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Arquivo para a ‘Método e Verdade Científica’ Categoria

Pré-ocupação e pré-conceitos

25 abr

Não se trata de jogar com as palavras, elas tem o sentido claro sem o hífen, questões que ocupam nossa mente e se tornam desafiadoras, e os preconceitos quando estimulados social e estruturalmente colocam pessoas, indivíduos, etnias e povos em descrédito.

Porém há outro sentido para aqueles que se preocupam com a saúde mental e a saúde social onde seja possível conviver com a diferença, com o Outro e com o contraditório, trata-se de uma saúde espiritual, no sentido de fazer uma resistência do espírito a um ambiente hostil.

O objetivo de deixar uma pessoa em descrédito através do preconceito, não pode ser confundido com a intolerância e o desamor do pré-conceito presente na estrutura do pensamento dualista: subjeito x objeto, natural x cultural, corpo x mente, nela residem boa parte da resistência ao diálogo e a abertura ao Outro diferente.

Alguns autores consideram que o preconceito como discriminação (Erving Goffman por exemplo), são mais relevantes do que o próprio estereótipo feito sobre determinados indivíduos, porém também estes autores entendem que existem características anti- dogmáticas que podem articular a relação existe entre preconceito, estigma e discriminação (o próprio Goffman faz isto).

A partir da perspectiva que o pré-conceito é interente ao homem e à sua percepção de verdade (Gadamer, 1997) o modo de conceber e entender próprio da realidade acerca de um determinado fenômenos, deve passar primeiro por um pré-entendimento ou pré-conceito deste mesmo fenômeno, ou seja, dificilmente vamos a realidade sem nenhum conceito a respeito dela, para isto é preciso um epoché fenomenológico, diz a boa fenomenologia.

Digo isto antes da pré-ocupação, porque em geral grande parte dos fenômenos naturais e existenciais passam por um filtro preconceituoso, no sentido de pré-entendimento, e assim o nó e o véu sobre a realidade fica estabelecido, é preciso uma atitude para ir a frente, deixando que a ocupação (e não seu pré estabelecimento) adquira o lugar certo no devido tempo.

A esperança (e para quem crê é a fé) entra nesse vácuo entre os dois estágios, a pré-ocupação que pode estar envolta de pré-conceitos da realidade, e a verdade estabelecida pelo fenômeno em si, alguns pensarão o fato, mas o fenômeno ou a coisa em si, é própria e o fato depende sempre de uma narrativa sujeita ao pré-conceito.

Resumindo, não se preocupe antes da hora, deixe que o fenômeno e a realidade fale por si na hora exata de sua “ocupação” ou em termos ontológicos de sua “presença”, seu da-sein.

GADAMER, H.G. Verdade e método. Tradução Flávio Paulo Meurer. 3ª. ed. Petrópolis (RJ): Vozes . 1997.

 

Física quântica, terceiro oculto e espiritualidade

02 abr

Nicolescu Barsarab além de formular a teoria do terceiro incluído, fundamentando pela física quântica que o princípio de Aristóteles do terceiro excluído, existe A ou não-A sendo excludentes, entretanto a física quântica já havia revelado um terceiro estado T, como uma combinação entre os estado de “existência” e “não-existência” como um estado físico, este Ser existente ou não como terceiro estado permite falar de uma Ontologia Transdisciplinar.

Sucintamente, Nicolescu (2002) desenvolveu é que em vez de uma realidade esperando para ser descoberta usando o método científico, existem múltiplos níveis de Realidade (ele coloca Realidade em maiúscula e usa a letra T para transdisciplinaridade) organizados em dois níveis.

Um nível diz respeito à Realidade Subjetiva (TD-Sujeito), assim chamada porque trata da fluxo interno de perspectivas e consciência. Incluem-se psicologia e filosofia individual, família, comunidade, sociedade, história e ideologias políticas. O outro nível diz respeito à Realidade objetiva (TD-Object), assim chamado porque trata do fluxo externo de informações, fatos, estatísticas e evidências empíricas.

