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Esferologia, a intimidade e a exterioridade

23 dez

Não por acaso Sloterdijk faz um elogio rasgado a Gaston Bachelard no início de Esferas I, sua abordagem tem um diálogo profundo com A poética do espaço de Bachelard, pois tanto um como outro o tema intimidade está ligado a articulação e duas concepções: “exterioridade” e “espaço”.

O primeiro ponto é entender que a abordagem fenomenológica tem influência direta do Ser e Tempo de Heidegger, ao mesmo tempo que esboçam críticas, mesmo não tendo Heidegger se debruçado profundamente sobre o tema, está nas entrelinhas de seu trabalho.

No capítulo inicial, Sloterdijk refere-se ao humano com os chamados “blocos erráticos”, em que o espanto com o próprio “eu” no mundo seria como estes blocos que “estão ai”. Diante disto, abre-se a possibilidade da consciência fazer-se com o mundo. O reconhecimento desta condição de estar jogado aleatoriamente no mundo não se dá de forma tranquila, mas por meio do “inesperado, o rebelde e o inquietante que o extático achamento pessoal pode ser” (SLOTERDIJK, 2008, p. 16), blocos erráticos foram as formações geológicas deslocadas na última era gracial.

O primeiro volume é dedicado a questão da intimidade e Sloterdijk parte da relação mãe-bebê, estamos unidos a um outro corpo desde o momento da concepção, por um “órgão rejeitado” que é a placenta, enquanto em outras épocas ele era de alguma forma ritualizado, agora é descartado como lixo o “acompanhante originário”.

Ele apontará a partir disto (como fez com o profeta Jonas) procurar caminhos não explorados pela filosofia atual, “a relação, a conexão, a flutuação num dentro de-algo e num com-algo, o estar contido num entre” (SLOTERDIJK, 2016) e por isto sua esferologia é sua obra essencial.

Destaco a obra de Bachelard porque para ele há uma perspectiva que considero mais ampla, a de descrever que a experiência íntima além da experiência com o outro, com a totalidade do mundo.

É assim também em Bachelard uma contraposição a Heidegger, onde afirma: “De nosso ponto de vista, do ponto de vista de um fenomenólogo que vive das origens, a metafísica consciente que se situa no momento em que o ser é ‘jogado no mundo’ é uma metafísica de segunda posição” (BACHELARD, 1993, p. 27)

Enquanto Sloterdijk é o útero o “espaço” primordial, o local do bem-estar, para Bachelard é a casa, o lugar paradigmático do bem-estar e da proteção.

Se entendermos interioridade como o lugar em que conjugamos estas duas sensações: o útero que é a casa primordial, e a casa que é o espaço no mundo onde co-habitamos com outros seres, não apenas humanos é claro, podemos conjugar interioridade e intimidade, e temos um novo horizonte não apenas metafísico, mas humano, divino e entre estas duas conjugações: o útero original, a casa comum e o destino final que a interioridade provê.

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes,1993.

SLOTERDIJK, P. O Estranhamento do Mundo. Trad Ana Nolasco. Lisboa: Relógio d’Água, 2008           

SLOTERDIJK, P. Esferas I: bolhas. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.

 

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