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A quarentena e a quaresma
Aqueles que conseguem viver esta longa quarentena, que entra pelo segundo ano, como perspectivas e esperanças é verdade, mas também com angústias e preocupações, entendem que há para todos um motivo de atenção, alento e preocupação, em especial com os angustiados.
Não houve carnaval, e não há motivos para festa, é verdade alguns grupos insistem, mas se olharmos para o número de pessoas em comparação com o conjunto da sociedade são uma minoria, a maioria está preocupada e deseja que logo tenhamos uma saída deste sofrimento.
Para os cristãos é um período de oração, jejum e abstinência, significa abster-se de algumas coisas que o novo normal já está nos tirando, porém pode-se fazer isto voluntariamente, pensando no conjunto da sociedade que sofre.
Representante do catolicismo, mas também da cristandade, o papa Francisco sempre olha para toda a família humana com ternura e paixão como um bom latino, em sua mensagem do dia 12 de fevereiro convidou-nos “Vamos subir a Jerusalém … “ (Mt 20,18) que significa como ele próprio explica um “percurso de conversão, oração e partilha de nossos bens”, e assim viver esta Quaresma com o olhar atento a quem sofre o abandono e a angústia por causa da pandemia (na foto a porta que onde Jesus iniciou seu caminho final em Jerusalem).
Jesus ao aproximar-se de Jerusalém vai para lá para viver os dias da Pascoa judaica, os judeus já a comemoravam e comemoram até hoje, mas nem sempre coincide devido ao calendário judaico ser diferente do nosso cristão, porém o cordeiro que é “imolado” durante a Páscoa, referente ao sacrifício que Abraão fez no lugar de seu filho, é na Páscoa cristã o próprio Jesus este cordeiro.
A quarentena de todos é a pandemia, dizer palavras de incentivo que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam e desprezam enfatizou o papa.
Penso que devido a conjuntura de quarentena será uma Quaresma diferente, em que iremos em profundidade nas nossas dores como humanidade, e poderemos pensar num futuro muito mais a frente mais promissor e cheio de esperanças, a Quaresma não é apenas a morte, passamos por ela, mas a ressurreição que está do outro lado para aquele que aceita passar pela porta estreita.
Toda humanidade sofre, assim é um momento da paixão de toda humanidade, e aqueles que são fraternos e solidários saberão o caminho para aliviar as dores daqueles que sofrem.
É hora de pensar no essencial da vida, rever nossas falsas vias de progresso e nossa vida pessoal.
Variantes do coronavírus e liberação
Enquanto no Reino Unido já está confirmado que a vacina não funciona para a variantes do vírus, chamada de variante de Bristol e confirmada pelo governo britânico, a cientista britânica Sharon Peacock deu a péssima notícia na quinta-feira (11/2) que a variante já se espalhou pelo Reino Unido e irá varrer o mundo, então a crise da pandemia está longe do fim.
A AstraZeneca informou que levará 9 meses para a vacina estar pronta para esta variante, junto com a Universidade de Oxford a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) participam da produção da vacina.
No Brasil, informa a Agência Brasil, já foram identificados pela FioCruz a presença da variante P.! em mais 5 estados, além do Amazonas, Pará, Paraíba, Roraima, Santa Catarina e São Paulo, também as secretarias da Saúde da Bahia, do Ceará e do Pernambuco já identificaram a variante.
De acordo com o site Bloomberg o Reino Unido já está chegando a 52 milhões de vacinados (o páis tem perto de 67 milhões de habitantes), mesmo assim o LockDown ainda não foi aliviado, serve de alerta para outros países, é provável que possa abrir aos poucos, e deverão ser tomadas medidas gradativas estudadas caso a caso.
More Than 172 Million Shots Given: Covid-19 Vaccine Tracker (bloomberg.com)4
Resta saber como será pensado o caso da variante, de um pico de 52 mil casos no início de fevereiro caiu para 13 mil no sábado (13/02), mas a comunidade científica inglesa está analisando intensamente o caso da variante para tomar as medidas de liberação.
No mundo há uma queda para 410 mil casos, é uma queda lenta, porém já é possível pensar que mesmo com a variante há uma esperança que a vacina funcione dentro dos limites de eficácia.
Cabe a cada manter os cuidados e não relaxar enquanto os efeitos da vacina não forem sentidos.
