nenhuma das lógicas pessoais estão submetidas e podem e devem ter uma abertura suficiente para uma nova realidade, da qual emerge um novo horizonte e uma nova percepção da verdade.
Não se trata de relativismo onde a verdade não existe, mas sim um estado de equilíbrio rigoroso, aceitar que entre os polos de uma contradição, existe uma semi- atualização e uma semi-potencialização igual para os dois pólos, este é o estado T.
Isto muda a lógica científica, alguns como o físico Fritjof Capra desenvolveram teorias científicas e até certo ponto místicas para esta nova compreensão dos “níveis de realidade”, as verdades da fé não são fundamentadas em princípios científicos, mas estes podem ajudar a que não ocorram desvios fundamentalistas e é possível encontrar processos análogos em leituras bíblicas.
Uma passagem que penso ser fundamental é a de Mateus 18,20: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles”, assim a verdade emerge entre os homens e não na consciência e sabedoria individual de cada homem, em termos bíblicos pode-se dizer que aqueles que de fato reúnem-se em torno da palavra e dos ensinamentos de Jesus podem ter uma iluminação especial com sua presença, a instrumentalização e manipulação do seu nome não é “presença”.
Também Sócrates afirmou que a verdade não está com os homens, mas “entre os homens” isto indica reconhecer a dignidade do Outro e respeitá-lo seja quem for.
Mistério não é ignorância
Histórias de culturas, de tradições culturais que envolvem o imaginário, e o próprio imaginário são envoltos em mistérios, mas não se deve confundi-los com ignorância ou superstições, é isto que pode-se ler no livro do quase centenário Edgar Morin “Conhecimento, Ignorância e Mistério”. le-se aí muito sobre o conhecimento, algo sobre a ignorância e o essencial sobre o mistério, a dosagem de Morin é perfeita e um bom remédio para o pandêmico.
Ele prepara um livro para a pandemia, mas como sempre se antecipa à história espero ler e acredito que ele é um dos poucos que pode falar sobre o novo nomrla ou o pós-pandêmico justamente porque enfatizou numa de suas conferências que a crise sanitária nos pegou de surpresa e nos colocou de joelhos.
Além de livros planetários como “Terra Pátria”, sobre epistemologia “O Método” em seis volumes, é um dos raros que se arriscou a trilhar novos caminhos em nossos dilemas globais através de “Para Sair do século 20” e “Diante do Abismo”, porém neste livro de 2018, o seu salto é sobre o mistério sem escorregar pelos caminhos fáceis da crendice e da ignorância, questiona tanto o fetiche da razão como o determinismo materialista, entre suas diversas obras estão os Estudos Transdisciplinares feito num no Centro destes estudos em Paris com o filósofo, importante para o mundo digital Michel Serres, recentemente falecido, e proclama que podemos com a disciplinaridade e com a excessiva especialização caminhar para um novo “obscurantismo”.
Separa claramente a ignorância do mistério, para ele ““Só podemos apreender o real por meio das representações e interpretações. A realidade do mundo exterior é uma realidade humanizada: não a conhecemos diretamente, mas por meio do nosso espírito humano, traduzida/reconstruída não só pelas nossas percepções, como também pela nossa linguagem, nossas teorias ou filosofias, nossas culturas e sociedades”, e o mistério é para ele equacionado pela transdisciplinaridade como “a contradição a que chega todo conhecimento aprofundado não é erro, mas última verdade concebível”.
Valoriza o mistério como caminho de descoberta e conhecimento: “O conhecimento complexo é o caminho necessário para chegar ao incognoscível. Caso contrário, continuamos ignorantes da nossa ignorância. O mistério em nada desvaloriza o conhecimento que a ele conduz.”
Chama o nosso meio atual como tendo uma “cultura do cancelamento”, uma meia-sola mais rancorosa nas velhas patrulhas ideológicas, e elas parecem agora recrudescer com o retorno da polarização ideológico, que no pós guerra criou uma tensão constante em toda humanidade.
