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Arquivo para a ‘Etica da Informação’ Categoria

Agostinho e seu trinitarismo

14 mai

Agostinho de Hipona continua atual, entre suas contribuições mais profundas está justamente onde sua “conversão” operou, a mudança do maniqueísmo para o cristianismo.

Maniqueu (Manis ou Mani, 216-274 d.C.) era árabe e defendia a existência de dois princípios opostos o bem (espírito) e o mal (matéria), assim a busca ascética era a elevação da matéria ao espírito, porém eram forças equivalentes, boa parte da religiosidade ainda tem esta visão.

Agostinho de Hipona ao romper com esta filosofia entende que o mal não é uma força que independe e é coeterna a Deus (o Bem), a clássica pergunta onde estava Deus quando …, ela é uma perversão da vontade livre, posso optar pela morte, pela destruição e isto não é princípio.

Agostinho nas confissões fala de influências de outros filósofos além de Plotino, como a de Cícero (Confissões, III), porém toma um rumo novo e diferente a partir do ano de 387 d.C. quando num sábado na Festa da Epifania se batizam ele, o filho Adeodato e um amigo Alípio.

Por volta do ano 388 inicia a escrita dos seus livros: Os costumes da igreja católica e os costumes dos maniqueus e O livre arbítrio, que seriam concluídos por volta de 395, dois anos após escreve as Confissões, seu livro mais famoso e mais difundido.

No ano 396 é convidado pelo bispo Valeriano de Hippo Regius a passar uns dias na sua casa em Hipona, com a morte deste é aclamado a tornar-se bispo de Hipona, o ambiente romano da época era bastante tumultuado com invasões dos Vândalos e Godos na região.

É fundamental a exortação de Agostinho sobre o Genesis 1,26: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” onde o “nossa” lembra um coletivo e não uma pessoa da Trindade.

Hoje a maioria dos estudiosos de Agostinho de Hipona concordam que ele começou a escrever De Trinitate por volta de 399, terminando-o somente 20 anos depois, em 419-420, estava animado com a conclusão “trinitária” dos 17 anos do concílio sobre a “paz” de Constantinopla (381), e também o arianismo (que Jesus não seria Deus) e outras heresias estavam derrotados.

De Trinitate foi, sem sombra de dúvida, em todos os aspectos, a obra mais difícil de Agostinho. Não só pela complexidade e a profundidade do tema, mas também por todas aquelas contrariedades na com posição (mormente o dito “roubo” dos livros I a XII, por volta de 416) as quais, não fora fortemente instado aquando se deslocou a Cartago, em 418, o teriam levado a abandonar o projeto, afirma o prefaciador J. M. da Silva (AGOSTINHO, 2008, p. 16).

O prefaciador também afirma: “reside na ‘perspectiva fenomenológica’ que deliberadamente assumiu pois, visando sempre o mais essencial e o mais significativo da cogitatio fidei, começou por remontar às condições de possibilidade da revelação trinitária como tal considerando o modo como a mesma se revela quer na criação, quer no homem, quer no próprio Deus” (p. 18), porém ainda hoje o maniqueísmo e certo tipo de visão dualista permanecem vivos.

AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.

 

Agostinho e a filosofia

13 mai

A obra mais conhecida de Agostinho de Hipona é Confissões, mas sua mais profunda é De Trinitate, escrita “aos poucos” traz suas meditações mais profundas filosóficas e teológicas.

