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O que é sentido para Agostinho de Hipona
Em sua epistemologia, Agostinho revela que pode ver e tem o sentido das coisas, mas podem existir sombras, dito assim: “Assim sendo, não podemos dizer que o objecto que é visto gera o sentido; mas gera uma forma ou a sua semelhança, que se produz no sentido da vista quando sentimos alguma coisa, vendo-a.” (Agostinho, 2008, p. 88), então o conhecimento não é inato.
O exemplo de Agostinho é interessante porque usa a ideia do sinete (um imprimatur com um selo, por exemplo), a imagem que ele produz: “quando na cera se imprime um sinete, a imagem não deixa de se produzir por apenas se ver depois da separação. Mas porque, depois de separada a cera, se mantém aquilo que foi produzido, por forma a poder ser visto, é por isso fácil persuadir-se de que a forma impressa na cera a partir do sinete já existia, mesmo antes de ser separado dela.” (Agostinho, 2008, p. 88-89), mas se fosse líquido não permanecia.
Assim explica as três formas de visão que podemos ter: “A primeira delas, ou seja, a própria coisa que se vê, não pertence à natureza do ser vivo, a não ser quando olhamos o nosso corpo. A segunda, de tal modo lhe pertence que no corpo se forma e, pelo corpo, se forma na alma; forma-se no sentido da vista, o qual não existe nem sem o corpo nem sem a alma. A terceira é só da alma, já que é a vontade.” (Agostinho, 2008, p. 90), isto explica sua visão da alma.
Assim, na metáfora do sinete, somente uma mensagem é gravada se a Alma está predisposta, e assim recebe a mensagem (foto acima).
Embora coexistam esta três formas de visão, elas precisam das três etapas e se concretizam na vontade, vista como: “essa tem tal força para uni-las a ambas que não só dirige o sentido que vai receber a forma para o objecto que é visto, como, depois de receber a forma, o mantém fixo nele” (AGOSTINHO, 2008, p. 91).
As formas que a visão se concretizam no exterior auxiliam a não ver as sombras que as degradam, digo por Agostinho assim: “quando vive segundo a trindade do homem exterior, isto é, quando consagra às coisas que do exterior enformam o sentido do corpo não uma louvável vontade pela qual as refira a qualquer coisa de útil, mas uma indigna concupiscência pela qual a elas se prenda.” (Agostinho, 2008, p. 91), assim temos a tendência a ver sombras.
É assim que pode-se entender a “iluminação” diria da consciência (Agostinho diria divina), onde: “… é assim que, da memória, e da visão interior, e da vontade que as une a ambas, se forma aquela trindade; o reunirem-se* estas três coisas numa só, chama-se ‘pensamento’** a partir de ‘reunião’***.E, nas três, já nem a substância é diferente”¬ (Agostinho, 2008, p. 92).
Assim a linguística agostiniana não é dualista, nem imanente nem transcendente.
AGOSTINHO, St. De trinitate, livros IX e XIII, Tradutores : Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias / João Beato / Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel, LusoSofia:press, Covilhã, 2008.
¬ As notas da tradução portuguesa explicam: “coguntur*. cogitatio**. coactus***. O verbo cogito, ‘pensar’, é formado do verbo ago, ‘levar’, do qual deriva o verbo coagere > cogere, ‘juntar’, e o substantivo coactus, resultado da acção de juntar: ‘reunião’. Daí a associação conceptual que Agostinho estabelece entre pensamento e reunião.
Ausência oriental além da funcional
Byung-Chul o vazio (xu, 虛) como ausência não permite uma interpretação puramente funcional (Han, 2024, p. 16), citando o livro 15 Zhuang Zhou “nota: “quietude, serenidade, ausencialidade, vazio e inação: eis o equilíbrio entre o céu e a terra” (tian dan ji mo, xu wu wu wei, ci tian di zhi ping, 恬淡寂寞, 虛无无为, 此天地之平). O vazio xu, na expressão xu vu (虛无无), não possui significado funcional” (Han, 2024, p. 26).
