Arquivo para janeiro, 2021
Ideia e metáfora viva
A hermenêutica desenvolvida em “Metáfora viva” é um polo avançado da fenomenologia visto como um método de interpretação necessário à vida do pensamento, que tem seu próprio nível de discurso, refundando o eidos que veio dos gregos, dando a ele o que foi chamado de “ideologia do inefável”, não do inatingível no pensamento e sim o que está posto a consciência e não dito.
A metáfora viva começa onde termina a linguística, é assim uma fusão entre ambas e quase um complemento, não o é apenas porque não há corrente linguística que o admita, se entendemos que o significado é um problema central para a linguística esta ultrapassagem da metáfora viva é melhor compreendida como a possibilidade de múltiplas interpretações pelo interprete.
A definição dos gregos de metáfora, nos estudos de poética e de retórica de Aristóteles, a metáfora é vista a partir da interpretação semântica, onde a palavra ou o nome são unidades básicas entre a poética e a retórica, enquanto a segunda é voltada a mimese ou arte de imitar as ações humanas (é um reducionismo ver a metáfora apenas como isto), a segunda é a arte de persuadir, onde é possível perceber que um belo discurso é mais convincente que um discurso lógico e claro.
A grande contribuição de Ricoeur será a partir da semântica da palavra isolada, ligada à teoria da substituição e à noção linguística do que é “código”, uma semântica do discurso entendido como totalidade, ele considera que o ato da fala no sentido filosófico-especulativo é diferente de outros atos discursivos, como o poético, o religioso e mesmo o científico, onde a origem grega é aquela que predispõe a noção de “ser” à sua vocação filosófica, pode ir assim desde uma ontoteologia até uma nova ontologia a partir da dinâmica do significado de “dizer-como” que é uma ontologia implícita no enunciado metafórico, nele o “ser-como” significa “ser e não ser”, a nova ontologia.
A metáfora viva não é tão complexa quanto sua explicação, significa que é possível a partir da metáfora dar significação ao “inefável” mesmo como metáfora, pela “vida” nele inserida.
As parábolas se aproximam das metáforas, porque ambas querem explicar verdades complexas.
O recurso de parábolas na Bíblia em lições que Jesus procurava explicar a pessoas mais simples as coisas mais complexas, o eidos Deus é algo complexo, é similar ao uso da metáfora viva, por exemplo, ao explicar o que é a palavra semeada entre as pessoas que desejavam conhecer o divino, é usada a parábola do semeador, a semente semeada em solo bom, no meio de espinhos, em terreno pedregoso e solo pouco fértil (Mc 4,26-34). (na imagem O semeador de Van Gogh)
Não há determinismos bíblicos, como ser todos os solos são possíveis, o que acontece de um solo ser melhor ou pior para uma semente depende de como ela cai no entendimento de cada pessoa, assim sujeita a interpretação.
Bíblia. Evangelho de Marcos.
RICOEUR, P. Metáfora Viva. São Paulo. Ed. Loyola. 2000.
Os fundamentos do conceito de ideia
Seguindo um raciocínio de Sloterdijk, no qual os fundamentos devem ser pensados e em função deles poderem retornar ao princípio e ao pré-conceito de cada pensamento, pode-se rever ideia com o “eidos” grego, o conceito atual é kantiano.
Para Aristoteles haviam princípios universais, não como pensou Kant mais tarde, mas partindo da ideia do uno (tó hen), o que é (tó ón) e os gêneros (animais, plantas, seres vivos), enquanto a essência (eidos) não seria um universal, mas algo comum (koinos) a múltiplas coisas, não há portanto em Aristóteles o dualismo idealista, mas a separação entre os universais e a essência.
O sentido eidético da hermenêutica é aquele que promove a unificação do interno e do externo nas manifestações da vida, nas ciências da natureza o objeto é visto por si mesmo (retornar as coisas por elas mesmas), já nas ciências idealistas o “objeto” é aquele alcançado por um esforço contínuo do pesquisador (a transcendência kantiana), embora se comprometa a retornar com frequência á tradição, o todo não se renova, pois o “objeto” está separado de si mesmo pela observação isolada, fora do Ser e das possíveis pré-conceituações, é o uma “ideia”.