No prefácio da edição lusófona De Trinitate, de Agostinho de Hipona (digital da LusoSofia.net e brasileira da editora Paulinas, 2008) José M. da Silva cita o filósofo Maurice Blondel, nos seus Carnets Intimes:

 “Nada se conhece quando não se ama. (…) Para que exista verdadeira unidade e vida imanente, vinculum sub stantiale, é preciso que o espírito de unidade e de amor penetre secretamente na intimidade dos seres e aí opere a realidade, o ser. E o ser é sempre uma presença de Deus. Mais do que um conhecimento, mais do que uma produção, o ser é amor.” (AGOSTINHO, 2008, p. 9)

O prefaciador lembra também que nos primeiros textos, De Ordine, II, 16, 44, encontra a afirmação, que torna Agostinho um precursor da teologia negativa, de que “Deus melhor se conhece ignorando” (de summo illo Deo, qui scitur melius nesciendo). E para não se pensar que é apenas um asserto temporão e pontual, muito dependente do apofatismo neoplatónico (Plotino e Porfírio), atente-se na afirmação incrustada no ‘coração’ de De Trinitate, VIII, 2, 3:

“Não é conhecimento de somenos (paruae notitiae pars) quando, deste abismo (de profundo isto), aspiramos a essas alturas se, antes de podermos saber o que é Deus (quid sit deus), pudermos saber já o que não é (possumus iam scire quid non sit).”

Postamos, lendo a filosofia oriental através de Byung-Chul Han o “caminhar”, Boécio (leitor e tradutor de Porfírio) também ao ler Agostinho de forma semelhante, segue seu programa educativo de “viajar” não por um caminho longe, mas para dentro de si mesmo, interrogando- se sobre a ação terapêutica, na prisão de Pávia, onde escreveu “Consolações filosóficas”.

Anselmo de Canterbury (1033-1109) e Thomas de Aquino (1225-1274) também o leram, e formam uma tríade escolástica de onde se pode conceber tanto uma filosofia quanto uma teologia, parte importante para entender a epistemologia, a metafísica e ontologia moderna.

Hannah Arendt fez sua tese de doutorado sobre “O amor em Santo Agostinho” (1926) e a influência em seu pensamento é clara quando desenvolve “A condição humana” (1958).

Outra influência atual, digna de destaque é Wittgenstein (1889-1951) em suas Investigações Filosóficas lembra uma passagem das Confissões de Agostinho que se imagina como aprendeu a língua quando criança: “Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelas sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indica-lo” (WITTGENSTEIN, 1958, §1).

Essa passagem por singela que parece denota as questões do nominalismo x realismo, do sujeito x objeto e por ultimo da viragem linguística, movimento contemporâneo relevante.

Aos bons leitores de filosofia, despreconceituosos e interessados na profundidade do pensamento Agostinho de Hipona permanece uma leitura atual fundamental e necessária.

AGOSTINHO, St. Confissões, 9a. ed. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. Petrópolis: Vozes, 1988.

AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.

WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. New York: McMillan, 1958. (GEM Ascombe, Trans.)

 

Entre a trégua e a escalada dos conflitos

12 mai

Um novo cenário preocupante surge na disputa da Índia com o Paquistão pela região da Caxemira, houveram ataques de fronteira e felizmente logo a seguir foi declarado um cessar-fogo com a intermediação dos Estados Unidos, até mesmo a China tem interesses na região (mapa).

As hostilidades se iniciaram no dia 22 de abril após conflitos na fronteira e na sexta-feira passada (9/5) um bombardeio indiano matou cinco civis e feriu outros 29, com uma resposta paquistanesa com drones e bombas.

Outro cenário preocupante é a região fronteiriça da Rússia com a Finlândia, o Reino Unido e a Finlândia fizeram treinamentos táticos de defesa da OTAN chamado de Exercício Mighty Arrow 25, o objetivo é reforçar a cooperação de defesa naquela região de enorme fronteira com a Rússia.

As perspectivas de tréguas existem, o governo soviético aceitou uma negociação direta com a Ucrânia para o próximo dia 15/05 em Istambul na Turquia, a Ucrânia deve perder territórios.

O conflito entre o Hamas e Israel prossegue, um alto funcionário do grupo informou à agência Reuters que um refém israelense-americano Edan Alexander seria libertado num gesto para facilitar as negociações de cessar-fogo com Israel, entretanto as negociações iniciam sem trégua.

