
Arquivo para março, 2025
Maus acordos e ameaças
No mesmo dia (18 de março) em que o acordo de trégua parcial (apenas o ataque a postos de energia da Ucrânia e navios no Mar Negro da Rússia), a Ucrânia acusou de ter sido atacada em 8 estações energéticas.
A Rússia deseja que o banco estatal russo fosse novamente ligado ao sistema de pagamentos internacional, mas a Europa rejeita esta posição afirmando que isto só acontecerá quando a Rússia retirar todas as tropas da Ucrânia.
Uma coisa é fato da personalidade de Putin, ele despista, mas não blefa, quando fez o acordo de paz sobre a Criméia, curiosamente foi também no dia 18 de março de 2014, na visão de Putin ele faz o mesmo que a OTAN vai avançando sobre o terreno inimigo e demarcando posições.
A Europa teme novos avanços sobre países da OTAN, a julgar pela história a Polônia pode ser o próximo passo, ali Hitler avançou na II Guerra e o regime estabelecido pelo estado soviético no pós-guerra foi também cruel com o povo polaco, lembre-se as revoltas do Sindicato Solidariedade em Gdansk, já no período final do regime do general Jaruzelski.
Os acordos de trégua têm pouca sustentação porque não há forças “neutras” que os garanta.
Também o Oriente Médio vive sobre maus acordos, depois do acordo Hamas e Israel pouco ou nada caminhou no sentido de uma trégua mais ampla, o reconhecimento do território palestino não caminhou, Israel e os EUA querem manter o controle da região sob a ameaça de novos ataques a Israel.
O Irã que é um personagem nas sombras desta guerra, porque financia e dá apoio a grupos extremistas, a ameaça de Trump de bombardear Teerã teve como resposta que os EUA irão receber um “golpe recíproco”, o que Trump quer é um novo acordo nuclear de limitação das armas nucleares no Irã, é bom lembrar que são parceiros da Rússia que já possui vasto arsenal nuclear.
O mundo segue sobre a sombra de uma guerra insana, aqueles que não pensam sobre esta insanidade, não sabem os horrores e as consequências de uma guerra hoje.
A figura acima é uma escultura feita por Marie Uchytilová em Lídice, republica Checa, em lembranças a um grupo de 82 crianças asfixiadas com gás no campo de extermínio de Chelmno no verão de 1942.
Narrativa, linguagens e oralidade
Retomando uma de Byung-Chul Han: “A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo”, esta capacidade de superar a contingência do corpo, está ligada não apenas a lembrança da linguagem poética e conativa, porém aos sentidos e valores espirituais que a modernidade abandonou, sob o pretexto de criar uma visão “objetiva” (“A crise da narração”, Byung-Chul Han, 2023).
A contação das histórias dos povos, de suas culturas e religiões assim são fatores primordiais para a superação de um momento tão dramático da história da comunicação.
As linguagens desenvolvidas para as máquinas são capazes de produzir narrações com um conjunto de palavras que fazem parte de seu vocabulário, mas sem o imaginário daquelas vozes que realizam a contação, em especial de culturas orais, onde a escrita é secundária.
O texto dramático é também um gênero onde se apresentam atos, cenas, rubricas e falas, por isto é parte de uma forma teatral ou de a-presentação, no sentido que a presentação é ao mesmo tempo uma contação de uma história e sua negação, uma vez que envolve a ficção, canta história contagem tem sempre um aspecto presente, este é o sentido.
A disputa entre nominalistas e realistas na baixa idade média (séculos XI a XIV), terminou por negligenciar a importância da linguagem, porém a viragem linguística do final do século XIX fez retornar sua importância em estudos como a gramática, a semiótica, a etimologia e de modo mais amplo a linguística.
O início da modernidade é marcado pela ruptura entre a função metafísica da linguagem e o uso da objetividade como modo de expressão, porém esta é apenas uma das funções da linguagem, o linguista russo Roman Jacobson lembra das funções: fática, poética, conativa e metalinguística, na qual se inserem por exemplos os códigos modernos: morse, digital e quântico, onde “o “código explica o próprio código, ou seja, a linguagem explica a própria linguagem”, e este deve ser o único contexto onde se aplicam os conceitos de emissor/receptor.