Em Platão este dualismo se acentua, o mundo sensível e o mundo das ideias (ainda no sentido do eidos, essência), esta separação será incomoda para os idealistas modernos, que a re-unirão, mas sem uma necessária reflexão filosófica, com isso permanecerá a dicotomia sujeito e objeto, jamais reunidas enquanto Ser (interna e externamente).
A ontologia, e o método da hermenêutica filosófica é uma tentativa de reunir estes campos, embora permaneçam distintos e sob tensão, porém com possibilidades de clarificação ultrapassando a separação clássica.
Gadamer em sua obra matter “Verdade e Método” vol. II, a retoma assim:
“A hermenêutica é a arte do entendimento. Parece especialmente difícil entender-se sobre os problemas da hermenêutica, pelo menos enquanto conceitos não claros de ciência, de crítica e de reflexão dominarem a discussão. E isso porque vivemos numa era em que a ciência exerce um domínio cada vez maior sobre a natureza e rege a administração da convivência humana, e esse orgulho de nossa civilização, que corrige incansavelmente as faltas de êxito e produz constantemente novas tarefas de investigação científica, onde se fundamentam novamente o progresso, o planejamento e a remoção de danos, desenvolve o poder de uma verdadeira cegueira.” (GADAMER, 1996, p. 292).
Gadamer após explicar que o retorno ao Ser, proposto por Heidegger é um retorno ao método hermenêutico, que não era nem desenvolver uma teoria das ciências do espírito (como fez o idealismo, e o alemão em especial) nem propor uma crítica da razão histórica, como fez Dilthey, e que Gadamer vai esclarecer em seu livro “A questão da consciência histórica” para dizer que não se trata nem de romantismo histórico.
O seu objetivo final está expresso ao afirmar: “o que fiz foi colocar o diálogo no centro da hermenêutica” (Gadamer, 1996, p. 27), mas seu diálogo nem é idealismo (seria absurdo) e nem alguma forma de cegueira filosófica, é justamente o resgate da hermenêutica-filosófica.
Seu diálogo não é, portanto, nem o dogmatismo idealista, hoje mais que teoria tornou-se dogmatismo a-histórico, e sim a identificação dos pré-conceitos, a partir dos quais é possível tanto a fusão de horizontes quanto aceitação dos distinções de cosmovisão.
GADAMER, H.G. Verdade y método v. II.S alamanca:Sígueme,1996.2v.
Sobre a verdade e a filosofia
Foi o racionalismo que levou a duvidar da existência exterior (o Outro, os objetos e o castelo exterior), já na clássica divisão corpo e mente, a questão até o final da idade média era entre realistas e nominalistas, os primeiros diziam que o real é que existe e os segundos que somente nomeamos o que é exterior, o que existe está na mente, hoje há a reviravolta linguística.
Imannuel Kant afirma que as percepções dos sentidos são posteriores à experiência enquanto é necessário um a priori universal, usando o argumento dos realistas, chama-o de juízo analítico enquanto os primeiros são os sintéticos, feitos a partir da junção de informações.
O ápice do idealismo é Hegel, que estabelece vários conceitos ideais: o estado, o espírito e a ética, porém a crise da modernidade retornará a velhos dilemas: a linguagem, o discurso e o que é a coisa ou o Ser, há então três reviravoltas: a linguística, a ontológica e a do “sagrado”.
Karl Klaus (1874-1936) já reclamava sobre a verdade no meio jornalístico, é verdade que a indústria cultural movimentou massas, e as Mídias de redes agora também, mas e a verdade?
A verdade da facticidade perdeu força, há visões alternativas e até mesmo a corrupção dos fatos, algo absurdo como “fatos alternativos”, não se trata absolutamente de hermenêutica pois é justamente sua ausência, a falta de um círculo hermenêutico onde os pré-conceitos sejam superados e se possam traçar novos horizontes que re-interpretam os fatos e constroem o futuro.