Ele dá vários exemplos anotados por Byung-Chul em nota de rodapé, o vazio dos raios de uma roda de carroça, o vazio na argila para tornar-se um vaso, portas e janelas de aposentos, e critica François Julien que interpreta segundo uma análise funcional:
“despojado de todo misticismo (uma vez que não possui orientação metafísica), o célebre retorno ao vazio de Laozi é uma exigência de dissolver os bloqueios aos quais o real está sujeito assim que não encontra mais nenhuma lacuna e fica saturado. Quando tudo está preenchido, não há mais espaço de ação. Quando todo vazio é abolido, destrói-se também a margem que permitia o livre desdobramento dos efeitos” (Han, 2024, p. 27 citando F. Julien).
Lembra da história a “aparência assustadora do aleijado” que não precisa ir a guerra, e recebe “abundante” auxílio do Estado e também a anedota do cozinheiro que trincha o animal com facilidade, em vez de cortar resolutamente passa a faca nas cavidades já presentes nas juntas.
Segundo as duas histórias a interpretação funciona sugere que ela aumenta a eficácia da ação, mas lembra citando também uma árvore nodosa (cheia de nós) que atinge uma idade muito avançada, permite também uma interpretação utilitarista, mas o fato de haverem tantos aleijados e tantas coisas inúteis nas histórias de Zhuang, conduz a própria funcionalidade ao vazio, estes personagens aparecem precisamente contra a utilidade e eficiência (pg. 28).
Lembro-me também da mística ocidental, onde ela ainda existe, que a busca pelo pão, pela saúde e pelo socorro social é muitas vezes motivada também por um vazio existencial, mesmo que tem alguma condição social busca algo em sem “vazio” não funcional, mas espiritual.
Quando alguém pede pão, está pedindo também dignidade, cidadania, respeito e muitas outras além do vazio funcional, o princípio da inclusão não é meramente retórico e não deve ser funcional, deve ser ontológico enquanto Ser-aí, porém além do pré-sente e do au-sente (abwesend em alemão ou absent em inglês), é apenas um sente (wow feel em inglês ou Wow Gefühl em alemão), a palavra wow tanto em ambas línguas é uma expressão para uau!), mas claro, traduções são sempre imperfeitas, o significado permanece acoplado a um língua.
Em português seria melhor um “sendo” no sentido de sentimento, sein em alemão e being em inglês onde o ver to be possui um sentido mais estrito que outras línguas, aqui num sentido de existindo ou subsistindo a vida, misticamente o pão funcional é também um pão místico no cristianismo.
HAN, B.C. Ausência: sobre a cultura e a filosofia do extremo oriente. Trad. Rafael Zambonelli. Petrópolis, RJ, Vozes, 2024.
*escultura de Albert György intitulada “Melancholy” (lago de Genebra) representa “vazio de uma alma” (foto).
Sobre o ente e a essência: a ontologia escolástica
Anselmo da Cantuária (1033-1109) é anterior a Tomás de Aquino (1223-1274) e influenciado por Boécio (480-534), já traçados em posts anteriores o caminho de Plotino até Boécio, passando por Porfírio (234-304 dC), e o seu nome verdadeiro seria Malco ou Telec, ele traduziu Enéada.
A influência de Aristóteles e Platão é grande, porém a tentativa de síntese de Aristóteles e Platão já em Isagoge de Porfírio, que foi traduzida para o latim por Boécio, sendo atribuída a Tomás de Aquino e por consequência a igreja católica é um equívoco, foi Anselmo da Cantuária o fundador de fato, da filosofia escolástica, com sua onto-teológica e seu “argumento ontológico” de Deus.
Deve-se a Boécio a “querela dos universais”, se eles existem ou são apenas nomes, o que dividiu o nominalismo e realismo, da Baixa Idade Média e inicio da Renascença.
Na adolescência Anselmo não teve aprovação do pai para ser monge, após uma doença, ele sai de casa e vai para a Normandia, lá seu conterrâneo Lanfranco o recebe como noviço na Abadia de Le Bec em 1059, e em 1063 se torna prior, quando escreve as obras Monológio e Proslógio.
Le Bec é por este período um centro de estudos, mas inicialmente protegido de Guilherme II, recebe terras que depois serão tomadas, é deste período as primeiras investigadas dos reis sobre as nomeações de bispos e até de papa (é uma história a parte), porém nomeado bispo da Cantuária (Canterbury, é até hoje é sede do bispado anglicano) (foto).
