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Arquivo para setembro 3rd, 2024

A teopoesia de Sloterdijk

03 set

Um dos maiores filósofos contemporâneos, de enorme influência em Byung-Chul Han, Sloterdijk está longe de ser um cristão ou algum tipo de religioso, mas é sábio o suficiente para saber a enorme influencia da religião na cultura através dos séculos e no nosso tempo.

De que céu está falando então, esclarece: “O céu de que se fala não é um objeto passível de percepção visual. No entanto, desde tempos imemoriais, ao olhar para o alto se impunham representações em forma de imagem acompanhadas de fenômenos vocais: a tenda, a caverna, a abóbada; na tenda ressoam as vozes do cotidiano, as paredes das cavernas repercutem antigas cantorias de magia, na cúpula reverberam as cantilenas em honra do Senhor nas alturas” (pg. 11), esclarece o autor na sua observação preliminar.

Deuses mitológicos, o autor a partir do papiro de Greenfield (século X a.C.), onde se vê: “Detalhe do papiro de Greenfield (século X antes da nossa era): “A deusa do céu, Nut, curva-se sobre o deus da terra, Geb (deitado), e do deus do ar, Shu (ajoelhado). Representação egípcia de céu e terra” (foto, Wikipedia Commons, pg. 12).

Porém não é também um ensaio mitológico, escreve: “O que se pretende, no que se segue, é falar de céus comunicativos, luminosos e que convidam a arrebatamentos, porque, correspondendo à incumbência do esclarecimento poetológico, eles constituem zonas de origem comum de deuses, versos e aprazimentos”.

Faz uma curiosa metáfora com Mt 13,34, trecho tão caro aos cristãos que diz: “Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: ‘Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo'” (Mt 13,34-35), era necessário porque falava de céus “comunicativos, luminosos”.

Em sua metáfora diz Sloterdijk: “Deus ex machina, deus ex cathedra e sem parábolas nada lhes dizia” (sobre a realidade divina), e aqui o filósofo indaga o mundo contemporâneo, que idolatra esses deuses contemporâneos ex machina e ex cathedra.

Vai relembrar a teopoesias na boca de Homero, que tinha “deuses falantes”, mas também lembra a passagem em que Zeus repreende “as manifestações voluntariosas de sua filha Atena”, e diz a ela: “Minha filha, que palavra te escapou da barreira dos dentes?”(pg. 15).

É claro, não falamos como cristãos de deuses mitológicos, lembra a semiótica cristã onde os sinais são importantes: “zona de sinais cresce paralelamente à arte de interpretação. O fato de não estar acessível a todos se explica por sua natureza semiesotérica: Jesus já censurou seus discípulos por não entenderem os “sinais do tempo” (semaîa tòn kairòn).”  (pg. 25).

Não se trata de delírio nem de falsidades grosseiras sobre eventos escatológicos, se eles existem somente são portadores destes “sinais” verdadeiros oráculos e profetas, ou para usar o termo de Sloterdijk: teopoetas que dizem coisas do céu, como poesia e clareza, ainda que usem parábolas pela dificuldade de expressá-las na linguagem e realidade cotidiana.

Os sinais dos tempos, sombrios como as guerras e vivos como aqueles que resistem com o espírito da esperança e da paz, não fazem da tragédia como os gregos um sinal de vingança ou de intolerância, mas de ver além daquilo que a realidade crua e nua parece mostrar.

Sloterdijk, P. Fazendo o céu falar: sobre a teopoesia, Trad. Nélio Schneider, Estação Liberdade, 2024.