A viragem linguística, ocorre em meio à crise do pensamento idealista e positivista na modernidade: Husserl, Heidegger, Hanna Arendt são fundamentais embora sejam mais lembrados: Noam Chomsky, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault e Ferdinand de Saussure.
Noam Chomsky escreveu na década de 50 variações para esses estilos linguístico que são mais técnicos, envolvem uma gramática restrita e assim foi chamada de linguagem regular um tipo de linguagem formal que pode ser expressa por meio de expressões regulares. É utilizada na ciência da computação e na teoria formal de linguagem.
Ao proclamar textos numa cultura oral, por exemplo a bíblica, é preciso ter significação, e, em especial fazer uma hermenêutica de sua presentação (repete-a ao contar).
Linguagem, verdade e o eterno
Leibniz (1646-1716) teorizou que a verdade está relacionada a razão: “Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra”, assim de uma meia-verdade não pode surgir uma verdade, eis o problema das narrativas contemporâneas e a verdade está ligada ao Ser por meio da linguagem.
O projeto filosófico de Leibniz incluía uma “linguagem simbólica” que seria a própria da filosofia, chamou-a de “characterística universalis” através da qual poderíamos expressar a verdade, porém em seu tempo a divisão realismo x nominalismo determinou uma vitória do realismo iluminista, e Leibniz e seu discípulo Cristian Wolff (1679-1754) foram rechaçados (figura).
Para seu projeto Leibniz pensava em 3 princípios: Identificar e estruturar hierarquicamente as ideias simples, estipular um sistema adequado de signos e estabelecer regras lógicas para compor ideias complexas.
Christian Wolf chega a elaborar um sistema de conceitos, diferente da árvore do conhecimento de Porfírio, mas também baseado no pensamento Aristotélico (Isagoge), é de Porfírio (232-304) que Boécio tira a famosa querela dos universais: se os universais seriam as coisas ou apenas palavras (categorias de Aristóteles) que atribuímos como nomes às coisas.
A ontologia moderna (fenomenológica), em especial em Hannah Arendt e seu interprete Byung-Chul Han cria novos conceitos que ligam este dualismo no pensamento sobre a Vita Activa e a Vita Contemplativa: “a busca pela imortalidade, pela glória imortal, é, segundo Arendt, “a fonte e o centro da vita activa” (Han, 2023, p. 145), mas “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem).
Vive-se assim num paradoxo entre o eterno e o temporal: “tão longo, porém, um pensador abandona a experiência do eterno e começa a escrever, ele se entrega a vita activa, cuja finalidade última é a imortalidade” (pgs. 145-146).
Arendt “admira-se com o Sócrates que não escreve, que renuncia voluntariamente à imortalidade” (Han, 2023, p. 146), mesmo podendo a escrita “ser uma contemplação nada tem a ver com a busca pela imortalidade” (Han, 2023, p. 146), pode-se pensar também na experiência de Jesus que nada escreve, deve-se então seguir sua palavra e seu exemplo e não sua escrita, assim a oralidade tem “vita activa” enquanto a escrita busca a potência.
Arendt lembra também de Platão, mas Han julga isto “destorcido” da alegoria de Platão, “ela é o relato de um filósofo que se liberta das correntes que o prendem e seus companheiros” (pgs. 147-148), ele age quando retorna a caverna “com suas sombras, a um regime de verdade”.
Colocar as palavras na “vita activa” é, portanto, imitá-las, não sendo nem as proclamar sequer as citá-las, diz Han: “A vita activa sem a vita contemplativa é cega” (Han, 2023, p. 149).
Han, B.-C. Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis, RJ: Vozes: 2023.
A linguagem, o ser e o infinito
A linguagem e o ser são ontologicamente ligados, quer dizer, a linguagem é um modo do ser (ou sua morada) que Heidegger chama de Dasein e se apresenta na constituição fundamental do ser-no-mundo.