Os grupos entrincheirados em suas meias-verdades não se comportam senão como torcidas, a dialógica, a aceitação do Outro e a Empatia não são senão formas demagógicas como tentativas de cooptar membros para a própria torcida.
Claro que há um futuro latente, setores da sociedade onde a cooperação, a solidariedade e o exercício de enxergar o Outro já é exercício, são grupos e pessoas que trocaram a maneira dogmática de ver o mundo por uma visão mais ampla, além do grupo e da torcida.
Mas ainda há aqueles que cerrando fileiras em seus “grupos” vão exigir a obediência cega, o respeito a “autoridade” e não raramente vão apelar a métodos autoritários para dobrar o Outro.
A verdade irá emergir em meio ao caos, nos nichos da sociedade onde há Phronesis, verdadeira reflexão, olhar o mundo como um Todo e o Outro com respeito a suas particularidades.
A hermenêutica e a verdade
O grande arquiteto da hermenêutica no século XX foi Hans-Georg Gadamer (1900-2002), que criou uma hermenêutica filosófica, influenciado pelos estudos de Martin Heidegger, de quem foi aluno na Universität Marburg, reelaborou o conceito do círculo hermenêutico a partir de Heidegger.
Na sua obra prima Verdade e Método: elementos de uma hermenêutica filosófica, publicada em 1960, Gadamer não apenas revolucionou a hermenêutica ocidental moderna, como também a reorientou criando uma nova hermenêutica filosófica baseada na ontologia da linguagem.
Segundo Heidegger a hermenêutica é filosófica e não científica (no sentido dos métodos convencionais ainda em vigor), ontológica e não epistemológica, existencial e não metodológica, porque procura a essência da compreensão e não sua norma ou “método”, o método oscila entre o positivismo e o racionalismo, mas sem pertencer ao fenômeno.
O estudo e a compreensão da existência, uma vez que este permite o conhecimento do Ser, precede as normas, até mesmo aquela consideradas “éticas” pelo iluminismo/idealismo, das regras sociais e não regras morais, diz a teo-ontologia por que o “sábado pertence ao Homem e não o Homem pertence ao sábado”, aqui em referência a “regra ética judaica” ou de sabatistas de guardar o sábado.
Segundo Heidegger, a hermenêutica seria filosófica, e não científica; ontológica, e não epistemológica; existencial, e não metodológica. Seria responsável por procurar a essência da compreensão, e não a normatização do processo compreensivo. O estudo da compreensão confundir-se-ia com o estudo da existência, uma vez que permitiria o conhecimento do Ser.
Embora a hermenêutica contemporânea venha de Schleiermacher e Dilthey, que defendiam a abertura do espírito para uma época que julga a antecedente, e isto seria o processo histórico, Gadamer aponta que não podemos abandonar o presente e enveredar pelo passado como tendo uma “lição histórica”, pelo contrário são os termos das questões que se colocaram no passado que podem define os termos do presente.
O fato do homem vivenciar uma realidade história faz com que sua visão de mundo, e por consequência, suas possibilidades de conhecimento partam dos pré-conceitos que o cercam, tonando impossível eliminá-los por completo, para que possa ler a verdade absoluta, como pretendiam iluministas e historicistas modernos, é um véu sobre a verdade e não a própria.
O círculo hermenêutico que já estava desenhado na obra de Heidegger, na ótica de Gadamer tem um sentido ontologicamente positivo para a compreensão, que segundo ele, no decorrer da interpretação, a elaboração de novos projetos e um novo horizonte se faz necessário.
Assim somente com a admissão dos pré-conceitos vindos da historicidade do interprete que ao serem devidamente analisados em sua veracidade, possibilita uma nova compreensão, a elaboração de novos horizontes, verdadeiramente coerente.
Passar da pré-compreensão para análise e síntese é permanecer no erro, por mais criativo que seja este processo, a ruptura dos pré-conceitos vem “de fora”, da abertura e da reelaboração.
Por isto sistemas viciados, fechados, provincianos e demagógicos sucumbem, trituram o Ser, dizem dar-lhe “identidade”, mas dão apenas fechamento e obsessão
Vacinas: Eficácia e Eficiência
A eficácia da vacina depende basicamente da ação que ela consegue ter ao vírus em pessoas e populações concretas, quanto a idade, ao tipo físico e o desenvolvimento orgânico de cada pessoa e determinadas comorbidades, doenças que colaboram com o processo infeccioso.
