Arquivo para novembro, 2020
Vacinas em teste e a disputa econômica
Mesmo reconhecendo falhas nos teses, a vacina da Pfizer contra a covid-19 deve estar aprovada dentro de alguns dias, informou neste domingo o jornal Financial Times, assim o Reino Unido se o primeiro país do ocidente a ter uma vacina, e a vacinação pode começar já em 7 de dezembro, no Brasil a corrida é do Coronavac, não importa muito qual é mais segura, por trás das vacinas há acordos econômicos e investimentos feitos a maneira de apostas e não de critérios realmente científicos.
No Brasil a autorização é feita pela Anvisa, na Europa pela Agencia Europeia de Medicamentos e a saída do Reino Unido da União Europeia, a transição final do Brexit é para 31 de dezembro, mas a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido tem poder para autorizar temporariamente os produtos, e há um óbvio interesse do Reino Unido ainda que seja em parceira com a BioNTech alemã.
O mesmo processo poderia ser aplicado à vacina desenvolvida pela AstraZeneca e Universidade de Oxford (o Brasil participa pela FioCruz), no entanto na sexta-feira (27) o governo solicitou ao regulador que revisse a vacina AstraZeneca-Oxford, mostrando assim o interesse de fato.
Os dados atuais da eficácia da Coronavac, vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac e que tem parceria com o Instituto Butantan, deve ser anunciada no início de dezembro, e uma aprovação em tempo recorde seria para janeiro, entretanto a eficácia é diferente dos testes que verificam efeitos colaterais, contraindicações e eficiência a longo prazo, também a Pfizer foi questionada recentemente devido aos testes.
Os estudos sobre efeitos de longo prazo indicaram que talvez uma única vacina não resolva o problema da pandemia, um artigo foi publicado em outubro no The Lancet Infectious Diseases, que acendia um sinal de alerta sobre as vacinas, e acrescentava que não se sabia até aquela data se as vacinas candidatas eram eficazes em formas graves da doença, o sinal de alerta fica no aceso.
A escatologia e o Natal
Como síntese ontológica da escatologia que desenvolvemos esta semana neste blog, retomamos Heidegger em seus três conceitos ditos aqui escatológicos.
Cuidado, Heidegger se apropriou da fábula grega na qual Júpiter e Cuidado que está dando forma a argila brigam pelo nome que será dado a figura criada, e chamado Saturno como juiz ele diz que a Júpiter pertencerá o espírito pois foi ele que o deu a forma, enquanto Cuidado terá a terra, já que a formou, e ao Cuidado pertencerá a forma da argila que ele criou, assim cuidar no momento presente.
Impessoalidade é aquela na qual ela rompe a relação com o mundo, e torna o indivíduo isolado, “fora das relações de familiaridade com o mundo” e assim quase sempre na ausência do outro. ela rompe esta relação, e faz o indivíduo isolado “cair fora das relações de familiaridade com o mundo” diz Heidegger.
Silêncio é aspecto final desta escatologia, é invocado quando o indivíduo já descobriu o si-mesmo, e volta ao mundo agora senhor de si próprio, assim é o retorno da paz e da relação harmoniosa com mundo, ainda que ele esteja em conflito, ou em uma de suas mortes.
O Natal não só não é comemorado por muitos cristãos de diversas seitas, embora curiosamente espera a nova vinda, que é a parusia e também ela é comemorada nas primeiras semanas do Natal, o tempo do advento, porém esta é a separação de que falamos do Ser da vida e o ser-para-a-morte.
Não estão desligados é nele que se desenvolve a morte, a ressurreição da vida e a nova vinda, ou um novo tempo, ou aquilo que acontece depois de uma pequena ou grande tragédia, penso que é verdade que vivemos um tempo assim, porém a escatologia que pretende negar a morte é ela própria a morte.
A necessidade urgente de mudanças na vida humana do planeta, no respeito ao próprio planeta, ao Outro que não é nosso espelho, não é da “nossa turma” é cada vez mais uma exigência de mudança, de morte de um sistema velho e o renascer numa nova perspectiva civilizatória.
E se esse tempo vier, esse fim escatológico qual é a recomendação bíblica para os que creem, é aquela que está em Marcos (Mc 13,33-34): “33“Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. 34É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando”, assim mesmo que este tempo venha ou não “vigiai”.
