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Arquivo para maio 26th, 2022

Ascese e espiritualidade

26 mai

Não por acaso, Peter Sloterdijk apreende a modernidade como uma forma de secularização e coletivização da vida da exercitação, deslocando as asceses transmitidas desde a Antiguidade de seus respectivos contextos espirituais e dissolvendo-as no fluido espumoso das atuais comunidades biopolíticas (ou psicopolíticas) dedicadas ao treinamento e ao empresariamento da subjetividade.
Não é por acaso que um filósofo atual veja a modernidade como uma forma de secularizar e coletivar a vida de exercícios, deslocando as asceses transmitidas desde a antiguidade, em diversas culturas, para os contextos atuais dedicados a treinar e a comercializar a partir da prática cotidiana de exercícios através de memes, retóricas e de um treino coletivo de ideias (no sentido do idealismo).
A base de sua ascetologia é possível perceber como a educação desde a infância até os adultos está numa cadeia histórica de adestramentos através de procedimentos imunológicos e antropotécnicos seletivos, que anunciada por Sloterdijk a muito tempo tornaram-se escancaradas com a Pandemia, visam arrancar o sujeito de sua comunidade.
Fabricam-se assim os “atletas do Estados” ou as “empresas domésticas” na direção destes exercícios, o que ele chama de drama esferológico, e onde a infância tem que pagar um preço pela ausência das camadas protetoras, isto é, quando explodem os círculos mágicos, as bolhas de sabão sopradas pelos olhos extasiados das crianças, o que Sloterdijk escreve em Esferas I: Bolhas.
Esta espécie de ascese não tem nada de espiritualidade ou de uma verdadeira ascensão (de onde vem a raíz ascese) assim as bolhas de sabão são a metáfora deste universo efêmero, cujo exercício reforça o habitus, mas não constrói uma verdadeira ascese espiritual.
O autor não chega a desenvolvê-la, apenas a denuncia como uma ascese desespiritualizada, pois ele próprio não crê numa realidade superior, de verdadeira ascensão, como a que é descrita no livro de Byung Chul Han em sua “Sociedade do Cansaço”, onde vê como dois polos do Ser a vida ativa e a vida contemplativa, e recorre ao monge São Gregório.
Seu termo espiritualidade vem da análise de Foucault das formas radicais de governos dominantes de “governo de infância” a qual interpõe: “interpõe entre a experiência e a linguagem constitutiva da história e formadora do espírito”, é assim só uma subjetividade.
Byung Chul Han, provavelmente por sua influência oriental, vai noutro caminho de uma vida contemplativa efetiva, que está mais claramente expressa em sua obra: “O aroma do tempo” ( ), onde afirma: “A maior felicidade brota do demorar-se contemplativo na beleza, antigamente chamada theoria. Seu sentido temporal é a duração. Ocupa-se das coisas eternas e imutáveis, que descansam em si mesmas. Nem a virtude nem a sabedoria, só a entrega contemplativa à verdade aproxima o homem aos deuses” (HAN, 2016).
Na obra de Chul Han é possível entender uma ascese espiritualizada numa ascensão divina.
HAN, B.-C. O aroma do tempo. Um ensaio filosófico sobre a arte da demora. Lisboa: Relógio d´água, 2016.