Que lembra quando as crianças tapam os ouvidos e emitem cantilenas miméticas (ele chama de guturais) para não ouvir interlocutores que as contradizem (se você nunca fica sabendo que pode estar errado, estará certo para sempre), assim a polarização e radicalização parece vir da educação berçária.
Não é só o meio natural que precisa de biodiversidade, o meio cultural e a democracia também precisa, como afirma Morin na verdade “dependem da biodiversidade”, estamos dispostos a conviver com o que é diferente ou desejamos eliminá-lo, a resposta dada em escala global é assustadora, está sim não é mistério para ignorância e desprezo pelo Outro.
MORIN, Edgar. Conhecimento, Ignorância, Mistério. 1ª. edição. BR: Bertrand do Brasil, 2020.
Para vocês quem é A verdade ?
O certo é que a verdade é quem e não o que porque o que será só um objeto e esta verdade só poderia ser estabelecida por uma relação dual: do sujeito com o objeto o qual ele interpreta, é por isto que caímos no relativismo ou na pura doxa, a opinião, a verdade só pode ser estabelecida na relação om o Outro, na filosofia socrática, a verdade não está com os homens, mas está entre eles, na sua relacionalidade.
Porém o estabelecimento desta verdade requer o desvelamento ontológico, não é simples porque embora seja intrínseco ao ser, o que ocorre a partir do idealismo é um grande velamento do ser, somente a partir de Heidegger vai se pensar este desvelamento, mas ainda permanecemos na noite do pensamento e da cultura.
O ser na relação com os objetos, que é também intrínseca do ser, ele é substância material, a hylé grega, da qual surgiu o hilemorfismo (teoria que agrega hylé e morphé) segundo a qual todos os seres corpóreos são compostos por matéria e forma, que a partir da escolástica é pensada como substância.
As consequencias desta verdade ontológica tem impacto na antropologia filosófica, a que estuda como o homem pode compreender-se, assim um sentido metafísico é recuperado e pode-se discutir o homem também num sentido escatológico, de onde vem e para onde irá, ou teleológico como prefere a literatura convencional.
Filósofos como Bernar Groethuysen afirmou que “a reflexão sobre nós próprios, reflexão sempre renovada que o homem faz para chegar a compreender-se”, já Landsberg dirá de outra forma: ”explicação conceitual da ideia do homem a partir da concepção que este tem de si mesmo em determinada fase de sua existência”, mas a pergunta cabe a todos e para você quem ou o que (para a pergunta não ser direcional) é a verdade ?.
Se a pergunta é hilemórfica, o homem veio do pó e ao pó retornará, mas há uma resposta aórgica, especial para nossos dias, a sua forma ou estrutura poderá mudar e assim haverá uma mudança, aquilo que Fritjof Capra chamou de reinvenção do homem, e que eu pensando como cristão, uma mudança em sua alma.
Após uma longa convivência com os discípulos é a pergunta que também Jesus vai fazer aos seus discípulos (Mt, 16:13-14): “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem “ Eles responderam: “alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias, outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”, porém quem é hoje para nós, não para os não crentes, mesmo para cristãos ainda parece ser um personagem enigmático, milagreiro, histórico, político ou era mesmo Deus ?.
A verdade pode parecer simples demais, não ter uma lógica profunda intrincada, não ser ligada a nenhuma forma de poder ou política temporal, mas e se for Ele a verdade ? quanta coisa mudaria na vida do planeta, como mudaria nossa visão da pandemia, da distribuição dos bens e da solidariedade ?
Aos que não creem e se for mesmo Verdade, poderia ser uma grande resposta em tempos de pandemia e de dificuldades sociais, mas a pergunta d´Ele próprio para nós está aí, teríamos coragem de responde-la a todos os homens ?.