Os exemplos incluem economia (negócios e direito), tecnologia, ciência e medicina, ecologia e meio ambiente, planetário (mundial e global) e cósmico e universo (Nicolescu, 2002, 2016).

Cada nível de Realidade é diferente, mas “cada nível é o que é porque todos os níveis existem no mesmo nível”, a existência de um único nível de realidade, o fechamento disciplinar do conhecimento, também Edgar Morin alerta para isto, cria um novo tipo de obscurantismo, do fechamento disciplinar em áreas de conhecimento.

Diz Carta da Transdisciplinaridade de Arrábida no seu preâmbulo: “Considerando que a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido leva à ascensão de um novo obscurantismo, cujas conseqüências, no plano individual e social, são incalculáveis”, e diz no seu artigo terceiro: “A transdisciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir novos dados a partir da confrontação das disciplinas que os articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza da realidade” (Arrábida, 2014).

A abertura para o sujeito, não se trata apenas da subjetividade idealista, é a própria abertura ao Ser e o que a Ontologia Transdisciplinar propõe é vê-lo na complexidade que se desvela.

Nicolescu, B. Manifesto of transdisciplinarity. New York, NY: SUNY Press, 2002.

Nicolescu, B. The Hidden Third [W. Garvin, Trans.]. New York, NY: Quantum Prose, 2016.

Freitas, L., Morin, E., Nicolescu, B. Portugal, Convento da Arrábida, 6 de novembro de 1994.

 

Diferença ontológica e círculo hermenêutico

21 mar

Antes do conceito ser explicado por Hans George Gadamer, o diálogo no círculo hermenêutico de Heidegger parecia construído sobre bases idealistas, embora não fosse exatamente isto, pois o conhecimento na hermenêutica não se dá pela re-velação do objeto ao sujeito, como foi visto por Kant, nem é mera projeção do objeto sobre o objeto, é na verdade uma “aparição”.

Sujeito e objeto tem horizontes próprio, a diferença ontológica os explica, embora ambos sejam dotados de historicidade, a realidade ôntica conforme explica em posts anterior tem uma verdade lógica, nela há uma crítica e superação da fenomenologia subjetivista (objetivista) de transcendental de Husserl, assim ali já foi superado o idealismo de base dogmática.

Assim a ontologia fundamental de Heidegger ganhou destaque na questão do sentido do ser é colocada como uma questão privilegiada, assim o ser dos entes não “é” em si mesmo um outro ente (Heidegger, 2002, p. 32), assim o Dasein (ser-aí, pré-sença) é o ente privilegiado que compreende o ser e tem acesso aos entes, é parte e condição essencial do ser humano.

Dito por Heidegger: “esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pre-senca.” (Heidegger, 2002, p. 33), mas não é subjetivo no sentido de ente (enti-dade), esta presença (ser-aí, dasein): “é um ente que, na compreensão de seu ser, com ele se relaciona e comporta.” (HEIDEGGER, 2002, p.90).

O círculo hermenêutico é explicitado e melhor desenvolvido por Hans-Georg Gadamer na obra Verdade e Método II (1959) que fala de manter um olha mais profundo para as coisas elas mesmas (fundamento da fenomenologia moderna), até o momento de superar as errâncias que atingem o processo de interpretação, quem quiser compreender um texto deve seguir este processo do círculo hermenêutico.

O intérprete tem de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um primeiro sentido no texto, o primeiro sentido somente se mostra porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva de um certo sentido. A compreensão do que está no texto consiste na elaboração desse projeto prévio, o qual sofre uma constante revisão à medida que aprofunda e amplia o sentido do texto (GADAMER, 2002, p. 75).

A abertura do ser-aí, ou seja, o ser deste ser-aí é a preocupação (cura, sorge), é uma luz que dá claridade da pre-sença, isto é, aquilo que torna “aberto” e também “claro” para si mesmo.

