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Arquivo para dezembro 16th, 2020

Excesso ou acesso eucarístico

16 dez

Em Esferas I, o autor Peter Sloterdijk vai revelar de supetão quando está discorrendo sobre o “pensar o espaço interior”, que sua inspiração inicial deve-se a Gaston Bachelard “que, com sua fenomenologia da imaginação material e, especialmente por seus estudos de psicanálise dos elementos, aponta-nos um tesouro de luminosos insights aos quais é sempre preciso retornar” (pag. 91).

Faz uma revelação surpreendente, reafirmo seu aguçado sentido religioso ainda que declare o contrário, afirmando que devido a Bachelard “, todo homem, pelo simples fato de olhar para o interior, se transforma em um Jonas ou, mais exatamente, em baleia e profeta reunidos em uma só pessoa” (pag. 91), e indica que vai seguir essas indispensáveis intuições.

Tal é o final desta introdução onde afirma: “o risco fundamental de toda intimidade … destruidor chega mais próximo de nós que o aliado” (pag. 92) porém e se fosse o inverso.

Vai liga a questão cardíaca o excesso eucarístico, vai explorar a ideia do coração ligando-a inicialmente a duas expressões japonesas que tem cosmogonias mais completas: kokoro (coração, alma, espírito, sentido) e hara (ventre e centro do corpo), citando a obra de Guido Rappe.

Depois retorna a cultura ocidental, tomando o escrito Herzmaere do Poeta Conrado de Wüzburg que foi produzido na década de 1260, e o relato do confessor Raimundo de Pádua de Catarina de Siena, que está em Vida dos Santos, onde ocorrera uma misteriosa troca da mística com o coração de Cristo (acima quadro de Giovanni di Paolo), comentará ainda depois o escrito De amore de Marcílio Ficino sobre O Banquete de Platão que é da 1649.

O conto medievalesco de Würzburg é a recorrente troca de corações, cita o autor só no Decamerão há duas passagens, porém é na análise de Catarina de Siena que há pontos vitais.

Dirá que não é possível ao humano nivelar-se ao divino a não ser por sua anulação absoluta, e é esta “a situação de exceção mística, entretanto, a clivagem metafísica entre os polos nivela-se.” (pag. 103), vai afirmar isto é “pura subjetividade chega á zona quente do ser-sujeito totalmente desmaterializado, não representado” (pag. 103), segue o raciocínio até dizer que é “histeria”.

Para o filósofo o desejo da mística era desde o início não tanto acolher “o Outro em si quanto mergulhar ela própria na aura do Outro” (pag. 106), aqui transformo o excesso em acesso, para o cristianismo não há excesso, e o que há é o divino de submeter-se a ser “devorado” na eucaristia pela criatura, e assim dar-lhe acesso ao inacessível: o divino transubstanciado, numa reação anti-aórgica.

Sua saga penetra ainda mais na mística cristã, em especial a católica, ao falar das chagas de São Francisco, a exumação do corpo de Felipe Néri, que ter-se-ia encontrado uma falha da largura de uma mão, e este ao ter acesso (ou excesso como quer o autor) a eucaristia: “ao receber a hóstia, edemas da boca e das bochechas que davam a impressão de que estava amordaçado.” (pag. 115).

É importante em período natalino esta leitura, porque o próprio autor afirma que desde os primórdios a igreja se via constrangida “diante do embaraço de ter de determinar corretamente a proporção em que se realiza o ingresso de Deus no âmbito do humano” (pag. 126) pois se trata exatamente este sim um excesso (como quer o autor) que dá acesso (que não acredita).