Ele se submete ao papa Urbano II (na mesma época havia Clemente III, considerado antipapa), foi o primeiro inclusive a falar contra o tráfico de escravos em 1102, num concílio em Westminster (revendo os fatos), não se submeteu à monarquia inglesa, e teve 2 exílios.
Em Proslógio, a existência de Deus é um “a priori”, ou seja, através da razão, sem recorrer à experiência, parte do conceito que “um ser do qual não se pode pensar nada maior” (Deus) e argumenta que*, para ser o ser mais perfeito, Deus deve existe tanto na mente como na realidade.
Tomás de Aquino sofreu influência de Santo Anselmo, e em sua obra de juventude “O ente e a essência” ele descreve a questão do ser e da realidade, distinguindo ente (aquilo que é, o ser) de essência (o que algo é), nela esclarece como o intelecto percebe inicialmente o ente e sua essência, explorando a relação entre substâncias simples e compostas.
Para Duns Scotus (1265/1266-1308), um realista moderado para alguns, um nominalista na minha visão, os universais existem como entidades “in rebus” (nas coisas), mas não são separados deles como as ideias platonistas, e sim como uma “ratio” (razão) do intelecto.
Sua principal tese descrita em Ordinatio I, parte 1, qq. 1-2) é que “se há entre os entes um ente infinito atualmente existente”, para ele os universais “bondade” e “verdade” serão reais, isto está expresso biblicamente: “caminho, verdade e vida” (Jo, 14-6) e “só um é o bom” (Lc 18,19).
ANSELMO, St. Proslógio. Trad.: Ângelo Ricci, Ruy Afonso da Costa Nunes. São Paulo, SP; Nova Cutlural ed., 1988. (Coleção os Pensadores, Anselmo/Abelardo). (4ª. edição) (pdf)
AQUINO, S. T. O Ente e a Essência, R.J.: Mosteiro de São Bento, Editorial Presença, 1981.
SCOTUS, John Duns. Seleção de Textos. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
* ”Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque “o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe”?4 Porém, o insipiente, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, ouve o que digo e o compreende.” (4 Salmo 13, 1). Texto na Coleção Pensadores.
Silêncio, parte essencial da linguagem
A questão do silêncio é fundamental na valorização da linguagem, a palavra falada supõe que haja um interlocutor capaz do silêncio, se for profundo acontece o epoché (vazio interior) que todos os filósofos de certa forma impõe para que haja a articulação da palavra no pensamento, ela é antes e complementar a ação, Foucault foi um dos filósofos que percebeu esta lacuna já no século XIX.
No círculo hermenêutico ela é anterior ao processo de interpretação e necessária para que haja o diálogo e “fusão dos horizontes” como a hermenêutica filosófica exige, esse apenas agir sobre o impulso da linguagem omite uma parte essencial que é a reflexão, meditação ou para mentes que realmente buscam a verdade a contemplação, hoje há a impulsividade da ação.
Hans-Georg Gadamer foi o grande filósofo da hermenêutica, ele argumenta que não há só o conhecimento significativo das humanidades redutível ao das ciências naturais, uma lógica e uma linguagem apenas gramatical, há uma verdade mais profunda que o método científico.
Não é um simples retorno a metafísica, é o agir segundo o pensar, segundo uma articulação da consciência humana e coletiva, capaz de enxergar o outro e sua hermenêutica, capaz de rever o humanismo de todo homem, sem uma leitura vertical, da simples autoridade de poder.
Agamben em “A linguagem do silêncio” também fala desta articulação falsa da linguagem como um campo que procura apreender com a razão apenas ela é uma “experiência de linguagem que vai em direção ao pensamento sem jamais atingi-lo; ela é a tensão e infinita nostalgia, que jamais compreende o que quer apreender e jamais chega aonde quer ir” (Agamben, 2013, São Paulo, Revista Fronteira Z, p. 293).
