Arquivo para julho, 2021
Interioridade e a relação social
Se a sociedade atual “isola” o indivíduo, e a pandemia o fez com maior profundidade, isto não significa que não seja necessário em uma vida urbana cada vez mais agitada, algum isolamento.
O drama cultural de nosso tempo é quando se “pressupõe exatamente a não satisfação (pela opressão, repressão ou algum outro meio) de instintos poderosos”, explicou Freud (ver o post sobre o Mal estar da civilização), ele expõe isto como uma “frustração cultural” que domina o campo dos relacionamentos sociais entre os seres humanos, mas Byung Chul Hang vai mais a fundo ao analisar o que é a dor.
O novo livro de Byung-Chul Han “A sociedade paliativa” vai descrever diante da dor a sociedade medieval como a sociedade do martírio, e a atual como Sociedade da Sobrevivência, e por causa da tentativa de viver na ausência da dor uma Sociedade Paliativa, tantos remédios antidepressivos, ansiolíticos e “analgésicos, prescritos em massa, ocultam relações que levam a dor” (Han, 2021, p.29).
Em uma análise curiosa para um budista, mas talvez pela consciência de que a Páscoa significa uma “passagem” pela dor para a vida eterna, o autor descreve: “em vista da pandemia, a sociedade da sobrevivência proíbe mesmo a missa de Páscoa. Também sacerdotes praticam o “social distancing” e usam máscaras de proteção. Eles sacrificam a fé inteiramente à sobrevivência … A virologia desposa a teologia.” (Han, 2021, p. 35).
Todos escutam os virologistas, diz o autor, a bela narrativa da ressurreição “dá lugar inteiramente à ideologia da saúde e da sobrevivência” (Han, 2021, p. 35), não se trata da vida e sim: “A morte esvazia a vida em sobrevivência”.
Utilizando Hegel o autor explica o verdadeiro sentido da dor: “A dor é o motor da formação dialética do espírito” (pg. 75), o percurso formativo é “uma via dolorosa: O outro, o negativo, a contradição, a cisão pertencem, portanto, à Natureza do espírito” (pg. 76) e assim a interioridade.
Explica o autor: “nisso ela distingue da vivência [Erlebnis], que não leva a nenhuma mudança de estado. Apenas a dor surte uma transformação [Veränderung] radical. Na sociedade paliativa, o igual se perpetua.” (pg. 77).
Jesus sempre após algum momento intenso de pregação ou de participação em algum evento social, retirava-se com os discípulos, era o momento da interioridade, porém muitas vezes as situações obrigavam a deixar o descanso de lado e voltar a ver o povo (Mc 6, 31-34):
“Ele lhes disse: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco” … Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” e Jesus voltou e foi ensinar outras coisas a eles.
Ele também teve momentos de dor anteriores a Páscoa, ao qual bebeu o cálice, e pouco descanso como na passagem acima.
HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: a dor hoje. trad. Lucas Machado, Petrópolis: RJ: Ed.Vozes, 2021.
Mal-estar da civilização e do ser
A frase bastante usada na literatura, as vezes no domínio público é de uma obra de Freud: O Mal estar da civilização, no entanto, não é apenas no campo da psicologia que ela se confina, diz o autor ser: “impossível desprezar até que ponto a civilização é construída sobre a renúncia ao instinto, o quanto ela pressupõe exatamente a não satisfação (pela opressão, repressão, ou algum outro meio?) de instintos poderosos. Essa “frustração cultural” domina o grande campo dos relacionamentos sociais entre os seres humanos. … Não é fácil entender como pode ser possível privar de satisfação um instinto. Isso não se faz impunemente. Se a perda não for economicamente compensada, pode-se ficar certo de que sérios distúrbios decorrerão disso”. (Freud, 1930/1997, p. 118).
Vejam que “opressão, repressão ou algum outro meio” é do autor, que mal imaginaria um mundo digital capaz disto, e frustração cultural colocada em aspas pelo autor domina os relacionamentos, e que afirma ainda mais curiosamente, que a busca da “compensação econômica” é um refúgio.