A verdade é lógica, ontológica ou poder
Os sofistas diziam que o homem é a medida das coisas (Protágoras), não para afirmar qualquer princípio ontológico, apenas para reafirmar o status quo vigente que em última instância é o poder, usavam para isto a arte da persuasão (Górgias) e por último afirmavam a conveniência do mais forte (Trasímaco), quase todos aparecem nos diálogos de Platão, através dos diálogos de Sócrates) e cuja preocupação era contestá-los para afirmar a democracia da polis.
Depois vivemos vários séculos organizando as leis até fazer a passagem da cidade-estado grega para os burgos pós-idade média, onde o liberalismo vai crescer até tornar-se o Estado moderno, criando o conceito de nação e o contrato social que rege determinado povo.
Para a visão epistemológica moderna, a verdade está ligada ao objeto (a coisa em si) e isto o torna relativa, pois está submetida ao espaço, ao tempo e às categorias, este conceito vem de Aristóteles, mas foi sobre ele que o pensamento da idade média se dividiu entre nominalistas e realistas, mas para ambos e também para Descartes que vai estabelecer a res-extensa (matéria), a res-cogitans (coisa pensante) e a res divina (coisa pensante perfeita, infinita).
É Kant que faz a ligação da coisa pensante sobre o objeto tornando-se relativa, pois tal verdade é ao sujeito cognoscente tendo então uma face subjetiva, própria do sujeito, para ele a “coisa em si” (o objeto) transforma-se em “a coisa em mim” (sujeita a subjetividade).
Isto significa que diante do objeto, a consciência desenvolve o trabalho na produção da verdade de acordo com o espaço em que esse objeto está ocupando, o tempo que ele está situado e em que categoria se encaixa, trata-se então de categorizar e organizar os objetos em torno de conceitos.
Não é difícil entender que isto cria uma estrutura lógica que vai num primeiro instante criar uma lógica positivista e mais tarde um empirismo lógico, ou um neologicismo, em ambas correntes qualquer aspecto metafísico é negado, assim a lógica não é mais função de uma construção argumentativa, mas de um cálculo de proposições que segue uma estrutura lógica, em última instância é também o que justifica o poder e suas maquinações.
Retornamos as narrativas sofistas, a ideia de que é o poder que diz o que é verdade, então trata-se de conquistá-lo muitas vezes numa lógica na qual os fins justificam os meios, assim justifica-se a corrupção, a ausência de virtudes morais e até mesmo a morte.
A verdade ontológica parecia ter sucumbido, mas foi a hermenêutica e a fenomenologia as raízes que recuperam a ontologia moderna, Franz Brentano vai usar uma subcategoria do conceito ontológico de consciência, ao elevar a intencionalidade a uma categoria superior e torná-la “fenômeno mental”.
Husserl aluno de Brentano, vai recriar a intencionalidade e retirá-la do aspecto psicológico ainda com resquício empirista, e vai dizer que só tem sentido chamar de consciência, a “consciência de algo”, isto significa que não existe consciência da coisa-em-si, mas a intencionalidade na consciência de algo.
A intencionalidade distingue a propriedade do fenómeno mental: ser necessariamente dirigido para um objeto, seja real ou imaginário. É neste sentido, e na fenomenologia de Husserl, que este termo é usado na filosofia contemporânea, também por Heidegger, mas que vai recuperar e transformar a ideia do Ser.
Entretanto é necessário lembrar que Heidegger em O meu caminho na fenomenologia, deveu-se a leitura em 1907 da dissertação de Brentano escrita em 1862: “Da múltipla significação do ser em Aristóteles” (Brentano, 1862) e isto significou uma retomada do caminho de seu mestre Edmund Husserl.
Heidegger ao contrário de Brentano nega a caracterização fundamental do ser como substância, uma vez que, Brentano ainda estava ligado à tradição interpretativa medieval, desconsiderando a dimensão do papel na linguagem, por isto dirá com propriedade que é uma “questão nova” o seu Dasein.
