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Querer curar-se para um novo normal
Começaria hoje o carnaval no Brasil, há quem lamente esta impossibilidade mesmo pensando em uma pandemia que não dá sinais de enfraquecimento, mesmo países que avançam com a vacina, caso de Portugal, Inglaterra e Estados Unidos os sinais que o vírus circula ainda está mais forte.
O livro de Morin nos alerta para lições que a pandemia deveria ter nos ensinado, porém não é o que de fato se observa, assim não só precisamos de outras “curas” como a própria fragilidade humana perante o vírus e outras patologias, incluindo as sociais, podem permanecer.
É preciso querer curar-se e descobrimos que esta cura é coletiva e codependente, precisamos que todos sejam sãos e uma sociedade que não olha os mais frágeis ou que os despreza e condena a vida da solidão e da morte não alcançou ainda uma cura duradoura que aponte para uma solidariedade duradoura.
Aprendemos a dureza do isolamento e da solidão, mesmo que em família, porém quantas são as pessoas que vivem assim na chamada normalidade, que o novo normal traga um maior agregamento humano a todos, que se trace a partir de uma nova política aquilo que Edgar Morin chama de uma nova humanidade mais humana.
Que a vacina nos imunize, mas que aprendamos a co-imunidade como defendia Peter Sloterdijk já antes da epidemia, e não se referia a imunidade da doença, mas num sentido mais amplo, aquela imunidade que nos faz uma humanidade capaz de defender-se das tiranias e das doenças sociais.
A passagem bíblica em que um leproso se aproxima de Jesus e pede de joelhos: “Se queres tens o poder de curar-se”, Jesus, cheio de compaixão estendeu a mão, tocou nele e disse: “eu quero fica curado!” (Marcos 1,40-41).
Há dois pontos essenciais o desejo ardente com fé do leproso de curar-se e a compaixão divina para que ele fique curado, a fé e a retidão humana atraem o poder divino, os que creem sabem disto. Mas só o nosso desejo de mudar de via (veja os posts anteriores) podem tocar a misericórdia de Deus.
O mundo hoje quer mudar ou viver a frivolidade da normalidade anterior.
Urgente: mudar o pensamento, ensinar a viver
Quando propomos um modelo que não é aquela do mundo da vida, dele Husserl fez uma filosofia, o seu Lebenswelt (mundo da vida), Habermas fez dela uma sociologia, Heidegger e Gadamer a incorporam em seus pensamentos, mas afinal que é a vida senão uma aprendizagem, não aprendemos com a pandemia.
O problema central de busca de uma “clareira” é que criamos modelos demasiadamente longe da vida, de sua defesa incluindo a natureza, a dignidade e o próprio viver, estamos num Setembro Amarelo, cujo tema não é outro senão o de dizer que vale a pena viver. Teremos uma clareira, mas ela durará pouco, e poderíamos começar já uma grande mudança, depois poderá não haver tempo.
Foi Morin que fez dela uma ousadia ao escrever Ensinar a Viver, a pedagogia esquecida e o método pouco utilizado, quando Morin escrevia seu Método (na verdade em vários volumes e sentidos), li no comentário da Editora Sulina que o publicou no Brasil, que “ele o desfaz em partes que, holograficamente, repetem esse todo de maneira sintética, mas completa”.
Morin começa por uma crítica que muitos fazem na universidade, mas se curvam a ela para não fazer valer suas “carreiras”, ele critica essa “deriva das universidades”, cujo dilema central ele sempre retorna que é “refazer o pensamento”.
Agarrados a métodos e modelos já superados, logicistas e neopositivistas, não se aponta “a natureza do conhecimento, que contém em si o risco de erro e de ilusão” (MORIN, 2015, p. 16).
O grande teórico da complexidade propõe antes de tudo um retorno a filosofia (no sentido do pensamento primário) em sua condição socrático de diálogo, aristotélicas (no sentido entre outros, da organização da informação), platônica (questionamento das aparências), e até mesmo pré-socrática (questionamento do mundo, inserção do conhecimento na cosmologia moderna), enfim não pode ensinar a vida sem saber que ela tem dilemas, erros e opções.
