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Arquivo para janeiro 5th, 2022

Desempatia ou destreino

05 jan

Claro o termo não existe, criei para dizer que não é nem antipatia nem desamor, é um sentimento tão grande quanto a empatia que domina os pensamentos, a cultura e os hábitos de um determinado tempo, oposto a empatia, para desenvolver o tema tomo uma frase de Margareth Thatcher citado no filme A Dama de Ferro (direção Phyllida Lloyd, 2011).

No filme Margareth Thatcher, interpretada por Meryl Streep (Oscar merecido de melhor atriz) afirma: “Cuidado com seus pensamentos eles tornam-se palavras. Cuidado com as elas podem se tornar ações, pois elas se tornam hábitos. Cuidados com os hábitos porque eles se tornam seu caráter”, isto para entender como é possível destreinar os neurônios para que eles não sejam empáticos e tornem-se antipáticos e destrutivos, infelizmente estamos treinando o lado oposto ao nosso lado natural empático.

Assim como dissemos no post anterior é possível treinar a empatia, é possível destreiná-la (outro neologismo, algo natural que se corrompe por um hábito oposto ao instintivo) e induzir um sentimento de repulsa e ódio, mesmo que dissimulado ou velado e até mesmo disfarçado em uma forma de “amor” que corrige o outro, devemos corrigir tudo aquilo que não é ágape ou empatia, isto sim, os outros são hábitos ou cultura.

Vamos seguir o percurso proposto por Thatcher segundo o filme que pretende uma biografia (não é, isso foi a principal crítica), então as coisas começam com o pensamento, algo já deve ser corrigido de cara nas teorias e ideologias contemporâneas que dizem que tudo começaria pelo “meio”, lembre-se o discurso dos contratualistas, Thomas Hobbes do Leviatã (1651) indica que o homem é lobo o homem, ou seja é anti-empático, já John Locke (Ensaio sobre o entendimento humano, 1690) defendeu que o individuo deve renunciar ao estado da natureza e fazer um contrato (que o Estado regula) e assim defende sua liberdade, é famosa sua frase: “onde não há lei, não há liberdade” pai do liberalismo e de certa forma do empirismo (penso que nasceu embrionariamente antes com a visão de Francis Bacon).  

Somente Rousseau abandonou em parte estes conceitos criando o “bom selvagem”, o homem é bom a sociedade o corrompe, é um princípio do destreino, mas também ele foi favorável ao contrato, assim faz parecer que entregar a liberdade nas mãos do Estado é condição “natural”.

Assim não apenas pelo contratualismo, mas por todo percurso histórico nosso pensamento está vinculado as suas raízes contemporâneas e é claro ao que está dentro de cada cultura, religião ou grupo ideológico, somente através da leitura pode-se desvincular do pensamento corrente, e o exercício de interiorizar leva a segunda etapa: as palavras.

As palavras assim são discursos ou como se diz atualmente narrativas, que em grande parte são permeadas na cultura contemporânea, somente os que leem não ficam vinculados ao sabor desta cultura em sua atual polarização, lembremos que o primeiro ato mental é o da imitação (a neurociência fala do neurônio-espelho), e ele pode ser destreinado, isso é, pode tanto ser levado de volta ao seu curso natural da empatia ou ao oposto que chamei de desempatia.

São a partir delas que desencadeamos nossas ações, muito já se falou da reflexão ou da vitta activa como a chamou Hannah Arendt, e foi retomada por Byung Chull Han em seu livro A sociedade do cansaço, ali defende que devemos ter também uma vida interior, reflexiva e assim podemos retornar ao nosso curso inicial da empatia (conclusão minha).

Por fim as ações transformam-se em hábitos, boa parte da linguística e semiótica começa a análise a partir daí, sim é fato que fala também da secundidade (algo que existe) e terceiridade (aquilo que é), categorias de Pierce, mas o tema é longe e requer uma maior profundidade que humildemente digo não possuir.

Chegamos do hábito ao caráter, da etimologia da palavra deriva do grego “charaktér, éros”, ou do latim “character, eris”, com o sentido de “gravado”, portanto é aquilo que vai sendo esculpido, e é possível tornar-se uma desempatia, isto é, o rompimento com o caráter original empático, no discurso corrente ausência de Subjetividade (próprio do sujeito), individualismo (não olhar o Outro) e uma série de subcategorias que são rupturas com a empatia.