No desfile do dia da Vitória em Moscou, com a presença de aliados do Kremlin, desfilaram tropas russas que combatem na Ucrânia e também tropas da China e da Coreia do Norte, reforçando a ideia de alinhamento entre os países, outros governantes estavam presentes como Nicolas Maduro, Daniel Ortega e o presidente Lula do Brasil.

O novo papa Leão XIV disse em sua aparição dominical “guerra nunca mais”, já havia dito “o mal não vencerá” e não se refere a nenhum dos lados em conflito, mas o fim dos conflitos.

É uma etapa decisiva para a paz senão houverem acordos claros uma escalada é esperada.

 

A trégua necessária

28 abr

As dificuldades internas de uma guerra não são diferentes das externas: morte, destruição e falta de um mínimo de miseri-cordis (coração humilde capaz de sentir a dor do Outro), entre as diversas guerras do planeta, duas apontam para este “esgotamento” das forças internas.

A Rússia segue destruindo alvos militares e civis, estações de energia e alvos civis não são poupados numa guerra sem tréguas (a da Páscoa fracassou), também no oriente médio a destruição de alvos militares não poupa alvos civis, uma verdadeira crise humanitária.

A ameaça entre Irã e Israel é cada vez mais crescente, porém há uma negociação com o grupo Hamas de um período de trégua de 5 anos e isto pode viabilizar um retorno a serenidade naquela região, também a guerra no leste europeu segue um caminho parecido, graves ameaças e ao mesmo tempo possibilidades de tréguas no campo diplomático.

Zelensky, Trump, Macron e Starmer (Reino Unido) (foto) se encontraram no Vaticano durante a cerimonia de enterro do papa Francisco e depois Zelensky e Trump falaram pessoalmente.

As consequências já são visíveis no campo militar: um crescente armamento e uma ameaça a estabilidade mundial tanto no campo estrutural (econômico e humanitário) como no campo político, as armas usadas para a luta política já não são mais propostas e discursos, ultrapassam o campo da legalidade, da justiça e do bom senso.

Uma trégua pode recuperar a seriedade e serenidade das lideranças políticas, é preciso estar disponível ao diálogo sincero, ao próprio de propostas justas e razoáveis, eliminar o “inimigo” a força é o caminho de mais perdas humanitárias e autorização para regimes autoritários.

Os potenciais imperiais desfilam seus feitos tecnológicos e militares: aviões e navios de guerra cada vez mais poderosos, ameaçadores e com poder de destruição maior, uma insanidade.

Há no meio a tantas ameaças vozes capazes de fazer apelos para a paz, os diplomatas entram em campo e tentam negociações, uma trégua que se avista no horizonte ajudaria a esfriar um pouco os ânimos belicistas, ninguém ganha uma guerra hoje, a humanidade perderá como um todo e a morte de civis inocentes será inevitável.

A guerra econômica também não ajuda, não é um caminho para nada, grandes acordos sobre o comércio e a troca de bens entre nações fazem parte de um mundo globalizado, onde as relações apenas nacionais não são mais possíveis, nem na economia nem na política.

Resta acenar para uma trégua, ainda que sobre enormes suspeitas, ela ajuda acalmar os espíritos e dar um alento para a paz.

 

Sobre o paliativo e a dor

17 abr

Byung-Chul Han escreveu “Sociedade Paliativa: a dor hoje”, em plena pandemia (o livro original é de 2020), o que era praticamente um desafio a um mundo assustado com milhares de mortes, isolamento e uma corrida a medicamentos sem os devidos testes de contraindicações, mas o livro é sobre a modernidade onde “a dor é vista como um sinal de fraqueza” (Han, 2021, p. 13).

Entre várias análises os pensamentos de E. Jünger (sobre a dor) e M. Heidegger (Acerca de Ernst Jünger), escreveu o primeiro “Me diga a sua relação com a dor e eu te direi quem és!” em replica “pretensamente irônica de Heidegger”, Han cita Heidegger que “observa: “Me diga a sua relação como ser, caso você sequer tenha alguma ideia a esse respeito, e te direi como você se se você se ´ocupará´ com a ´dor´ou se pode refletir sobre ela” (Han, 2021, p. 84-85).