O ser-verdadeiro (a verdade ontológica) como ser-descobridor [Wahrsein (Wahrheit) besagt entdeckend-sein] é o modo de aparição da aletheia, é o que Heidegger dá o nome de desvelar, pegando-o ao pé da letra (mas traduzido, o que já é uma interpretação):
“O enunciado é verdadeiro significa: ele descobre o ente em si mesmo. Ele enuncia, indica, “deixa ver” (apophansis) o ente em seu ser e estar descoberto. O ser-verdadeiro (verdade) do enunciado deve ser entendido no sentido de ser-descobridor.” (HEIDEGGER, 2009, p. 289)
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 4ª ed. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: São Paulo, 2009.
A pandemia e a doxa
A mera opinião sobre temas tão complexos quanto o tratamento da pandemia expôs o mundo da mera opinião ou da “doxa” como os gregos chamavam aquilo que era oposto a episteme, ou o conhecimento organizado e sistematizado.
O número de soluções curiosas no combate ao vírus é enorme: usar limão até ozônio, os remédios que são efetivos para outras doenças como o uso da cloroquina para malária, usos de chás e águas quentes, determinadas frutas e legumes, a FioCruz que acompanha o desenvolvimento da vacina de Oxford fez uma pesquisa, que dá como 73% falsas as notícias sobre curas do coronavírus no Whatsapp, em sua grande maioria são receitas caseiras sem efeito nenhum sobre a doença.
Toda a vida no tempo de Platão (428/427 a.C. – 348/347 a.C.) acontecia em torno da polis, onde já haviam então o cidadão da polis, o político, porém ainda dominavam os sofistas, que buscavam apenas argumentos para favorecer o poder, sem se preocupar com a justiça e a verdade.
No livro República de Platão o termo episteme, que antes suportava a possibilidade de ter habilidade para algo, agora adquire o conteúdo de saber pleno de certeza, um saber evidente que é ligado a realidade do Eidos (a Ideia para os antigos), com isto episteme é conhecimento verdadeiro e totalmente oposto a doxa, reduzida a simples opinião.
É na relação entre epistemologia e ética, que é possível considerar a ação sob um ponto de vista da doxa, embora não signifique um fundamento deste tipo de saber ético em Platão, pois ele aparecerá com Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), em especial no seu livro “Ética a Nicômaco”.
O problema da determinação destes conceitos ligando-os a questões éticas aparecem nos primeiros diálogos até a República, que se mantém depois no diálogos sobre as Leis, tornando possível abordar esta questão em diálogos posteriores.
Platão usa os conceitos de nous (República VI 511d4) e noesis (República VI 511e1), a doxa está no mundo da realidade sensível, enquanto a episteme está no conhecimento dianoético (dianoia, é a forma de pensar menos elevado que a noesis) que tem por objetos os noeta, mas são inferiores a dialética (República VII 533d).
Aristóteles vai negar a existência de eide (pensamento puro) em termos platônicos, assim sua episteme vai designar para ele o conhecimento das causas necessárias (está desenvolvido nos primeiros analíticos) e consiste de na demonstração (apodeixis) e na sensação (aisthesis) tornam-se necessárias para a episteme.
Para não complicar muito, os gregos foram, é na Metafísica (E 1, 1025b-1026a) que o termo episteme vai designar uma organização sistemática dos conhecimentos racionais, chegando assim a apontar para o conhecimento teorético, em sua oposição ao conhecimento prático e poiético (Ética a Nicômaco VI 3, 1139b14-36).
Seja qual for a forma de conhecimento sistemático, a ciência tem seus caminhos e negá-los é colocar toda a humanidade a prova, nem receitas caseiras, nem vacinas sem as condições de testes são aceitáveis, é preciso prudência já pagamos um preço demasiado pelas mortes na pandemia, que a cura seja para eliminar as possibilidades de reinfecção e efeitos colaterais, é a dose do veneno que faz o remédio, porém o inverso é verdadeiro também.