O fato e uma vacina ter eficácia de 90% por exemplo para que ela seja eficiente seria necessário vacinar pelo menos 56% da população, onde o desenvolvimento do vírus ficaria limitado ao contágio e as taxas infeciosas iriam caindo até chegar ao fim da pandemia em determinado período, e também o tempo de vacinação é importante e dele depende a disponibilidade da vacina para uma porcentagem da população dependente a sua eficácia.
O problema é que os países ricos estão dispondo de insumos para produzir a vacina, então eles poderão ter maior probabilidade de combater a pandemia, os países mais pobres além desta disponibilidade, que depende da agilidade das ações governamentais, precisam de ter recursos para compras insumos para produzir vacinas no próprio país ou comprarem as vacinas.
Há uma disputa de mercado e também no plano político, a própria OMS afirmou que poderá ocorrer um problema moral se os países mais pobres tiverem dificuldades para obter a vacina e/ou os insumos para produzi-la.
Também é um problema de eficiência a capacidade do sistema hospitalar e a organização do sistema de saúde, o Brasil tem uma boa organização pública no sistema do SUS, porém há uma urgência das ações do estado, a volta da doença para uma fase crítica não foi prevista e assim há um grande problema de eficiência na resposta a doença, a falta de oxigênio em Manaus foi isto.
Há por último um problema cultural, que é a compreensão que ainda não saímos da Pandemia e qualquer medida que favoreça o fim do isolamento é preocupante e isto tem levado a um esgotamento da capacidade hospitalar de responder a nova fase crítica da Pandemia.
É responsabilidade de todas as forças políticas e públicas alertar que a Pandemia está longe do fim, e a vacina ainda que seja uma esperança dependerá da eficácia e eficiência de sua aplicação.
Evitar a euforia, evitar a pandemia
As vacinas estão chegando, porém é hora de calma e serenidade, ou seja, evitar a ira (contrário da calma) e a euforia (o contrário da serenidade), sim é possível mesmo em momento de tensão e de forte ansiedade.
A explosão da ira e a euforia, precisaremos ainda ter medidas de isolamento e preventivas que exigem a pandemia, é provável que ainda dure por muito tempo, as vacinas cujas eficácia são ainda pequenas e a fase de testagem precisa continuar para ter índices mais confiáveis.
Países como a Inglaterra e Portugal, mesmo com início da vacinação, registram altas de infecções e casos mais graves, as variações do vírus são mais infeciosas e atingem maior população, a vacinação o que vai fazer é reduzir os índices de contaminação, no entanto, os hospitais estão cheios.
Para manter a serenidade pode-se buscar diversas formas de relaxamento e espiritualidade, o que parece quase impossível nestes dias, são as atitudes culturais e psicológicas que provocam mais e mais aglomerações e consequentemente índices maiores de contaminação.
Seguir uma forma de espiritualidade ou de meditação significa justamente encontrar a serenidade e manter a nossa “morada do ser”, como postamos a semana passada mais próxima da paz interior, desesperar jamais, para sair de um longo período de isolamento é preciso calma e paz.
Deve-se buscar com coração e alma atitudes contidas de alegria e esperança, não apenas porque estamos no final (assim esperamos) de uma pandemia, mas porque queremos que esta saída seja segura e com o mínimo de mortes possível.
É fácil observar, no caso do Brasil e de alguns países, que a impaciência é grande, o que provoca uma crise de ansiedade e que pode explodir em ira ou euforia, típicas de ausência de estabilidade.
Ao chamar os discípulos para iniciar uma caminhada com Ele, além de uma necessária mudança de rota (um novo sentido para uma caminhada) também era comum deixarem para trás, mesmo que fosse por algum tempo, seus trabalhos e empenhos.