Porém os limites da linguagem não são limites para o ser, ela é a expressão da comunicação de nossa ligação com o outro e com o mundo, a marca característica da linguagem é o sinal (ou o signo como conceitua a semiótica) porque é ele que vai identificar o saber, ela o mostra o objeto e concede a ele uma “re-presentação” (aqui para lembrar o conceito de “presentar).
Já a eticidade como objetividade (este conceito é hegeliano que Heidegger usa) do representante (por isto usa o re-) dá a ele uma vigência presente do objeto, então é a palavra que produz o conhecimento concede uma verdade de correção de representação, então ela tem uma verdade lógica e assim outras correções serão necessárias, porém todas finitas no tempo.
Os limites da representação estão na escuta atenta e silenciosa ao outro do si-impessoal que todos trazemos em nossas relações, bem como é a escuta apropriada ao outro coexistente que o ser-aí dá a compreender o que realmente importa na relação consigo e com o outro.
Em seu trabalho “o caminho para a linguagem” (2003), escrito nos anos 50 (assim em sua maturidade, Heidegger falece em 1976), afirma que falar não é o mesmo que dizer, pois se pode falar muito sem nada dizer; por outro lado, ao calar-se e silenciar, alguém pode dizer muito, isto significa que falar pode ser apenas mostrar, aparecer, ver e deixar de ouvir.
Nada mais importante que em períodos midiáticos que desejamos ouvir parlatórios públicos e não ouvimos o outro em nosso silêncio interior, os gregos e a fenomenologia chamam de epoché, é tão importante que nenhuma filosofia ou religião realmente verdadeiras podem se abster deste recurso, assim temos uma filosofia vazia, pensadores de barriga cheia e vaidosos.
O passo para ir além, para estender o nosso conhecimento além da representação mundana é desvelar o mundo, já que sua re-velação é apenas um novo velamento, o desvelar nos faz ir além alcançar aquilo que para a objetividade presente parece impossível, não se trata nem de riqueza, nem de bens utilitários, nem de visibilidade pública, mas um encontro com o Ser.
Na Carta sobre o Humanismo (1949), no qual analisa seu período de viragem ao longo dos anos 30 e início dos anos 40, ele afirma que seu pensamento se dirigiu a relação do ser para a essência do homem, porém será este Heidegger que Peter Sloterdijk questiona porque somente viu uma face do processo, o esquecimento do ser, e deixou impensado o seu caráter propriamente domesticador, em seu livro: “Regras para o parque humano” em que questiona a bioengenharia, a tecnologia que recolocam a questão humanitária em crise novamente.
Alcançar o além dos limites humanos tem sido um desafio para o processo civilizatório e isto é divino.
HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2003.
Cosmovisão, filosofia e religião
A cosmovisão está mais estreitamente relacionada a filosofia e a cosmologia, mas na literatura ela não deixa de estar ligada a ciência e a religião, o geocentricismo (a terra como centro do universo) e a revolução copernicana que declarou o sol como centro do universo, correspondem a visões científicas e religiosas e ambas eram cosmovisões limitadas, no centro da nossa galáxia temos um buraco negro, por isto é correto pensar também nos “cosmos”.
Na visão ontológica de Heidegger, ele atualiza o termo Weltanschauung que aparece a primeira vez com Kant, que compreendia esta ideia de cosmovisão apenas através da experiência com o mundo sensível, para Heidegger são valores, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, e assim corresponde a uma “visão de mundo”.
A conexão com a cosmologia é importante, já salientamos a revolução copernicana, e hoje a influência das descobertas do observatório espacial James Webb tem contribuído até mesmo para uma visão mais ampla da criação do universo, e se não foi criado, e existiu “sempre” isto favorece ainda mais a cosmovisão do eterno e do infinito.
O universo também nos informa de fatos científicos e religiosos, a visão do paradoxo da informação teorizada por Stephen Hawking sobre pequenas radiações que “escapam” do buraco negro amplia a visão cosmológica e científica, enquanto a estrela guia que indicou o local do nascimento de Jesus poderia muito bem ser uma nova ou uma supernova, uma estrela que nasce ou que morre.
Os cientistas e observadores do cosmos aguardam para os próximos dias o nascimento de uma estrela “nova”, nome dado a conjuntos binários de uma estrela anã e uma gigante vermelha que explodem e dão um brilho mais intenso de uma estrela nascente.