Mas isto foi registrado também em outras áreas, escreveu Edmund Husserl sobre a crise das ciências: “Na urgência de nossa vida – ouvimos dizer – esta ciência nada nos tem a dizer. Ela exclui de um modo inicial justamente as questões que, para os homens dos nossos desafortunados tempos, abandonados às mais fatídicas revoluções, são as questões prementes: as questões acerca do sentido ou ausência de sentido de toda existência humana” (A crise das ciências europeias), também pode-se falar da crise ou noite de Deus, da identidade e o esquecimento do Ser.
Assim na Pós-modernidade, se dispensamos os recursos superegoico no sentido freudiano, o que nos assegura uma máscara cultural é a disputa entre nações e uma nova forma de defesa da honra, por exemplo que são disfarces para os diversos tipos de violência urbana, a drogadição, a nova presença agora da psicopolítica que nos impulsiona ao consumo e a polarização e nos encoleriza.
Esta onipresença da violência camuflada nas diversas relações sociais, é o que caracteriza o fim do respeito que caracteriza uma distância saudável entre Eu e o Outro, ou incluímos o igual que é o meu espelho, ou repelimos violentamente como um Outro.
FREUD, S. (1997). O mal-estar na civilização. In Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira (Vol. 21, pp. 75-174). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1930).
Topologia da Violência
O livro a Topology of violence (não há ainda tradução em português), pode-se considerar uma sequencia da análise da Sociedade do Cansaço, em que mostra porque a sociedade está a beira de um colapso, e mostra que ao mesmo tempo um tese geral sobre seu desaparecimento, uma tendência de guerra que agora dá lugar ao outro, mudando a sua maneira de operar.
Suas ideias sobre a violência são inovadoras e fogem do senso comum, que pensa sempre na concepção moderna da sociedade em liberdade, individualidade e sua realização pessoal, vai em busca do lado obscuro do assunto, onde ele se inicia.
Essa violência é aquela que tende a eliminar o outro, anônimo, “subjetivado” e sistêmico, que não é relevado à medida que aceita a liberdade do antagonista.
Seu conceito de violência é então aquele que define como funcionando numa individualidade livre, motivado pela atividade de perseverar e não fracassar, e com a ambiência da eficiência renuncia até mesmo faz sacrifícios ao mesmo tempo, mas que entra num redemoinho de limitação, auto-exploração e colapso.
Tudo isto tem uma relação com a sedução, que ele explicou numa entrevista ao jornal El Pais que a sedução não pode ser confundida com compra: ““Penso que não apenas a Grécia, mas também a Espanha, estão em estado de choque após a crise financeira . O mesmo aconteceu na Coréia, após a crise asiática. O regime neoliberal instrumentaliza radicalmente esse estado de choque . E aí vem o diabo, que é chamado liberalismo ou Fundo Monetário Internacional , e dá dinheiro ou crédito em troca de almas humanas.”
Tudo isto para aumentar o crédito e dar maior incentivo a uma suposta eficiência, e ele explica que no final: “estamos todos exaustos e deprimidos. A sociedade da fadiga na Coréia do Sul está agora em um estágio mortal”, revelando o lado pouco conhecido do país de onde veio e que fala com propriedade.
E não é uma sociedade mais feliz, explica, “o invisível não existe, então tudo é entregue nu, sem segredo, para ser devorado imediatamente, como disse Baudrillard”, explica que tudo deveria ter um véu ainda que fino, uma interioridade.
Arroyo, Francesc. Aviso de derrumbe. entrevista de Byung Chul Han ao diário El País, Espanha.
Caminhando para um futuro incerto
Palestras e livros motivacionais estão crescendo desde o início do século XXI, não importa muito a mensagem, o importante é levar as pessoas a uma força de ação que é a do desempenho.
Religiões tradicionais perdem adeptos para igrejas que trocam o discurso do pecado pela autoajuda e pelo desejo de reconhecimento e sucesso, a polarização política não deixa isto de lado um bom político deve demonstrar seus “feitos” e não sua isenção, equilíbrio e honestidade.
Longe de estar desdenhando a evolução tecnológica, ela é importante e podem auxiliar numa retomada co-imunológica, aquela em que descobrimos a mutualidade, o “exame” conforme descrito por Byung Chul Han apenas busca performance e ela pode incluir o desrespeito e as fake- News.