Morin, que poderia arrogar-se de sabedoria pela idade, pela intensa atividade intelectual, desde do pedestal daqueles cheios de certezas, sem dúvidas ou equívocos que vemos desfilar pelas academias e pelos palanques públicos da mídia devoradora e pouco questionadora.
Morin busca “conceber os instrumentos de um pensamento que fosse pertinente por ser complexo” (Morin, 2015, p. 23), e vemos a barbárie de certezas dogmas e pouco elaboradas.
Frases prontas, manuais de autoajuda, laissez-faire (principalmente econômico), grosseria e histeria ideológica, fazem um aprofundamento da crise cultural, humanitária e social de hoje.
Me assusta que leitores de manuais tenham tanta certeza com tão pouco pensamento, aliás a crítica ao pensamento cresce e o elogio da ignorância parece vencer qualquer argumento.
Morin nos encoraja e nos remete a um futuro ainda visível e possível, sua palestra na Fronteira do Pensamento (em 2016) é uma esperança e um aprofundamento que lança novas luzes.
MORIN, Edgar: Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015
O futuro e diálogos pouco abertos
A ideia que estamos próximos a uma grande mudança está na boca de muitos apocalípticos e de alguns teóricos e até filósofos idealistas, embora a maioria reivindique abertura e diálogo, o que pensam sobre ele não é elaborado, fazem longos discursos e tecem narrativas irreais, porém querem ouvir a própria voz.
O verdadeiro diálogo entre tradição e mudança, felizmente há neste campo muita gente fazendo isto de modo apropriado, deve propiciar ao mesmo tempo uma releitura do passado, um respeito e a compreensão do porque dos fatos aconteceram desta ou daquela forma.
Esta é a leitura desde os pré-socráticos, passando pela alta e baixa idade média, o renascimento e o iluminismo, embora cada período se possa fazer a crítica, e até ela deve ser bem feita, é fácil fazer a releitura crítica porque este tempo passou e difícil deste tempo, porque ele chegou.
Difícil principalmente do iluminismo e da modernidade, a pós-modernidade ou ainda a tardia, ou sua continuidade, ainda tem difícil leitura porque a transição não se realizou e o problema que se coloca é a dificuldade de ultrapassá-la, quase todos concordarão que a modernidade já é mais tradição do que qualquer possibilidade de uma nova “revolução” dentro do seu pensamento, embora as tentativas sejam muitas.
Nietzsche chamava este dilema de “eterno retorno”, ele já percebia em seu tempo e há quem ache que isto é novo, e em parte tinha razão pelo horizonte que via no seu tempo, mas quando o novo não nasce o pensamento tradicional padece de envelhecimento e de mesmice.
Tenta-se dar-se um ar “novo”, ou “criativo”, mas não há nada que realmente mude a realidade.
Grandes problemas socioculturais de nosso tempo, morais e até religiosos não se mudarão sem uma perspectiva nova, embora redundante dir-se-ia um “novo” novíssimo, e para que de fato não seja pura imaginação, deve-se encontrar elementos já vivos que apontam o futuro.
Três elementos novos são visíveis: um planeta mundializado, é já possível ver-se como mundo embora ainda não se respeitem culturais diferentes, um esgotamento das forças da natureza, o domínio da natureza pelo homem foi o grande modo da modernidade, e o fim da fome e da miséria no planeta, embora com recursos disponíveis para tal, não se realizou.
Claro que há muitos outros fatores, mas eles são decorrentes da falta de diálogo com o futuro, a centralização de grupos autocráticos, a ausência de uma política e cultura em rede, embora os mecanismos para isto existam, são combatidas como “alienação” e até como responsáveis por problema que existem muito antes de qualquer pensamento sobre as novas tecnologias.
As novas gerações sabem o que é novo, alguns “velhos” tentam retomar o “protagonismo”.
Os fundamentos do conceito de ideia
Seguindo um raciocínio de Sloterdijk, no qual os fundamentos devem ser pensados e em função deles poderem retornar ao princípio e ao pré-conceito de cada pensamento, pode-se rever ideia com o “eidos” grego, o conceito atual é kantiano.
