O menino Jesus, Maria e mistério
Se um ser divino nascesse de uma mãe uma humana, apenas por hipótese filosófica (e não teológica), qual deveria ser o substrato de seu alimento e qual a relação com sua mãe.
O capítulo Matrix in Gremio (no colo da mãe) do filosofo não-cristão (a religião para
ele é só uma cultura) respondeu usando um texto de Lotário de Segni (1160-1216) que viria a ser o papa Inocêncio III), que a interrupção da menstruação de Maria durante a gravidez do menino divino provocou nele uma alimentação diferente.
O texto de Inocêncio III analisado por Sloterdijk “De miseria humanitae conditionis”, afirma: “não há dúvida que Jesus, mesmo in grêmio (significa no útero da mãe) deve ter sido provido de um diferente plano alimentar” (Sloterdijk, 2016, p. 557), e também relê a Question 31 da Summa Teológica de Tomás de Aquino, onde esta noogenese implica também na ligação de dois corações, já analisamos amplamente o livro de Byung-Chull Han sobre Heidegger: “O coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger”.
A análise ontológica que parte de uma visão do coração, no sentido de tonalidade afetiva dado por Byung-Chull Han, dá uma perspectiva diferente e humanizada não só da condição filosófica, mas também da análise teológica.
Grande parte das análises bíblicas e históricas sobre a questão de Maria não partem deste princípio teológico, a hermenêutica está apenas fixada na problemática do texto e de suas interpretações e traduções teológicas, em uma palavra não há afetividade, não há amor.
Sem entender esta relação de amor e afecção que há entre Maria e seu divino bebe qualquer análise, mesmo que tenha profundas relações marianas, será superficial, sem considerar sua condição de mãe e sua relação deste a concepção com o divino bebê é defeituosa e fria.
Maria foi mãe, e é evidente que todo mistério que guardava em seu sagrado útero, não pode ser pensado nem sob a condição de mãe, é verdadeira mãe, nem da condição divina, seu “grêmio” (útero) está envolto de uma aura divina e misteriosa, que se revela na sua vida adulta.
Qualquer reducionismo desta condição, situada apenas na especulação analítica, rouba a cena e o profundo mistério nesta condição divino/humana na relação com o bebê (na foto, uma escultura que está no museu de Cluny em Paris, que é datada do século XIV).
SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.