A sociedade repressora e disciplinar do século XX descrita por Michel Foucault (Vigiar e Punir) perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal, enchem-se as fanpages, as lives exibindo performances e até mesmo exibindo violência, o que é preocupante é o excesso de informação pouco elaborada.
Interioridade, que é diferente de subjetividade, que é o que é próprio do sujeito, é aquele espaço interno que precisamos cultivar para tornar a nossa vida mais equilibrada, com pensamentos e atos mais positivos e que colaborem com o mutualismo, o sentimento de responsabilidade pelo outro, a consciência social, enfim, a coimunidade (a sociedade imunológica).
Chul Han aponta que a subjetividade, já presente em discursos de pensadores atuais, como a “sociedade pós-industrial” (Bell, 1999), “soeicdade do controle” (Deleuze, 1992), “capitalismo cognitivo” ou “economia material” (Negri e Lazzarato, 2001, Gorz, 2005) e “biopolítica” (Foucault, 2008) foram formas de expressão desta subjetividade, porém sem lançar mão da interioridade, todas citações de Byung Chul Han.
A sociedade é empurrada para um excesso de positividade como a chama Chul Han em sua Sociedade do Cansaço, o conceito disciplinar coercitivo (“tu deves”) imposto de fora, fez entrar em cena um novo enunciado (“nós podemos”), o qual, em seus aspectos mais imanentes, “remete a uma falsa liberdade ao impor aos indivíduos os imperativos do desempenho e autosatisfação.
A análise do autor parte do filme Cisne negro (Aronofsky, 2010) para explicar sua tese, a imposição de performance e desempenho mediante a autossuperação é incorporada pela protagonista que é levada as últimas consequências.
A sociedade do cansaço atual nada mais é do que a absolutização unilateral da “potência positiva” e o melhoramento cognitivo (neuro-enhancement) pode não representar nenhum problema moral, mas levará a um problema moral ainda maior na normatividade da sociedade do desempenho.
HAN, B. C. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. 2 ed. ampl. Petrópolis, Vozes, 2017. 128 pp
Tendência de queda e vacinação
Segundo o consórcio de veículos de imprensa o número de doses da vacina no Brasil chegou a 83.794.712 para a primeira dose, enquanto 28.108.088 a segunda, a este valor deve ser acrescido 2.465.295 doses únicas, num total de 114,3 milhões de doses aplicadas, espera-se que cresça para manter a curva de declínio que se observa nas infecções e mortes.
Em percentagens significa 14,4% que já receberam ou a segunda dose ou a Janssen que é dose única, enquanto a percentagem que recebeu a primeira dose fica próximo aos 40% isto está sendo importante para conter as variantes mais ofensivas, a delta e a delta plus, que já estão no país.
É preciso salientar que as análises clínicas indicam que a segunda dose é necessária para a nova variante, e uma faixa mais larga acima dos 60% começa receber a segunda dose, mas a aplicação da Janssen é a que deixa mais otimista porque o número de pode fazer a imunização crescer.
Quando atingiremos a chamada imunidade de rebanho que permitirá o relaxamento das medidas de proteção é a questão que todos queremos saber, Anthony Fauci, chefe do National Institute of Allergy and Infectious Diseases dos EUA, um dos médicos que lidera os esforços contra a covid-19 nos lá, faz a estimativa de que se deve chegar aos 70% da população, porém há outros que indicam que seria de 80 a 90%, pois o problema maior é a mutabilidade do vírus.
Pouco se comenta, mas as Ilhas Seychelles na Africa Oriental é o país mais vacinado do mundo, com 70% da população e o número lá ainda não caiu, há estudos tentando desvendar o mistério.
O Japão que tem números próximos ao Brasil, 17% para as duas doses e acima de 30% para a primeira dose já anunciou que não haverá público nas Olimpíadas que se iniciam daqui uma semana, e as viagens dos atletas serão monitoradas com todas medidas de proteção.
No ritmo da vacinação ainda são precisas todas as cautelas, sempre que houve algum relaxamento se verificou um aumento de casos e de mortes, esperamos que a curva se mantenha em queda
O diálogo e o essencial
O essencial está distante da sociedade moderna porque é exigido de todo ser humano, até mesmo daqueles que tem alguma limitação física ou diferença social o máximo de desempenho, Byung-Chul Han no seu livro a Sociedade do Cansaço (Vozes, 2015), define-a também como sociedade do desempenho.