Pós-Deus ou reinvenção do humano
A poucos dias li na Folha de São Paulo (em nota online) que o famoso físico-místico Fritjof Capra (Tao da Física) disse que a pandemia é uma “Pandemia é resposta biológica do planeta”, e também falou em sua conferência no debate temático Fronteiras do Pensamento sobre a “Reinvenção do humano”, no qual falaram também o economista Paul Collier e o escritor francês Alain Babanckou.
Em sua palestra supõe um despertar em 2050 e visualizar o mundo e suas transformações pós-pandemia, já bem definidas, o que ele e a futurista Hazel Henderson propuserem são perspectivas imagináveis, as quais olhando para o passado verificaram as falhas e condições da humanidade, e quais mudanças seriam percebidas, penso que sim pensando num cenário distante, pensei uma reflexão bem mais válida do que pensar no ano que vem.
No pensamento do físico-místico austríaco ele considera que uma consciência expandida ajudaria a superar as limitações cognitivas (e culturais acrescento), os pressupostos e ideologias equivocadas que ficaram para trás nas crises do século XX, a forma míope de avaliar tudo a partir dos preços e métricas de desenvolvimento e produtivistas, como o PIB, acabaram por permitir enormes perdas sociais e ambientes e a destruição das funções dos exossistemas planetário.
Pouco se fala sobre a persistência das religiões e as respostas que também elas podem dar e o papel que jogarão numa etapa pós-pandêmica, embora não explicitada pelo físico e nem pelos economistas que falam nesta conversa temática, a reinvenção do humano, mas suas raízes aórgicas, viemos do inorgânico, da terra seja por processões químicos, pelas mãos ou sopro divino, o certo é que fomos criados, assim uma escatologia completa não falará só do pós-humano, mas do pré-humano.
De onde viemos, do pó dos planetas, agora que podemos olhar aos milhares em todo cosmos como telescópios que são como a reinvenção da luneta de Galileu que sacudiu o século XVII, agora estamos olhando para um infinito cada vez mais enigmático, como partículas de Deus e como colapso de matéria em buracos negros, o que nos espera, não é apenas um pós-Deus, mas a reinvenção de uma cosmologia capaz também de dar ao homem a sua crise, cuja pandemia é só um sintoma.
Escreveu Peter Sloterdij em seu “Pós-Deus”, que a mitologia grega: “tinha previsto a vingança do tempo contra a eternidade de longe, quando se permitiu a alusão segundo a qual até mesmo os deuses imortais precisariam aprender a conviver com um destino de ordem superior” (Sloterijk, 2019, pag. 12) e os gregos chamavam isto de Moira, mas e este destino também preveja o Matris in Gremio escatológico, descrito pelo próprio Sloterdijk em “Esferas I: bolhas” (veja nosso post).
Aproveitando a alusão a rebeldia da natureza de Fritjof Capra, e se ela não se realizou ainda completamente, o pós-pandemia pode prever uma rebeldia aórgica de fora do planeta, e se Moira queira ainda ter uma última palavra, que era três e não apenas uma Cloto, Láquesis e as Átropos, que teciam os fios do destino (figura).
Enquanto Cloto significa fiar, Láquesis significa sortear, lembre-se o significado de Fortuna para os gregos, e, Átropos, significa afastar, num sentido escatológico, ou seja um fim, mas não um final, pode ser que depois de tudo se afaste o fim último e se tenha então uma nova esperança, quem sabe uma nova “iluminação”.
Sejam quais forem estes afastamentos da realidade, todos tornam-se importante num momento trágico, afinal a tragédia não é o que parece, e o romantismo e ilusionismo da modernidade é que mostrou sua verdadeira face de horror, envolto em belas palavras, promessas de felicidade e “bem-estar”.
Os cristãos, nos quais me incluo, sabedores desta “noite de Deus”, tem esperança em uma nova manifestação aórgica, afinal ela está no princípio da vida humana e deverá estar também nesta reinvenção do humano para um planeta que seja casa de todos.
Sloterdijk, Peter. Pós-Deus. Trad. Markus A. Hediger. RJ: Vozes, 2019.
