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Verdade e finitude humana
Não apenas Hans Georg Gadamer escreveram sobre a verdade em relação a finitude Humana, também Emmanuel Lévinas desenvolveu o tema.
Em Gadamer a conclusão sobre a verdade da experiência humana é a consciência de sua finitude, ou seja, é conhecer seus próprios limites, saber que não é senhor do tempo e do futuro, em dias atuais que não é senhor da natureza e de seu comportamento, o grande ideal iluminista, e assim tem seus limites e seus planos são inseguros.
Assim, em Gadamer, a questão da retórica e do discurso não são propriamente uma questão e a indagação não é verdadeiramente posta em causa, para estar apto a interrogar é preciso querer realmente saber a verdade e ela pode estar fora dos limites de quem pergunta, diz em seu texto:
“Para perguntar, é preciso querer saber, isto é, saber que não se sabe. E no intercâmbio de perguntas e respostas, de saber e não saber, descrito por Platão ao modo de comédia, acaba-se reconhecendo que para todo conhecimento e discurso em que se queira conhecer o conteúdo das coisas a pergunta toma a dianteira. Uma conversa que queira chegar a explicar alguma coisa precisa romper essas coisas através de uma pergunta” (GADAMER, 2008, P. 474).
Assim ela estará inscrita para além dos preconceitos, e na constituição de novos horizontes, assim compreender o texto ou um fragmento do passado, para Gadamer é entende-lo a partir da questão que deve ser vista como um processo de contínua fusão ou alargamento de horizontes pelo qual o interprete participa com os outros no longo e árduo caminho do sentido, vai além do ponto de vista iluminista romântico e histórico que é inaceitável: a linguagem simbólica e plural, própria da narratividade das coisas.
Porém o que isto significa? o que isto significa para a hermenêutica filosófica que reconhece a finitude humana, não existe de imediato a possibilidade de uma coincidência com o real, pois toda compreensão humana é linguísticamente mediada como toda linguagem é, na visão aristotélica, uma hermeneia (intérprete) originária do real e isto pode ser ampliado para as culturas, para os povos e em especial para os povos originários fontes primárias do discurso e de sua linguagem própria.
Como o homem é finito, só na linguagem seu poder dialógico fundamental pode alcançar o que a filosofia ocidental chama de objetividade (idealidade própria), mas deve ultrapassar o ponto de vista do sujeito transcendental anônimo (a subjetividade idealista) para atingir a dimensão de co-referência dos homens concretos, dos outros.
A concretude é assim a palavra que descentra e interpela, coloca na alteridade o que é dito, e a sua perspectiva em traçar uma fusão de novos horizontes não acabam.
GADAMER, H.G. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
Ato, potência e ágape
Aquilo que Aristóteles definiu como potência estava condicionada ao ato, assim ato é uma manifestação atual, no exemplo da figura ao lado a semente), enquanto potência é aquilo que poderia ser (virtualmente, enquanto virtú) a semente em potência é uma árvore poderia sua manifestação como ser produzir frutos e novas sementes, enquanto virtual, no sentido de virtude, é transformá-la em uma mesa ou mesmo uma casa.
A atualização do potencial em real não é apenas a semente que se torna árvore e esta dá frutos, a principal fonte de mudança deve ser completamente real e não corresponder apenas a potencialidade natural, mas aquela que completa o resto, e esta dependia em Aristóteles do primeiro motor que a tudo dava sentido, e que Tomás e Aquino afirma ser Deus, entra a questão da consciência.
Aqui entra o Logos ou o Pathos, já que a consciência é sempre um ditame da razão e da vontade, então para Tomás de Aquino o Ethos depende essencialmente da vontade humana e da consciência, enquanto o Logos nos encaminha para uma razão mais primordial do Ser, o Pathos caminha para as paixões e pulsões desordenadas, já o Logos deve nos levar ao ágape e ao equilíbrio.