Ela nos projeta para fora do essencial, ao contrário de uma “época imunológica” ela é uma “época neuronal”, a divisão entre “dentro e fora, amigo e inimigo ou entre o próprio e estranho”, é definido como “ataque e defesa” (HAN, 2015, p. 8) por isso ela tende para o confronto e não a paz.
A paz exige diálogo, e o essencial exige escolhas interiores que nos movam ao essencial exterior.
Este esgotamento do desempenho é o que “nos incapacita de fazer qualquer coisa” (Han, 2015, p. 76) e o diálogo se torna difícil, proselitista ou mesmo mera retórica, mas só ele pode levar a paz.
Edgar Morin, que completou 100 anos (veja o post anterior), estabeleceu como operador dialógico aquele capaz de operar: a razão e a emoção, o sensível e o inteligível, o real e o imaginário, a razão e os mitos, e, a ciência e a arte.
Pode-se ver que a polarização sempre se coloca de um dos lados, não articula “o dentro e o fora” como propõe Chul Han, então dialogizar é admitir a ligação estes polos e não sua mútua exclusão.
Devido a questão identitária, fortes em nossos tempos que envolvem culturas, religiões e nacionalidades, o polo entre a razão e os mitos torna-se exacerbado onde o diálogo é difícil.
É preciso respeitar o diferente ao dialogar, permitir-lhe também a palavra e não excluí-la com argumentos apenas racionais, há razões ontológicas, históricas, culturais e sociais para seus argumentos, e se não estivermos “desarmados” o diálogo não se realiza.
Ao enviar os discípulos para levar a “boa nova”, são interessantes as instruções dadas aos apóstolos, em Mc 6,8-10 ele pede para não levarem nada, nem mesmo bolsas ou sacolas, e ao entrar numa casa desejassem a paz, e fiquem ali até a vossa partida, e diz a leitura que curavam doentes e expulsavam demônios, o essencial e o diálogo têm esta potencialidade.
O desiquilíbrio da performance, do cansaço e da frivolidade levam a sociedade a exaustão e a dificuldade de diálogo, porque também estamos cheios “dentro” de convicções e razões.
HAN, B.-C. Sociedade do cansaço. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.
Um século de Vida: Edgar Morin
No dia de hoje (08/06/2021) o filósofo, educador, historiador e geógrafo francês Edgar Morin, nascido em Paris como Edgar Nahoum, adotou o codinome Morin depois que lutou na resistência francesa ao nazismo.
O jornal francês Liberation, publicou na quinta-feira (03/06) alguns trechos de seu novo livro que será lançado nesta semana, na França, “lições de um século de vida” (“Leçons d´un siècle de vie”, editora Denoel), com alguns trechos do livro, chamando-o de avô de todos os franceses.
No livro Morin diz que quando não estiver mais vivo, espera que as pessoas consigam se se “amar umas às outras e a si mesmas, em vez de continuar nessa regressão ocidental marcadas por neototalitarismo em gestação, e não deixa de citar a China.
No momento em que o mundo se fecha, e a questão identitária se torna relevante, pois divide os povos, Morin refletindo sobre suas próprias origens destacou em seu livro, conforme o Liberation: “Todo mundo tem a identidade de sua família, de sua aldeia ou cidade, a de sua província ou etnia, a de seu país e a maior, de seu continente. Cada um tem uma identidade complexa, ou seja, somos únicos e ao mesmo tempo plurais”, não se trata só de “tolerar” e sim de “amar” o Outro.
Alerta que “a história humana é relativamente inteligível a posteriori, mas sempre imprevisível a priori”, lembra a crise de 1929, a ascensão de Hitler e do nazismo, a desintegração da ex-União Soviética e o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, suas reflexões sobre aquilo que chamou de “stalinia”, sobre a qual segundo o Liberation escreveu em seu livro: “Minha estadia de seis anos no universo stalinista me educou sobre os poderes da ilusão, do erro e da mentira histórica”.
Porém está longe de ser pensado como um conservador e mesmo um reformista, sempre sonhou com uma mudança estrutural na humanidade, que deve partir de uma mudança de mentalidade, do pensamento e da cultura, e reflete também sobre o populismo e o absolutismo religioso.
