A paz e alguns conceitos
A Paz é desejada, mas raramente cultivada, sempre que se quer prevalecer uma determinada visão de mundo, ou uma cosmovisão no sentido filosófico mais profundo, na verdade está se preparando um conflito onde pontos divergentes não podem encontrar um horizonte comum.
A pax eterna romana, foi a submissão dos territórios ao império romano, a paz da Vestfália (1648) foi um acordo político para que as cosmovisões cristãs em conflito (romana e luterana) não provocassem guerras entre os reinos monárquicos na época, mas foi o tratado dos Pirineus (1659) que decretou paz entre França e Espanha, a etapa final do conflito e por isto é também parte da paz da Vestfália (na foto a divisão Europa deste período).
Este tratado foi uma noção embrionária para o conceito de paz eterna, vindo do idealismo, que vai se aprofundar no Congresso de Viena (1815) e o tratado de Versailhes (1919).
O conceito de Paz Eterna foi elaborado por Immanuel Kant, como um dos ideais da Revolução Francesa, o estado de paz mundial criava na verdade o conceito de uma “república” única, capaz de representar as aspirações naturalmente pacíficas de povos e indivíduos, este conceito além de neocolonizado (e assim incorpora conceitos da pax romana) está fundamentado numa cosmovisão ocidental e não engloba os conceitos do mundo árabe e oriental, além de desconhecer os conceitos dos povos originários.
A paz numa cosmovisão mais ampla implica aceitar as diferentes visões de relação com a natureza e com os outros povos, diz Caio Fernando de Abreu em Pequenas epifanias: “exigimos o eterno do perecível, loucos”, porque só num modelo de cosmovisão ampla que englobe a paz poderíamos caminhar para uma nova realidade humana e natural.
Numa correspondência trocada entre Freud e Einstein, intitulada “Porque a Guerra?” de 1933 e que foi proibida pelo Terceiro Reich, no texto Freud a questão da interioridade, isto porque muitos que falam de paz querem e provocam a guerra, insistem em suas cosmovisões e querem submeter as outras, assim não colocam a questão da anterioridade, a qual se constitui em entender, considerar a guerra como um conceito quase universal e trans-histórico, mas que se origina na interioridade humana: ambição e poder.
A leitura freudiana, também Lacan fará isto mais tarde , é inscrever a paz de uma maneira inversa da perspectiva kantiana, abordando a questão do infinito, e também escapa de qualquer forma de consideração moral, a reflexão psicanalítica é a possibilidade do poder continuar a se confrontar, para desenvolver uma abordagem nova da coisa “política”.
Há trata-se do bem comum, também mas não só, uma segunda leitura das cartas de Freud e Einstein, acrescenta-se “porque a escolha da guerra”, assim a prévia da existência da guerra em si, fenômeno, processo ou fato que não é possível erradicar ou substituir, pode tornar-se uma busca olhando a ambição humana menos ou mais claramente anunciada, descobrindo a natureza, a essência e a razão de ser, é assim portanto uma questão ontológica de “escolha” da guerra e não da paz, muitas vezes difícil de ser encontrada, mas que deveria ser um desejo primário.
FREUD, S. (1995) “Pourquoi la guerre? Lettre d’Einstein à Freud”, in OCP, v.XIX. Paris: PUF.