O famoso canto das sereias que atraiam os marinheiros para a morte, na Odisseia de Homero (foto mosaico do sec. III Museu Nacional do Bardo, Túnis), é também esta falta de silêncio que Ulisses via em seus subordinados (Ulisses tapa os ouvidos e amarra os marinheiros no mastro do navio), tornou-se metáfora para o falatório que encantam seus seguidores, os maiores ditadores foram sempre bons oradores.
Assim colocar a contemplação em ação, requer uma verdadeira contemplação, a palavra lida é um guia sempre que é purificada por uma “arte de amar”, de solidarizar, de humanizar a ação.
Linguagem, verdade e o eterno
Leibniz (1646-1716) teorizou que a verdade está relacionada a razão: “Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra”, assim de uma meia-verdade não pode surgir uma verdade, eis o problema das narrativas contemporâneas e a verdade está ligada ao Ser por meio da linguagem.
O projeto filosófico de Leibniz incluía uma “linguagem simbólica” que seria a própria da filosofia, chamou-a de “characterística universalis” através da qual poderíamos expressar a verdade, porém em seu tempo a divisão realismo x nominalismo determinou uma vitória do realismo iluminista, e Leibniz e seu discípulo Cristian Wolff (1679-1754) foram rechaçados (figura).
Para seu projeto Leibniz pensava em 3 princípios: Identificar e estruturar hierarquicamente as ideias simples, estipular um sistema adequado de signos e estabelecer regras lógicas para compor ideias complexas.
Christian Wolf chega a elaborar um sistema de conceitos, diferente da árvore do conhecimento de Porfírio, mas também baseado no pensamento Aristotélico (Isagoge), é de Porfírio (232-304) que Boécio tira a famosa querela dos universais: se os universais seriam as coisas ou apenas palavras (categorias de Aristóteles) que atribuímos como nomes às coisas.
A ontologia moderna (fenomenológica), em especial em Hannah Arendt e seu interprete Byung-Chul Han cria novos conceitos que ligam este dualismo no pensamento sobre a Vita Activa e a Vita Contemplativa: “a busca pela imortalidade, pela glória imortal, é, segundo Arendt, “a fonte e o centro da vita activa” (Han, 2023, p. 145), mas “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem).
Vive-se assim num paradoxo entre o eterno e o temporal: “tão longo, porém, um pensador abandona a experiência do eterno e começa a escrever, ele se entrega a vita activa, cuja finalidade última é a imortalidade” (pgs. 145-146).
Arendt “admira-se com o Sócrates que não escreve, que renuncia voluntariamente à imortalidade” (Han, 2023, p. 146), mesmo podendo a escrita “ser uma contemplação nada tem a ver com a busca pela imortalidade” (Han, 2023, p. 146), pode-se pensar também na experiência de Jesus que nada escreve, deve-se então seguir sua palavra e seu exemplo e não sua escrita, assim a oralidade tem “vita activa” enquanto a escrita busca a potência.
Arendt lembra também de Platão, mas Han julga isto “destorcido” da alegoria de Platão, “ela é o relato de um filósofo que se liberta das correntes que o prendem e seus companheiros” (pgs. 147-148), ele age quando retorna a caverna “com suas sombras, a um regime de verdade”.
Colocar as palavras na “vita activa” é, portanto, imitá-las, não sendo nem as proclamar sequer as citá-las, diz Han: “A vita activa sem a vita contemplativa é cega” (Han, 2023, p. 149).
Han, B.-C. Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis, RJ: Vozes: 2023.
Trabalho, ação e contemplação
Hannah Arendt considerava que o labor, o trabalho e a ação são as três esferas da vida humana, que compõe a “vita activa”, pensamento que temos postado em torno do ensaio de Byung-Chul Han, que Arendt também usa, de complemento a Vita Contemplativa.
Não é próprio do homem moderno pensar desta forma, e isto colocou o pensamento humano e até mesmo o científico e religioso em ocaso, as narrativas surgem como consequência e não como causa disto, é pela fragmentação das atividades humanas que a interpretação da realidade fica sujeita a uma cosmovisão limitada.