Aguardemos o livro, como sempre, trará novas reflexões, talvez até mesmo confissões de Morin.
No Brasil, em Brasília o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasilia (CDS/ UnB) também lançara um livro com os 15 melhores artigos sobre Edgar Morin, já selecionados, em parceria com o SESC/SP, apoio da Cátedra Regional de Complejidad y Condición Humana de la Universidad CLAEH (Uruguai) (a imagem usada acima) e do EHESS/CNRS do qual Morin é pesquisador emérito.
Com 100 anos ainda revela uma lucidez inigualável nesta idade, e uma vitalidade e sabedoria únicas, félicitations Morin.
Ter consciência de Ser e viver com o essencial
A frase do filósofo Sócrates “a vida que não se examina não vale a pena ser vivida” não faria grande sucesso hoje, a frivolidade fez crescer aquilo que não é essencial como falsa necessidade de felicidade e um ambiente de dor e resiliência entra em choque com esta mentalidade.
Deve-se examinar neste contexto o que é consciência, e como pede a hermenêutica não existe consciência, a não ser a consciência de algo, a consciência fenomenológica não há dualismo entre sujeito e objeto, Ser é buscar examinar a consciência de algo, seja ele concreto ou abstrato.
A vida social requer alguma forma de mutualismo, estar bem e o Ser não negar sua sociabilidade, a vida pessoal requer exame do Ser, o equilíbrio com a natureza, também com sua própria implica a saúde, o equilíbrio e isto não está separado de interioridade e capacidade de reflexão pessoal.
A pura exterioridade leva ao não essencial, a performance, a imagem pública e a autovalorização pessoal são formas de exterioridade que podem levar ao consumismo e ao individualismo exagerado.
Ter consciência do todo é complexo, porém viver com no essencial torna a vida simples.
O essencial para se viver requer poucas coisas: vestimentas, alimentos e posses modestas podem levar a uma vida equilibrada e feliz, o contrário pode levar a um excesso de preocupação e stress.
No outro extremo não ter o essencial pode levar também ao desespero, aí estão as maiores e injustas situações sociais, uma sociedade que não se preocupa com isto está em desiquilíbrio e leva todos ao desiquilíbrio, também os que acumulam e tornam-se egoístas e consumistas.
A consciência do Ser na visão hegeliana estaria ligada ao Ser-em-si e para-si fica apenas na forma de percepção, fica na imaginação, a intencionalidade dos fenômenos que é negadora de outros objetos (externos) ou de si mesmo (internos) e por isto esta forma de consciência está relacionada ao nada.
A consciência não se consegue sem se identificar com nenhum ser-em-si (algo na fenomenologia) é nela que se aproxima em relação com outra consciência, isto ocorre porque uma ação ou escolha enquanto consciência percebe nesta relação a contingência e gratuidade da existência.
Assim esta consciência leva a reciprocidade, ao mutualismo e a uma existência que vale a pena, no dizer do filósofo Sócrates “porque ela se examina” e isto a vivifica e caminha para a plenitude.
A pura exterioridade é voluntarismo e a pura interioridade é falso essencialidade, e pode ser fuga.
Não haverá retorno a frivolidade
Embora filosóficos midiáticos e otimistas fora de contexto desejam algum retorno a algum tipo de normalidade, já temos duas mudanças estruturais irreversíveis, a necessidade de compreender a total interdependência, ninguém está isolado e a reestruturação da vida social e urbana.
A Inglaterra prestes a voltar a normalidade e os Estados Unidos que comemorou seu dia da independência pensando em comemorar a independência do coronavírus admitem o fracasso, em ambos países as autoridades declararam que deveremos conviver com esta dificuldade, também no Reino Unido.
O conceito de coimunidade foi desenvolvido por Peter Sloterdijk em outro contexto, uma espécie de mutualismo em que todos são responsáveis por todos, encontrar bodes expiatórios seja na criação do vírus seja no combate ineficaz tornaram-se teorias conspiratórios de difícil aceitação, em ambos os casos o oportunismo político está presente, ainda que se possa perceber um combate nem sempre eficaz.
