
Entre a finitude e a eternidade
Os deuses e mitos gregos eram imortais, porém sua mistura com a natureza os tornava quase tão humanos como os homens, tinham vícios tanto que tinha uma deusa própria para eles, a deusa Cacia ou Kakía (Kακία), personificava o vício e a imoralidade, era oposta ao areté (virtude).
Já postamos sobre as diferenças de conceitos de imortalidade e eternidade em Hannah Arendt e na leitura dela por Byung-Chul Han (veja o post), a pergunta que fica é o quanto é possível no espaço-tempo que vivemos, poder estar conscientes e passíveis de vivenciar este desejo do eterno.
Há aqueles que esperam um grande milagre da ciência, congelam seus corpos a espera deste futuro (criogenia), o polêmico Raymond Kurzweil escreveu em 2005: The Singularity is Near: when humans transcend biology, e ficou por anos preparando seu corpo para imortalidade, porém agora aos 77 anos já reduziu a carga de remédios que tomava para isto, ele fez um software para computadores aos 15 anos e é um dos conselheiros de Bill Gates.
Porém o delírio humano não vai ceder a ideia mais plausível e generosa da eternidade, o universo está aí, agora com as fantásticas descobertas do megatelescópio James Webb já há a teoria que sempre esteve aí, e outra mais plausível ainda que o tempo é uma ilusão.
Uma citação de Byung-Chul sobre Heidegger (em seus Cadernos negros) é interessante: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” (Han, 2023, p. 63), claro a pergunta é filosófica, no entanto remete ao ser: “o pressentimento não saber deficiente, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proposicional” (idem).
É um “degrau preliminar na escada do saber” escreve citando Heidegger, vai estabelecer uma pré-categoria do consciente como Ser-Disposto [Gestimmt-Sein], explica: “não é um estado subjetivo que colore o mundo objetivo. Ela é o mundo … é mais objetiva que o objeto, sem, porém, ser ela própria um objeto” (pag. 66).
Assim nós “não podemos dispor da disposição. Ela nos toma” (pag. 67), não a atividade, mas o estar-lançado [Geworfenheit] como passividade ontológica originária define nosso ser-no-mundo originário” (idem, pg. 67), assim é preciso negá-la pois o mundo “se revela em sua indisponibilidade” (idem), a disposição precede toda atividade, e conclui, é de-finidora.
Defini até mesmo o nosso pensar, que significa “abrir nossos ouvidos”, escutar e corresponder e cita novamente Heidegger: “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumado que fala enquanto atenta ao chamado do ser do ente” (pg. 68).
E faz uma reflexão sobre a Inteligência Artificial, ela “não pode pensar, pois ela não é capaz do pathos. Padecer e sofrer são estados que não podem ser alcançados por nenhuma máquina” (pg. 69), o homem pode chegar a renúncia pensou Heidegger: “A renúncia é uma paixão pelo indisponível … a renúncia doa” (pg. 71), o ser: “doa a si mesmo na renúncia. Assim, a renúncia se converte em um ´agradecimento´” (pg. 72) novamente citando Heidegger.
É certo que Heidegger este perto deste sentimento de eternidade, e Byung-Chul Han está bem próximo disto, escreveu: “a salvação da Terra depende dessa ética da inatividade” e citando Heidegger: “salvar significa, na verdade: deixar algo livre em sua própria essência” (pg. 73).