Heidegger tem em mente, pontua Han, “antes, uma ontologia da dor” … “ele quer penetrar, por meio do ser, na “essência da dor” (idem, p. 85) … “Nós, porém, somos sem dor, não nos apropriamos [vereigen] a essência da dor” (citação de Han das Conferências de Bremen e Freiburg).

Cita mais a diante: “o pensamento é a dor, a paixão pelo segredo que ´se furta oscila oscila na retirada´”(citando outro texto de Heidegger A caminho da linguagem, p. 87), ela desvela o ser, ela é “santuário do ser”, ela chega até a vida” e este “santuário do nada, daquilo, a saber, que em todos os sentidos nunca é meramente um ente, mas que ao mesmo tempo, direciona, até mesmo como um segredo” (p. 89, citando novo texto Conferências e preleções).

E conclui, por raciocínio filosófico, que “a morte significa que o ser humana está em relação com o indisponível, com o inteiramente outro que não vem dele” (idem, p. 89), poderia ser muito bem também um desenvolvimento teológico, aquele que Heidegger, Arendt e Han diferenciam quando falam da imortalidade humano e da eternidade como o puro Ser.

Em “Vita Contemplativa” Han refletindo sobre Hannah Arendt escreve: “contudo, nenhum ser humano consegue, prossegue Arendt, demorar-se na experiência do eterno. Ele precisa retornar ao mundo circundante. Tão logo, porém, um pensador abandona a experiência do eterno e começa a escrever, ele se entrega a vita activa, cuja finalidade última é a imortalidade” (Han, 2023, p. 145).

Arendt se admira com o Sócrates que não escreve, disse Han, com isto renunciou a imortalidade, pode-se acrescentar que Jesus também não escreveu, e no seu caso sofre a “paixão” com dores sobre requintes de tortura pública, até sua morte pública ao lado de dois ladrões, com isto “viveu o inteiramente outro” como pensou Han, e pode experimentar a passagem (Páscoa) da vida para a morte e da morte para a vida, eis a razão também para Ele.

HAN, B.-C. Vita Contemplativa. Petrópolis, Vozes, 2023.

HAN, B.C.  A sociedade paliativa: a dor hoje. Petrópolis, Vozes, 2021.

 

A grande paixão civilizatória

14 abr

Guerras militares, guerras de mercado, situações endêmicas (a dengue atualmente no Brasil, por exemplo) e uma retórica polarizadora sem fim é uma crise civilizatória, a base não é a situação conjuntural de agora, ela vem desde o início da colonização e se agravou com duas guerras mundiais.

Parecia no final da segunda grande guerra que com a ONU, o estabelecimento de direitos humanos e os acordos nucleares que tínhamos encontrado a saída, porém a base de todo este processo, temos postado aqui, é um pensamento idealista, que a polarização chama de neoliberal e o outro polo de comunista, porém toda guerra é de pilhéria e morte de inocentes.

Reunidos pela OTAN, os ministros da Defesa europeus (foto) salientaram em reunião finalizada no domingo (13/04), que apesar das negociações dos Estados Unidos com a Rússia, que ambos consideram avanços, a Europa desacredita porque as agressões da Rússia continuam, e ameaçam a região.

Não importa a retórica, a base de todo pensamento idealista/iluminista é um estado forte e muitos países não abandonam este pensamento, a crise tarifária agora é a manifestação do lema de Trump: “American first”, americano primeiro enfrentando até mesmo a Europa.

O pouco que entendo de economia, entendo que há uma interdependência das nações, um carro produzido em qualquer parte do mundo tem peças produzidas no mundo inteiro, os americanos querem que voltem a ser produzidos lá, com as tarifas o carro americano fica mais caro, enquanto a tática da China tem sido produzir barato e dominar os mercados.

Aliás a pedido das montadoras americanas, no quesito produção de carros Trump recuou, no sábado (12/04) recuou também na taxação de smartphones, computadores e chips.