Querer curar-se para um novo normal
Começaria hoje o carnaval no Brasil, há quem lamente esta impossibilidade mesmo pensando em uma pandemia que não dá sinais de enfraquecimento, mesmo países que avançam com a vacina, caso de Portugal, Inglaterra e Estados Unidos os sinais que o vírus circula ainda está mais forte.
O livro de Morin nos alerta para lições que a pandemia deveria ter nos ensinado, porém não é o que de fato se observa, assim não só precisamos de outras “curas” como a própria fragilidade humana perante o vírus e outras patologias, incluindo as sociais, podem permanecer.
É preciso querer curar-se e descobrimos que esta cura é coletiva e codependente, precisamos que todos sejam sãos e uma sociedade que não olha os mais frágeis ou que os despreza e condena a vida da solidão e da morte não alcançou ainda uma cura duradoura que aponte para uma solidariedade duradoura.
Aprendemos a dureza do isolamento e da solidão, mesmo que em família, porém quantas são as pessoas que vivem assim na chamada normalidade, que o novo normal traga um maior agregamento humano a todos, que se trace a partir de uma nova política aquilo que Edgar Morin chama de uma nova humanidade mais humana.
Que a vacina nos imunize, mas que aprendamos a co-imunidade como defendia Peter Sloterdijk já antes da epidemia, e não se referia a imunidade da doença, mas num sentido mais amplo, aquela imunidade que nos faz uma humanidade capaz de defender-se das tiranias e das doenças sociais.
A passagem bíblica em que um leproso se aproxima de Jesus e pede de joelhos: “Se queres tens o poder de curar-se”, Jesus, cheio de compaixão estendeu a mão, tocou nele e disse: “eu quero fica curado!” (Marcos 1,40-41).
Há dois pontos essenciais o desejo ardente com fé do leproso de curar-se e a compaixão divina para que ele fique curado, a fé e a retidão humana atraem o poder divino, os que creem sabem disto. Mas só o nosso desejo de mudar de via (veja os posts anteriores) podem tocar a misericórdia de Deus.
O mundo hoje quer mudar ou viver a frivolidade da normalidade anterior.
É hora de mudarmos de via
Não é proposta minha, mas o nome do último livro de Edgar Morin (Ed. Bertrand do Brasil, 2020), o quase centenário filósofo francês mostra as lições do coronavírus que resistimos em aprender, também é muito parecido ao nome do livro de Peter Sloterdijk: Tens de mudar de vida (editora Relógio d´Água, 2018), este bem antes do coronavírus.
Antes de passar a algumas lições de Morin, quero dizer que TODOS precisamos mudar de vida, o planeta se esgotou, as palavras se esgotaram, a política polarizadora nos esgota, e infelizmente as palavras adocicadas como “fraternidade”, “solidariedade”, “compaixão” e tantas outras parecem só uma vontade de alguns que os outros mudem, sem, contudo, que cada um mude primeiro a si.
O preâmbulo é uma retrospectiva histórica desde a gripe espanhola até maio de 68 e a crise ecológica atual, as lições do coronavírus no capítulo 1 comento-as no final.
Começo pelo fim para afirmar que Morin que também compartilha de valores de fraternidade, de uma cidadania planetária, da superação de desigualdades etc., tem em seu livro ama proposta bem clara, depois de demonstrar que a crise é anterior ao coronavírus que só a agravou, na página 4 sentencia “… são duas as exigências inseparáveis para a renovação política: sair do neoliberalismo, reformar o Estado” (pag. 46), que vai dar os meios no capítulo 3.
Este é na verdade seu segundo ponto do cap. 2 Desafios pós-corona, o desafio da crise política, dos nove desafios que aponta nas crises atuais: o desafio existencial, apontado também na Encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco, os desafios das crises: da globalização, da democracia, do digital, da proteção ecológica, da crise econômica, das incertezas e o perigo de um grande retrocesso (pags. 44 a 53).
As 15 lições do coronavírus: sobre a nossa existência, o isolamento mostra-nos como vivem aqueles que não “tiveram acesso ao supérfluo e ao frívolo e merecem atingir o estágio em que se tem o supérfluo” (pag. 23), sobre a condição humana lembra o relatório Meadows, que apontava para os limites do crescimento, a lição sobre a incerteza de nossa vida, a lição de nossa relação com a morte, a lição sobre a nossa civilização (a vida voltada para fora, sem vida interior, a vida dos shoppings e happy hours), o despertar da solidariedade, a desigualdade e o isolamento social, a diversidade de situações e de gestão da epidemia, a natureza de uma crise, as 9 lições iniciais.
