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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Apagando incêndios

12 ago

Com iniciativa do Egito e do Qatar, apoiado por outros países, há uma tentativa de um cessar fogo entre o Hamas e Israel que evitaria uma provável retaliação do Irã pelo assassinato do líder do Hamas, Ismil Haniyeh, em Teerã, no final de julho passado.

O Irã considera possível, porém exige um fim de incursões de Israel na faixa de Gaza, Israel se prepara como se a guerra fosse inevitável, e isto levantaria um novo front de guerra mundial entre o Ocidente e agora o mundo árabe.

O outro front na guerra entre Ucrânia e Rússia com um envolvimento cada vez maior da OTAN, a Ucrânia lançou um ataque surpresa em território russo na cidade de Kursk onde se trava intensos combates, com a Rússia fazendo novo recrutamento de jovens para serviço militar.

Duas preocupantes situações em usinas nucleares também ocorreram neste final de semana, uma na cidade de Rostov, onde uma nova usina foi ligada e houve preocupações com uma unidade que teria algum problema de funcionamento, porém o engenheiro-chefe da usina, Andrey Gorbunov, afirmou segundo fontes da imprensa: “estamos trabalhando com a eficiência máxima”, dizendo que eram manutenções de rotina.

Mais grave foi um incêndio no dia de ontem, nas instalações da usina nuclear Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia, neste domingo (11/08), conforme informa a agência Reuters, localizada em zona da guerra, em território ucraniano, mas sob o domínio da Rússia, ambos países trocaram acusações pelo incêndio causado, o presidente da Ucrânia, Zelensky, afirma que a situação está sob controle e os níveis de radiações está normal.

Evgeny Balitsky, um funcionário alocado pela Rússia na região ocupada de Zaporizhzhia, acusou a Ucrânia de iniciar o incêndio bombardeando a cidade vizinha de Enerhodar, e as autoridades russas disseram que a usina “sofreu sérios danos pela primeira vez” devido ao ataque.

Assim o perigo das guerras, que produzem enormes perdas e vidas humanas, o risco de um “acidente”, uma atitude precipitada ou cruel, como assassinatos, pode disparar processos irreversíveis e criar um clima mundial irreversível de guerras e horrores.

A esperança que as forças de paz, e no caso das usinas de forças técnicas competentes, evitem tragédias maiores do que aquelas que as guerras já causam, mortes e desespero humano de civis e pessoas inocentes.

 

O que é Amor afinal

07 ago

Num mundo polarizado e agora a beira de guerras regionais e que podem escalar, falar de amor parece algo inócuo e sem reflexo na realidade, mas há boas obras produzidas pela humanidade.

Paul Ricoeur escreveu e já postamos algumas vezes sobre isto o Le socius e le prochain (O sócio e o próximo), separando interesses do amor ao próximo verdadeiro.

Porém a obra de Hannah Arendt ainda que não seja definitiva quanto ao amor, o próprio orientador Karl Jaspers manifestou isto sobre seu doutorado “O conceito de amor em Santo Agostinho” (edição portuguesa Instituto Piaget, 1996) desenvolveu e se apropriou de algumas categorias fundamentais sobre o tema, não estamos falando de amor erótico nem do familiar.

Segundo o autor George McKenna, em resenha de sua tese, Arendt teria tentado incluir em sua “A condição humana” uma revisão, porém não fica muito claro no livro de Arendt, que apesar disto ele tem bom desenvolvimento.

Se pode também manifestar expressão deste amor na literatura grega antiga, como o amor ágape, aquele que se diferencia do eros e do philia nesta literatura, do ponto de vista cristão o melhor desenvolvimento feito é de fato o de Santo Agostinho.

Primeiro porque ele separou este conceito do maniqueísmo bem x mal, dualismo ainda presente em quase toda filosofia ocidental devido ao idealismo e ao puritanismo, depois porque foi de fato arrebatado ao descobrir o amor divino, escreveu: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava fora!” (Confissões de Santo Agostinho).