Haverá mais empregos nos EUA, mas isto não me parecia um problema, muita gente ia para lá porque haviam empregos e bem remunerados, porém neste quesito a deportação de ilegais é também no caminho contrário e a falta de mão de obra poderá representar outro problema.

A guerra no Oriente Médio segue cruel com os Houthis, nos ataques o chefe da inteligência do grupo Abdul Nasser Al-Kamali foi morto, e as ameaças ao Irã prosseguem um caminho perigoso.

Há sempre esperança, há sempre negociadores com desejo sincero da paz, o que faz a crise civilizatória avançar é o pensamento imperialista e belicista aumentar com a eleição cada vez maior de governos autoritários, influenciados pelo pensamento iluminista, que veem os países de outros povos como inimigos e não cedem em qualquer processo de negociação.

É uma semana para os cristãos que envolve a paixão de Jesus, parece estar mais próxima de uma paixão civilizatória da humanidade, é preciso pensar nos inocentes, no futuro da humanidade e na paz tão desejada, mas pouco lembrada na hora de algum conflito, é preciso semear a paz.

 

Vita Activa e disposição

11 abr

A preguiça foi tratada como defeito por séculos (as vezes injustamente, como acusar desempregados de “vadiagem”), hoje ela se chama procrastinação, no seu limite ela é levada à Síndrome de Burnout ou síndrome do pânico (são diferentes), porém ambas são fruto de uma exagerada dose de pressão, de stress ou de trabalho.

Associações internacionais já reconhecem como um fenômeno que afeta a saúde, o número é muito maior que os registrados pois há medo de perda do emprego, da credibilidade e isolamento.

Assim é preciso caracterizar aquilo que a fenomenologia chama de intencionalidade, usando uma categoria que foi introduzida por Heidegger como disposição, como “um estado de espírito que precede a qualquer intencionalidade dirigida a um objeto”, citando Heidegger: “A disposição já abriu porém, o ser-no-mundo como um todo, e torna primeiramente possível um dirigir-se a [algo]” (Han, 2023, p. 66).

Assim a disposição é necessária, diz Han: “não podemos dispor da disposição”, “a disposição constitui então o quadro pré-reflexivo para atividades e ações”, assim, ela “pode facilitar ou impedir ações de-finidas” (p. 67).

Este quadro do pensamento “não é pura atividade e espontaneidade” … “a dimensão contemplativa habita … o transforma em um corresponder” (idem), isto está delineado no pensamento de Han no início desta página como uma “passividade ontológica originária”.

Não a atividade, “mas o estar lançado” [Geworfenheit] define este originário ontológico, como ser-no-mundo originário, para este ser corresponder significa àquilo que “se dirige a nós como voz [Stimme] do ser” (p. 67), assim ouvir e escutar atentamente precede a ação e dá à disposição.

O “corresponder ouve a voz do chamado […] é sempre necessário … não apenas por acaso e ás vezes, um disposto [gestimmtes]”, “o falar do corresponder recebe sua precisão” … “antes, ela concebe ao pensado uma de-finição” (Han, 2023, p. 68).

Assim a ação exige pela ordem de precedência, um chamado (uma voz), uma disposição e uma intenção e a elas correspondem um pensado de-finido.

Não agindo sobre o pensar, somos impulsionados contra nossa inércia anterior, nossa inatividade não é posta em ação, não há disposição para ela e cria um conflito em nosso ser.

Han a compara a inatividade da máquina, que nunca precede a contemplação, não surge nada quando está parada, é uma inatividade sem qualquer ação é sua ausência.

Se somos impulsionados como máquinas, sem disposição, enfrentamos um desgaste em nosso ser-no-mundo, o  “pensar está sempre recepcionando” daí sua in-disposição, seu transtorno.

Sem ouvir a voz do nosso Ser, sem contemplar, a ação é maquinal, muitas vezes difícil e cansativa, se pensada e pausada ela é segura, decidida e alcança propósitos verdadeiros.

HAN, B.-C. Vita Contemplativa Ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis: RJ, 2023.