É a cura que funda toda abertura do pré e da temporalidade que o ilumina originariamente, Heidegger afirma que somente partindo do enraizamento da pré-sença na temporalidade que se consegue penetrar na possibilidade existencial do fenômeno, ser-no-mundo, que, no começo da analítica da pré-sença, fez-se conhecer como constituição fundamental (HEIDEGGER, 2002, p. 150).

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: Complementos e Índice. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte I, Tradução Marcia Sá Cavalcante Schuback. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

O não-pensamento na atualidade

07 mar

O texto de Heidegger sobre a Serenidade, feito em 1949 em cerimônia de comemoração do centenário de morte de Conradin Kreutzer, em sua cidade natal   Meßkirch,, que por ser também a cidade Natal de Martin Heidegger, este foi chamado a falar no evento, livro é parte desta seu discurso.

O texto da serenidade revela o quanto nós somos induzimos a um pensamento calcula que corre de oportunidade em oportunidade, é fundamental para se entender que isto que é atribuído ao mundo digital, já ocorria muito antes deste, e não está restrito ao universo digital: “este pensamento continua a ser um cálculo, mesmo que não opere com números, nem recorra á máquina de calcular, nem a um dispositivos para grandes cálculos” (pg. 13), mesmo muito anterior ao universo digital, fala dele e diz que não é dele que está falando.

A dinâmica, que muitos atribuem ao universo digital já era a muito presente no homem moderno: “o pensamento que calcula (rechnend Denken) nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita (ein besinnliches Denken), não é um pensamento que reflecte (nachdenkt), não é o sentido que reina em tudo o que existe” (idem, pg. 13), isto é, do final da década de 40 e anterior aos computadores modernos.

Convém traduzir as palavras alemãs: ein besinnliches Denken (um pensamento contemplativo) e nachdenkt (pensar sobre) e das rechnend Denken (pensamento calculista).

Assim para o filósofo existem duas formas de pensamento: o que calcula e o que medita, e pode-se pensar que o segundo não se apercebe da realidade, “não contribui em nada para levar a cabo a práxis” (pg. 14), pode levar a pura reflexão, a meditação persistente ser “demasiada “elevada” para o entendimento comum” (idem).

O autor diz que a única coisa correta é que a verdade de um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula, ambos requerem esforços.

O fato que o homem contemporâneo está vinculado a uma forma de pensar é porque é esta a forma atual em que o pensamento foi elaborado e treinado, ligado a logos racional e ideal.

Porém pondera que cada um pode seguir os caminhos da reflexão dentro de seus limites e a sua maneira: “Não precisamos, portanto, de modo algum, de nos elevarmos às “regiões superiores” quando refletimos. Basta demorarmo-nos (verweilen) junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora; aqui, neste pedaço de terra natal; agora, na presente hora universal” (pg. 14).

Claro Heidegger refletia sobre a comemoração em sua cidade Natal, mas isto vale para todos os eventos que vivemos em nossas vidas.

Heidegger, M. Serenidade. Trad. de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.

 

O sócio e o próximo

29 fev

A relação concreta de amizade social só é efetiva em cada próximo, a ideia de generalização de atitudes sociais pode ser inserida em uma cultura, mas ela somente será efetiva se na relação com cada um com quem relacionamos ela se torne efetiva, senão é discurso e ideologia.

O texto do Paul Ricoeur “O sócio e o próximo”, que faz parte do livro ¨História e Verdade” não só modifica o conceito de verdade histórica como desvela que só há relação social concreta na medida em que inserimos em nossos diversos círculos sociais e a cada relação pessoal concreta.

O contínuo egoísmo, preconceito abre a alma em abismos de separação com o Outro, faz dela um contínuo de separação, exclusão levando a incredulidade no amor e na solidariedade social.

Mudar de atitude, transformar o egoísmo em gestos de bondade e viver em cada relação específica um amor até mesmo sobre humano que dá dignidade e respeito a cada ser que passa ao nosso lado, não é um altruísmo ou uma forma de ignorar os conflitos sociais, é também elevar a alma a um estágio de felicidade com os outros, e espalhar a esperança.