Para Aristoteles haviam princípios universais, não como pensou Kant mais tarde, mas partindo da ideia do uno (tó hen), o que é (tó ón) e os gêneros (animais, plantas, seres vivos), enquanto a essência (eidos) não seria um universal, mas algo comum (koinos) a múltiplas coisas, não há portanto em Aristóteles o dualismo idealista, mas a separação entre os universais e a essência.
O sentido eidético da hermenêutica é aquele que promove a unificação do interno e do externo nas manifestações da vida, nas ciências da natureza o objeto é visto por si mesmo (retornar as coisas por elas mesmas), já nas ciências idealistas o “objeto” é aquele alcançado por um esforço contínuo do pesquisador (a transcendência kantiana), embora se comprometa a retornar com frequência á tradição, o todo não se renova, pois o “objeto” está separado de si mesmo pela observação isolada, fora do Ser e das possíveis pré-conceituações, é o uma “ideia”.
Em Platão este dualismo se acentua, o mundo sensível e o mundo das ideias (ainda no sentido do eidos, essência), esta separação será incomoda para os idealistas modernos, que a re-unirão, mas sem uma necessária reflexão filosófica, com isso permanecerá a dicotomia sujeito e objeto, jamais reunidas enquanto Ser (interna e externamente).
A ontologia, e o método da hermenêutica filosófica é uma tentativa de reunir estes campos, embora permaneçam distintos e sob tensão, porém com possibilidades de clarificação ultrapassando a separação clássica.
Gadamer em sua obra matter “Verdade e Método” vol. II, a retoma assim:
“A hermenêutica é a arte do entendimento. Parece especialmente difícil entender-se sobre os problemas da hermenêutica, pelo menos enquanto conceitos não claros de ciência, de crítica e de reflexão dominarem a discussão. E isso porque vivemos numa era em que a ciência exerce um domínio cada vez maior sobre a natureza e rege a administração da convivência humana, e esse orgulho de nossa civilização, que corrige incansavelmente as faltas de êxito e produz constantemente novas tarefas de investigação científica, onde se fundamentam novamente o progresso, o planejamento e a remoção de danos, desenvolve o poder de uma verdadeira cegueira.” (GADAMER, 1996, p. 292).
Gadamer após explicar que o retorno ao Ser, proposto por Heidegger é um retorno ao método hermenêutico, que não era nem desenvolver uma teoria das ciências do espírito (como fez o idealismo, e o alemão em especial) nem propor uma crítica da razão histórica, como fez Dilthey, e que Gadamer vai esclarecer em seu livro “A questão da consciência histórica” para dizer que não se trata nem de romantismo histórico.
O seu objetivo final está expresso ao afirmar: “o que fiz foi colocar o diálogo no centro da hermenêutica” (Gadamer, 1996, p. 27), mas seu diálogo nem é idealismo (seria absurdo) e nem alguma forma de cegueira filosófica, é justamente o resgate da hermenêutica-filosófica.
Seu diálogo não é, portanto, nem o dogmatismo idealista, hoje mais que teoria tornou-se dogmatismo a-histórico, e sim a identificação dos pré-conceitos, a partir dos quais é possível tanto a fusão de horizontes quanto aceitação dos distinções de cosmovisão.
GADAMER, H.G. Verdade y método v. II.S alamanca:Sígueme,1996.2v.
Sobre a verdade e a filosofia
Foi o racionalismo que levou a duvidar da existência exterior (o Outro, os objetos e o castelo exterior), já na clássica divisão corpo e mente, a questão até o final da idade média era entre realistas e nominalistas, os primeiros diziam que o real é que existe e os segundos que somente nomeamos o que é exterior, o que existe está na mente, hoje há a reviravolta linguística.
Imannuel Kant afirma que as percepções dos sentidos são posteriores à experiência enquanto é necessário um a priori universal, usando o argumento dos realistas, chama-o de juízo analítico enquanto os primeiros são os sintéticos, feitos a partir da junção de informações.
O ápice do idealismo é Hegel, que estabelece vários conceitos ideais: o estado, o espírito e a ética, porém a crise da modernidade retornará a velhos dilemas: a linguagem, o discurso e o que é a coisa ou o Ser, há então três reviravoltas: a linguística, a ontológica e a do “sagrado”.
Karl Klaus (1874-1936) já reclamava sobre a verdade no meio jornalístico, é verdade que a indústria cultural movimentou massas, e as Mídias de redes agora também, mas e a verdade?