Se a Europa (e o mundo) despertarem
Peter Sloterdijk se perguntava se uma Europa destruída por uma guerra em 1945 poderia ser vista como uma metáfora para um império moderno e esclarecido as vésperas de um novo século, era um ambiente mais otimista daquele tempo, porém o filósofo já havia previsto a guinada violenta da política norte-americana e uma possível crise mundial.
A pandemia parece ter unido a Europa, exceto o Reino que se diz unido, mas parece que não é, uma política de recuperação que sustente a economia “doméstica”, isto é, aquelas empresas e negócios que tradicionalmente sustentam das diversas nações européias podem ter uma nova injeção de animo (e de dinheiro) para se recuperar.
O livro de Sloterdijk Se a Europa Despertar, de 2002, tinha apesar de algum otimismo de uma “nova Europa”, a ideia que os europeus não se voltam a seus fundamentos histórico-filosóficos para buscar uma orientação baseada numa “mitomotricidade” que vai de encontro aos mitos fundadores que resultaram de esplendores culturais, filosóficos e políticos que a Europa se julga herdeira, mas podemos pensar nisto depois de uma trágica safra de totalitarismos e guerras mundiais?
Edgar Morin prepara seu mundo sobre a pandemia e apesar de toda expectativa, ele sempre tão otimista parece agora não estar, em uma entrevista em novembro de 2019 ele afirmava que apesar de “caminharmos como sonâmbulos em direção a uma catástrofe”, ele não deixou uma ponta de esperança “resistir ao ditame da urgência … a esperança está próxima.”
Porém o clima é sombrio, com as nuvens pairando nas relações China e EUA, e nas relações com a Turquia e parte do mundo árabe não tão amistoso com o ocidente, que resposta um mundo em ebulição poderá ter, é a pergunta que fica.
Os ânimos estão exaltados e a sociedade da velocidade e do cansaço parece não ter cedido muito espaço a uma pausa, mesmo a pandemia impondo isto a todos, passados 6 meses parece que não há mais política equilibrada que convença os cidadãos a civilidade, a compaixão e a solidariedade.
Em meio a um mar agitado, os discípulos quando viram Jesus andando sobre as ondas gritaram “é um fantasma”, porém logo Ele lhes disse “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,26-27), a crise é para os valentes e para os visionários, que lideranças e líderes realmente fraternos e solidários nos ajudem no pós-pandemia e num mundo com aspectos sombrios.
Aos que desejam um mundo mais fraterno, o respeito as diferenças e minorias, o apreço aos que sofrem, há algo a esperar no pós-pandemia.
Simplismo ou complexidade
William Ockham proclamou que entre duas explicações sobre determinado fenômeno deve-se ficar com a mais simples, este princípio ficou conhecido como navalha de Ockham, mas o que fazer com problemas que são complexos, como é o caso da atual crise do corona vírus, as explicações mais simplistas são fake News, teorias da conspiração ou simples mentiras.
O problema da complexidade veio da Biologia, o problema ecológico e os ecossistemas mostraram que os fenômenos estão mais interligados do que pensou-se antes, há toda uma cadeia alimentícia indo dos organismos mais simples, celulares até os mais complexos e neste inclui-se o homem.
Porém a Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida, assinada pelo serigrafistas Lima de Freitas, pelo Barsarab Nicolescu, escrito em 15 artigos, destacava “ … a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais acumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas consequências sobre o plano individual e social são incalculáveis” (Arrabida, Portugal, 1994).
Como método foi Edgar Morin que pensou a complexidade, escrito em seis volumes: Método 1 – A natureza da natureza (1977), o Método 2 – A vida da vida (1980), Método 3 “O conhecimento do conhecimento” (1986), Método 4 – “As ideias: habitat, vida, costumes e organização” (1991), Método 5 – “A humanidade da humanidade: a identidade humana” (2001), e o Método 6 – “A ética” (2004), porém a questão epistemológica desenvolvida numa palestra de dezembro de 1983, em Lisboa, que tornou-se um livro, publicado em português em 1985.
