Arquivo para outubro, 2024
O totalitarismo e a ontologia política
As guerras giram sempre em torno de governos totalitários, porque estes tem uma visão de mundo unilateral, que despreza culturas e visões de outros povos e assim querem submeter também seus povos, que em geral aceitam culturas diferentes, a uma univisão de mundo.
Hannah Arendt encarou estes regimes com sua escrita de 1951: “As origens do totalitarismo”, estava convencida que após o final da segunda guerra o problema não acabava ali, ali fala do inferno, do pesadelo, da Metamorfose de Kafka, da cebola e até da feiura de um omelete entre tantas outras coisas, quando chegavam às suas mãos as histórias de Auschwitz.
Ao tentar descrever a experiência totalitária, Arendt se deparava com o dilema que era como essa experiência não podia ser explicada, não pela filosofia política ou pelos conceitos tradicionais, não só pela culminação de um processo do desenvolvimento de algo a partir de um passado, mas naquilo que Heidegger chamou de “esquecimento do ser”.
Lembro uma frase impactante de Lygia Fagundes Telles, falecida em 16 de abril de 2022 quando completaria 99 anos, escreveu: “Não há coerência ao mistério nem peça lógica ao absurdo”, os ditadores e suas narrativas só tem lógica numa propaganda sistemática, e numa claque que de outros fanáticos que o apoiam e com ele se identificam, enfim uma narrativa parcial da realidade.
Esta forma de narrativa que Arendt escreveu encontrou oposição em um contemporâneo como Voegelin sobre o qual ela respondia à sua análise: “eu não escrevi uma história do totalitarismo, mas uma análise em termos históricos dos elementos que se cristalizaram no totalitarismo” (ARENDT, 2007, p. 403).
Escreveu também na “Crise da República”, que a primeira diferença fundamental entre o totalitarismo e as demais categorias presentes na história está no fato de que o terror totalitário “se volta não só contra os seus inimigos, mas também contra os seus amigos e defensores”; uma segunda diferença seria sua radicalidade, que o torna capaz de eliminar não somente a liberdade de ação dos indivíduos como faziam as tiranias através do isolamento político., eliminando não só opositores como também aliados pouco confiáveis, há um claro paralelo na guerra atual.
Em sua nota de número 81, Arendt escreveu: “O total de russos mortos durante os quatro anos de guerra é calculado entre 12 e 21 milhões. Num só ano, Stálin exterminou cerca de 8 milhões de pessoas somente na Ucrânia (ver Communism in action, U. S. Government, Washington, 1946, House Document n o 754, pp. 140-1”, novamente a semelhança com a Guerra atual não é por acaso, e depois de Butcha depois Mariupol teve drama semelhante ao de Gaza (foto), mas só há narrativas ideológicas parciais.
O último tópico do livro de Arendt é: “Ideologia e terror: uma nova forma de governo”, quem tem interesse em evitar totalitarismo é só ler, é provável que toemos consciência deste terror e paremos de alimentá-lo em nosso dia-a-dia e tracemos uma política de respeito às culturas, ao ser, enfim uma ontologia política.
ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Acreditar na proteção divina e fazer o bem
Apesar do clima de guerra devemos desejar a paz, alertamos no post de ontem que uma escalada era eminente e aconteceu, o clima e discursos de ódio de ambos lados na atual polarização mundial avança e só estarão em paz aqueles que continuam a fazer o bem.
Parece heroico, inocente ou mesmo pueril continuar a desejar e fazer o bem, mas este é o único caminho para não cair na banalização do mal, na polarização e no discurso desumano.
Ontem na noite de segunda no Brasil e madrugada de terça em Israel, mais de 180 mísseis do Irã foram lançados sobre Israel, eram mísseis hipersónicos que viajaram em 12 minutos até atingirem o solo de judaico, o número de vitimas e alvos atingidos não foram divulgados.