O labor assegura a sobrevivência biológica do indivíduo e da espécie (Arendt, 1995) enquanto o trabalho ainda que não individualize o homem, estabelece uma relação com os objetos e com a transformação da natureza, e permite, isto é importante, demonstrar sua habilidade e inventividade artesanal (Arendt, 1995), porém a atividade e inventividade artesanal não está separada do pensamento, porque ali o homem concebe sua relação com a natureza como um todo.
Foi o trabalho industrial que destruiu esta ideia do todo que está entre o trabalho, o labor e a ação, porém ao notar que o trabalho artesanal incluía já também uma visão contemplativa, “Perché non parli?” disse Michelangelo ao completar sua obra “Moisés”, significando “porque não falar?” (foto).
Um detalhe pouco percebido, mas certamente concebido por Michelangelo ao realizar sua obra, é o apoio de seu braço direito sobre as tábuas da lei, diríamos um primeiro códice bíblico, já que a Torá era um rolo, e se comparada a estátua do pensador grego, este está apoiando sobre sua cabeça sobre o braço direito, Auguste Rodin fez sua versão por volta de 1880.
Assim o trabalho, o labor e a ação podem estar unidos a ideia da contemplação, se a fazê-lo pensamos como concepção de um pensador anterior e incluído no objeto, assim reunimos e resignificamos o trabalho e o labor, não mais como atitude alienada, mas como Ser ôntico.
Portanto, o trabalho humano e o seu labor devem estar unidos a ideia ontológica do Ser, e ela significa também um ato de amor à humanidade, ao Outro e àquele que irá usar, conceber ou apenas contemplar a ação do labor.
ARENDT, H. A condição humana. 7a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
Linguagem, ser e reconciliação
Desde a filosofia antiga a linguagem é considerada ontologicamente ligada ao Ser, o Mundo das ideias de Platão (eidos) não é outra coisa senão isto, para Aristóteles linguagem é uma “ferramenta” do pensamento que permite representar a realidade.
Porém a modernidade, sob pretensa objetividade realista, ignorou esta realidade simples onde qualquer ação se inicia antes pelo pensamento e se transforma em linguagem, no dizer do pensador contemporâneo Heidegger a linguagem é “morada do ser”.
A “linguagem das máquinas” ou a codificação do pensamento já expresso numa “mensagem” humana e transformado em códigos, não é exatamente o que deve ser pensado em ontologia, todos os textos de Heidegger e também do filósofo Byung-Chul Han reclamam sobre esta visão técnica da linguagem, porém o século XX começou com a chamada virada linguística.
Assim a linguagem pensada por Alan Turing e Claude Shannon estão circunscritas ao universo das máquinas, enquanto a linguagem pensada ontologicamente é a “abertura do ser” e a busca de um universo de realização e reconciliação, diz Rainer Rilke (1875-1926): “Nós, violentos, nós duramos mais. Mas quando, em qual das vidas, seremos enfim abertos e acolhedores?”.
Byung-Chul Han lembra que o poema épico Ilíada se inicia com a frase: “Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades”, já fizemos diversos posts sobre o mito de Hades, deus do submundo para onde vão as almas, enfim a violência ainda marca nosso processo civilizatório.
A linguagem como expressão de nosso pensamento e nossa interioridade não pode ser separada da vida ativa (Hannah Arendt e Byun-Chul Han), Heidegger que teve forte influências sobre ambos, ela é ponte que vincula o dentro e o fora do homem, de tal forma que o falar é pensado como uma atividade que acontece por meio do homem e assim é ato ontológico (foto – Um mural em Teotihuacan, México, c. século II).
Esta visão da linguagem “por meio do homem” é assim anterior a sua difusão pelos meios (mídias) e não pode ser pensada como meros emissores e receptores uma vez que seja qual for o meio ele é precedido pela pensamento e linguagem humana e nela o ser se “abre”.
Pode-se dizer então que a violência é um aspecto da falta de abertura do ser motivada pelo pensamento e este é construído por metodologias e modos de entender a realidade como tendo um único caminho da violência onde a reconciliação pode parecer impossível.
O homem e a própria realidade não são binários: Ser e Não-Ser, afirmativo e negativo, no homem porque possui estágio interiores sensíveis e cognitivos onde se ativam os motores do pensamento capazes de sínteses, e na realidade pelas descobertas da física quântica e do universo complexo que a astronomia atual revelou.