A verdade da facticidade perdeu força, há visões alternativas e até mesmo a corrupção dos fatos, algo absurdo como “fatos alternativos”, não se trata absolutamente de hermenêutica pois é justamente sua ausência, a falta de um círculo hermenêutico onde os pré-conceitos sejam superados e se possam traçar novos horizontes que re-interpretam os fatos e constroem o futuro.
Os grupos entrincheirados em suas meias-verdades não se comportam senão como torcidas, a dialógica, a aceitação do Outro e a Empatia não são senão formas demagógicas como tentativas de cooptar membros para a própria torcida.
Claro que há um futuro latente, setores da sociedade onde a cooperação, a solidariedade e o exercício de enxergar o Outro já é exercício, são grupos e pessoas que trocaram a maneira dogmática de ver o mundo por uma visão mais ampla, além do grupo e da torcida.
Mas ainda há aqueles que cerrando fileiras em seus “grupos” vão exigir a obediência cega, o respeito a “autoridade” e não raramente vão apelar a métodos autoritários para dobrar o Outro.
A verdade irá emergir em meio ao caos, nos nichos da sociedade onde há Phronesis, verdadeira reflexão, olhar o mundo como um Todo e o Outro com respeito a suas particularidades.
A hermenêutica e a verdade
O grande arquiteto da hermenêutica no século XX foi Hans-Georg Gadamer (1900-2002), que criou uma hermenêutica filosófica, influenciado pelos estudos de Martin Heidegger, de quem foi aluno na Universität Marburg, reelaborou o conceito do círculo hermenêutico a partir de Heidegger.
Na sua obra prima Verdade e Método: elementos de uma hermenêutica filosófica, publicada em 1960, Gadamer não apenas revolucionou a hermenêutica ocidental moderna, como também a reorientou criando uma nova hermenêutica filosófica baseada na ontologia da linguagem.
Segundo Heidegger a hermenêutica é filosófica e não científica (no sentido dos métodos convencionais ainda em vigor), ontológica e não epistemológica, existencial e não metodológica, porque procura a essência da compreensão e não sua norma ou “método”, o método oscila entre o positivismo e o racionalismo, mas sem pertencer ao fenômeno.
O estudo e a compreensão da existência, uma vez que este permite o conhecimento do Ser, precede as normas, até mesmo aquela consideradas “éticas” pelo iluminismo/idealismo, das regras sociais e não regras morais, diz a teo-ontologia por que o “sábado pertence ao Homem e não o Homem pertence ao sábado”, aqui em referência a “regra ética judaica” ou de sabatistas de guardar o sábado.
Segundo Heidegger, a hermenêutica seria filosófica, e não científica; ontológica, e não epistemológica; existencial, e não metodológica. Seria responsável por procurar a essência da compreensão, e não a normatização do processo compreensivo. O estudo da compreensão confundir-se-ia com o estudo da existência, uma vez que permitiria o conhecimento do Ser.
Embora a hermenêutica contemporânea venha de Schleiermacher e Dilthey, que defendiam a abertura do espírito para uma época que julga a antecedente, e isto seria o processo histórico, Gadamer aponta que não podemos abandonar o presente e enveredar pelo passado como tendo uma “lição histórica”, pelo contrário são os termos das questões que se colocaram no passado que podem define os termos do presente.
O fato do homem vivenciar uma realidade história faz com que sua visão de mundo, e por consequência, suas possibilidades de conhecimento partam dos pré-conceitos que o cercam, tonando impossível eliminá-los por completo, para que possa ler a verdade absoluta, como pretendiam iluministas e historicistas modernos, é um véu sobre a verdade e não a própria.
O círculo hermenêutico que já estava desenhado na obra de Heidegger, na ótica de Gadamer tem um sentido ontologicamente positivo para a compreensão, que segundo ele, no decorrer da interpretação, a elaboração de novos projetos e um novo horizonte se faz necessário.
Assim somente com a admissão dos pré-conceitos vindos da historicidade do interprete que ao serem devidamente analisados em sua veracidade, possibilita uma nova compreensão, a elaboração de novos horizontes, verdadeiramente coerente.