O envolvimento do mundo árabe, a Turquia, Líbano e Síria já declararam apoio ao ataque, que teve comemorações palestinas em Gaza, leva o confronto a uma escala mundial, nos Estados Unidos, Biden pediu às forças na área a defesa de Israel, que promete retaliação ao Irã.
A possibilidade de fechamento do golfo de Omã afetará o preço do petróleo mundialmente e com isto o encarecimento de produtos que dependem do transporte e da logística mundial.
Somente aderindo ao bem, a paz e sua vida no dia-a-dia é que nós podemos nos manter num clima emocionalmente equilibrado e sereno, mesmo diante de circunstâncias adversas, onde todo cedem ao pânico, ao ódio e a banalização do mal.
Para a filósofa Hannah Arendt a banalidade do mal é o fenômeno que recusamos no nosso caráter à reflexão e a tendência de não assumir as consequências de iniciativas de atos que não assumem as consequências do mal, e com isto impedem a adesão ao bem.
Somente temos uma proteção em nosso espírito e alma quando resistimos a tentação ao mal, aquilo que também o filósofo e educador Edgar Morin chama de “resistência do espírito” em meio a polarização, ao ódio e a guerra, com o bem atraímos a paz a nossa volta e a proteção divina.
O bem e a ontologia política
Embora o discurso filosófico sobre o bem seja amplo e variado, a modernidade perdeu parte deste fundamento quando vinculado a questão do Ser, no diálogo político não aparecem, por exemplo, o desenvolvimento de Hannah Arendt e suas obras: “A banalidade do mal” e “A condição humana”, ou o “O mal estar da civilização” de Freud ou ainda: “A simbólica do mal” de Paul Ricoeur.
Estes três últimos podem reelaborar, em dimensões trágicas, aquilo que reivindicamos como a ausência de uma ontológica política, aquilo que Hannah Arendt busca em seus textos.
Paul Ricoeur, explicando a simbólica do mal escreveu, a partir de atitudes individuais, que buscam “consolar” as vítimas do mal como um motivo causal:
“Às pessoas que sofrem e que são tão prontas a acusar-se de qualquer falta desconhecida, o verdadeiro pastor das almas dirá: Deus, certamente, não quis isto; eu não sei porquê; eu não sei porquê…” (Paul RICOEUR, “Le scandale du mal“, op. cit., p. 60), olhando a origem de um mal, que a maioria não consegue explicar, embora sinta.
O discurso filosófico tradicional sobre o bem gira em torno ou do utilitarismo (o bem é o que maximiza a felicidade, em Stuart Mill), o deontologismo (o bem é agir de acordo com o dever moral) e eudaimonismo (o bem supremo é a felicidade, alcançada através da virtude).
Kant elabora que o bem supremo é a vontade boa, ou seja, agir por dever e não por inclinação, e assim na filosofia contemporânea (de fundamento idealista) o bem vai desde a ética da virtude até a do cuidado, mas a ausência de valores fundacionais sobre o mal, acabam por incorporar o relativismo e cai no discurso política do populismo e do sofismo moderno.
Embora os gregos tenham tocado a questão ontológica, a ideia do platonismo que o bem é a forma mais elevada de realidade, a causa do que existe e objetivo final do conhecimento, a modernidade está paralisada sobre a égide de um mal, que não é só estrutural, mas que atinge o ser: a banalidade do mal de Arendt e o mal estar civilizatório de Freud.
Arendt mostra que há uma lacuna fundamentalmente política no pensamento atual que se insere na categoria da pluralidade do pensamento filosófico, antes da ascensão de Hitler, a busca de Arendt seguia para outras questões filosóficas que iam também em direção ao bem, em sua tese de doutorado, orientada por Karl Jaspers, discorria sobre “O conceito de amor em Santo Agostinho”, mas depois revê a questão ontológica e vai analisar a questão do totalitarismo.
Sobre a questão do Amor (o ágape) feito em seu doutorado, fica inconcluso, segundo seu próprio orientador, porém ainda que o mal pareça prevalecer, é o bem que devemos perseguir e só ele nos livra da condição histórica onde parece o mal triunfar.