Enquanto para o cristão deve significar uma eterna parusia, ou seja espera de um nova vinda, para os não cristãos deve ser estar atento a um novo tempo, a uma retomada de valores sociais, ecológicos e humanos que estão abandonados, em crise ou quase sucumbidos numa civilização em crise.
Um Natal sem grandes festas e consumismos deverá ser um Natal mais próximo de seu sentido, o Natal do Cuidado, da Impessoalidade (o respeito ao Outro) e do Silêncio, é uma escatologia quase perfeita, pois ela seria se de fato pudéssemos sentir a volta de um verdadeiro tempo de salvação.
O infinito escatológico
A transcendência como ideia do Infinito (não é a idealista) pode ser compreendida na filosofia de Lévinas como “A presença de um ser que não entra na esfera do Mesmo, presença que a excede, fixa seu ‘estatuto’de infinito, é assim que surgirá em Lévinas a ideia de Estrangeiro e ali ele numa escatologia própria.
O termo Estrangeiro é próprio da tradição bíblica da qual se alimenta Emmanuel Lévinas, tal como muitos se alimentam da mitologia grega, ela é presente na quatríade do profeta Isaías, profeta como no modo dos celebrados poetas gregos Homero e Hesíodo, é curioso porque pode-se a parte de Lévinas ver uma convergência entre a cultura helênica e semita, ao contrário de toda fúria contra a cultura judaico-cristã.
A quatríade é a seguinte: o pobre (que não tem recursos econômicos), a viúva (que não tem marido que a sustente), o órfão (que não tem abrigo que o recolha), o estrangeiro (que não tem pátria onde pisar). eles são a síntese do que hoje chamamos e excluídos no tempo bíblico, e podemos ver numa nova escatologia “filosófica” de Lévinas a ideia de um “fim” escatológico não como final dos tempos, mas o fim da pobreza, do desamparo feminino (hoje é mais grave o feminicídio), os órgãos das guerras e os estrangeiros que andam pelo mundo e que Bauman chega a ironizar (pasmem) e então um apocalipse novo.
É assim que o infinito e o ser-para-a-morte podem também ter uma interpretação escatológica, sem qualquer preconceito ou presunção ao sentido religioso que poderá sim em algum momento ocorrer, e do qual o planeta não está isento, afinal um fim escatológico presente em muitas religiões não cristãs é o que a própria terra (a mãe-terra) se rebela, novamente uma convergência com as profecias bíblicas.
A grande razão pela qual esta ideia foi quase abolida na modernidade, já Leibniz a reclamava está dita por Lévinas: “Minha vida e a história não formam totalidade. O comum que permite falar de sociedade objetivada, e pelo qual o homem se assemelha a coisa e se individualiza como coisa, não é primeiro” (em Ética e Infinito), e Lévinas vai definir este processo como “infinição” (talvez melhor tradução seria infinitação, mas não traduziram assim), uma inversão da subjetividade moderna, porque o sujeito subjetiva-se se sujeitando a Outrem, e assim vive sua escatologia “em processo” pessoal, sujeita ao Infinito.
Na escala social é o estrangeiro, o pobre e o que sofre algum tipo de preconceito (o racista, por exemplo, mas há outros inclusive os religiosos) e com isto é que caminhamos para uma autentico fim escatológico, um apocalipse do mundo atual já sem freio e sem uma direção segura para toda a humanidade.
O infinito como complemento escatológico
Toda escatologia deve princípio e fim (ou é finitista), é um engano imaginá-la apenas com o que vai acontecer no final dos tempos, o apocalipse cristão ou al-dain dos islâmicos, que não está no alcorão, mas nos ditados atribuídos ao profeta Maomé, ela deve ser pensada em processo.
Na filosofia a ideia do infinito permeia a escatologia que chamo de completa pelo fato que admite um fim como aquilo que Lévinas escreveu em Totalidade e Infinito como o desejo metafísico de tender para a coisa totalmente outra, o absolutamente outro, note-se que não é Deus, pois não é teologia, porém a mudança que é possível para um outro estado metafísico, afinal o subtítulo do livro é “Essai sur l´extériorité”, e a exterioridade tem aí algo essencial.
