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Arquivo para outubro, 2020

E se a pandemia se prolongar

05 out

Fredric Jameson chamou atenção anos atrás sobre a possibilidade de uma catástrofe cósmico (um asteróide que ameaça a vida na terra ou um vírus que matéria a humanidade), e a ameaça despertaria uma solidariedade global, pequenas diferenças são superadas e todos trabalham juntos para encontrar uma solução na vida real, agora a pandemia mostra se isto será possível ou não, se a questão fosse colocada hoje a resposta clara seria não, estamos divididos e pouco solidários.

As especulações sobre o novo normal se esgotaram, na polarização política curiosamente os dois polos erram gravemente, um ao afirmar que a pandemia é o sinal de esgotamento da sociedade que vivemos e assim iremos para uma utópica mudança, e a outra que insiste em dizer que a pandemia não existe, falta realismo a ambas.

Um exemplo desta mudança utópica está na “Sopa de Wuhan” na qual vários autores famosos da esquerda européia apontaram para um “colapso do capitalismo” devido a pandemia.

A lógica de Jameson é de compreender a pós-modernidade como uma “lógica cultural” e que esta seria uma terceira fase de expansão do capitalismo, o chamado capitalismo tardio, o que ele procura é por trás das manifestações culturais de nosso tempo entender que tipo de “lógica” elas tem, sem a necessária crítica a elas.

A discussão de Daniel Bell e Jean-François Lyotard são pontos de referência nesta discussão a partir dos anos 1970, Bell porque colocou a posição de entender que a nova fase econômica colocou a noção de capitalismo industrial no passado, e Lyotard desvendou uma modificação no estatuto de ciência e de tecnologia a partir do cenário de informatização nas sociedades desenvolvidas, porém a crítica convencional ficou presa a uma crítica superficial da chamada “tecno-ciência”.

O que ambos advogam e aqui dão força a uma terceira via de mudança, nem capitalismo nem socialismo, é uma cisão com o pensamento moderno e com a própria experiência da modernidade, algo que se vinculada tanto ao impacto das revoluções científicas e tecnológicas a partir dos anos 1960, e que colocou em colapso todas as narrativas modernas, que estão situadas historicamente em um ponto do passado da história recente e não apontam para um futuro claro.

Assim é a pandemia, a ausência de um futuro claro, ela nos desafia a repensar o futuro sem as narrativas convencionais, e o segundo ciclo da crise pandêmica já é a lógica que aponta para um futuro, sem mudar de atitudes e comportamentos sociais o futuro não será promissor, independente do surgimento da vacina, outros vírus poderão vir e não aceitaremos momento de pausa, de isolamento e de menos pressa no cotidiano, estamos presos a lógica da produção industrial e do consumo.

Há uma lógica mais profunda que é a relação aórgica, o inorgânico sobre o orgânico, que Sloterdijk defende e que Hölderling falava, alguns místicos também.

 

Redes e Bolhas

02 out

Uma sociedade que já vivia em bolhas, sejam elas culturais, políticos ou religiosas, se viu ainda mais presa as suas folhas com a pandemia e o isolamento social, ainda que isto tivesse um aspecto positivo de recuperar as relações intra-bolhas, porém as extra-bolhas parecem que terminaram por serem prejudicadas.

A pandemia mostrou que é impossível viver num isolamento, ainda que em muitos lugares foram tomadas medidas rígidas, e defendo-as como necessárias em muitos casos, o vírus não tem fronteiras, raça ou limites que não possa atingir, e o fim do isolamento social pode não ser tão benéfico como se imagina, os riscos no aspecto sanitário e também os problemas sociais agravados pela pandemia criam um cenário complexo.

É preciso rever o pensamento intra-bolha, aquele que provoca um isolamento social, voluntário ou involuntário, como é o caso das discriminações de todos tipos e não excluo as religiosas, e é preciso sanar o relacionamento extra-bolha, aquele que saindo do nosso grupo de segurança, nos leva ao encontro do Outro.

