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Arquivo para novembro, 2024

Querela pacis e a verdadeira vida da paz

01 nov

Embora um filósofo que possua várias limitações, Erasmo de Rotterdam, há mais de 500 anos escrevia o Querela Pacis, um lamento da Paz, que falava em primeira pessoa sobre a Paz e dizia “a paz precisa sempre de alguém que lhe dê voz”, assim é antes uma atitude do interior do Ser.

Os textos de Byung-Chul Han, destaco três: A sociedade do Cansaço, A crise da narração e Vita Contemplativa, podem parecer alienantes num mundo em pé de guerra, mas é um texto que aponta também este caminho, uma paz interior que dê voz ao mundo da pura exterioridade.

Diz na Crise da Narrativa: “a filosofia como ´poesia´(mythos) é um risco, um belo risco. Ela narra, até mesmo ousa, uma maneira nova de viver e ser” (Han, 2023, p. 106), destaques do autor, aponta até mesmo a concepção do Iluminismo e de Kant sobre a alma, como “ousada”, mas são narrativas e mais a frente lembra que Nietzsche apontará um mundo “transnarrado”.  

É a partir deste autor que apontará um mundo onde “uma narrativa do futuro, baseada em uma “esperança”, em uma “fé” no amanhã e no depois de amanhã” (Han, 2023, p. 108) que é aquela mesma que o autor aponta em outro texto como o “já”, mas não “ainda”.

O que aconteceu com a filosofia na atualidade, e isto transbordou para as outras ciências é que “no instante em que a filosofia reivindica ser uma ciência, ser uma ciência exata, seu declínio começa. A filosofia como ciência renega seu caráter narrativo imaginário” (p. 108).

Como diz o autor “se priva de sua linguagem. Emudece” (idem), se esgota na administração da história, e é incapaz de narrar (p. 109), daí todas as modernas narrativas.

Depois o autor apontará a narração como cura, das páginas 111 até 129, para desembocar no capítulo seguinte “a comunidade narrativa”, que recupera a capacidade de narrar e imagina “uma família mundial” (p. 125), para além da nação e da identidade, esta é a paz desejada.

A pax romana e até mesmo a paz eterna (Kant) não saem dos limites das narrativas pessoais ou da identidade restrita a grupos, esta narração do cidadão do mundo, deve partir de vozes que tenham capacidade de ver a humanidade como família, como um todo na diversidade.

Eis o paradigma da complexidade desenvolvido nos posts desta semana: “o indivíduo vive no todo e o todo no indivíduo. É por meio da poesia que se origina a mais alta simpatia e a coatividade, da comunidade mais íntima” (Han, p. 125), lembrando um texto de Schriften Novalis), esta paz vem da voz interior, mas aponta para a coletividade, para a humanidade.

Esta paz beatífica, divina e verdadeira (Pax et Spes) é que pode dar voz a uma paz efetiva e duradoura.

 

HAN, Byung-Chul. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2023