Arquivo para outubro, 2021
Ato, potência e ágape
Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.
A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.
Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.
A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.
Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.
Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.
Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.
Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.
Vontade de poder e infância civilizatória
Um conceito conhecido de Nietzsche é a vontade de poder, como uma força motriz “natural” do homem, já desenvolvemos que o natural é diferente do cultural, sendo esta uma das dicotomias infernais como dizia Bruno Latour, a outra é a objetividade x subjetividade vindo do racionalismo/idealismo da modernidade.
De fato isto levou os povos a se expandirem desde o mundo primitivo, diria na idade infantil civilizatória, as guerras e impérios de Alexandre o Grande, do qual Aristóteles foi tutor e depois o Império Romano, e os impérios da modernidade: o português, o francês, o russo e o americano e as duas guerras mundiais são de fato a grande crise da modernidade, não fomos capazes de superar a infância civilizatória.
Houve outros grandes impérios pouco citados na história: a grande dinastia manchu Qing, do norte da China invadiu e derrotou a dinastia Ming, era de uma etnia minoritária mas dominou toda a China e teve inclusive uma breve restauração em 1917 e o grande Império Mongol foi um dos maiores em extensão de área, chegando a Europa, nos séculos XIII e XIV.
Pode-se pensar potência como uma forma de crescimento para superar a infantilidade tanto individual como civilizatória, assim existe ato e potência, teorizou Tomás de Aquino, mas o próprio Nietzsche alerta para este outro sentido: “a vontade de poder não é nem um ser, nem um devir, é um páthos”, então analisemos a tríade da antiguidade clássica: ethos, páthos e logos.
Pathos é no racionalismo moderno aquele também usado por Descartes, em sentido diferente de Nietzsche de ondem vem a ideia de patologia, o que se move na imperfeição, usando a própria idéia de Nietzsche não é ontológico, nega o ser pois não nem o ethos e nem o logos da tríade clássica.
Na retórica aristotélica, o Ethos é um dos modos de persuasão ou componentes de um argumento, e este sim dá sentido ao ser, sendo ele o elo com o Logos que dá sentido ao Ser, dando credibilidade e estabelecendo uma verdade que não é realidade, porque é ela de onde o Logos tira a consistência do Ser para se contrapor ao Pathos-lógico.
O Pathos vive na pura emoção, na irracionalidade, na imaginação enganosa, ele é o responsável pelas desordens do Ser, sendo de certa forma sua negação.
A Patologia de duas guerras mundiais mostrou que a humanidade não saiu de sua infância civilizatória, ainda é vítima de si própria incapaz de conceito o Ser como Ethos.
Simetria e diversidade
Toda relação de poder é assimétrica, discorrendo sobre o poder das [mídias] de redes sociais, no seu livro-ensaio “No Enxame” escreve o coreano-alemão Byung Chul Han: “o poder é uma relação assimétrica. Ele fundamenta uma relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica” (p. 18), então fica a pergunta como o poder poderia ser simétrico e como a comunicação dialógica.
Sociedades coletivas, comunais e originárias sempre tiveram alguma forma de hierarquia e a maioria delas desenvolveram formas de comunicação dialógica, a modernidade talvez seja o momento histórico de maior hierarquia e onde a comunicação tornou-se mais problemático, sendo necessário voltar a conceitos básicos sobre quem é o outro e que forma de poder é lícita”?
O pior dos cenários tornou-se realidade, este é o ponto que Byung Chul Han tem razão: o enxame, porém é preciso compreender o processo de desenvolvimento que vem do racionalismo-idealismo cartesiano-kantiano, onde o centro é a verdade objetiva, sem espaço para a subjetividade, não por acaso os conceitos éticos e morais perderam valor, dizia o imperativo categórico kantiano: age de tal forma que sua conduta seja modelo universal, mas quem é este ser “ideal”, “racional”?
Sabemos que na natureza sempre há alguma assimétria, por exemplo, os lados do corpo humano.
A resposta não é tão difícil se entendermos a diversidade, não há modelo “individual” que seja um padrão para todos, nem há uma forma objetiva de expressar o poder, senão aquela que induza toda uma coletividade ao amor solidário, a proteção dos mais frágeis e a negociação em disputas.