Sobre o compromisso individual voltado à proteção mútua, Peter Sloterdijk pensa que nem é chegado o momento de recolhimento nacional, nem o mundo ficou pequenos para todos, o consumo existe graças a frivolidade, não há público consumo se não houver apelo a ele.
O que deverá acontecer é uma exigência nova do mutualismo, ela ainda é só uma tendência, mas a ideia que não sairemos fácil da convivência com o perigo do vírus e de novas mutações nos leva a necessidade de uma nova consciência de comunidade, além daquela falada e não praticada.
O que Sloterdijk chama de mutualismo pode tornar-se algo ainda mais amplo, disse em entrevista ao jornal El País: “A necessidade de um escudo universal que proteja todos os membros da comunidade humana não é mais algo utópico. A enorme interação médica em todo o mundo está provando que isso já funciona”, o problema é que as disputas e os nacionalismos impedem isto.
A resposta de Sloterdijk é bem interessante: “esses movimentos não são operacionais, que têm atitudes pouco práticas, que expressam insatisfações, mas que de modo algum são capazes de resolver problemas. Acho que serão os perdedores da crise”, eu concordo com ele.
A única ressalva é que estas disputas podem levar a embates irreversíveis, que seriam catastróficos para toda a humanidade e mais ainda, um tema que ele também toca, as democracias estão em risco.
Sua resposta é: “no futuro, o público em geral e a classe política terão a tarefa de monitorar um retorno claro às nossas liberdades democráticas”, o desejo de suprimi-las está todo dia em pauta em muitas cabeças políticas, é uma tentação numa crise.
Curva em queda, mas vacinação fica lenta
Apesar da curva de infecções e média de mortes (veja a curva), o problema começa a ser a segunda dose que está em estável em 12% na última semana, alertamos que o problema pode piorar pois o número de doses da AstraZeneca e Coronavac deveriam aumentar por causa da segunda dose.
O número de casos confirmados na sexta feita era de 54.101 e a média móveis dos últimos 7 dias era de 50.905 infecções (em 14 dias um recuo de 30%), o número de mortes apesar de continuar alto está abaixo de 2 mil mortes, e não há nenhum estado em alta, também as UTIs começam a ser desafogados, as regiões mais graves estão em torno de 70% as internações, mas em queda.
As polêmicas de vacinas vencidas, e o caso da Janssen que teve muitas vacinas congeladas (elas necessitam de um sistema especial de temperatura de -2ºC) porém são seguras afirma o Ministério da Saúde, além e Belo Horizonte agora também Campinas aplicou doses da vacina em moradores de rua, uma medida humanitária elogiável, já que esta vacina imuniza em uma única dose e estas pessoas tem dificuldades com medidas sanitárias.
Os casos de vacinas vencidas estão sendo identificados em diversas cidades, alguns locais como a cidade do Rio de Janeiro houve registro errado no sistema, a situação não está fora de controle e em vários casos uma nova vacinação já está sendo feita, é importante verificar com precisão os casos em que a vacina realmente estava vencida, onde houve erro de sistema e o número exato.
O caso da compra da vacina indiana Covaxin tornou-se centro da crise política do governo por denuncias de corrupção, a negociação foi suspensa pelo Ministério da Saúde e a compra deverá ser cancelada, além dos políticos também a CGU deve prosseguir no processo de investigação.
O problema grave é a lentidão da vacinação, alertamos que em julho diversos fatores poderiam colocar o processo em cheque, a necessidade da segunda dose, que chegando ao município é imediatamente disponibilizada para vacinação.
O secretário executivo do Conselho Nacional das Secretarias Municipais (Conasems) explicando também o caso das vacinas vencidas garantiu que as vacinas chegando são imediatamente disponibilizadas para a população, portanto o problema é o controle da Anvisa e a disponibilidade.
Mauro Junqueira, o secretário da Conasems entretanto esclareceu que nem sempre é possível um controle direto no tablet ou sistema computacional, as vezes é feito no papel e depois colocado no sistema informatizado, a diversidade de municípios no país explica isto facilmente.
Insistimos na necessidade de aumento da produção de vacinas para o mês de julho, o número da última quarta-feira segundo a CNN foi de 3 milhões de doses da vacina Janssen, 3,33 milhões do imunizante da Pfizer e outras 7,15 milhões do produto AstraZeneca/Fiocruz, total 13,5 milhões.