Depois o homem deve amar o seu próximo como criação de Deus: […] o homem ama o mundo como criação de Deus; no mundo a criatura ama o mundo tal como Deus ama. Esta é a realização de uma autonegação em que todo mundo, incluindo você mesmo, simultaneamente recupera sua importância dada por Deus. Esta realização é o amor ao próximo (ARENDT, 1996, p. 93).

O homem pode amar ao próximo como criação ao realizar o retorno à sua origem: “É apenas onde eu pude ter certeza do meu próprio ser que eu posso amar meu vizinho em seu ser verdadeiro, que é em sua criação (createdness).” (ARENDT, 1996, p. 95)

Neste tipo de amor, o homem ama a essência divina que existe em si, no outro, no mundo, o homem “ama Deus neles” (ARENDT, 1996, 95).

Também a leitura bíblica sintetiza a lei e os profetas cristãos assim (Mt 22, 38-40): “Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”.

O amor contém todas as virtudes: não se envaidece e não se encoleriza, sabe ver onde se encontram os verdadeiros sinais de felicidade, equilíbrio e esperança, mesmo num mundo conturbado.

ARENDT, Hannah. Love and Saint Augustine. Chicago: University of Chicago Press, 1996.

 

Cresce a tensão mundial

05 ago

O morte do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em pleno território iraniano por “um míssil de curto alcance” que estava no Irã para a posse do novo presidente do Irã Masoud Pezeshkian, elevou a tensão entre Israel e Irã ao nível máximo, e a resposta do Irã será inevitável.

O envio do ex-comandante das tropas na Ucrânia, Valerri Zaluzhnyi, para ser embaixador no Reino Unido, traz também sérias preocupações não só pela proximidade do governo britânico, que certamente se manterá informado das ações militares, o novo embaixador traçou um futuro sombrio e doloroso para o futuro da guerra no leste europeu.

A Ucrânia recebeu os esperados caças F-16 (foto) para reforçar sua defesa aérea, agradecei a Noruega, Holanda e Dinamarca, aparentemente os doadores desta remessa, entretanto ainda espera outras, o resultado político é um envolvimento maior das forças de outros países na guerra.

Países dos Balcãs e da Escandinava já começaram o recrutamento obrigatório para o serviço militar temendo uma expansão da guerra.

Também a América Latina sofre com a controvertida eleição Venezuelana, a agência de notícias AP obteve fotos de quase 79% das atas da eleição e comprovaria a eleição do candidato da oposição Edmundo Gonzáles, enquanto o CNE órgão de Maduro para apuração das urnas deu o ditador como ganhador.

As ruas tiveram vários protestos, e segundo o próprio Maduro já há mais de 2 mil detidos, havendo mortos e feridos nas manifestações que são reprimidas pelas forças militares.

Sempre há esperanças àqueles que acreditam na paz, respeito as diferenças culturais, religiosas e políticas, melhoria na distribuição de renda e socorro às populações carentes, os problemas do mundo atual são justiça e liberdade, a guerra só piora estas condições.

 

O coração e a fé

02 ago

O coração é um órgão vital, irriga o sangue em todo o organismo chegando a todas as células do corpo humano, quando falamos de crenças (elas estão ocultas também em objetos do conhecimento humano, acreditamos que uma coisa é de certa “forma”) não falamos apenas da fé.

Byung-Chul Han ao fazer sua análise partindo dos autores clássicos da filosofia ocidental, aborda uma perspectiva daquilo que vai chamar de “tonalidade afetiva”, se concentrando de modo principal em Heidegger.

Seu livro, diferente de outros que são só ensaios, tem “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger” (Ed. Vozes, 2023), seu primeiro livro a meu ver, com análise nova, humana e a até mesmo espiritual do cerne da filosofia ocidental.

Parte de um conceito caro a civilização judaico-cristã, que é o da circuncisão, porém da circuncisão do coração e não do órgão falido (a pele presa no início do pênis), é preciso lembrar que embora órgão masculino ele é emblema do poder, da autoridade e do desejo, foi culturalmente numa cultura bélica.