Como a maioria dos discípulos eram pescadores deixa por algum momento a pescaria, e diz a leitura (Mt 1,19-20): “Caminhando mais um pouco, viu também Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca, consertando as redes, e logo os chamou. Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados e partiram, seguindo Jesus”, mas depois voltaram a trabalhar.
Assim não é difícil um tempo de parada, é preciso encontrar um caminho a seguir, mas logo já estaremos de volta ao trabalho e ao dia-a-dia, esperamos mais calmos e serenos.
Colaboração e ingratidão
Termos aparentemente tão distantes estão profundamente conectados, a colaboração que quase sempre envolve uma dose de gratuidade (pode até ser remunerada, mas faz a faz com alguma generosidade) e a ingratidão, que é o não reconhecimento da grátis-dão, do que é feito com alguma dose de doação.
Isto sempre envolve os meios do poder, em tempos de psico-poder, a escolha de meios para certos fins é fundamental, aquilo que o indivíduo influencia ou desafia em benefício próprio, está explicado em Habermas usando o conceito de Hanna Arendt e polemizando com Max Weber: “é essa capacidade de disposição sobre meios que permitem influenciar a vontade de outrem que Max Weber chama de poder. H. Arendt reserva para tal caso o conceito de violência” (Habermas, 1980, p. 100).
Assim, pode-se teorizar que o que não leva a colaboração pode levar a uma forma de poder ou de violência, se admitimos que colaboração tem uma oposição essencial a ingratidão, ou para teorizar mesmo, este poder gera uma dose de ingratitude.
Ainda no campo da teorização, na vida fenomenológica penso que os “meios” aceleraram a ideia da colaboração, Habermas vai falar de um “individualismo metodológico” aplicando-o a formas de poder que não permitem o “entendimento mútuo” ou a superação do “egóico sentido de poder”, que leva a não-colaboração e ao não-reconhecimento do gratuito.
Penso que Hanna Arendt é mais direta porque seu modelo é “um modelo comunicativo” (interativo) onde o consenso seria alcançado por meios não-coercitivos, pelo “entendimento recíproco” que levaria a “vontade comum”, a meu ver, falta ainda a ideia da gratitude.
Em meios onde a colaboração e a reciprocidade, ações mútuas de co-laborar, ou seja trabalhar juntos, já é uma realidade, o poder se dispersa e o líder não aparece como poder coercitivo, do latim coercĭo, que significa retenção.
O que se propõe então, partindo de Hanna Arendt é que se pense na forma que permita a co- laboração como forma comunicativa de influenciar a vontade do outro, sem coagi-lo, isto leva a sistemas de ingratidão, incompreensão e luta pelo poder através da violência.
Habermas, J. (1980). A crise de legitimação do capitalismo tardio. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
Euforia e serenidade
O contrário de serenidade não é irritação ou ira, estas são o contrário de calma (ou longanimidade), o contrário é euforia, já postamos a relação entre serenidade e Phronesis, palavra grega que poderia ser traduzida como sabedoria prática, central no livro de Hans Georg Gadamer, e que a nosso ver se aproxima de serenidade.
Há aqueles que acreditam em euforia depois da covid.
Isto porque vivemos em tempos de reações impulsivas as questões colocadas, em que depois da euforia vem a depressão e o desanimo, que no fundo são sempre falta de phronesis, ainda que muitos chamem a atenção para a ação, para a prática, mas descolada da sabedoria.
Em Verdade e Metodo II (segundo volume), predominam colocações sobre a estrutura dialógica da linguagem pensada como a que pode orientar o mundo (e nossa visão de mundo) e a relação mais clara entre pensamento e linguagem.
O esclarecimento que faz da questão histórica, foi Gadamer que superou a discussão de Dilthey e outros da historicidade romântica, sua hermenêutica filosófica aprofunda como uma hermenêutica da escuta, na escuta e para a escuta, verdadeira visão do Outro.
Gadamer no segundo volume dá estrutura a uma frase do escritor russo Leon Tolstoi: “Não existe grandeza onde não há simplicidade, bondade e verdade”, se verdade é difícil de ser dita, quando praticada em sabedoria Phronesis ela abre uma “clareira”, a escuta do outro.