A lição sobre a ciência e a medicina, será que entendemos “que a ciência não é um repertório de verdades absolutas (diferentemente da religião” (pag. 33), a crise da inteligência, que ele divide sabiamente em “complexidades invisíveis” o modo de conhecimento “das realidades humanas (taxa de crescimento, PIB, pesquisas de opinião, etc.” (pag. 35), o ponto 2. é a ecologia da ação, alerta que a ação pode “percorrer o sentido contrário ao esperado e voltar como um bumerangue para a cabeça de quem a decidiu” (pag. 35), quantas ações e discursos caíram nesta vala.
A decima segunda lição é a ineficiência do estado, que além da política neoliberal cede “a pressões e interesses que paralisam todas as reformas” (pag. 38), enquanto a polarização se aprofunda.
A decima terceira lição é a deslocalização e dependência nacional, e lamenta “que o problema nacional seja tão mal formulado e sempre reduzido à oposição entre soberania e globalização” (pag. 39), note-se pelos discursos que polarizam e não saem deste círculo vicioso.
A décima quarta lição é a crise da Europa, lembro do livro de Sloterdijk “Se a Europa despertasse”, e Morin abre a ferida: “sobre o choque da epidemia, a União Europeia partiu-se em fragmentos nacionais” (pag. 40).
A décima quinta lição é o planeta em crise, cita o prof. Thomas Michiels, biólogo e especialistas na transmissão de vírus: “Não há duvida de que a globalização tem efeito sobre as epidemias e favorece a propagação do vírus. Quando se observa a evolução as epidemias do passado, há exemplos notórios em que se nota que as epidemias seguem ferrovias e deslocamentos humanos. Não resta dúvida, a circulação dos indivíduos agrava a epidemia” (pag. 41).
MORIN, E. É hora de mudarmos de via: lições do coronavírus, trad. Ivone Castilho Benedetti, colaboração Sabah Abouessalam. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2020.
Urgente: mudar o pensamento, ensinar a viver
Quando propomos um modelo que não é aquela do mundo da vida, dele Husserl fez uma filosofia, o seu Lebenswelt (mundo da vida), Habermas fez dela uma sociologia, Heidegger e Gadamer a incorporam em seus pensamentos, mas afinal que é a vida senão uma aprendizagem, não aprendemos com a pandemia.
O problema central de busca de uma “clareira” é que criamos modelos demasiadamente longe da vida, de sua defesa incluindo a natureza, a dignidade e o próprio viver, estamos num Setembro Amarelo, cujo tema não é outro senão o de dizer que vale a pena viver. Teremos uma clareira, mas ela durará pouco, e poderíamos começar já uma grande mudança, depois poderá não haver tempo.
Foi Morin que fez dela uma ousadia ao escrever Ensinar a Viver, a pedagogia esquecida e o método pouco utilizado, quando Morin escrevia seu Método (na verdade em vários volumes e sentidos), li no comentário da Editora Sulina que o publicou no Brasil, que “ele o desfaz em partes que, holograficamente, repetem esse todo de maneira sintética, mas completa”.
Morin começa por uma crítica que muitos fazem na universidade, mas se curvam a ela para não fazer valer suas “carreiras”, ele critica essa “deriva das universidades”, cujo dilema central ele sempre retorna que é “refazer o pensamento”.
Agarrados a métodos e modelos já superados, logicistas e neopositivistas, não se aponta “a natureza do conhecimento, que contém em si o risco de erro e de ilusão” (MORIN, 2015, p. 16).
O grande teórico da complexidade propõe antes de tudo um retorno a filosofia (no sentido do pensamento primário) em sua condição socrático de diálogo, aristotélicas (no sentido entre outros, da organização da informação), platônica (questionamento das aparências), e até mesmo pré-socrática (questionamento do mundo, inserção do conhecimento na cosmologia moderna), enfim não pode ensinar a vida sem saber que ela tem dilemas, erros e opções.