A parte de sua visão com sua visão oriental e que tem um sentido espiritual para toda a sua questão filosófica, Han vai desenvolver que é a circuncisão do coração, aquela que modula e rege o afeto, a circuncisão tem um sentido diferente do que é comumente falado, a polêmica entre cristãos e judeus no início da era cristã, é a circuncisão do coração.

A circuncisão é o ato de retirar a pele do órgão sexual masculino, porém mesmo no sentido bíblico já era a do coração, em Deuteronômio se lê: “Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e nãos mais endureçais a vossa cerviz” (Dt 10,6), citando na epígrafe do primeiro capítulo do livro: “Circuncisão do coração” (Han, 2023, p. 7).

Assim, “esta circuncisão liberta o coração da interioridade subjetiva” (Han, 2023, p. 11), e há uma conclusão preliminar surpreendente em Heidegger: “O coração de Heidegger, por outro lado [confronta com Derrida], escuta uma só voz, segue a tonalidade e gravidade do “uno, o único que unifica” (Han, 2023, p. 14-15), para ele é um “ouvido do seu coração” e assim há algo forte de espiritual nisto.

É ali que o ser humano encontra sua essência: “permanece sintonizado com aquilo a partir de onde sua essência é determinada. Na determinação sintonizadora o homem é afetado e chamado por uma voz que soa tanto mais pura quanto mais silenciosamente ela ressoa através do sonante” (Han, 2023, p. 15) citando literalmente Heidegger.

Não dirá que é a fé, e revela a influência budista de seu pensamento, único elo, a meu ver, do autor com o idealismo, pois no budismo há uma elevação apenas pessoal, não há uma Pessoa do outro lado, que ressoa através do sonante, aquela voz do Espirito Santo.

A discordância de Derridá e Heidegger, esclarece o autor: “A ´polifonia´ que Derrida opõe à totalidade não exclui a tonalidade” (pg. 16) diríamos se estes autores Han, Derrida e Heidegger fossem cristãos, que Heidegger e Han seriam monoteístas e Derrida seria politeísta, porém é claro que esta “voz sonante” não é a de Deus, mas do interior.

Han, B.C. Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger. Trad. Rafael Rodrigues Garcia, Milton Camargo Mota. Petrópolis: Vozes, 2023.

 

Construir a vida e não excluir

30 jul

Tanto Nietzsche em A gaia ciência como O pós-Deus de Peter Sloterdijk, afirmaram a morte de Deus, na verdade é só uma tentativa de matar Deus, porque se não existe não se pode matá-lo e se existe é imortal, então só podemos apenas apagá-lo de nossa mente temporariamente pois voltará intuitivamente, a prova é que ateus não O ignoram.

O texto de Nietzsche é claro, mas também foi deturpado: “O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. ‘Para onde foi Deus’, gritou ele, ‘já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis?” (Nietzsche, A gaia ciência, § 125)

Assim não podendo matá-lo destroem seus valores “simbólicos” como a Santa Ceia nas olimpíadas, por exemplo, ou deturpando a história verdadeira do Deus homem: Jesus, como fez a teologia idealista de Ludwig Feuerbach que postamos recentemente, criou um “absoluto” vazio e abstrato, que não pode ser Deus pessoa trinitária.

Porém a reação ao Teocídio hegeliano, aquele de Feuerbach, em que Deus só existe na mente e assim é um algo do pensamento ideal e só com a “transcendência” idealista o alcançamos, há a reação religiosa de se fechar na “comunidade dos eleitos”, dos prediletos de Deus, os escolhidos por critérios que uma certa comunidade determina e o restante são leprosos, pecadores públicos e indignos do “reino”, má semente.

A parábola do joio e do trigo é clara, ambos nascem em um mesmo ambiente, porém uma não dá frutos, não participará da colheita do trigo e será separada como palha.

De certa forma a reação a este Deus elevado, distante dos homens “todo poderoso” não passa de uma visão do poder também mundano e temporário e de uma forma de ascese desespiritualizada, a vida de “exercícios” como preconiza Peter Sloterdijk.