Enquanto a relação de sócio é apenas de um interesse pessoal, a de próximo ultrapassa esses limites e dá uma elevação no nível de confiança, inclusão e aproximação diferente do sócio:

Ao discorrer sobre a diferença entre estas relações, discorre sobre a caridade: “A caridade não precisa estar onde aparece; também está escondida na humilde e abstrata agência dos correios, a previdência social; muitas vezes é a parte oculta do social ”, Paul Ricoeur em Le socius et le Prochain (1954), e está traduzido no livro História e Verdade de 1968.

O texto nos lembra que assim como as instituições podem ter apenas relações de societárias, pode-se passar por elas também relações interpessoais, de afeto e de solidariedade e que tornam elas menos frias e menos burocráticas, onde se vê não um cliente ou um serviço a mais, mas um próximo pelo qual pode-se interessar.  

Não por acaso é um capítulo de História e Verdade, porque a verdade só é estabelecida entre amigos verdadeiros e que são próximos, e se são sócios serão apenas para estarem mais próximos, enquanto manter a aparência social, mesmo com espírito de empatia não é ainda a verdadeira relação humana se a pessoal não se realiza de modo concreto.

Assim a amizade social, deve necessariamente passar pelo amor verdadeiro a cada pessoa que passa ao nosso lado.

Ricoeur, P. História e Verdade, trad. F. A. Ribeiro. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro, 1968.

 

O próximo e a amizade social

28 fev

O texto de Paul Ricoeur “Le socius et le prochain” (o sócio e o próximo) já foi explorado neste blog, salientando a diferença entre uma relação temporal limitada de sócio e uma relação de filia e amizade que pode se estender por toda vida: o próximo.

Queremos agora reler o comentário feito por Henri Bergson sobre este texto, no qual ele articula que o “eu” parte de um “nós” que construímos como um “eu”, mas que não é addeste, então cabe a pergunta que “nós” é esse?

Designa essas outras pessoas que encontramos todos os dias nos nossos ambientes familiares e profissionais, ou esta presença difusa dos outros, de “todos” que, por exemplo, alegamos quando tentamos fazer alguém compreender?

Significa que agimos de modo compatível ou incompatível com a vida em sociedade: “o que aconteceria se todos gostassem de você?” na verdade, existe, para dizer o mínimo, duas relações muito distintas com os outros: outros como estrutura e outros como práxis.

Pelo primeiro termo, entende-se esta base como eficiência das leis, das instituições, e mais ainda, a consciência que temos da nossa incessante visibilidade aos olhos da sociedade: o que se faz é feito com base na possível existência de outros, mesmo quando ninguém está fisicamente “lá”, pela noção de outro como práxis, devemos entender as ações através das quais outro de alguém, no entanto, esta distinção corresponde exatamente àquela que Paul Ricoeur escreveu em seu livro “História e Verdade”, escrito para diferenciar entre “sócio e o próximo”, porque não só no mundo dos negócios, mas também na política e nos grupos sociais o que é verdade pode estar relacionado a alguma narrativa da “sociedade” pertencente.

Podemos falar da presença o Outro como estrutura no sentido de que o socius designa este lugar, esta ponderação simultaneamente implícita e legal de um outro invisível, anônimo, quase abstrato, mas ao mesmo tempo omnipresente, um pouco como condicional, que nunca deixaria de se manifestar para nós no Presente, de se tornar presente, mas nunca fisicamente (e sim mentalmente, constitucionalmente).

Por “próximo”, Paul Ricoeur designa a presença física imediata, pontual, de outra pessoa que conheço, temos boas experiências de estar próximos nas grandes cidades, pois ali vivenciamos muitas situações promíscuas (metrô, filas, etc.), mas, ao mesmo tempo, essa multidão com a qual sou obrigado a compor não é composta de “próximos”, já que não os conhecemos.