Reconciliar, ativar mecanismos de diálogos, de entendimento são possíveis ontologicamente.
O que não foi dito do nascimento de Jesus
Não é parte da narrativa bíblica, porém além do recenseamento romano, da perseguição de Herodes (dados históricos) ao colocar Jesus numa manjedoura envolto em panos e a vinda dos “reis magos” pode ser esclarecida a luz de relatos da época.
Era hábito judeu separar um cordeiro recém nascido para o sacrifício da Páscoa judaica, lembrando o sacrifício que Abrão faria com seu filho e que um anjo intercedeu oferecendo uma cordeiro, o fato que Jesus foi envolto em faixas lembra também um costume judaico da época de ao separar o cordeiro, envolve-lo em faixas e coloca-lo numa manjedoura, com cuidados especiais.
Assim este é já uma preparação da páscoa, pois ele nasce e se faz pequeno para ser como o homem terreno, ainda que fosse um Deus, um Emanuel, o divino entre nós.
Porém lembrando os fatos astronômicos de ontem, queremos lembrar também dos “reis magos”, que talvez fossem reis e não magos, isto se referem ao fato de terem dons videntes de profecias e se informaram sobre uma estrela “E, vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo” (Mt 2;10-11) e assim a seguiram e encontraram o menino em Belém como era esperado pelos judeus.
A estrela que anuncia evento cósmico que prevê a chegada do “rei do universo” e não apenas o “deus dos judeus” tanto pode ser a passagem de um cometa, evento já conhecido na época, embora confundido com uma “estrela cadente”, pode muito bem ser uma explosão de uma Supernova como a Betelgeuse que está para acontecer, como de uma Nova, como a T Coronae Borealis que deve ocorrer este ano, se tivesse que escolher (ver o post anterior), escolheria a Nova que é o nascimento de uma estrela, enfim a famosa “estrela guia” pode ser um destes fenômenos.
A imagem da Adoração dos Magos, numa pintura em pedra datada do século III d.C. (foto) mostra apenas uma estrela, sem a calda típica dos cometas, podendo assim ser qualquer um dos fenômenos celestes que provocam grande brilho.
Não é dispensável lembrar, que os reis que vieram adorar Jesus não eram judeus, e mesmo assim tiveram um sinal e seguiram suas vidências (não se tratava de magia é claro) e o adoraram.
As guerras e as narrativas
Ésquilo escritos da Grécia antiga é o autor da frase: “a verdade é a primeira vítima da guerra”, o general russo aposentado Andrey Gurulyov, falou no canal Russia-1 apontando quais seriam os alvos da Rússia, que se preparava para uma grande guerra, a Jihad islâmica é um grupo de forte influência no Irã e que prega o fim de Israel, seu discurso é teocêntrico e não geopolítico.
São apenas algumas meias-verdades sobre a guerra, claro não escapam Israel e a Ucrânia que são aliados do ocidente na luta geopolítica econômica de preservar direitos de empresas e grandes capitais, por isso os dois lados tem dificuldades de entender a paz “civilizatória”.
No diálogo de Platão Teeteto, apontado com um dos primeiros na história sobre o relativismo, aparecem conjugadas as ideias de aparência, verdade e alma; a primeira exigência de Sócrates para iniciar o diálogo é que Teeteto abandone suas ideias iniciais, e ao perguntar sobre o que é conhecimento e obtendo a resposta sobre a Geometria e demais artes, Sócrates responde com ironia: “És nobre e generoso, amigo, pois te pedem algo simples e tu ofereces múltiplas e diversas coisas”.
A segunda questão é como chegar ao conhecimento, e a resposta de Teeteto é a “sensação” (ou percepção) que Sócrates indica que devemos abandonar a “familiaridade” que temos das coisas, diz no diálogo: “Parece-me que aquele que conhece algo percebe aquilo que conhece, e para dizer a coisa tal como agora ela se manifesta, o conhecimento nada mais é do que sensação.”