A verdade espiritual é aquela em que todos são incluídos, existe unidade e respeito a todos e ninguém é visto como leproso ou má semente, isto é interpretação farisaica, porém é claro que boa semente dá bons frutos então pode-se olhar a realidade a sua volta, mas sem julgamento preconceituoso ou excludente.

Fundada no perfeccionismo e no moralismo extremado, a moral que é importante e não se deve negá-la, porém, levada ao extremo torna o “vício” muito mais próximo e passível de cair nele, ou seja, são na verdade são falsos moralistas porque não conseguem pôr em prática o que defendem, e são estes falsos exercícios que levam a uma prática de desvios e aberrações morais.

A união destes conceitos com o verdadeiro humanismo, aquele cuja inspiração é divina, não pode e não deve levar a atitudes de exclusão, de isolamento e falta de caridade.

Tudo tem que ser pensado de um modo equilibrado, da política à religiosidade, da família a vida social, da ação social à contemplação.

 

Atos de sabotagem e abertura das Olimpíadas

29 jul

Horas antes da abertura das Olimpíadas de Paris vários “atos de sabotagem” foram realizados de maneira “preparada e coordenada” afetando as linhas ferroviárias da França, o primeiro ministro francês Gabriel Attal descreveu o evento, segundos fontes francesas, como “maciço e grave” e agradeceu aos bombeiros e expressou indignação pelos transtornos ao deslocamento de turistas e franceses.

A cerimônia de abertura foi com uma mensagem estranha e sem a beleza que sempre a acompanhou em versões anteriores, a apresentação de Lady Gaga foi gravada segundo explicações “devido a chuva”, uma cerimônia de pessoas trans numa mesa pareceu uma ironia com a santa ceia (aquela famosa pintura de Leonardo da Vinci) e um mascarado que aparece coma tocha olímpica parece um personagem dos jogos de videogame Assassin´s Creed.

Também o cavalo branco simulando um cavalgar sobre as águas é algo de simbologia enigmática, talvez o cavalo do apocalipse ou alguma alusão a guerra.

Salvo a famosa canção francesa L´Hymme á l´amour de Edith Piaf, interpretada por Celine Dion, desfilaram com a tocha diversos atletas franceses e acenderam um a pira olímpica num balão, cuja iluminação é mantida por um sistema elétrico.

Houve ainda no sábado uma parte de apagão em Paris e o próprio comité olímpico, através do porta-voz do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Paris 2024: “assumimos que ultrapassamos a linha”.

As guerras continuam, a esperança de paz aumentou uma vez que a Rússia pela primeira vez chegou a admitir uma volta ao “acordo de Istambul” anterior a invasão da Ucrânia.

 

Espírito e poder

25 jul

Poder e autoridade parecem se confundir, porém não é verdade na medida em que crescem no mundo governos autoritários e este foi sempre um péssimo sintoma civilizatório porque indica tanto as contendas como no limite delas as guerras.

Byung-Chul Han em seu livro “No enxame” explica após dizer sobre a necessária distância na esfera pública, que as “ondas de indignação indicam, além disso, uma indicação fraca com a comunidade” (Han, No enxame, 20,18, pg. 22) e ele tem um livro específico sobre o poder.

O livro O que é poder? (2019) tem uma longa análise sobre a questão em Hegel, isto se justifica tanto pela influencia no pensamento ocidental quanto pela incidência da visão de poder que atinge toda a esfera pública, porém salientamos o seu vago conceito de Absoluto e a influência até mesmo religiosa, vista no post anterior.

Sua análise é importante quando remete aos conceitos ontológicos, assim define que “o ente é, até quando for finito, rodeado pelo outro” (Han, 2019, p. 110) e o Ser deve gestar uma negatividade em si, não se trata aqui de “maus pensamentos” e sim o conceito que cita em Paul Tillich (1886-1965) que a potência do ser como “capacidade dos seres vivos de superar a negatividade, ou como ele diz, o “não ser”, ou seja, a quem não envolve-la na autoafirmação” (pg. 111).