As redes sociais são um alento, sempre lembrando que não são as mídias de redes sociais exclusivamente, o conceito é mais amplo, é justamente na análise destes contornos fora das bolhas, que a potencialidade das redes se manifestam: a importância dos elos fracos, a análise dos “mundos pequenos” e até mesmo a pandemia pode ser olhada sob um prisma de redes sociais ajudando a análise dos contágios e auxiliando planos de controle.

Olhando a história foram pessoas e situações de contorno que criaram situações e soluções novas, aquelas condições que estão no limite ou fora das bolhas, que s]ao importantes e que via de regra a sociedade e o pensamento conservador as exclui, porque de alguma forma desestabilizam a “bolha”.

Profetas e oráculos na antiguidade foram rejeitados, inclusive pelas bolhas a qual pertenciam, são os casos icônicos de Jesus e Sócrates, por exemplo, mas na história são muitos casos que estão neste limite, e deve-se identificar quem são estes casos no presente, para estar a atento a soluções novas e realmente criativas.

É simbólica para explicar esta situação a parábola evangélica do vinhateiro que chegada a época da colheita manda empregados a sua vinha para receber o que lhe cabia que está em Mateus (Mt 21,33-43), os empregados são espancados, apedrejados e mortos, depois de dois envios o dono da vinha resolve mandar o próprio filho, e ele desperta uma cobiça ainda maior e é morto, e então estes maus vinhateiros tiveram a lição que mereciam.

É importante notar que são os que cuidam da vinha que fazem estas atitudes perversas,  isto é, estão dentro das bolhas, assim as primeiras contradições nascem dentro das bolhas e depois se refletem fora, ter uma atitude de abertura ajuda a resolver problemas e prevenir situações limite.

 

Um trabalho sobre análise de redes da pandemia

01 out

Cientistas chineses propuseram um método de mostrar visualmente, de maneira simples, o risco de pandemia em regiões com diferentes graus de conexão, a partir das bases de dados dos casos de infecção (relatados e confirmados do COVID-19) usando análise de redes, em artigo publicado pela Elsevier em Jornal da Desastres de Infecções.

As análises de redes já têm sido utilizadas em pesquisas médicas para estudos de co-expressão gênica, co-ocorrência de doença e topologias das dinâmicas de propagação de doenças infecciosas.

O estudo pesquisou os casos de COVID-19 confirmados na China desde o final Janeiro até março de 2020 e estes casos foram divididos em 9 períodos de tempos.

Os gráficos de redes construídos com base na correlação das mudanças no número de casos confirmados entre duas áreas geográficas (por exemplo, nas provinciais da China), se a correlação dava maior que 0,5 significava que as áreas conectadas estavam em uma rede.

O risco de pandemia era analisado com base nas frequências em diferentes regiões conectados nos gráficos de redes, com isto foi possível avaliar os níveis de co-evolução entre as regiões e com isto tomar medidas conforme cada caso.

O que o estudo demonstrou foi não basta confiar em casos relatados e confirmados da COVID-19, a análise de rede fornece dados para uma visualização poderosa e clara do risco de pandemia e a análise de rede pode complementar as técnicas de modelagem tradicionais, e segundos os autores estes dados podem fornecer evidências mais oportunas para informar futuros planos de preparação.

Futuros trabalhos quantificando a conexão da rede devem ser considerados em pesquisas e planos de pandemia.

Soa, M.P.K; Tiwarib, Agnes; Chud, Amanda M.Y.; Tsangd , Jenny T.Y.; Chan, Jacky N. L.. Visualizing COVID-19 pandemic risk through network connectedness Mike. International Journal of Infectious Diseases, 96, 2020, p. 558-561.   Disponível em: https://www.ijidonline.com/article/S1201-9712(20)30317-9/fulltext , Acesso em: 29 de setembro de 2020.