Em essência o pensamento sobre complexidade é delineado em três conceitos novos: o operador dialógico (entendido como diferente do dialético), o operador recursivo (que significa entender as consequências dos atos, numa relação causa-efeito que produz nova causa) e o operador hologramático (a parte está no todo e o todo está na parte, não se separa todo e parte).
Assim pode-se resumir da Transdisciplinaridade ao Complexo como um problema essencial do humanismo, somos 100% natureza, 100% cultura sem haver dualismo entre ambos, resolvendo a pergunta sobre o que somos como homem “natural”, assim tanto o problema ecológico quanto o humanismo estão interligados, o problema da natureza é um problema humano e o problema de fundo do homem é sua relação com a natureza incluindo o Outro como parte de sua natureza, independente de raça, cor e credo.
Divisão da cultura grega e a judaico-cristã
Foi Karl Popper que chamou a atenção para a origem do iluminismo moderno, assim não é possível uma crítica ao idealismo e empirismo iluminismo contemporâneos sem uma releitura atenta da história do pensamento ocidental.
Primeiro porque é a história do pensamento, grande parte da noite civilizatória está na crise do pensamento, alerta Morin, e também Marx ao fazer a Crítica em Teses sobre Feuerbach (1845) apontou na verdade ao idealismo presente no cristianismo moderno, porém a raiz judaico-cristã é outra, a divisão se dá em dois pontos da história a libertação pelos Macabeus (167 a.C. – 37 a.C.) e as incursões do apóstolo Paulo.
Voltando ao iluminismo pré-socrático, raiz do pensamento ocidental, Popper fez uma incursão pelos três maiores filósofos deste período Xenófanes, Parmênides e Heráclito: “maior e mais inventivo período da filosofia grega”. O autor constata que a “aventura do racionalismo crítico grego”, e identifica um princípio de crise já em Aristóteles que após desenvolver sua episteme: “matou a ciência crítica, para a qual ele mesmo fez uma contribuição capital.”,
Conforme desenvolve Popper “foi essa concepção de conhecimento demonstrável, apresentada por Aristóteles, que eclipsou a atitude crítica desenvolvida pelos pré-socráticos, e assim toda a herança moderna desta “lógica” demonstrável, porém admitindo-se o desenvolvimento de Popper como este iluminismo tendo raízes ontológicas (e não lógicas), a famosa máxima de Parmênides: “o ser é e o não ser não é”, não havendo terceira hipótese além da lógica dual e um terceiro incluído, além do clássico terceiro excluído, não há terceira hipótese T (na figura).
Também no cristianismo há uma terceira pessoa, na relação entre Pai e Filho há o Espírito Santo, e não é só espírito.
Somente no século XX com a física quântica formulando a hipótese já comprovada de um terceiro estado da matéria chamando de “tunelamento”, e a proposta de Barsarab Nicolescu do terceiro incluído, é que pode-se pensar em um ser e não ser simultâneos.
Não se trata de afirmar o paradoxal da existência de algo e seu contrário, haveria uma anulação recíproca evidente, não haveria nenhuma possibilidade de previsões e a própria abordagem científica do mundo seria colapsada, o que a Física Quântica admite, e nisto se fundamenta Barsarab, é que existem inúmeras conexões imutáveis sobre as quais se pode realizar uma experiência ou interpretar os resultados, é ao mesmo tempo o “princípio da incerteza” de Heisenberg e o método da “falseabilidade” de Popper.
Ela não abole a lógica do Sim e Não de Parmênides e Aristóteles, apenas admite uma terceira hipótese, as consequências filosóficas, sociais e políticas são evidentes, a científica é o que foi formulado como transdisciplina-ridade, enquanto estamos confinando a uma teoria disciplinar especializada a terceira hipótese parece infundada ou inexistente, se olhar de um outro ângulo ela aparece, porém o idealismo reduziu este olhar e tornou-o especialista.