Citando-o Han afirma: “tem-se mais potência de ser, porque deve ter sido superado mais não ser, e enquanto possam-se superá-lo. Quando não puder mais aguentar ou superar, então é a impotência total, o fim da potência do ser, o acontecimento. Esse é o risco de todo ser vivo” (Han, 2019, p. 111).

Cita a tese de Foucault que o ser humano seria “o resultado de uma submissão” (pg. 118) e Hegel que pensa que o poder deve atuar primariamente de “maneira não repressiva” (pg. 119) entretanto, ambos não abandonam a ideia do Absoluto, que na verdade vem do Príncipe de Maquiável e do Leviatã de Thomas Hobbes, e o como diz o autor: “o poder promete liberdade” (pg. 121).

A necessidade de criação de uma religião “neurótica” do poder, para Hegel viria da ideia de Deus, o poder que Ele tem o poder de “ser ele mesmo”, isto vem do idealismo que não supera a divisão entre sujeito e objeto, ou seja o Criador e o criado (seres e entes) não se compõe.

Não há dúvida que o poder, sem a necessária negatividade do não ser (a inclusão do Outro) é uma neurose como diz Hegel, e assim seu “deus” ou “o espírito” “ainda seria uma aparência desta neurose” (Han, 2019, p. 121).

“A dor da finitude pode ser perfeitamente a dor de qualquer limite que me separa do outro, que apenas pode ser superada pela criação de uma continuidade particular … ela não tem a continuidade do self que o poder cria. Ela não tem a intencionalidade da volta-a-si” (Han, 2019, p. 121).

O poder neurótico de Hegel não é o do Criador, é do ser enjaulado no si-mesmo, incapaz de olhar e servir o Outro, de sair do si, de negar-se para servir o Outro, é um poder neurótico.

 

A religião idealista

24 jul

Entre os jovens hegelianos, aqueles que junto com Marx criticaram os “velhos hegelianos”, em especial David Strauss e Bruno Bauer, estava Ludwig Andres Feuerbach (1804-1821) muito mais conhecido pelas “Teses sobre Feuerbach” de Karl Marx, do que por sua própria obra, mas os seus conceitos, ainda que criticados por Marx o influenciaram também além dos outros “novos hegelianos” conhecidos também como a “esquerda hegeliana”.

Feuerbach vindo de um ambiente católico foi educado no protestantismo, desde jovem orientou-se para a religião iniciando seus estudos na Universidade de Heidelberg, mas ao conhecer Friedrich Hegel, abandona a teologia e torna-se aluno deste filósofo por dois anos, o que provoca profundas mudanças em seu pensamento e cria o que chamo aqui de “religião idealista”, mas o Deus do cristianismo não é mais o deus de Feuerbach.

A ideia de absoluto de Hegel é bem conhecida, onde o seu “em si” que é seu “uno” não se aliena à matéria para enfim surgir como “Espírito Absoluto”, mas o homem, como espécie consciente, é o próprio infinito e absoluto, sendo a razão do homem para sua “libertação” em detrimento de uma doutrinação ou de uma cristianização (Feuerbach, 2013, p. 2-23) este Deus que o homem “imagina” é para o jovem hegeliano agora na verdade seu próprio ser, sua própria essência, é preciso entender que Ser para os idealistas não é o Ser ontológico, e sim um ser “antropológico”.

Assim a religiosidade, na análise idealista, não estaria vinculada a um ser imaterial, que transcende o humano (a transcendência idealista é o conhecimento do objeto), não é um Ser atemporal e criador, mas a própria natureza, noutro caminho Spinoza também explorou isto.

Assim Feuerbach entende que a relação do homem com o seu “deus” que é diferente de outros “jovens hegelianos” (Marx vai criticá-lo), o seu deus ou deuses, está fundado na sua própria ex-sistência, assunto também explorado na ontologia, mas visto como uma relação com o “tempo” ou ser o ser temporal.