Se ativamos a práxis com o próximo sempre passando pela estrutura do “socius”, a relação supõe uma margem de escolha, de eleição, de desejo de aproximação ou rejeição, como se o nosso salário bruto e o nosso salário líquido, aquilo que é retirado do nosso salário pago, através de uma supervisão de uma autoridade administrativa, a “organização”, o Estado, a segurança social, etc.

Assim o sócio está vinculado a uma “práxis” social, enquanto o próximo depende só de uma escolha de relação humana independente da relação estrutural a qual está sujeito.

RICOEUR, Paul “O socius e o próximo”, in História e Verdade, trand. F. A. Ribeiro. Companhia Editora Forense: Rio de Janeiro.

 

Clareira e a iluminação da consciência

23 fev

Existem diferentes experiências de consciência diferentes do racional, claro elas não estão livres da autossugestão e de certa forma todas são, porque algum nível de permissão damos a uma experiência que extrapola nossos sentidos, a musical é a cultural mais aceita e comum, a espiritual mais rara e sujeita a falácias e manipulações, mas todas tem algum sentido.

A clareira de que Heidegger fala partindo do mito da caverna de Platão não está presa ao nível racional, já que sua ontologia é a de volta ao Ser, e a experiência mais profunda do ser nunca deixará de ter um toque espiritual e cultural, porém esta clareira está ligada fortemente não há uma ideia coletiva, mas ao Ser interior e profundo de cada homem.

Seria possível uma iluminação da consciência de modo coletivo, aquilo que em termos cristãos se chama de “pentecostes”, avivamento, repouso no espírito e outros nomes, sim e não.

Sim é se de fato é uma tomada de consciência que leva a uma elevação humana e espiritual, não se é apenas autossugestão por técnica emocional e sugestão coletiva, é preciso que não haja uma falsificação da verdadeira consciência e não se confunda com fanatismo.

A crescente tensão mundial política, cultural e bélica pode levar a um estado de fanatismo, ódio e stress social jamais imaginado, porém é possível que as mentes fiquem alertas e uma nova visão cultural e espiritual evolua para um caminho diferente, uma espécie de “socorro”.

Walt Whitman foi um poeta, ensaísta e jornalista do século XIX, mal compreendido é hoje lido e reinterpretado por muitos autores, embora ainda pouco compreendido, diz em suas poesias:

“Como num desmaio, um instante, Outro sol inefável me deslumbra,
E todos os orbes conheci, e orbes mais brilhantes desconhecidos,
Um instante da futura terra, terra do céu.”

Tanto pode ser lido no plano social, uma mudança cultural, no plano espiritual (novos céus e nova terra diz a leitura bíblica) como até no plano político.

Os apóstolos de Jesus tiveram este momento propiciado pelo próprio Mestre, sobem ao monte Tabor e lá o veem iluminado com outras duas figuras (diz a leitura: Elias e Moisés, não seria a Trindade) e o êxtase de consciência é tão elevado que os apóstolos Pedro, Tiago e João querem ficar ali.

 

Foi o iluminismo uma iluminação

22 fev

Para analisar o iluminismo a luz da filosofia ocidental é preciso ler, claro com um espírito aberto a metafísica ontológica, a partir de Cassirer, sua crítica e análise a partir do apogeu do idealismo no século XVIII, “que se auto intitulou orgulhosamente de ´Século da filosofia’” (CASSIRER, 1992).

Esta filosofia considerava-se que “abriu caminho até aquela ordem mais profunda donde jorra, com o pensamento puro, toda a atividade intelectual do homem, e onde essa atividade deve encontrar seu alicerce, segundo a convicção profunda do iluminismo” (CASSIRER, 1992).

O autor observa que Hegel considerado “o primeiro a enveredar por esse caminho” como filósofo e historiador da filosofia, fez uma esquecida (Cassirer a chama de curiosa) retificação, que diverge do veredicto que “a metafísica do mesmo Hegel proferiu a respeito do Iluminismo” (Cassirer, 1992), reconhecendo seu papel e fazendo uma conciliação com esta (na foto o frontispício da L’Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences).