Será que o universo nos “ouve”, será que plantas e animais nos “ouvem”, é preciso entender sua linguagem e neste sentido linguagem não é qualquer coisa da simples fala, é escuta.
No vídeo abaixo Gadamer retrata a história da filosofia, mas com phronesis e verdade:
A paz desejada e não construída
Sabemos que a “pax romana” era a rendição ao império que dominou boa face do mundo civilizado de então, é hoje certo que já haviam povos em diversas partes do planeta, mas seus registros paleontológicos não deixam muitas marcas de suas culturas, e, talvez como pensou Rousseau “o bom selvagem” vivia em paz, porem no conflito natural com a natureza.
A “paz eterna” elaborada pelos idealistas e idolatrada pelos adoradores do “estado moderno”, pouco é aprofundada porquê de fato para muitos será este o estado, desculpem a ironia, final da humanidade, devendo apenas ser aperfeiçoado.
Kant publicou no ano de 1798, numa revi ta de Berlim, o ensaio “Anúncio da próxima assinatura de um tratado para a paz perpétua em filosofia”, que foi uma retomada de seu ensaio feito dois anos antes: “Para a paz perpétua”, que ficou confinada na sua filosofia.
Isto porque o objetivo era resolver a paz no interior de um só Estado, ou no plano das relações entre diferentes Estados, que podemos ver mesmo com o surgimento da ONU e com o aumento de nações democráticas, que em essência a ideia de Estado permanece iluminista.
Deste ensaio pode-se supor que o que o filósofo entendia por filosofia significa que se os sistemas da filosofia encontrassem uma solução para seus conflitos eles poderiam auxiliar os sistemas políticos a resolverem seus conflitos, por isso permanece no campo idealista.
O conflito entre objeto e sujeito, que faz supor que é no objeto que se encontra o conflito e não no sujeito é a hipótese do sistema idealista/iluminista, mas é na facticidade dos sujeitos históricos que estão os conflitos, entendo estes não como a historicidade romântica, pois facticidade é o conceito heideggeriano do sujeito lançado no mundo com seus fatos.
Assim o que se entende por paz além do idealismo é aquela passível de ser construída na facticidade do dia-a-dia, em cada conflito encontrado em cada fato, sem estar confinado aos pressupostos teóricos ou filosóficos, mas ali onde está o “ser lançado no mundo”.
A paz, portanto, é construída e não um acordo entre estados ou no seu interior, o tratado de paz da 1ª. guerra mundial levou a segunda, dizem alguns leitores da história mundial, o fato é que houveram duas guerras e os estados “modernos” não só não evitaram, como são autores.
“Se deseja a paz, constrói a paz”, dizia um político italiano, bem poucos entendem isto.
Um pós-pandemia será problemático, pode inclusive caminhar para uma crise civilizatória, onde muitas providencias deveriam ser tomadas já a partir de agora.
A covid financeira
A crise atual, que é uma Pandemia da saúde poderá tem gravesconsequências financeiras, o alerta é da economista-chefe do Banco Mundial Carmem Reinhart.
O prolongamento da Pandemia de Covid-19 sobrecarrega as economias domésticas e empresarial e evolui para uma crise econômica. Reinhart chama este efeito de “custo cumulativo”, explica que há problemas clássicos de balanço patrimonial.
Em 2009 publicou um livro com Kenneth Rogoff, então colega de Harvard, que analisava a mais recente crise financeira, o livro “This time ia diferente: eight centuries of Financial Folly” tornou-se referência de governos para recessões, corridas a bancos e processos infracionários.
Os que acreditavam num total retorno a normalidade estão enganados, além de um plano para futuras pandemias e uma co-imunidade (conceito criado por Sloterdijk antes da Pandemia), é preciso desenvolver uma espécie de mutualismo, isto é, relações que tenham mútuos compromissos, onde o Outro não é incômodo mas parte da solução.
Deve-se imaginar que isto poderá promover uma grande mudança de mentalidade, isto parece quase impossível, porém o futuro da humanidade depende disto, e o aprendizado deve ser rápido, é um dos assuntos de Sloterdijk em Tens de Mudar sua vida, escrito antes da pandemia.