Para Lévinas a ideia do infinito é aquela que remete ao diferente e o distinto, diz Enrique Dussel que Lévinas ao dizer de diferente e distinto, afirma que o diferente se dá na Totalidade e o distinto se dá na Proximidade, fora disto permanecemos no idealismo puro da transcendência do Sujeito para o Objeto.
Nas palavras de Lévinas: “O desejo metafísico tende para coisa totalmente outra, para o absolutamente outro… Na base do desejo comumente interpretado encontrar-se-ia a necessidade (bésoin): o desejo marcaria um ser indigente e incompleto ou decaído de sua grandeza passada. Coincidiria com a consciência do que foi perdido.”, seu fim escatológico é este então, o ser decaído de sua grandeza passada e com consciência do que foi perdido.
Nisto reside também sua ética, afinal para Lévinas ela tem o nome de metafísica porque se refere à transcendência de outrem, que não é meramente física e o indicativo dessa transcendência é a ideia do infinito, aquele que se dá no face a face, que é portanto o distinto encontrado na Proximidade.
É esta proximidade do “face a face” que é primordial em Lévinas, é ela a experiência originária do inter-humano, aqui relaciono-a com o originário cultural onde há identidade do inter-humano, ou seja de um humano a posteriori em função de um a priori, é neste sentido que considero culturas originárias.
A experiência originária é aquela da proximidade ética de alguém, de uma relação sem máscara, e assim antropologia e ontologia se encontram, no dizer de Lévinas (sei que o ponto de vista é diferente) “a moral não é um ramo da filosofia, mas a filosofia primeira”, assim seria uma civilização equilibrada.
A relação com o ser-para-a-morte que vejo com este infinito, é que não se pensa a partir do finito, assim como a morte não pela negação da vida, isto era para Kant para quem a noção de infinito se opõe como um ideal da razão, Hegel modificou porém colocou a positividade do infinito, exclui a diversidade.
O infinito é diverso porque parte do Outrem, da outra coisa, e também o totalmente outro, por isso sua escatologia é completa, o ser-para-a-morte e o infinito se fundem (claro nem Heidegger nem Lévinas o dizem) porque estão no além si-mesmo e no além vida contendo-a inteiramente.
Escatologia e o ser-para-a-morte
De onde viemos e para onde vamos, cada cultura tem uma escatologia própria, a modernidade e em especial o idealismo se caracteriza por desprezar a ideia de infinito, de mistério e consequentemente da morte, vista como fatalidade ou simples finitude da vida, aos que veem pessimismo em Heidegger é preciso analisar se há coerência escatológica (origem, vida e fim).
Da filosofia de Lévinas (Totalidade e Infinito) à poesia de Goethe (Fausto), do romance de Tolstói (A morte de Ivan Ilitch) à ontologia de Heidegger (Ser e Tempo) a morte é mais que um conceito ou um tema, é a própria indagação do ser, em Lévinas o infinito é próprio do ser transcendente enquanto transcendente, o infinito é o absolutamente outro, assim não se podem pensar o infinito, o transcendente, o Estrangeiro (em Lévinas) como sendo objeto, mas como Outro que não é outra coisa senão Ser.
O idealismo ao querer viver sempre acima do real, deseja ignorar ou “transcender” a morte (no sentido falso de objeto) e por isso tergiversa sobre ela, mas diante das tragédias de uma pandemia, de uma crise que pode tornar-se civilizatória, ele imobiliza-se ou parte para o psicologismo, neste campo também há um tratamento fenomenológico adequado, afinal Franz Brentano pai da psicologia social reinaugura na modernidade a fenomenologia, a psiquiatra Kübler-Ross (Sobre a morte e o morrer, Martins Fontes, 2002) estudou aquele estágio da doença em que o paciente se pergunta “Porque eu” e aprofundou o tema.
A análise em Heidegger, para não ser superficial, deve abordar três temas correlatos: Cuidado, Impessoalidade e silêncio, senão é a análise que chamamos de epistemologia ou escatologia incompletas, uma vez que elas se deparam apenas com o pessimismo diante da morte, nem a boa psicologia a vê assim.
Antes um esclarecimento, o termo ontológico se refere ao questionar o fato de existir, o Dasein (ser-aí) não apenas é, mas tem percepção que é, para a fenomenologia assim não se pensa primeiro em si e depois no mundo, pois as duas coisas são indissociáveis, e assim é uma epistemologia ontológica.