Tendo como principal influência Kant, Cassirer também sofreu influência de Herman Cohen (grande expoente do neokantismo no início do século 20) e Paul Nartop (um dos fundadores da escola de Marburg) e assim permaneceu preso no idealismo do neokantismo, porém não deixou de haver influencias nos pensamentos de Heidegger, Hans Georg Gadamer e Hartmann.

A questão científica no século XVIII encontrava-se em encontrar “uma fronteira determinada entre o espírito matemático e o espírito filosófico” (Cassirer, 1992, p. 34), começava assim uma dúvida que iria até o princípio do século XX quando David Hilbert numa Conferencia de Matemática anuncia 23 problemas que a matemática deveria resolver para considerar-se completa, entre eles o segundo problema era da consistência dos axiomas da aritmética, ou seja, que a aritmética podia resolver qualquer problema que fosse enumerável.

Foi Kurt Gödel quem demonstrou que este problema da prova finitista da consistência da aritmética é comprovadamente impossível, em seu segundo teorema da Incompletude, o que ficou conhecido como Paradoxo de Gödel, o sistema ou é completo ou finito, nunca os dois.

Para ajudar este desmoronamento do racionalismo cientificista, a física quântica também propôs através de Werner Heisenberg o princípio da incerteza, que anunciava que não se podia afirmar a posição de um átomo ou uma partícula atômica em determinada situação.

O idealismo é uma corrente forte ainda, mesmo nos meios científicos, mas suas bases tanto lógicas, como física e matemáticas já foram desmontadas pela própria ciência, filósofos da Ciência como Karl Popper, Tomas Kuhn e Imre Lakatos já anunciaram novos postulados.

O consenso é que o pensamento humano necessita de uma visão mais ampla, uma cosmovisão que não se limite as chamadas ciências exatas, recupere a importância da linguagem, do estudo do Ser e de uma visão transdisciplinar que libere os limites estreitos de cada área do saber, sem deixar de admitir os mistérios, as crenças e as culturas originárias.

CASSIRER, E. A filosofia do iluminismo. Trad. Álvaro Cabral, Campinas: Editora Unicamp, 1992.

 

Jonas e a resistência do espírito

21 fev

Ao nos aproximarmos de grandes tragédias, a alegoria Bíblica de Jonas é interessante de ser lembrada, até mesmo o filósofo Peter Sloterdijk a destaca, ainda que não seja cristão, é bom lembra que Jonas também está no Alcorão e é personagem importante para o judaísmo.

A curiosa passagem Bíblia em que Jonas deveria evangelizar a cidade de Nínive para ela não perecer, uma das maiores de seu tempo, acredita-se que por medo dos Assírios, conhecidos por sua crueldade, Jonas tentou fugir num navio para Társis, que sofrendo uma forte tempestade, descobrem que o motivo é Jonas que é lançado ao mar.

No mar, Jonas teria passado três dias e 3 notes no ventre de uma baleia e depois seria lançado na cidade de Nínive para que retornasse a sua missão, ali ele pregou e Nínive se converteu.

Sloterdijk não usa os termos dualismo ou polarização, usa mesmo antes da atual polarização mundial que provoca guerras sangrentas e grandes polêmicas, o filósofo usa os termos díade, uma relação entre dois ou mais diferentes que não há centro e sim um policentrismo.

Isto é básico para entender quem é Jonas para o filósofo alemão, ele o vê como um profeta e adorador do Deus dos judeus, que tem como dever estabelecer a relação entre no divino e o humano, e que para os humanos habitarem o divino precisam conhecer e rejeitar as perdições do humano no mundo.

A pergunta central de Sloterdijk em Esferas I – as bolhas, é onde estamos quando estamos no mundo? E na língua alemã há uma palavra específica para estar no mundo e estar COM o mundo, a palavra é “vorhandensein”, que quer dizer “ser-no-mundo”, que embora signifique outra coisa para Heideggeer que seria apenas “dasein”, ela adquire um significado maior.