Morin, que poderia arrogar-se de sabedoria pela idade, pela intensa atividade intelectual, desde do pedestal daqueles cheios de certezas, sem dúvidas ou equívocos que vemos desfilar pelas academias e pelos palanques públicos da mídia devoradora e pouco questionadora.
Morin busca “conceber os instrumentos de um pensamento que fosse pertinente por ser complexo” (Morin, 2015, p. 23), e vemos a barbárie de certezas dogmas e pouco elaboradas.
Frases prontas, manuais de autoajuda, laissez-faire (principalmente econômico), grosseria e histeria ideológica, fazem um aprofundamento da crise cultural, humanitária e social de hoje.
Me assusta que leitores de manuais tenham tanta certeza com tão pouco pensamento, aliás a crítica ao pensamento cresce e o elogio da ignorância parece vencer qualquer argumento.
Morin nos encoraja e nos remete a um futuro ainda visível e possível, sua palestra na Fronteira do Pensamento (em 2016) é uma esperança e um aprofundamento que lança novas luzes.
MORIN, Edgar: Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015
Existência, repetição e Ser
Na filosofia pode-se ter forma (morphé) e matéria (hilé) e todos seres tem morphé-forma e hilé-matéria, mas a in-formação depende do pensamento, depende da disponibilidade ao ato de pensar e não apenas o de repetir, aqui encontramos este segundo tópico, que o repetir não significa apenas tornar-se redundante, o problema civilizatório permanece se não avançamos.
Em palestra em 2016, no Salão de Atos da UFRGS Sloterdijk já sentenciava: “Penso que a realidade hoje se assemelha a como estávamos em 1915 – comentou ele, comparando o atual panorama com uma época no século passado em que a I Guerra recém havia começado e não haviam se sucedido…”, este quadro só se agravou, a pandemia poderia ser uma pausa, mas não foi.
A repetição pode ser vista como submissão as regras, as leis da natureza, da sociedade enfim de um conjunto de situações que te aprisiona, como pode ser uma tomada de consciência de quem você efetivamente é, aquilo que é sua verdadeira natureza, então repetir é a possibilidade de ser no presente e projetar-se no futuro, então entra-se na existência.
O acesso a existência humana num novo tipo de registro implica uma articulação de sentido para o Ser e para a vida, o caminho percorrido de Husserl a Heidegger, e depois com Gadamer é o que liga a hermenêutica a ontologia, e em Gadamer é explicitado o método do círculo hermenêutico.
Pode ser assim descrito seguindo o raciocínio de Gadamer: não deve ser degradado a um círculo vicioso, mesmo que esteja seja tolerado, nele vela uma possibilidade positiva do conhecimento originário, que, evidentemente, só será compreendido de modo adequado quando a interpretação compreender sua tarefa primeira.
Esta tarefa primeira constante e última permanece sendo a de não receber de antemão, por meio de uma “ideia feliz” ou por meio de conceitos populares, nem a posição prévia, nem a visão prévia, mas em assegurar o tema científica na elaboração desses conceitos a partir da coisa mesma. (GADAMER, 1998, p. 401).
Visto o método voltamos a questão essencial do Ser, que é o esquecimento na filosofia ocidental deste conceito, desde Platão até Nietzsche, e assim temos uma metafísica ou sua negação, ambas de forma incompleta porque um conceito tão essencial não foi abordado.
É o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche.
Na sua obra “Que é metafísica” (escrita em 1929), o Heidegger definições assim a existência: “A palavra existência designa um modo de ser e, sem dúvida, do ser daquele ente que está aberto para a abertura do ser, na qual se situa, enquanto a sustenta” (1989b, p.59).
Sem esta categoria essencial a discussão e o pensamento fica preso ao “ente”, que Tomás de Aquino a define assim: “De onde se segue que a essência, pela qual uma coisa se denomina ‘ente’, não é apenas a forma, nem apenas a matéria, mas ambas, embora à sua maneira apenas a forma seja a causa desse ser” (Aquino, 2008, p. 10), nesta linha ontológica não há separação entre o Ser e o Ente.
Assim temos além do Ser, sua categoria agregada do ente, que lhe é inseparável.
AQUINO, T. O Ente e a Essência, Universidade da Beira Interior. LusoSofia.Press, Covilhã, PT, 2008.
HEIDEGGER, Martin. Que é metafísica? In: HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1989.