O assunto tomou conta da fantasia dos astrônomos porque desde setembro de 2024 a TCrB (T Coronae Borealis) o sistema binário próximo a constelação da Coroa está para explodir.
Os astrônomos preveem que está explosão está próxima podendo ocorrer na madrugada do próximo dia 27 de março, a TCrB (agora já chamada de Blaze Star ou Estrela Flamejante) está a 3 mil anos luz de distância e a constelação da Coroa está próximo a da serpente (Serpens Caput) e da Bota (Bootes) (figura acima).
Enquanto observamos eclipses, cometas e meteoros, nossa visão ainda era geocêntrica, olhar para um universo mais amplo corresponde a uma visão de mundo mais ampla, saímos de nossa bolha terrestre para admitir realidades celestes e mais universais que nosso pálido ponto azul.
Esta expressão surgiu de quando a sonda Voyager 1, no dia 14 de fevereiro de 1990, estava a uma distância de seis bilhões de quilômetros da Terra (passando o planeta Saturno), e havendo cumprido sua missão, por sugestão de Carl Sagan, vira-se para a Terra e olha para trás tirando uma foto.
A paz e os horrores da guerra
As eleições na Alemanha, na qual os debates foram para polarizações jamais pensadas naquele país depois dos horrores da II Guerra Mundial fez muitas analistas pensarem que já estamos um pouco distantes daquele momento triste para a história da civilização e talvez não saibamos mais entender os horrores da guerra, não importam as narrativas, toda guerra é sempre algum tipo de saque, algum nível de genocídio e o que morre primeiro é a verdade.
Apesar de tentativas e propostas o conflito do leste europeu parece escalar em limites e em envolvimentos de forças antagônicas cada vez mais perigosos, a tentativa de um cessar-fogo não só fracasso, como também mostrou interesses diferentes daqueles que são declarados.
Também o cessar-fogo no médio oriente, depois de um primeiro ciclo, quando parecia que poderia entrar numa segunda fase, voltou a recrudescer, o exército israelense afirmou na última terça-feira (18/03) estar realizando “ataques extensivos” e o ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, disse que 400 palestinos ficaram feridos nos ataques.
No leste europeu, mesmo as propostas americanas de cessar-fogo inicial ter sido aceita, tanto o exército russo realizou ataques com drones a Kiev e fontes energéticas da Ucrânia, como a Ucrânia lançou ataques a uma base de armas nucleares na região de Engels (Oblast de Saratov), como também ataques a capital Moscou, inviabilizando qualquer cessar-fogo neste momento.
Uma análise da CNN, no sábado 22/05, o que a Rússia quer é muito, muito maior que o fim da Ucrânia como estado independente, há o desejo que a OTAN volte ao tamanho do que era no período soviético, países que hoje integram a OTAN estavam antes na esfera soviético-russa.
Não há uma visão forte de que a paz é melhor do que qualquer guerra, sentar a mesa e travar o debate diplomático evita a morte de milhares de civis inocentes, deixa de alimentar uma crise mundial que afeta a vida, por razões óbvias, o equilíbrio econômico e o espirito fraterno.
Ainda há muito que caminhar na direção da paz, desarmar espírito não só nos países em guerra, mas entre aqueles que nas sombras alimentam um espírito genocida do ódio e do conflito, o perdão e a concórdia precisam partir de cada pessoa que deseja um mundo de paz.
A linguagem e os frutos
Hermenêutica é a arte ou técnica de interpretar e explicar textos, originaria do grego, ela também se aplica hoje à ontologia e a filosofia da linguagem, e serve para interpretação não só de textos e filosofias tradicionais, como os textos sagrados e jurídicos.
O problema grave da linguagem nos dias atuais é sua perspectiva de uma análise fragmentária e distorcida dos textos, enquanto a hermenêutica serve para uma verdadeira interpretação (aspetos etimológicos, de tradução e de significação), o uso da linguagem para justificativa do poder era mais próprio dos sofistas na modernidade antiga.