Levamos dois mil anos, se considerarmos o modelo cristão de fraternidade, para entender que o único modelo possível de dialogia é o respeito ao Outro (no conceito de Chul Han o respeito é simétrico, porém não pode anular a diversidade, a simetria perfeita não é natural).
Estamos de tal forma treinados e condicionados a um modelo padrão que o chamamos de “reto”, numa analogia a uma linha ideal, já que qualquer objeto presente na natureza que seja reto terá alguma imperfeição, e assim o imperativo categórico de Kant só é possível no imaginário idealista.
A sociedade, em suas diversas formas de “bolhas”, não instituiu e desenvolveu a confiança, mas o controle, forma de poder para que todos se moldem ao modelo ideal de determinado grupo ideal.
Boa notícia e precaução
Cinco estados brasileiros não registraram morte por Covid 19 nas últimas 24 horas, porém já ultrapassou os 600 mil óbitos e contabiliza 21.575.820 infecções, a média móvel está abaixo dos 500 óbitos e mais de 60% da população adulta já recebeu as duas doses ou dose única da vacina.
O principal perigo é que o stress do período de medidas sanitárias provoque um relaxamento na população, as medidas sanitárias continuam obrigatórias e este é o momento exato para não relaxar e ser resiliente.
A precaução deve-se ao problema mundial da pandemia, os dados globais da OMS indicam 52.929 infecções no dia de ontem com uma queda semanal de 17,64% e um total de 818 mortes (mais de 42 na semana) com uma queda semana de 21,26% (veja o gráfico), ambas mais acentuadas que as semanas anteriores.
Em muitos países já se verifica um relaxamento nas medidas sanitárias, é preciso a consciência que isto afeta o mundo todo, uma vez que voos e a mobilidade mundial começam a ser relaxados, e sem as medidas de precaução tomadas por todos pode tornar a queda mais lenta, e também é preciso lembrar o final do outono e início do inverno no hemisfério norte.
As precauções sanitárias como lavas as mãos e continuar usando máscaras e álcool gel, evitar aglomerações e distancias quando em atividades coletivas (os transportes públicos continuam a ser um problema), e evitar o costumeiro problema de final de ano de consumismo.
Um Natal mais digno e menos suntuoso será mais digno da data e evitará o desespero de gastos e consumo tradicional dos fins de ano.
Que o retorno a normalidade seja também um retorno a serenidade, a empatia e a solidariedade.
Renunciar a regalias e dar condições aos pobres
Ao lado do problema da pobreza e da extrema pobreza, o mundo carece de solidariedade e compaixão com os pobres, segundo Amartya Sen, outro prêmio Nobel de Economia de 1998, “a pobreza é a privação de capacidades”, portanto não se trata de incapacitados ou de algum sistema de privilégios, mas o acesso á educação, a condição social e financeira, a saúde, etc.
A contribuição de Kremer, Barnerjee e Duflo (veja o post anterior) é revelante porque aborda o aspecto multidimensional, que vai além da falta de recursos da pobreza, e ainda mais aponta a ineficácia de pobreza governamentais, e entre estas medidas abordam que até mesmo o microcrédito tem limitações.
A pesquisa foi feita em 13 países no estudo The Economic Lives of the Poor (A vida economia dos pobres), os autores demonstram que as microfinanças não conseguem aumentar nem o investimento, nem o consumo, nem as condições de saúde e educação ou o empoderamento das mulheres, então qual é a solução apontada.
Eles apontam efeitos de fortalecer e melhorar aspectos específicos relacionados à pobreza, como a educação e a infraestrutura, e apontam um estudo feito no Quênia 2009 (Additional Resources versus Organizational Changes in Education: Experimental Evidence from Kenya – “Recursos adicionais versus mudanças organizacionais na educação: evidências experimentais do Quênia”), e outro feito na Índia em 2007 (Remedying Education: Evidence from Two Randomized Experiments in India – “Remediando a educação: evidências de dois experimentos aleatórios na Índia”), de 2007.