 

Entre  a finitude e a eternidade

04 abr

Os deuses e mitos gregos eram imortais, porém sua mistura com a natureza os tornava quase tão humanos como os homens, tinham vícios tanto que tinha uma deusa própria para eles, a deusa Cacia ou Kakía (Kακία), personificava o vício e a imoralidade, era oposta ao areté (virtude).

Já postamos sobre as diferenças de conceitos de imortalidade e eternidade em Hannah Arendt e na leitura dela por Byung-Chul Han (veja o post), a pergunta que fica é o quanto é possível no espaço-tempo que vivemos, poder estar conscientes e passíveis de vivenciar este desejo do eterno.

Há aqueles que esperam um grande milagre da ciência, congelam seus corpos a espera deste futuro (criogenia), o polêmico Raymond Kurzweil escreveu em 2005: The Singularity is Near: when humans transcend biology, e ficou por anos preparando seu corpo para imortalidade, porém agora aos 77 anos já reduziu a carga de remédios que tomava para isto, ele fez um software para computadores aos 15 anos e é um dos conselheiros de Bill Gates.

Porém o delírio humano não vai ceder a ideia mais plausível e generosa da eternidade, o universo está aí, agora com as fantásticas descobertas do megatelescópio James Webb já há a teoria que sempre esteve aí, e outra mais plausível ainda que o tempo é uma ilusão.

Uma citação de Byung-Chul sobre Heidegger (em seus Cadernos negros) é interessante: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” (Han, 2023, p. 63), claro a pergunta é filosófica, no entanto remete ao ser: “o pressentimento não saber deficiente, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proposicional” (idem).

É um “degrau preliminar na escada do saber” escreve citando Heidegger, vai estabelecer uma pré-categoria do consciente como Ser-Disposto [Gestimmt-Sein], explica: “não é um estado subjetivo que colore o mundo objetivo. Ela é o mundo … é mais objetiva que o objeto, sem, porém, ser ela própria um objeto” (pag. 66).

Assim nós “não podemos dispor da disposição. Ela nos toma” (pag. 67), não a atividade, mas o estar-lançado [Geworfenheit] como passividade ontológica originária define nosso ser-no-mundo originário” (idem, pg. 67), assim é preciso negá-la pois o mundo “se revela em sua indisponibilidade” (idem), a disposição precede toda atividade, e conclui, é de-finidora.

Defini até mesmo o nosso pensar, que significa “abrir nossos ouvidos”, escutar e corresponder e cita novamente Heidegger: “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumado que fala enquanto atenta ao chamado do ser do ente” (pg. 68).

E faz uma reflexão sobre a Inteligência Artificial, ela “não pode pensar, pois ela não é capaz do pathos. Padecer e sofrer são estados que não podem ser alcançados por nenhuma máquina” (pg. 69), o homem pode chegar a renúncia pensou Heidegger: “A renúncia é uma paixão pelo indisponível … a renúncia doa” (pg. 71), o ser: “doa a si mesmo na renúncia.  Assim, a renúncia se converte em um ´agradecimento´” (pg. 72) novamente citando Heidegger.

É certo que Heidegger este perto deste sentimento de eternidade, e Byung-Chul Han está bem próximo disto, escreveu: “a salvação da Terra depende dessa ética da inatividade” e citando Heidegger: “salvar significa, na verdade: deixar algo livre em sua própria essência” (pg. 73).

 

A paz e os horrores da guerra

24 mar

As eleições na Alemanha, na qual os debates foram para polarizações jamais pensadas naquele país depois dos horrores da II Guerra Mundial fez muitas analistas pensarem que já estamos um pouco distantes daquele momento triste para a história da civilização e talvez não saibamos mais entender os horrores da guerra, não importam as narrativas, toda guerra é sempre algum tipo de saque, algum nível de genocídio e o que morre primeiro é a verdade.