Para ajudar o que é este ser-aí, precisamos aprofundar o que Heidegger chama de superação do mundo fático, e assim quanto ao super o mundo da impessoalidade, ele consegue se desvencilhar de uma razão estruturada dotada de sentido, de uma maneira já dada do existir e do Ser.
Safranski, um biografo autorizado de Heidegger, a interpreta assim: “A angústia não tolera outro deus além de si, e isola em dois sentidos. Ela rompe a relação com o outro, e faz o indivíduo isolado cair fora das relações de familiaridade com o mundo”, ela é sentida pela “queda”, pelo horizonte sombrio.
Assim na impessoalidade abandona a ideia de “todos morrem”, que em vida esquiva-se do ser-para-a-morte, para o seu pensar em sua morte solitária, cai naquela angústia descrita em Ivan Ilitch de Tolstói.
Sobre o Cuidado, Heidegger se apropria da fábula grega na qual Jupiter e Cuidado que está dando forma a argila brigam pelo nome que será dado a figura criada, e chamado Saturno como juiz ele diz que a Júpiter pertencerá o espírito pois foi ele que o deu a forma, enquanto Cuidado terá a terra, já que a formou, o filósofo alemão usará este sentido, muito engenhoso, para dizer o ser-para-a-morte para assim encontrar algo além da finitude da forma.
Por último o aspecto do silêncio e da solidão são invocados para descobrir o si-mesmo, e posteriormente voltar ao mundo já senhor de si-próprio, e aberto a relação com os outros, que já não é mais utilitária (tão própria dos idealistas) e nem por meio de diretrizes fixas (tão própria das escatologias incompletas), há assim um Ser além do finito e aberto ao infinito, não há pessimismo algum, que o diz é má leitura.
Culturas originárias, redes e pós-colonialismo
As pesquisas arqueológicas e paleontológicas indicam que a África é o provável continente que surgiu a espécie humana, fósseis de hominídeos encontrados na África (por exemplo, na Tanzânia e no Quênia) indicam que a espécie primitiva habitou aquela região cerca de cinco milhões de anos atrás.
Porém. na literatura histórica, quando de fala de culturas originárias fala-se principalmente de culturas antigas como os maias no México, os Incas na região andina, os indígenas principalmente da região amazônica brasileira, na Colômbia a população é de quase dois milhões de habitantes, 4,4% que tem a Organização Indígena da Colômbia (ONIC), que estão se organizando em função da covid-19.
Na Amazônia, a comunidade indígena Sahu-Apé, está a somente 80 km de Manaus, e dados de organização (como a Terra Viva) dão conta que 65% da população indígena está na pobreza e 30% na pobreza extrema.
No Perú, um grande número de culturas originárias indígenas está retornando para as montanhas devido a escassez de alimentos e o medo da covid-19, muitas vezes apenas com a roupa do corpo, no Chile e na Bolívia a influência da cultura originária indígena é muito forte chegando a dominar a colonialista, no Perú 27% são quíchua, 3% aymara e mestiços 59,5%.
Assim estes povos formam redes de comunicação para preservação de sua cultura e autodefesa de seus valores culturais, e é preciso pensar num desenvolvimento sustentável que não os massacres como fez o colonialismo selvagem, não apenas com a violência, mas também com seus valores culturais.
As modernas redes eletrônicas, que são mídias de redes sociais, não eliminam nem se sobrepõe as redes culturais já existentes, é preciso não as ignorar e respeitar seus valores e cultura.
A questão do Ser envolve também a sociabilidade e o funcionamento em rede de culturas originárias, boa parte da cultura contemporânea em crise ignora ou tergiversam sobre os valores ontológicos que estão na raiz de muitos trabalhos em torno das culturas originárias, é preciso um pensamento pós-colonial que não veja o processo civilizatório apenas do ponto de vista eurocêntrico e colonial.
Dei uma entrevista alguns anos atrás abordando a questão das redes e ontologias em culturas originárias na rádio USP, o programa estará no ar hoje as 13 h (hora de Brasília, 16h horário de Londres e 10h horário de Nova York), o link para acesso online é: www.radio.usp.br/?page_id=5404 , ou na frequencia 93.7 MHz.