Também países desenvolvidos se alinham com estas propostas como os planos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, mas não faltarão argumentos polarizados que dirão que se trata de assistencialismo ou é uma proposta da esquerda radical, trata-se de superar a visão egoísta e certificar que a globalização não olhou para o problema social da humanidade.
Como é difícil superar esta visão, e isto vem de longe, superar a visão de conforme dos ricos e dos remediados e olhar aos pobres é também um ensinamento cristão, diz a passagem do evangelista Marcos (Mc,10:21-23) a um jovem rico que seguia todos os mandamentos e queria muito seguir Jesus, que olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me”, o jovem fica abatido e vai embora, porque era muito rico.
Superar o egoísmo e permitir aos pobres a estrutura e as condições de emergirem é no fundo ter que renunciar a privilégios que muitos não admitem ter não por mérito próprio, mas por ter estruturas que os garantiram.
Apagamento, invisibilidade e política
Não é ignorado na história o fato que o estado sendo um “possível” solucionador de conflitos, tenha tomado para si o direito da violência, que em última instância é o direito de matar.
O filósofo camaronês Achille Mbembe tomou este extremo do poder do estado para desenvolver sua tese sobre o direito de matar do estado, chamando-esta política de “Necropoder”.
O ensaio foi traduzido para o português em 2018, e no centro deste ensaio há uma pergunta sobre quem pode viver ou morrer no mundo contemporâneo? Mbembe denúncia que a função dos Estados, deveria ter a defesa da vida dos mais vulneráveis como um princípio, e não aquilo que é feito estruturalmente que é o apagamento da memória e das condições destas vidas.
Vemos que para além do apagamento há uma permanente invisibilidade destas pessoas, por uma camada que está ligada ao poder, chegando ao limite de não ter registro civil e direitos culturais.
Abordada no que diz respeito ao esquecimento (ou invisibilidade social) e silenciamento feito pelo Estado relativo ao passado histórico destes grupos vulneráveis, ela é além do campo acadêmico, a memória social, cognitiva e identitária daquilo que foi vivido no passado e que é vergonhoso não só pelo esquecimento e invisibilidade, mas feito a partir de uma narrativa oposta à sua memória.
Se olharmos a partir do pensamento complexo, que significa etimologicamente tecido junto (complexus), o termo biológico “necrose” remete a questões que envolve a morte biológica de tecidos corpóreos ou parte deles, assim, não se pode pensar na morte de uma parte sem que todo o corpo sofra, ainda que não procure ver o tecido que está em falência.
É importante abordar a complexidade deste conceito de necropolítica e invisibilidade, porque só ele pode abordar os problemas que envolvem o racismo, o sexismo e o apagamento de diversas culturas (como a indígena, mas há muitas outras no mundo contemporâneo), a já conhecida e não resolvida dimensão econômica, que é o acesso a bens e serviços sociais, une-se a dimensão política (os espaços de poder), a construção de narrativas e historicidade de subjugar culturas (a dimensão psicológica) e a abrangente dimensão cultural.
Partir da miséria e invisibilidade de povos, culturas e raças, não pode negar fatores estruturais que são fortes e impedem uma mudança mais sustentável de convivência pacífica e harmônica.
Pobreza e pós-pandemia
Além dos problemas sanitários do pós-pandemia, ela ainda não chegou ao fim é importante observar, teremos agravado o problema social e uma desorganização do ambiente produtivo.
Os dados da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) eram que já em 2020 os níveis de pobreza já observador nos 12 a 20 anos anteriores, haviam piorado na região.
As taxas de ocupação e participação no mercado de trabalho, sobretudo das mulheres, devido a pandemia da COVID-19 e apesar de várias medidas de proteção social emergenciais, não foi possível frear o avanço da pobreza e extrema pobreza, e o problema já é central em 2021.
A pobreza e a extrema pobreza se agravou, considera-se extrema pobreza famílias que vivem com menos de US$ 1 dolar diário, ou U$ 20 dolares mensais, segundo os dados recentes do IBGE o Brasil já teria 13,5 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, adotando critério do Banco Mundial, somados aos que estão em situação de pobreza chegam a 25% da população.