Passar da pré-compreensão para análise e síntese é permanecer no erro, por mais criativo que seja este processo, a ruptura dos pré-conceitos vem “de fora”, da abertura e da reelaboração.
Por isto sistemas viciados, fechados, provincianos e demagógicos sucumbem, trituram o Ser, dizem dar-lhe “identidade”, mas dão apenas fechamento e obsessão
Colaboração e ingratidão
Termos aparentemente tão distantes estão profundamente conectados, a colaboração que quase sempre envolve uma dose de gratuidade (pode até ser remunerada, mas faz a faz com alguma generosidade) e a ingratidão, que é o não reconhecimento da grátis-dão, do que é feito com alguma dose de doação.
Isto sempre envolve os meios do poder, em tempos de psico-poder, a escolha de meios para certos fins é fundamental, aquilo que o indivíduo influencia ou desafia em benefício próprio, está explicado em Habermas usando o conceito de Hanna Arendt e polemizando com Max Weber: “é essa capacidade de disposição sobre meios que permitem influenciar a vontade de outrem que Max Weber chama de poder. H. Arendt reserva para tal caso o conceito de violência” (Habermas, 1980, p. 100).
Assim, pode-se teorizar que o que não leva a colaboração pode levar a uma forma de poder ou de violência, se admitimos que colaboração tem uma oposição essencial a ingratidão, ou para teorizar mesmo, este poder gera uma dose de ingratitude.
Ainda no campo da teorização, na vida fenomenológica penso que os “meios” aceleraram a ideia da colaboração, Habermas vai falar de um “individualismo metodológico” aplicando-o a formas de poder que não permitem o “entendimento mútuo” ou a superação do “egóico sentido de poder”, que leva a não-colaboração e ao não-reconhecimento do gratuito.
Penso que Hanna Arendt é mais direta porque seu modelo é “um modelo comunicativo” (interativo) onde o consenso seria alcançado por meios não-coercitivos, pelo “entendimento recíproco” que levaria a “vontade comum”, a meu ver, falta ainda a ideia da gratitude.
Em meios onde a colaboração e a reciprocidade, ações mútuas de co-laborar, ou seja trabalhar juntos, já é uma realidade, o poder se dispersa e o líder não aparece como poder coercitivo, do latim coercĭo, que significa retenção.
O que se propõe então, partindo de Hanna Arendt é que se pense na forma que permita a co- laboração como forma comunicativa de influenciar a vontade do outro, sem coagi-lo, isto leva a sistemas de ingratidão, incompreensão e luta pelo poder através da violência.
Habermas, J. (1980). A crise de legitimação do capitalismo tardio. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
Por uma ascese espiritualizada
O que assistimos além da crise e noite cultural, além de uma profunda crise social sem um pensamento que catalise as forças reais da sociedade que apontam para o futuro, é um também uma noite de Deus, o educador Martin Buber a descreve como Eclipse de Deus.
Escreveu Buber em seu livro: “Mais tarde construí para mim mesmo o sentido da palavra ”desencontro”, através da qual estava descrito, aproximadamente, o fracasso de um verdadeiro encontro entre seres humanos. Quando, após outros 20 anos, revi minha mãe, que viera de longe visitar a mim, minha mulher e meus filhos, eu não conseguia olhar nos seus olhos, ainda espantosamente bonitos, sem ouvir de algum lugar a palavra ”desencontro” como se fosse dita a mim. Suponho que tudo o que experimentei, no decorrer da minha vida, sobre o autêntico encontro, tenha a sua primeira origem naquela hora na galeria.” (BUBER, 1991, p. 8).
Revela assim a verdadeira face do “silêncio de Deus” do judaísmo no qual tem raízes, será em outro livro o “Eu-Tu” onde ele revelará um aspecto de sua ascese que é “o encontro com o Outro”, que para Buber mais do que uma pessoa, seu Tu tem uma essência divina, Deus habita o outro.
Nos dias atuais o que se observa são duas tendências fortes e em ambas as asceses não há de fato uma espiritualidade além da transcendência, ou o ativismo que Byung Chul condena como a “vita activa” que leva ao cansaço, ou o subjetivismo idealista que pode parecer religião mas não o é, o que ele desperta não é outra coisa senão o sentimentalismo, podendo levar “fieis” as lágrimas, não necessariamente a Deus, se O descobrem de fato devem buscar outra ascese verdadeira.