Apesar de tentativas e propostas o conflito do leste europeu parece escalar em limites e em envolvimentos de forças antagônicas cada vez mais perigosos, a tentativa de um cessar-fogo não só fracasso, como também mostrou interesses diferentes daqueles que são declarados.

Também o cessar-fogo no médio oriente, depois de um primeiro ciclo, quando parecia que poderia entrar numa segunda fase, voltou a recrudescer, o exército israelense afirmou na última terça-feira (18/03) estar realizando “ataques extensivos” e o ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, disse que 400 palestinos ficaram feridos nos ataques.

No leste europeu, mesmo as propostas americanas de cessar-fogo inicial ter sido aceita, tanto o exército russo realizou ataques com drones a Kiev e fontes energéticas da Ucrânia, como a Ucrânia lançou ataques a uma base de armas nucleares na região de Engels (Oblast de Saratov), como também ataques a capital Moscou, inviabilizando qualquer cessar-fogo neste momento.

Uma análise da CNN, no sábado 22/05, o que a Rússia quer é muito, muito maior que o fim da Ucrânia como estado independente, há o desejo que a OTAN volte ao tamanho do que era no período soviético, países que hoje integram a OTAN estavam antes na esfera soviético-russa.

Não há uma visão forte de que a paz é melhor do que qualquer guerra, sentar a mesa e travar o debate diplomático evita a morte de milhares de civis inocentes, deixa de alimentar uma crise mundial que afeta a vida, por razões óbvias, o equilíbrio econômico e o espirito fraterno.

Ainda há muito que caminhar na direção da paz, desarmar espírito não só nos países em guerra, mas entre aqueles que nas sombras alimentam um espírito genocida do ódio e do conflito, o perdão e a concórdia precisam partir de cada pessoa que deseja um mundo de paz.

 

A psicopolítica e o autoritarismo

18 mar

A visão de autoridade contemporânea está enraizada na ideia do poder da força, do dinheiro, do autoritarismo da manipulação da justiça e dos órgãos públicos a favor do estado, mas toda esta autoridade é uma autoridade que passa como grandes impérios passaram.

O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han passando por diversos autores: Nietzsche (Vontade de Poder), Hegel (Princípios de filosofia do direito), Luhmann (a comunicação do poder) e sua influência principal que é Heidegger (Ser e Tempo) estabelece o conceito de psicopolítica.

As modernas técnicas de poder através de narrativas que escondem os reais interesses do poder, usando principalmente as novas mídias, é o que Han chamou de psicopolítica, ela substitui e ultrapassa o conceito de biopolítica de Foucault.

Parte do conceito de Max Weber, citando-o: “poder significa na oportunidade, no interior de uma relação social, de impor a própria vontade também contra uma resistência, não se importando em que tal oportunidade esteja baseada” (Han, 2019, p. 22, citação de Economia e sociedade, de Weber), este autor já via a tendência moderna desta manipulação psicológica.

Este viés substitui elo conceito de “dominação” (já postamos aqui algo sobre isto), que é “obediência a uma ordem, que é sociologicamente “mais preciso” ao conceito de puro jogo de narrativas que mudam esta ordem de acordo com a necessidade temporal e social.

A raiz da ideia de Estado moderno, diferente do grego que era a superação do poder como um sofisma de manipulação, pura retórica, está em Hegel: “no anseio por uma ausência de limites, por uma infinitude que, entretanto, não seria o poder infinito” (pg. 123), e o que lhe retira a ideia do eterno e do transcendente, dizendo dos seus verdadeiros limites não é uma vontade ilimitada por poder: “A religião é fundamentalmente profundamente pacífica. Ela é bondade” (pg. 124), mas há quem a veja também só como um poder, isto é hegelianismo.

A ideia bíblica é oposta a esta prepotência, ainda que “religiosos” a usem, pois “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10,43), “Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (Mateus 5:6), não há numa boa leitura bíblica nenhuma incitação ao ódio, à violência e a segregação de povos ou raças. 

Assim é a ideia dos pequenos, das crianças e dos pacíficos que estão ligadas ao Reino divino.

 

HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.