GADAMER, H.G. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
Vacinas, antecipação e cuidados
As vacinas são sem dúvida a maior arma na luta contra a Covid-19, porém é preciso acompanhar os dados científicos mundiais, a própria OMS certifica que apenas duas vacinas tiveram os dados finalizados Pfizer e AstraZeneca, sendo as etapas de avaliação (Status of assesment) e data de decisão antecipada (data of antecipated decision), segundo o próprio site da OMS (foto ao lado).
As outras estão prometidas para o meio de fevereiro e início de março, notem que a decisão está escrita na tabela da OMS foi antecipada por isto alguns efeitos colaterais estão aparecendo após o início da vacinação, normalmente isto era verificado nos testes finais.
Não é, portanto, fake-news como muitas informações que circulam na mídia, o processo de avaliação foi acelerado é o que está claro no próprio site da OMS, que é compreensível de certa forma, porém é preciso saber que o processo de queda na curva de infecção ainda vai demorar para cair, os dados oficiais mostram que o número de infecção e de mortos vem crescendo (novas cepas e eficácia das vacinas), e há países que já estão em colapso e outros que podem entrar.
Assim os cuidados devem ser redobrados e todos precisamos estar atentos a este momento que é agora sim o pico da pandemia e as vacilações no controle da pandemia apenas pioram o estágio atual.
O caso de Portugal é icônico, mesmo tendo iniciado o processo de vacinação e que está em ritmo até bom, a contaminação da Covid-19 atingiu níveis muito altos no país e exigiu medidas duras do governo, e um certo pânico no sistema de saúde que pediu auxílio aos vizinhos europeus.
Não podemos imaginar que este é apenas o caso deles e que não chegaremos a este caos, se não forem tomadas medidas urgentes, entraremos no mesmo colapso que uma boa parte do país já parece estar caminhando, as dificuldades de tomar medidas duras deve-se ao péssimo clima que a política instala no país, impossível qualquer tipo de acordo ou bom senso neste nível.
Enquanto isto o povo sofre e torcemos pelo avanço das etapas de vacinação, mas é bom observar o estágio das vacinas que estão sendo oferecidas e também fazer esforços na compra de insumos.
Porque é necessário um “epoché”
Toda a nossa forma de ver a vida está filtrada por uma visão de mundo, um complexo de valores, educação familiar, social e religiosa num sentido lato, isto é, todos temos alguma crença, ou então teríamos toda a explicação do mundo sobre os enigmas da natureza, do homem e da vida. A pandemia poderia ter mudado a visão.
Esta visão “cosmológica” implica sempre (não é quase) em valores pré-conceituais, ou seja, como classificamos o mundo, as coisas e os modos sociais de desenvolver a vida, esta cosmovisão foi chamada por Heidegger de Weltanstchauung, a palavra é importante porque toda tradução é imprecisa.
Na vertente ontológica que Heidegger bebeu, está a fenomenologia de Husserl, seu professor, e para ele a esta era “a descrição daquilo que aparece” ou a “ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”, e para ele é ela própria um conceito de método, que Hans Georg Gadamer aprofundou mais tarde em “Verdade e Método”.
No entanto muitos beberam da fenomenologia de Husserl, cada um a seu modo, Karl Jaspers, Emmauel Levinas, Edith Stein, Jean Paul Sartre, Gabriel Marcel, Hans Georg Gadamer, Paul Ricoeur, Martin Buber, Nicolai Hartmann, Hans Jonas, e aquele que a transformou em filosofia Hans-Georg Gadamer.
O sentido aberto do Ser em Heidegger extrapola os campos sócio-políticos, biológicos ou antropológico (por isto é ontológico, ou próprio do Ser), e o conceito de Dasein significa estar lançado no mundo enquanto o “Ente” são as coisas em sentidos diversos, ou seja, tudo o que falamos, sentimos, entendemos, nos comportamos em última análise aquilo que “somos”.
Se entramos nesta clareira o Ser é também aquele que precisa de auxílio, de cura, de escuta, de uma palavra de aceitação enquanto Ser do Ente, ou seja, nas suas funções enquanto vivência.
Ainda que a exegese bíblica considere encerrada toda a análise do envio dos discípulos de Jesus ao mundo, ide pelo mundo e proclamai a boa nova e curai os doentes, este cuidado com o próximo (no sentido amplo da palavra “curar”) também significa abertura, “epoché” e transcendência.