Assim é possível que por um caminho ou outro também encontrem a Deus, porém não há outro modo de permanecer na fé, não dos cegos mas dos que encontraram uma clareira, se de fato quiserem permanecer a meditação e a oração são imprescindíveis.
Aos que não tem fé, uma boa leitura, separar trechos e pensamentos, vivendo o momento como escrevemos no post anterior, é fundamental, ou seja, também para a leitura pode-se seguir a regra de fazê-la sem “gula”, tentar colocar a alma em silêncio, fazendo um verdadeiro “epoché”.
Aos que creem reflito sempre que Jesus rezava, e pedia aos seus discípulos que rezassem com ele, e que não perdessem esta prática, Jesus vai contar a parábola do mau juiz que não quer atender a viúva, mas por sua insistência e para que ela não o xingasse, ele a atende, diz o trecho inicial: “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir…”, que está em em Lc 18,1.
BUBER, Martin. Eclipse de Dios. México: Fondo de Cultura Económica, 1995.
O que esperar de 2021
A julgar pelo ano que encerra é melhor não fazer previsões, porém estar preparado para surpresas positivas ou negativas, falamos de resiliência em 2020 e isto significa estar preparado para situações adversas, de stress e de privações, claro mantendo sempre esperanças de melhoras.
Assisti o filme O sol da meia noite e alguns pensamentos sobre um possível futuro sombrio me vieram a mente, mas agora com um toque de humanismo e até de otimismo, ele é baseado no livro Good Morning, Midnight (2016).
O livro de Lily Brooks-Dalton será publicado este ano em português pela Editora Morro Branco, que adquiriu os direitos de publicação.
Embora a crítica não elogie, no mínimo é muito boa a atuação do ator George Clooney e o diálogo entre ficção e humanismo no filme é muito bem feito, deverá ter indicações ao Oscar.
A mistura de ficção científica com sentimentos parece inadequada, esta é uma das principais críticas, penso que em se tratando de uma crise profunda em nosso planeta é adequada esta mistura, a segunda crítica principal é o tipo de enredo, sem dúvida muito diferente, as vezes perdemos a sequência e precisamos pensar um pouco, neste ponto é curioso o sucesso no Netflix, talvez as pessoas tenham aprendido a gostar disto, reflexão é bom e nos leva a questões.
O filme me levou a pensar em 2021 pois é uma atitude resiliente, de minha parte, pensar se o pior acontecer o que eu poderei fazer de positivo para me ajudar e ajudar as pessoas.
Que venha a vacina, que iniciemos um processo de retomada da vida, porém esperamos que a nova normalidade seja mais humana, com um olhar mais empático aos que nos rodeiam, e que tenhamos mais solidariedade entre as pessoas, então a pandemia nos terá ensinado algo.
Porém é preciso mudar atitudes, comportamentos e mentalidades, não bastam gestos afirmativos de pessoas bem intencionadas e altruístas, é preciso levar mais a sério aquilo que podemos nos ajudar como humanidade, como sociedade e como pessoa.
Que venha 2021, com vacina e com muita solidariedade e se for necessário com muita resiliência.
A paz possível
Difícil, mas possível é a paz interior, de consciência e de amor ao Outro.
Não é a paz social, politica ou ética, que estão sempre em conflito, embora hajam movimentos integradores e uma tendência mundial a cidadania global, viver na aldeia (com as comunicações é global) e sentir cidadão do mundo.
A geração que vem ai poderá realizar isto, a geração que é “madura” agora teve retrocessos na leitura do presente, e isto provocou medo e desconfiança quebrando sentimentos de respeito e alteridade.
As medidas de força são desalentos e tentativas de reprocessar o processo social, porém caminham quase sempre para autocracias e arbitrariedades, nunca são democráticas.
A pax romana era a submissão ao poder central de Roma, a paz da Vestefália foi um tratado de tolerância religiosa entre cristãos e a paz eterna o sonho idealista na força do estado moderno.
A paz possível é a tolerância com os diferentes e aceitação d0s limites humanos em tempos de crises, depende de alguma dose do espiritual.