Uma epistemologia e escatologia incompletas
Aquilo que a fenomenologia e a filosofia ontológica procura está no centro da crise científica e do pensamento que vive o ocidente, e cujo epicentro é europeu, no dizer iluminado de Peter Sloterdijk a Europa se recente de não ser mais o centro como no período colonial (chama-a de Império do Centro) e procura outras formas de colonialismo para levar o idealismo avante, aquilo que na literatura tem-se chamado de epistemicídio.
Ao negar as culturas originárias de outros povos, pensa estar encontrando a própria difusa entre o barbarismo e a antiguidade clássica, tenta um novo renascentismo explorando de maneira difusa a cultura grega clássica.
No plano religioso o desastre é maior, Slavov Zizek escreveu recentemente sobre o conceito religioso em Hegel, e este último dos pensadores que tentar reavivar o marxismo clássico, reelaborou a religião hegeliana, mas que já era presente em Feuerbach e o próprio Marx criticou, no fundo é uma teologia atéia, uma escatologia morta.
Morta porque este é na verdade o grande equívoco da escatologia idealista, não há transcendente para ela sem a separação de sujeito e objeto, precisa negar a substancialidade para afirmar sua “subjetividade” onde o sujeito precisa sempre estar morto, nega o ser-para-a-morte mote de Heidegger, mas afirma a morte em vida (e isto não é o epoché fenomenológico).
Toda forma de cultura originária, é obvio que inclui aquelas culturas não-cristãs, tem uma origem (o próprio nome o diz), a vida e o fim escatológico, que não é para onde se caminha, e neste ponto esta teologia incompleta tergiversa sobre o que de fato é a morte, em tempos de pandemia poder-se-ia dizer que a doença que pode matar, e aqui é idêntica aos negacionistas.
Por isto mesmo que apele para a fenomenologia será incompleta, levará os que as incorporam a exaustão, ao desprezo pela vida, que até mesmo no sentido religioso é algo profundamente sagrado, sua “biós”, sua substancialidade, para ser claro para os idealistas, sua objetividade, caem no abstracionismo teórico.
A única substancialidade desta escatologia incompleta é negar a religião para torna-la idealista e pedir o que é desumano, aquilo que em termos bíblicos chama de “colocam fardos pesados nos ombros dos outros” e que eles próprios se recusam a carregar, em tempos de pandemia nem entram e nem deixam os outros entrarem.
O exame final será substancial: “eu tive fome e me destes de comer, eu tive sede e me deste de beber …” e não será questionado se elaborou uma boa epistemologia ou teologia, aquela que fez do colonialismo o terror das culturas originárias.
De que nossa consciência será um dia cobrada.
Não é preciso ser religioso para perceber que um dia, mesmo que seja diante da morte, pensaremos o que foi a nossa vida, como tratamos aos pobres, a todas as pessoas que nos foram próximas, a natureza e ao respeito a privacidade alheia, enfim a tudo que preserva a vida, e a água é a origem da vida, e ão há vida se não houver o Outro que não são aqueles próximos tão próximos, mas também aos que estão distantes ou não são do nosso círculo.
Certamente teremos em mente algum dia sobre o que foi que fizemos e o que deixamos de herança para as pessoas que nos queiram bem ou mal, não importa, cada um estará diante da própria consciência, e como diz a fenomenologia consciência é consciência de algo, o que é este algo diante da vida.
Quais são este algo essenciais a vida: a fome, a sede, a falta de habitação e o ultrage a cada pessoa, pode-se dizer que é a invasão de privacidade, o excesso de explosão pública, que Byung Chul Han chama de narcisismo, além dos diversos tipos de abusos, são todos uma espécie de nudez.
A falta de água potável para em torno de 500 milhões de pessoas, mas também a falta de políticas públicas de saneamento básico que atinge outro meio bilhão de pessoas, torna o problema da água um problema vital para muitas pessoas no planeta.
Aos que creem o exame final no qual diante de Deus todos serão cobrados está descrito pelo evangelista Mateus como aqueles que serão chamados a participar do Reino de Deus (Mt 25: 35-39): “Porque tive fome, e me destes de comer: porque tive sede e me destes de beber: era forasteiro, e me hospedastes: estava nu, e me vestistes, enfermo, e me visitastes: preso, e fostes ver-me. Então perguntarão aos justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos?”, e a resposta será tudo o que fizemos aos mais pequeninos foi a mim que me fizestes.
A crueldade que mesmo em tempos de pandemia permanecem, quando até não crescem, torna o ambiente civilizatório perigoso e preocupante.