Ide pelo mundo com uma visão de mundo ampliada, além do seu círculo restrito.
Reinfecção, cuidados e vacina
Os estudos atuais apontam que alguém que já teve Covid pode ter uma nova infecção por causa da mutação do vírus, em São Paulo já há três variantes confirmadas (pelo Instituto Adolfo Lutz, claro muitos nem serão contados por que é preciso fazer testes PCR), e há casos suspeitos em Santa Catarina, Paraná, Acre e Mato Grosso do Sul, enquanto isto a infecção cresce e a campanha de vacinação ainda vai devagar.
A variante do vírus chamada de P1 já foi detectada em oito países, além do Brasil, Japão, Itália, Coréia do Sul, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unidos e Ilhas Faroe. O que mais preocupa é que as vacinas podem não imunizar esta nova variante, os estudos ainda estão em andamento.
Em 17 de janeiro foi detectado um caso de reinfecção em Manaus, o caso foi estudado e teve um artigo científico publicado esclarecendo e dando dados da reinfecção pela nova variante, tratava-se de uma mulher de 29 anos que tinha contraído a Covid em março de 2020, em 19 de dezembro ela voltou a apresentar sintomas e foi diagnosticada com a variante da Covid 19.
Os cuidados deveriam ser redobrados, entretanto não apenas há autoridades que negligenciam o isolamento social, como também há atitudes contraditórias, o governo de São Paulo, coloca quase todo estado na fase vermelha, de maior gravidade, mas entra na justiça para ter aulas presenciais nas escolas públicas já neste mês, inicialmente falta coerência de discurso e de ação.
O Brasil não acompanha a identificação, rastreamento, monitoramento e isolamento das infecções da Covid-19 e o alerta é dos próprios cientistas brasileiros, a plataforma Gisaid que monitora o vírus no mundo, tem apenas 0,5% dos casos publicados, estudados do Brasil.
A vacinação começou principalmente com os profissionais da saúde, é preciso esclarecer que os cuidados devem ser redobrados, uma vez que a onde de infecção está mais forte, e que somente a partir de um certo grau de vacinação, que depende da eficácia da vacina, pode-se ter alguma medida de flexibilidade, abrir completamente está muito longe de acontecer.
Vacinas: Eficácia e Eficiência
A eficácia da vacina depende basicamente da ação que ela consegue ter ao vírus em pessoas e populações concretas, quanto a idade, ao tipo físico e o desenvolvimento orgânico de cada pessoa e determinadas comorbidades, doenças que colaboram com o processo infeccioso.
O fato e uma vacina ter eficácia de 90% por exemplo para que ela seja eficiente seria necessário vacinar pelo menos 56% da população, onde o desenvolvimento do vírus ficaria limitado ao contágio e as taxas infeciosas iriam caindo até chegar ao fim da pandemia em determinado período, e também o tempo de vacinação é importante e dele depende a disponibilidade da vacina para uma porcentagem da população dependente a sua eficácia.
O problema é que os países ricos estão dispondo de insumos para produzir a vacina, então eles poderão ter maior probabilidade de combater a pandemia, os países mais pobres além desta disponibilidade, que depende da agilidade das ações governamentais, precisam de ter recursos para compras insumos para produzir vacinas no próprio país ou comprarem as vacinas.
Há uma disputa de mercado e também no plano político, a própria OMS afirmou que poderá ocorrer um problema moral se os países mais pobres tiverem dificuldades para obter a vacina e/ou os insumos para produzi-la.
Também é um problema de eficiência a capacidade do sistema hospitalar e a organização do sistema de saúde, o Brasil tem uma boa organização pública no sistema do SUS, porém há uma urgência das ações do estado, a volta da doença para uma fase crítica não foi prevista e assim há um grande problema de eficiência na resposta a doença, a falta de oxigênio em Manaus foi isto.
Há por último um problema cultural, que é a compreensão que ainda não saímos da Pandemia e qualquer medida que favoreça o fim do isolamento é preocupante e isto tem levado a um esgotamento da capacidade hospitalar de responder a nova fase crítica da Pandemia.
É responsabilidade de todas as forças políticas e públicas alertar que a Pandemia está longe do fim, e a vacina ainda que seja uma esperança dependerá da eficácia e eficiência de sua aplicação.