Aprofundando a espiritualidade de Chardin
Chardin desenvolve em todo os seus escritos e trabalhos duas leis que são perfeitamente dialogáveis e conectadas aos avanços recentes das diversas ciências e do processo que ele chama de “hominização”, isto é dar ao mundo uma cara cada vez mais humana e mais amorosa.
Assim não olha para o progresso humano com desdém ou com o lugar comum de criticar qualquer avanço moderno, para ele o movimento evolutivo segue numa complexidade crescente, do simples ao complexo, dos átomos e moléculas, passando pelas células a formação de uma gama de seres vivos com uma clara e sucessiva complexificação, porém outra lei deveria acompanha-la.
A lei da interiorização ou complexificação, assim a consciência deve integrar-se ao processo cada vez mais profundo da complexificação da vida dos seres vivos, e isto necessita de um processo de interiorização, ele deve corresponder a cada momento específico da complexificação.
Explicando em palavras mais simples, se usamos técnicas e conhecimentos avançados é preciso que a consciência acompanhe cada passo da evolução, criticá-la ou criar repulsa ao que é complexo é trilhar o caminho da negação da evolução e assim de não ter a consciência adequada a cada passo histórico, em termos de crise cultural e até civilizatória, o passo precisa ser um salto.
Sua leitura do processo de complexificação não ignora o desenvolvimento da “pessoa”, ou aquilo que na filosofia é chamado de “ipseidade” ou singularidade, porém remete para além dela própria e a filosofia contemporânea contempla isto ao refletir sobre o Outro, que há desde reflexões filosóficas como um “ir além” de Gabriel Marcel ou Paul Ricoeur, até Encíclicas Papais, a recente Fratelli Tutti cita estes autores assim como a Gaudium et Spes afirma que a plenitude não pode ser encontrada “a não ser no sincero dom de si mesmo”.
Chardin fala da personalização do universo (no sentido de presença da pessoa), com a evolução dos seres vivos até a chegada do humano, deve trazer à luz o que cada um possui de em si uma irrepetível: sua singularidade, o que na filosofia é a “ipseidade” ou singularidade, mas lançada além dela própria: “O que temos de nós próprios, “o cúmulo da nossa originalidade, não é a nossa individualidade, é a nossa pessoa [o ser para alguns filósofos]; e esta, em razão da estrutura evolutiva do mundo, não a podemos encontrar senão unindo-nos” (Chardin, 1965, p. 289), os colchetes são inclusões nossas.
Entender este significado para Chardin é penetrar em sua profunda filosofia unida aos outros, aos cosmos e ao Ser Absoluto princípio e fim do universo e da vida: “O processo cósmico da personalização tem como finalidade realizar a personalização, a existência de pessoas cada vez mais pessoas, até se integrarem, sem deixar de serem pessoas, na última comunhão com a Pessoa absoluta” (Chardin, 1965, p. 266).
CHARDIN, T. (1965) O fenômeno humano [1956]. Brazil, São Paulo: Herder.