
Arquivo para junho 20th, 2025
Hecceidade, supra substancial e o divino
De que é feita toda estrutura das coisas (res) do universo, os pré-socráticos especularam: o ar, a terra, o éter (vácuo), o fogo até o final da idade média especulou-se que tudo seria formado de fogisto, uma matéria-prima de tudo, porém o fogo é só matéria em combustão e o que prevaleceu foi o modelo primário do átomo de Demócrito (460 – 370 a.C.).
Aristóteles a formulou como hilé (matéria-prima) e morphé (forma) que é também algo divino além da essência e da substância, num certo sentido de aparência, também arché tenha a ideia de origem de todas as coisas e para as quais elas voltam.
O mito Morfeu, de origem etimológica de Morphé, tinha a habilidade de aparecer em sonhos e tomar diversas formas de pessoas, sobre a questão do que são as coisas surgem a ideia de quididade (quid – coisa, que coisa é, cerne).
Durante toda idade média permaneceu o diálogo sobre a quididade, que dividiu os nominalistas e realistas, Boécio está na origem como a “querela dos universais”, sobre a ideia de substância e essência, esse dualismo foi rompido (quem sabe resolvido) com a hecceidade de Duns Scotus, mas havia formulado a teoria do supra substancial, com algo divino.
Há na hecceidade de Scotus além da conciliação entre essência e substância, tema de profunda relevância não apenas na disputa filosófica entre nominalistas e realistas da escolástica medieval, como também entre modernos, citados anteriormente como Heidegger e Deleuze, que usaram esta categoria.
O tema despontou em Boécio, tanto na sua interpretação e tradução de Porfírio como na sua visão das Categorias de Aristóteles, seu livro Consolações da Filosofia foi escrito na prisão, por ter sido acusado injustamente em intrigas palacianas de Roma, acusado de traição por Teodorico e depois executado, assim suas “consolações” referem-se em especial a seu estado.
A escrita de Boécio segue um padrão comum no período romano, onde os números romanos indicam os capítulos (ou o livro, no caso pode ser CP, IA ou IES) e nas citações indicam-se prosa ou poesia, característica marcante e que dá uma riqueza única em seu texto.
A poesia serve para expressar emoções e intensificar o impacto das reflexões, e a alternância dos estilos, conhecida como prosapoesia, é para intensificar o impacto de suas reflexões e emoções e neste livro elabora o supra substancial, além das essenciais e substâncias.
A pergunta permanece, do modelo atômico fomos ao subatômico, penetramos nos quarks e encontramos ali fenômenos e formas cada vez menores e mais essenciais, a teoria das cordas que explicaria até mesmo a matéria escura e os buracos negros, sugere algo como vibrações.
Haveria em todo universo algo tão divino que apesar de não ser encontrado, sua aparência sugere algo supra substancial como teorizou Boécio, e nela atualizamos a pergunta dos deuses: o que somos, de onde viemos e o que são as coisas da realidade ? que são as cosias?
O universo é um holograma, estamos numa “matrix”, são as cordas estrutura das partículas?
Haverá uma estrutura supra substancial divina como Boécio imaginava a existência de Deus?
A existência de Deus como corpo do universo (cristocêntrico), como Ser supra substancial, na figura histórica de Jesus, que também pergunta sobre os não cristãos: “quem dizem os homens que eu sou ?” (Lc 9:18-19, Mt 16:13-14, Mc 8:27-29) e a eles não podiam duvidar de sua existência: “e vocês quem dizem que eu sou ?” (Lc 9: 20, Mt 16: 15, Mc 8:30).
BOÉCIO, A. Consolações da Filosofia. Trad. Luís M. G. Cerqueira. Portugal, Lisboa, Calouste Gulbenkian, 2016.