O deus idealista é aquele que o homem externaliza “nada mais é do que a essência divinizada” (Feuerbach, 2009, p. 29), de certo modo mais ainda como “a história da religião é a história do homem” (Feuerbach, 2009, p. 30) e aqui encontra-se o marco divisório com Marx porque este vê a história como o seu “modo de produção”, a relação com o trabalho e os meios de produção para realiza-lo: feudalismo, capitalismo, etc.

Assim Feuerbach entende que a relação do homem com o suprassensível, que para ele “existe” isto é tem sua ex-sistência, é na verdade uma “patologia estética”, uma amalgama de sentimentos místicos que são ao mesmo tempo alicerce e fomentador da religiosidade: “Luto e dor pela morte de uma pessoa ou pela diminuição da luz e calor, alegria pelo nascimento de uma pessoa, pela volta da luz e do calor após dias gelados de inverno ou pela colheita, terror diante de fenômenos em si terríveis ou pelo menos na imaginação do homem … (Feuerbach, 2009, p. 49).

Assim o grande equívoco, mesmo para “religiosos”, é separar a substancialidade da espiritualidade, é ao nosso ver a essência da falsa ascese contemporânea.

FEUERBACH, Ludwig. Preleções sobre a Essência da ReligiãoTrad. José da Silva Brandão. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 2009.

FEUERBACH, Ludwig. A Essência do CristianismoTrad. José da Silva Brandão. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 2013.

 

Sociedade sem dor e a biblioteca da meia noite

19 jul

Byung-Chul Han escreveu a Sociedade Paliativa, a propósito não apenas da Pandemia, mas também e sobretudo da busca de um mundo sem dor, somos capazes até de sofrimentos e grandes esforços em função do narcisismo e da estética pessoal, aquilo que Peter Sloterdijk chamou de “a sociedade de exercícios”, porém uma ascese desespiritualizada.

O romance do escritor inglês Matt Haig: A biblioteca da meia noite, fala de uma mulher de 35 anos cheia de talentos e poucas conquistas, arrependida de suas más escolhas na vida, ela se pergunta se poderia ter vivido de modo diferente, ao perder o emprego e seu gato ser atropelado decide tirar a própria vida, no estágio entre a vida e a morte encontra a Biblioteca da Meia Noite (figura ilustração da capa), com as possibilidades de vidas que podia ter vivido.

Com ajuda de uma velha amiga decide mudar para a Austrália e reatar antiga relações, assim descobre que é possível rever a vida e desfazer algo que nos arrependemos, ter esperança.

Entre os dramas iniciais de Nora destaco o trecho que ela diz: “Eu fico com dor de cabeça olhando para… celulares”, não é só ela, é muita gente, isto tira a capacidade de reflexão e do silêncio que Byung-Chul Han reivindica, aquela que pode fazer refletir sobre a vida e nossos atos.

A sociedade paliativa, conforme Byung-Chul Han, nada tem a ver com a medicina paliativa, explica o filósofo coreano-alemão: “Assim, cada crítica da sociedade tem de levar a cabo uma hermenêutica da dor. Caso se deixe a dor apenas a carga da medicina, deixamos escapar o seu caráter de signo” (Han, 2011).

Lembra um ditado de Ernest Jünger: “Dize tua relação com a dor, e te direi quem és!”, assim cada sofrimento social ou social deve preceder e anteceder a momentos de reflexão, ou como gosta Byung-Chul, de uma “Vida Contemplativa” outro ensaio do autor.

“A sociedade da sobrevivência perde inteiramente o sentido para a boa vida. Também o desfrute é sacrificado à saúde elevada a um fim em si mesmo” (Han, 2021, p. 34), ou seja, a própria ausência de uma “hermenêutica” da dor pode levar ao fim do sentido da vida.

Esclarece também o sentido de homo sacer e via nua de Agamben: “Sem resistência sujeitamo-nos ao o estado de exceção que reduz a vida à vida nua” (Han, 2021, p. 34). 