O Banco mundial estima que até março de 2020, havia 103 programas de proteção social em 45 países, este número saltou para 1.414 programas em 215 países até dezembro de 2020, no entanto várias análises demonstram que a pobreza e extrema pobreza aumentou e cresce, segundo a UNCTAD a desaceleração econômica após o Covid 19 fez a pobreza mundial subir três pontos percentuais, que resultou em mais de 33 milhões de pessoas.
Outros dados de organismo não governamentais, indicam que a pobreza multidimensional, aquela que atinge a educação, acesso a saúde, trabalho e padrão de vinda, os estados brasileiros com maior pobreza seriam o Maranhão, Paraíba e Piauí, onde os dados são maiores em famílias com presença de crianças.
Não há medidas efetivas, e o aumento da inflação e o custo da alimentação eleva a pobreza ao nível de emergência social, tão ou mais grave que a crise pandêmica, o olhar exclusivo sobre a pandemia e a desatenção das autoridades elevam o clima de crise social.
Claro que o panorama não é apenas nacional ou da américa latina, o freio nas atividades econômicas e principalmente a desorganização, o enfrentamento da crise no aspecto econômico, quando houve, foi apenas adotar medidas emergenciais e não senatorias ou preventivas.
Espera-se que haja forças vivas capazes de recuperar os níveis sociais, sem esquecer os aspectos de distribuição e de preservação do meio ambiente, que em última instância são os meios para a produção e alimentos e desenvolvimento econômico.
Uma abordagem diferente da desigualdade
Falar de pessoas simples e com sabedoria não pode excluir também as pessoas simples que são pobres.
Em setembro foi publicado no Brasil o livro de Abhijit V. Baneriee e Esther Doflo que procuram compreender os problemas específicos que surgem a partir da pobreza e encontrar soluções em torno das opções que as pessoas nestas condições fazem.
Foram a aldeias, às favelas e fizeram perguntas, recolheram dados e ouviram história, A economia dos pobres (Zahar, 2021) procura apresentar uma narrativa coerente com as histórias e opções de pessoas que em situação de extrema pobreza fazem para sair da condição que estão, pode parecer pequeno ou sem sentido, mas isto restaura a dignidade humana e o direito de opção destas pessoas.
As políticas governamentais e ações solidárias fracassam, conforme pensam os autores, por se fundamentarem em clichês e suposições equivocadas, a pior delas é considerá-las inferiores.
Mudar as expectativas e os pré-conceitos sobre estas pessoas não é tarefa simples, os exemplos concretos e experiências de sucesso feitas com paciência e boa vontade para aprender com estas pessoas, pode-se fazer progressos mais significativos no combate à pobreza.
Em 2019 junto com Esther Duflo e Michael Kremer, Abhijit recebeu o Prêmio Nobel de Economia, e abordaram em outra obra também com Esther Duflo a “Boa economia para tempos difíceis” (Zahar, 2020) onde além de desigualdade, trata de problemas como desaceleração do crescimento, mudança climática, automação do trabalho, distribuição de renda e inteligência artificial.
Thomas Pickety, autor consagrado por atualizar a questão do Capital para nosso tempo, disse sobre estes autores: “Nem todos os economistas usam gravata e pensam como banqueiros. Banerjee e Duflo destrincham novas pesquisas, questionam as visões convencionais sobre temas que vão do comércio à tributação de altas rendas e mobilidade social e oferecem caminhos para enfrentá-los.”
Vale a pena olhar para esta nova perspectiva, ainda pouco conhecida no Brasil.
Em queda, mas é preciso cuidado
Após uma queda lenta no Brasil, sábado a curva ficou abaixo das 500 mortes nas últimas 24 horas, os óbitos chegando a quase 600 mil desde o início da pandemia, indicam que ainda há perigo e a flexibilização que já está acontecendo para eventos públicos massivos é preocupante.
É importante lembrar que em 13 de setembro a média móvel chegou a 465, e depois subiu.
Já explicamos a semana passada que é preciso um “rescaldo” e que a proximidade das festas e do final de ano pode nos preocupar, lembro o caso de Portugal no ano passado que relaxou nestas datas e teve um aumento no mês de janeiro, os países que estão em início de flexibilização tem taxas de infecção e mortalidade realmente baixas e as regiões de contágio são observadas.