Assim os frutos de uma verdadeira expressão linguística, e de uma hermenêutica filosófica foi o de construir um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação, há vários autores, porém, destaco Hans-Georg Gadamer, e ela é fundamental para uma perspectiva humanística.
Gadamer reconstrói o conceito de pré-conceito, tirando a carga negativa de juízo antecipado que tinha adquirido na ilustração, dando um caráter essencial dentro da hermenêutica, uma vez que permite a fusão de horizontes, dentro do círculo hermenêutico anterior ao diálogo.
Assim rejeita a ideia de um conhecimento do passado por meio da razão pura, sem mediação da própria tradição do intérprete, uma vez que isto impede a fusão de horizontes e o diálogo.
O intérprete não realiza apenas uma atividade “reprodutiva” do texto, senão que o atualiza de acordo às circunstâncias do momento, por isso fala-se do seu labor “produtivo” (Gadamer, 1997), não há referência direta ao conceito de “labor” de Hannah Arendt, mas cabe bem no texto, uma atividade natural e não durável que se esgota ao ser realizada.
Assim é o uso produtivo da linguagem, palavras que são ações que acionam atitudes de ajuda, de socorro, de solidariedade e de diálogo, ainda que de diferentes interpretes, o importante é que uma linguagem humanitária leve a ações a favor da sociedade e de princípios frutíferos.
Não se colhem figos de espinheiros, a árvore boa não pode dar maus frutos, a linguagem que é dirigida a boas iniciativas humanitárias, não terá resultados negativos, assim facilmente ela caminha para um diálogo se realiza a “fusão de horizontes” como ponto de partida na interpretação, a base de um diálogo hermenêutico.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
A linguagem e a modernidade
As divergências e lutas filosóficas no final da idade média que marcaram as diferenças entre realistas e nominalistas terminaram por uma supressão da importância da linguagem, do exercício do pensamento em uma forma de subjetividade dualista, já que separa sujeitos de objetos.
Foi em parte pela crise do pensamento ocidental e em parte pela ausência de uma compreensão correta da importância da linguagem que no final do século XIX e início do século XX começa uma “reviravolta” linguística.
Como é marcado todo conhecimento na modernidade, também esta importante virada acabou sendo usada como uma metáfora na filosofia da linguagem, porém sua contribuição tanto para o pensamento contemporâneo como para a compreensão de que tipo de crise se vive, ela é uma resposta ampla e essencial: a palavra dá vida as nossas ações e sua meditação não pode ser separada de sua prática (veja o post anterior).
Há aqueles que preferem datar esta virada com o Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) ou ainda mais tarde ainda com o trabalho The Linguistic Turn: Essays in Philosophical Method que Richard Rorty editou em 1967, ele defendeu esta criação ao pensador Gustav Bergmann, mas aponta também Heidegger como um de seus fundadores.
O importante é verificar tanto o diálogo da viragem como a nova perspectiva lógica do Círculo de Viena (com quem Wittgenstein manteve contatos) como a relação com a hermenêutica filosófica nascida de Schleiermacher (“sobre os diferentes métodos de tradução”), era contemporâneo de Schelling, Hegel e Fichte, e assim sob alguma influência do idealismo alemão.
Assim a linguagem oral e textual é traduzida numa linguagem e interpretada segundo uma hermenêutica (foto).
Já a abordagem hermenêutica filosófica que vem na linha de Husserl, Heidegger e seus sucessores (como Hannah Arendt e Peter Sloterdijk) fazem uma ruptura mais profunda e questionam até mesmo a filosofia o pensamento de seu tempo, com grandes lacunas.
A palavra viva é aquela que nos leva a ações concretas longe do individualismo e da falta de meditação (ou de contemplação) da modernidade, leva a gestos concretos de humanidade.
Trabalho, ação e contemplação
Hannah Arendt considerava que o labor, o trabalho e a ação são as três esferas da vida humana, que compõe a “vita activa”, pensamento que temos postado em torno do ensaio de Byung-Chul Han, que Arendt também usa, de complemento a Vita Contemplativa.