O problema da água e do saneamento
Embora o planeta tenha água em abundância o problema da água não é desprezível e o que afeta diretamente o planeta, em especial os pobres e os que vivem em regiões sem saneamento básico, é o problema da água potável, e nele está o grave problema da contaminação por atividades agrícolas.
Assim é preciso junto ao inadiável problema da gestão sustentável da água, pensar um desenvolvimento sustentável em três dimensões: social, econômica e ambiental, mesmo aqueles que afirmam política públicas para isto não aceitam a redução de atividades econômicas rentáveis e poluentes.
Os estudos apontam que as causas maiores, cerca de 70% são devido ao mal uso do solo na agricultura (defensivos agrícolas, assoreamento de rios, monocultura intensiva, etc.), depois vem a poluição da indústria 20%, o uso doméstico 7% e as perdas 3% (veja a figura acima).
Por que foi da biologia e dos ecossistemas que vieram as ideias da complexidade, é este o setor mais sensível a pequenas atitudes que podem e devem mudar o planeta no futuro, recolher o lixo poluente, fazer coleta seletiva e até mesmo reaproveitar agua de chuva e usar energia solar são atitudes que podemos tomar individualmente e serão benéficas como um todo, vejam que a complexidade podem envolver ideias simples de serem praticadas.
A educação das novas gerações devem assim ser responsabilidade de todos, do poder público, das escolas e das famílias, pequenos hábitos inseridos no dia a dia podem transformar em escala um número enorme de situações, efeito conhecido na complexidade como “efeito borboleta”, a batida da asa da borboleta podem influenciar o clima, e o desmatamento e descaso com a natureza tem efeito negativo no clima.
As pesquisas em planetas onde pode haver vida tem como primeiro item a presença de água, e providenciar água potável é então a primeira atitude em defesa da vida.
O erotismo em tempos de crise
O assunto é difícil quando não se desvia para o liberalismo geral, defesa do erótico a qualquer preço ou da “liberdade do corpo”, porém o que acontece é que entre as diversas crises civilizatórias também o amor humano se encontra em crise.
Encontro pouca literatura existe a respeito que não vá para o liberô geral ou para o moralismo doentio, o que acontece é que, reconhece o filósofo Byung Chul Han, vivemos A agonia do eros, a incapacidade de amar, e no diagnóstico do filósofo coreano-alemão, estamos destruindo as relações a partir da erosão do Outro, que atinge todos os âmbitos da vida e caminha de mãos dadas com um “narcisismo doentio” que invade nossas vidas.
Escreve seu diagnóstico mais profundo: “O fato de o outro desaparecer é um processo dramático, mas, fatalmente avança, de modo sorrateiro e pouco perceptível”, um indício é o número de selfies onde as pessoas procuram mostrar suas diversas faces, sem escolher situação e em qualquer lugar.
Se não reconhecemos a outra pessoa como um “outro”, nos tornamos incapazes de amar, e assim de chegar a uma viva e libertadora experiência do amor, é libertadora inclusive de nós mesos, de nossas frustrações e incoerências, sintetiza Han é o outro que nos salva de nós mesmos.
Em tempos de crise o amor, o carinho e o verdadeiro interesse pelo Outro é o que pode tornar a crise menos grave, se estamos vivendo o oposto, mais egoísmo, mais narcisismo e mais competição (Han argumenta como a sociedade da eficiência e do apelo ao sucesso) significa mais crise e menos erotismo.
Não há como desenvolver o amor e a alegria em torno destas situações, mesmo aqueles que tem uma relação de amor sofrem as consequências do ambiente violento e de apelos a atitudes contrárias ao amor e a afetividade, mesmo relações de amizade que requerem empatia estão em jogo.
Faço ainda uma reflexão além de Han, porque justamente a sociedade que mais exalta o erotismo sofre com a agonia dele, talvez aquilo que vemos como erótico ultrapasse os limites da privacidade, de algum recato e de respeito aos limites do Outro e do próprio corpo.
O discurso do respeito não está ultrapassado, afinal o que são os números assustadores de violência doméstica de todo tipo, senão a ausência do respeito, a imagem “Dentro e fora” (1929) de André Groz dá contornos interessantes sobre o aspecto da ligação do erotismo com a falta de sensibilidade.