A cultura jadaico-cristã também se viu reduzida e confundida com este simplismo, e com isto tornou-se idealista também, apesar de uma origem diferente.
O pensamento complexo de Edgar Morin vai na mesma direção, mas deixemos isto para o próximo post.
POPPER, K. O mundo de Parmênides: o iluminismo pré-socratico. Tradução: Roberto Leal Ferreira. SP: UNESP, 2014.
A noite escura da humanidade
Assistir a debates políticos ou mesmo questões relevantes da vida pública, um breve olhar sobre a cultura e a religião, qualquer angulo que se olhe o momento agravado pela pandemia, é relevante que se aponte os traços confusos deste momento civilizatório.
É fato que já passamos por outra pandemia, em números assustadores a chamada “gripe espanhola” em meio a 1ª. guerra mundial, foi um grande e humanitário desastre que desafiou a humanidade, e mesmo assim depois veio a segunda guerra, os campos de concentração e a bomba de Hiroshima, porém os contornos deste momento parecem ainda mais graves, há uma crise do pensamento.
O que se observa são frases feitas de impacto duvidoso, apelos ao otimismo impossível diante do quadro pandêmico ou a esperança “depois que tudo isto passar”, porém na medida em que a vacina não chega a realidade vai impondo, até mesmo aos sábios de plantão um pouco de sobriedade, porém ainda sem a solidariedade e humanidade que seriam desejáveis.
A crise do pensamento já apontada por Edgar Morin, Nicolescu Barsarab e muitos outros, para além do debate científico e técnico, é a dificuldade de compor elementos que deveriam ultrapassar os limites das especialidades para resolver problemas além da doença, do social e do religioso, para atacar em conjunto o problema seria necessária uma visão de conjunto e não uma empobrecida visão disciplinar de especialistas.
Quando menos se enxerga por pura e simples análise, mais escura esta noite se torna, os fundamentos perdidos, ainda que possam e devam ser superados os alicerces civilizatórios: a cultura grega, a religiosidade judaico-cristã que tantos sábios teve, também a islâmica com Avicena, Averróis, Al-Khwarismi e mais recentemente Abdus Salam, que ganhou o prêmio Nobel de Física em 1979.
A ciência ainda segue fortemente ligada ao positivismo e logicismo de dois séculos atrás, enquanto Karl Popper, Tomas Kuhn ou Bachelard ainda são pouco conhecidos e confinados em rodas de “especialistas do método científico” que indica uma leitura rasa destes questionadores da ciência convencional.
O século passado nos deu Gustave Klimpt, Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali, a arquitetura arrojada de Antoni Gaudi, do brasileiro Oscar Niemeyer, mas as fachadas retas, o abuso dos vidros e cristais que aparecem pela primeira vez no Palácio de Cristal (foto), estrutura arquitetônica inglês ado século XIX que invocava centro de recreações para “educação do povo”, citado por Sloterdijk e seu discípulo Byung Chul Han como representante da arquitetura atual, como centros de consumo e “uma forma arquitetônica foi proclamada como a chave para o capitalismo. condição do mundo” (SLOTERDIJK, 2005, P. 279).
A grandeza e a novidade cotidiana do Criador são um grande contraste com religiões repetitivas, ultrapassadas e que nada dizem ao mundo atual, sobre a pandemia oscilam entre a simples adesão ao discurso corrente a modelos de solidariedade e de defesa da vida muito frágeis para a tragédia pandêmica.
Há uma beleza e uma novidade que jorra da vida todo dia, mas o que persiste é uma mesmice incapaz de dar esperança a uma pós-pandemia melhor, a verdadeira ciência, a cultura e Deus nada terão a ver com esta miséria que virá, claro se tudo não mudar e houver um arroubo de luz e de sanidade.
SLOTERIJK, P. Crystal Palace, Chapter 33 of in Globalen Inneren Raum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (In the Global Inner Space of Capital: For a Philosophical Theory of Globalization). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2005, pg. 265-276.