Assim são dois passos primários e essenciais para a verdade, a segunda resposta é um avanço sobre a primeira, pois assim os gregos as considerava: “Sobre isto todos os sábios, um atrás do outro, exceto Parmênides, devem concordar: Protágoras, Heráclito, Empédocles e, dentre os poetas, os que estão no topo de cada uma das composições, Epicarmo, na comédia, e Homero, na tragédia…”, citando os gregos até aquele período, os chamados pré-socráticos.
Assim até então, a verdade estava circunscrita a sensação, ao iniciar o diálogo sobre Protágoras chega a ideia do primeiro equivoco da verdade relativa: “O homem medida de todas as coisas não seria, ao fim e ao cabo, um homem confinado ao círculo restrito de sua experiência mais imediata e do que apenas a ele parece verdadeiro” e isto remete a aparência.
Usando esta ideia de “familiaridade” com as coisas, Platão abre uma crise na ideia dos gregos sobre conhecimento, e assim abrir um caminho novo ontológico sobre a alma, partindo de Homero “coração da alma” (194c), dificilmente haveria ocasião para erro, pois esta (a alma) prontamente faria a identificação correta da impressão atual, rompendo preconceitos.
PLATÃO. Teeteto. Trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
A diferença do Amor divino
É como no dia-a-dia pela secularização ou por descrença colocar o Amor em um patamar meramente humano, a leitura que Hannah Arendt faz de Santo Agostinho em sua tese de doutorado, permanece entre estas duas interpretações o Amor humano e o Divino.
Para analisar isto, Arendt qualquer interpreta a obra de Agostinho governada por três princípios que aparecem sem aparente contradição, ele aumentou sua rigidez dogmática de Agostinho na medida em que o cristianismo se insere em seu pensamento, esta consiste de sua da passagem do pensamento pré-teológico, filosófico, para o pensamento teológico, conforme a autora.
Assim a primeira parte da tese da autora, intitulada o “Amor como desejo: o futuro antecipado”, ela aborda o amor dentro de uma perspectiva filosófica de continuidade do pensamento helênico, em que o amor é visto como uma disposição sempre movida pela falta, por algo que não se possui, mas que se espera ter, como meio de alcançar a felicidade, assim o desejo é algo ainda não alcançado enquanto o Amor é o desejo obtido, e isto é filosófico.
Estes dois tipos de Amor recebem em Agostinho dois nomes: a caritas e a cupiditas, diferem no amor pelo objeto que amam, “porém, tanto o amor certo quanto o errado (caritas e cupiditas) possuem isto em comum – ânsia desejosa, quer dizer, appetitus”, escreveu a autora.
Caritas é o amor puro, verdadeiro, porque deseja a Deus, a eternidade e o futuro absoluto, enquanto a cupiditas ama o mundo, as coisas do mundo, aqui é pré-teológico, porque a caridade não é apenas um amor passageiro, ou desejo de um bem passageiro, mas do eterno.
Seja religioso ou não, estamos entre o desejo e a posse, depois que obtemos o objeto desejado em geral, e usufruindo do prazer desta posso a cupiditas passa e ficará algo eterno se nela houver a caritas, isto é um Amor Eterno, que dá uma posse eterna e então não passa.
Assim o homem que tem esta busca, deve se recolher em seu interior, e dentro de si, se isolando do mundo, penetra na “quaestio” agostiniana, o fio condutor que Arendt persegue: “pois quanto mais ele se retirava para dentro de si e recolhia a si mesmo na dispersão e da distração do mundo, mais ele se tornava uma ´uma questão para si mesmo´”, escreveu a autora.
Toda filosofia tem uma questão básica, e a de Agostinho se torna teológica: “O que eu amo, quando amo o meu Deus?” (Confissões X, 7, 11 apud Arendt p. 25), ainda que seja “no mundo”.
Assim a segunda parte de sua tese recebe o nome “e “Criatura e Criador: o passado rememorado”, no livro X de Confissões. “A memória, então, abre o caminho para um passado transmundano como a fonte original da própria noção de vida feliz” escreveu a autora sobre Agostinho.
Ao se propor ao relacionamento com Criador, o homem não se perde, e sim se encontra e isto é diferente de todo tipo de apego mundano, o deus do dinheiro, do consumo ou do desejo.
ARENDT, H. O conceito de amor em santo Agostinho. Tradução de Alberto Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.