Não é próprio do homem moderno pensar desta forma, e isto colocou o pensamento humano e até mesmo o científico e religioso em ocaso, as narrativas surgem como consequência e não como causa disto, é pela fragmentação das atividades humanas que a interpretação da realidade fica sujeita a uma cosmovisão limitada.
O labor assegura a sobrevivência biológica do indivíduo e da espécie (Arendt, 1995) enquanto o trabalho ainda que não individualize o homem, estabelece uma relação com os objetos e com a transformação da natureza, e permite, isto é importante, demonstrar sua habilidade e inventividade artesanal (Arendt, 1995), porém a atividade e inventividade artesanal não está separada do pensamento, porque ali o homem concebe sua relação com a natureza como um todo.
Foi o trabalho industrial que destruiu esta ideia do todo que está entre o trabalho, o labor e a ação, porém ao notar que o trabalho artesanal incluía já também uma visão contemplativa, “Perché non parli?” disse Michelangelo ao completar sua obra “Moisés”, significando “porque não falar?” (foto).
Um detalhe pouco percebido, mas certamente concebido por Michelangelo ao realizar sua obra, é o apoio de seu braço direito sobre as tábuas da lei, diríamos um primeiro códice bíblico, já que a Torá era um rolo, e se comparada a estátua do pensador grego, este está apoiando sobre sua cabeça sobre o braço direito, Auguste Rodin fez sua versão por volta de 1880.
Assim o trabalho, o labor e a ação podem estar unidos a ideia da contemplação, se a fazê-lo pensamos como concepção de um pensador anterior e incluído no objeto, assim reunimos e resignificamos o trabalho e o labor, não mais como atitude alienada, mas como Ser ôntico.
Portanto, o trabalho humano e o seu labor devem estar unidos a ideia ontológica do Ser, e ela significa também um ato de amor à humanidade, ao Outro e àquele que irá usar, conceber ou apenas contemplar a ação do labor.
ARENDT, H. A condição humana. 7a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
A psicopolítica e o autoritarismo
A visão de autoridade contemporânea está enraizada na ideia do poder da força, do dinheiro, do autoritarismo da manipulação da justiça e dos órgãos públicos a favor do estado, mas toda esta autoridade é uma autoridade que passa como grandes impérios passaram.
O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han passando por diversos autores: Nietzsche (Vontade de Poder), Hegel (Princípios de filosofia do direito), Luhmann (a comunicação do poder) e sua influência principal que é Heidegger (Ser e Tempo) estabelece o conceito de psicopolítica.
As modernas técnicas de poder através de narrativas que escondem os reais interesses do poder, usando principalmente as novas mídias, é o que Han chamou de psicopolítica, ela substitui e ultrapassa o conceito de biopolítica de Foucault.
Parte do conceito de Max Weber, citando-o: “poder significa na oportunidade, no interior de uma relação social, de impor a própria vontade também contra uma resistência, não se importando em que tal oportunidade esteja baseada” (Han, 2019, p. 22, citação de Economia e sociedade, de Weber), este autor já via a tendência moderna desta manipulação psicológica.
Este viés substitui elo conceito de “dominação” (já postamos aqui algo sobre isto), que é “obediência a uma ordem, que é sociologicamente “mais preciso” ao conceito de puro jogo de narrativas que mudam esta ordem de acordo com a necessidade temporal e social.
A raiz da ideia de Estado moderno, diferente do grego que era a superação do poder como um sofisma de manipulação, pura retórica, está em Hegel: “no anseio por uma ausência de limites, por uma infinitude que, entretanto, não seria o poder infinito” (pg. 123), e o que lhe retira a ideia do eterno e do transcendente, dizendo dos seus verdadeiros limites não é uma vontade ilimitada por poder: “A religião é fundamentalmente profundamente pacífica. Ela é bondade” (pg. 124), mas há quem a veja também só como um poder, isto é hegelianismo.
A ideia bíblica é oposta a esta prepotência, ainda que “religiosos” a usem, pois “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10,43), “Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (Mateus 5:6), não há numa boa leitura bíblica nenhuma incitação ao ódio, à violência e a segregação de povos ou raças.
Assim é a ideia dos pequenos, das crianças e dos pacíficos que estão ligadas ao Reino divino.
HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.