A vacinação da primeira dose já dos 40% (93.271.450 imunizados e 147 milhões primeiras doses), a taxa de atraso vacinal no total do Brasil é de 11%, segundo o boletim VigiVac da Fundação Oswaldo Cruz.
O Boletim aponta os estados com maior atraso o do Ceará com 33% e o menor o Rio Grande do Norte com 5,4%, também observam a ausência para a segunda dose, em número absolutos, São Paulo 1,25 milhões, no Rio de Janeiro 956,9 mil pessoas não compareceram para segunda dose e na Bahia 907,5 mil pessoas, o Estado com maior vacinação é São Paulo com 79,20 % na primeira dose quando não é única e o menor é o Pará com 50,91% tomaram uma dose.
As vacinas também tiveram atrasos na entrega, a Coronavac 33%, a AstraZeneca 15% e a Pfizer com menor índice 1%, por isto tem sido a mais aplicada em muitos casos na terceira dose.
A Pfizer entrou mais de 1 milhão de doses neste sábado no aeroporto de Viracopos e promete entregar até 10 milhões em quatro voos fretados que chegarão nos próximos dias.
A flexibilização deveria avançar em números confiáveis, tomando medidas de controle sérias, por exemplo, o isolamento em eventos esportivos, nos shoppings e nos meios de transporte.
A sabedoria de pensamentos puros
O simplismo é o pensamento ingênuo, enquanto a simplicidade é o pensamento puro, a noesis pura.
Não está na capacidade de elaboração teórica, na cultura livresca que resiste a sabedoria, ela une simplicidade (que não é simplista) e complexidade no sentido de colocar tudo sob o manto da natureza e do universo, e entender que há saberes originários que não são simplistas, mas foram elaborados num contato real com a natureza, por isto rejeito a ideia de naturalização.
A culturalização é aquela que se apoderou do natural e o perverteu, disse o filósofo, escritor e líder indigenista Ailton Krenak sobre a atual crise pandêmica: “A Terra está falando para a humanidade: ‘silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento”.
Grande parte da cultura ocidental está em crise, porque apoderou-se da natureza de maneira brutal e não quer entendê-la e tem dificuldade de ler nos sinais visíveis e claros, esta crise vem de antes da atual revolução tecnológica, muitos filósofos no início do século XX apontaram para ela, e o silêncio pedido por Krenak pode ser também aquilo que Theodor Adorno identifica como verdadeira contemplação: “A bem-aventurança da contemplação consiste no encanto desencantado.” Theodor Adorno, lembro que este filósofo não é místico, nem religioso.
Ailton Krenak escreveu “Ideias para adiar o fim do mundo” (Cia. da Letras, s/a), dentro de uma cosmovisão indígena, mas com consciência de que se trata de um problema planetário, disse numa entrevista ao Jornal Estado de Minas (03/04/2020): “Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”, denunciando que o modo que vivemos é artificial e não condiz com a natureza humana”.
Interpretando o livro de Davi Kapenawa, outro líder indígena, Viveiro de Castro e Danowski veem também que o nosso pensamento “culto” e ocidental está concentrado no mundo da mercadoria, e diz Kapenawa: “os brancos sonham muito, mas só sonham consigo mesmo”, ou seja, com sua própria cultura sem conseguir contemplar um mundo mais amplo, onde todos estão presentes.
Estas cosmovisões podem parecer ingênuas, mas significam que devemos sempre pensar além de nossa cultura, também a cosmovisão cristã pede este esforço, e depois dos ensinamentos aos seus apóstolos daquilo que o próprio mestre deveria passar, e eles ainda não entendem, Jesus vai fazer uso de uma nova metáfora para que eles pensem de modo mais puro e menos culturalizado (e não naturalizado).
No capítulo 10 do evangelho de Marcos, vendo que queriam afastar as crianças dele, Ele diz (Mc 10,14-15): “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”.
O mundo que há de vir, em diferentes cosmovisões, ainda que pareçam infantis, mostra a crise e o esgotamento do pensamento cultural de nosso tempo, e o esgotamento dos meios naturais.