Individualização e perdas da relação
Todo processo de individualização moderno foram formas de isolamento do sujeito, inicialmente dos objetos (a famosa ruptura kantiana entre objetivismo e subjetivismo), depois dos indivíduos entre si, mas Sloterdijk vamos mais longe, afirma-a “anatômica”.
A forma de sua crítica é um dos pilares do Estado-nação patético, a formulação de Rousseau que foi “o inventor do homem sem amigo, que só podia pensar o outro complementar na forma de uma natureza maternal imediata ou de uma imediata totalidade nacional.” (Sloterdijk, 2016, p. 248).
Dá uma explicação mais sólida a solidão do homem moderno: “Se o indivíduo não consegue se completar e se estabilizar por meio de aplicações bem-sucedidas das técnicas de solidão – por exemplo, nos exercícios artísticos e solilóquios escritos – ele está destinado a ser absorvido pelos coletivos totalitários” (p. 349) por isto, escreve em Esferas I sobre as bolhas.
Dá uma explicação anatômica para isto: “o sujeito solitário moderno não é o resultado de sua própria escolha, mas um produto fracionário da rude separação do nascimento e da placenta.” (p. 350), assim como já tinha falado do coração na relação com o Outro, agora percorre o aspecto originário, a ligação do filho com a mãe pela placenta, isto ajuda a compreender seu conceito de “individualismo anatômico”.
Recorre novamente ao romance de Orfeu e Eurídice para explicar a ruptura, na mitologia grega Orfeu era filho da musa Calíope com o Apolo ou Éagro, rei da Trácia, conhece Eurídice e se apaixona e casa com ela, mas a beleza de Eurídice atrai um apicultor Aristeu, mas Orfeu a persegue e na perseguição ela tropeça numa serpente que mordeu seu calcanhar e a mata.
Então a simbologia de Orfeu que serve ao homem moderno é a busca da relação, mas sem abandonar seu “individualismo anatômico” não consegue chegar a comunhão, a ligação umbilical que o impede de “relações verdades”, orgânicas embora cante louvores a “pura relação” como fazia Orfeu que a enaltece em suas canções (foto).
Talvez Sloterdijk não conheça, mas o ditador popular: “olhando para o próprio umbigo” que tem exatamente um sentido individualista, neste caso é olhando para a relação perdidas.
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. Trad. José Oscar A. Marques São Paulo: Estação Liberdade, 2016.