Para Sloterdijk os únicos corpos que estão fora desta díade ou deste policentrismo “os únicos corpos que são localizados sem dualidade no mundo são os dos mortos” (Esferas I), ou seja, toda vez que você se encontra em um lugar você está nele e com ele, você o vê e o reconhece.

Onde Jonas estava quando estava no mundo? Dentro da baleia. A baleia é parte da consciência de Jonas que lhe provoca a pensar no exterior a partir de um interior. Heidegger já havia pensado neste puro interior de que todos somos vítimas, um espaço radical e intrínseco, nossa habitação única e primeira por onde permeiam todas as nossas impressões, pensamentos e afetos. 

A relação com o exterior é então de “tensão”, não é só filtro do externo, mas também é lente para entender tudo, até mesmo o próprio interior, assim estar na “baleia” foi preparação para Jonas enfrentar, vejam que antes há uma tempestade no navio que está “no mundo” e ele é jogado para fora.

O nosso caminho interior deve “ajudar”, iluminar e nos conscientizar do que somos “no mundo” e sermos como mundo outra coisa quando temos esta luz.

SLOTERDIJK, P. Esferas I : bolhas.  Tradução José Oscar de Almeida Marques. Sáo Paulo : Estação Liberdade, 2016.

 

A clareira e a verdade

20 fev

O conceito de verdade na filosofia grega não surge da lógica, da matemática ou da física, a alegoria da Caverna em Platão, onde aqueles que estão na caverna veem apenas as sombras e não a verdade como ela é, na interpretação de Heidegger, ele vai demonstrar que o esquecimento do verdadeiro Ser das coisas produzidas pelo pensamento moderno (Kant e Descartes) nada mais é do que o resultado necessário de uma forma de pensar metafísica.

Esta metafísica sofreu uma mudança na determinação da essência do conceito de verdade: nesta passagem ocorreu uma transformação da noção de verdade como desvelamento para a noção de verdade como correção ou correspondência do pensamento como a coisa.

Esta interpretação começa pela correção da palavra grega eidos e ideia (Ideia) por “aspecto”, este aspecto de um ente não é a sua mera aparência tal como percebida de forma imediata pelos sentidos, é aquilo como o ente se mostra mediante aquilo que ele se apresenta.

É nesse automostrar-se no seu aspecto que o ente aparece e pode ser captado pelo intelecto (Heidegger, 2007, p. 3), assim como o olho vê os objetos sensíveis em sua aparência externas graças à luz do sol, o homem “vê” o ser à luz das ideias, assim as Ideias iluminam o ser dos entes, tornam visíveis a sua essência (na terminologia de Heidegger: o entitativo do ente), e permitem que a alma a contemple.

Como afirma Heidegger (2007, p. 6): “Os aspectos dos quais as coisas mesmas são, ou seja, as eidee (as ideias no sentido grego), constituem a essência em cuja luz todo ente particular, este ou aquele, se mostra em cujo mostrar-se o que aparece chega a ser recém desoculto e acessível”.

Heidegger afirma numa passagem do Ser e o Tempo, que a concepção tradicional de verdade (de Kant e Descartes) baseia-se na premissa que a essência da verdade reside na concordância do juízo com o objeto (adequatio intelectos et rei) uma correspondência (ou omoiosis) sem explicar o que é a noção de correspondência.

A proposição ontológica de mostrar o que e descobrir o que ele é (Heidegger, 2005, p. 288) é assim algo que “descobre o ente em si mesmo, propõe, mostra permite ver (apofánsis) o ente em seu estado de descoberto”, desvela o ser em si mesmo, porém o Ser foi esquecido.

Como afirma Heidegger: “O ser verdadeiro do lógos como apofasis é o aletheien”. A alethéia, o desvelamento, portanto, é “o fundamento do fenômeno original da verdade” (Heidegger, 2005, p. 288).

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2005. vol. 1.

HEIDEGGER, M. La doctrina de Platón acerca de la verdad. Eikasia, Revista de Filosofía, v. 12, Extraordinário I, 2007