As angústias, as solidões e as depressões não tem apenas causas sociais, mas aquilo do que alimentamos nossas almas, na passagem bíblia que o profeta Isaías vai visitar Ezequiel que está acometido de uma doença mortal (Is 1,1-6) após as súplicas de Ezequias, através da palavra de Isaías Deus liberta-o não só da doença dando-lhe mais 15 anos de vida, mas também “vou libertar-te das mãos do Rei Assíria, junto com esta cidade, que ponho sob minha proteção” (Is 1,6).

Claro a solução social não é passe de mágica, mas encaramos melhor se nossa dor é entendida.

 

Haig, M. A biblioteca da meia noite. Tradução: Adriana Fidalgo, RJ: Editora Record, 2020.

Han, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

 

Cansaço e verdadeiro descanso

18 jul

Dando um quadro psicológico e sociológico da sociedade contemporânea Byung-Chul Han a descreve como sendo portadora de “Doenças neuronais como a depressão, transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade (Tdah), transtorno de personalidade limítrofe (TPL) ou Síndrome de Burnout (SB) determinam a paisagem patológica do começo do século XXI (HAN, 2017, p. 7).

Usando um conceito de seu orientador de Doutorado (fez a tese sobre Heidegger) Peter Sloterdijk sua análise se estende ao chama de “o objeto de defesa imunológica é a estranheza como tal” (p. 8), o livro foi escrito antes da pandemia (escreveu também sobre ela na Sociedade Paliativa, aquela que rejeita a dor) e o conceito de imunologia aqui é aquele que afirma que o século passado foi uma época na qual se estabeleceu uma “divisão nítida entre o dentro e fora … a Guerra fria seguia o esquema imunológico”.

Assim o livro vai explorar os conceitos místicos de São Gregório de Nazianzeno, mestre na vida contemplativa (da qual Han escreveu também um livro), explora aspectos fundamentais da vida interior que combate os sérios problema da Vida Activa, que nos empurra a eficiência e ao cansaço sobre a pressão de cobranças e da guerra cultural que se estabeleceu.

Diz o paradigma imunológico “não se coaduna com o processo de globalização … também a hibridização, que domina não apenas o discurso teorético-cultural, mas também o sentimento que se tem hoje em dia da vida, é diametralmente contrária precisamente á imunização” (p. 11).

Seu conceito de resistência, vai na direção da “resistência do espírito” de Edgar Morin, porém ao nosso ver atinge o âmago da questão: “a dialética da negatividade é o traço fundamental da imunidade” (p. 11), onde o discurso do “engagement” é na verdade o vazio, pois é ausente de verdadeiras alternativas, pois a imunologia atual é aquela que acusa o Outro, lembramos aqui o distanciamento da pandemia (posterior ao livro como dissemos), uma boa “metáfora”.

Cita Baudrillard, falando da “obesidade de todos sistemas atuais”, em época de superabundância, “o problema volta-se mais para a rejeição e expulsão” (pg. 15) do Outro.

Seu aprofundamento certeiro na página 27 é que os atuais “sistemas disciplinares” (ou pseudo-éticos) buscam a lógica da produção “o que causa depressão do esgotamento não é apenas o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão do desempenho” (p. 27).

Assim meditar e completar não é distanciar-se da realidade, mas a possibilidade de olhar para ela com outros olhos, buscando uma verdadeira ascese humana e espiritual, onde podemos realmente encontrar descanso e paz (apesar e contra as guerras cotidianas e bélicas) porque na verdade só através dela é possível.

Lembro da passagem bíblica que diz “vinde a mim todos vós que estais cansados” (Mt 11,28) e numa reinterpretação para atualidade, além de buscar o divino, é também encontrar a verdadeira interioridade, que não deve estar desligada da vita activa, sob a pena do cansaço.

Han, Byung-Chul. A sociedade do cansaço, trad. Enio Paulo Giachini, 2ª. ed. Ampliada, RJ: Petrópolis, Vozes, 2017.