A potência é assim característica do Ser e o Pathos a sua distorção, o poder visto como Pathos é autoritário e passional, enquanto o poder como Ethos é ético e agápico, no sentido de serviço feito por amor gratuito aos que lhes são subordinados, assim pode até haver assimetria, mas ela será apenas diversidade e nunca autoridade no sentido de poder absoluto pois é unida ao Logos.
Não por acaso Aristóteles foi tutor de Alexandre, o Grande, e sua forma de poder espalhou-se pelos povos, assim descreve Plutarco em seu texto “Alexandre (in Vidas Paralelas”, séc. I: “Depois desta batalha de Issus … macedônios começaram a tomar o gosto pelo outro, pela prata e pelas mulheres, e do modo de viver dos asiáticos, afeiçoando-se de tal maneira a isso que, como se fossem cães, saíram no rastro em busca e perseguição da opulência dos Persas”, é provável que influenciou também os Romanos e ao seu Império.
Assim chegamos até a segunda guerra e os perigos da pós-modernidade, será que sairemos da infância civilizatória e poderemos um dia conviver com povos com culturas e cosmogonias diversas, parecemos caminhar na direção contrária: a polarização.
Também não era diferente para os judeus e cristãos, na comunidade nascente muitos queriam ter “poder” ao lado de Jesus, na leitura de Marcos (Mc 10:36-37) os apóstolos Tiago e João fazem um pedido especial a Jesus: “Ele perguntou: ´O que quereis que eu vos faça ´ Eles responderam: ´Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tu glória”, e o mestre diz a eles que não sabem o que estão pedindo.
Ai pergunta se eles poderão beber do cálice que Ele beberá (referindo-se a seu tipo de morte), eles continuam dizendo que sim, então os repreende e diz a forma de poder que existe na civilização (Mc 10: 42-43): “Jesus os chamou e disse: ´Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso serviço e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos”.
Assim aqueles que governam fiéis da mesma forma que o poder temporal não entenderam ainda a potência do Logos agápico.
Crise do pensamento e a razão cínica
O pensamento moderno ainda está fortemente atrelado ao idealismo, há vários pontos a colocar em questão a Crítica da Razão Pura de Kant, dois pontos que considero centrais: o dualismo sujeito e objeto (chamado de dicotomia infernal por Bruno Latour) e a transformação do eidos grego em ideia abstrata, quase toda filosofia ocidental contemporânea é herdeira de Kant.
A crise da “democracia” grega (questionável porque escravos e mulheres não participavam) aconteceu em meio a crise do pensamento sofista, fundado no relativismo e na justificativa do poder, valia a arte da retórica e da oratório e o poder da argumentação, mais que a verdade.
Também lá nasce outra dicotomia infernal: entre natureza (phýsis) e cultura (nómos), afinal o que é natureza e o que queremos dizer que é cultura quando a distanciamos da vivência e da techné.
Sloteridjk é um dos raros filósofos ocidentais que vai questionar sem perder o cunho racionalista e progressista, tanto os clássicos moldes atuais da argumentação como de Adorno e Horkheimer, de Sartre e de Foucault, não escapa nem Heidegger do qual de certa forma é também herdeiro, ao questionar sua Carta sobre o Humanismo, e pensar o que é de fato humanismo hoje.
O que chama de cultura, por exemplo, pode mostrar a contradição, dando o exemplo da China onde pode-se comer carne de cachorro e na Índia não se pode alimentar de carne bovina que é um animal sagrado.
O ponto que considero mais central é a explicação do relativismo moderno, já que este também era o fundamento dos sofistas gregos, lá tudo que se referia a vida prática podia ser modificado, assim tanto a religião como a política, eram considerados fatores culturais e podiam ser modificados, é convergente, segundo Sloterdijk com o pensamento moderno, segundo sua análise dos conceitos de cinismo e kynismós, seu fundador Antístenes de Atenas (445-365 a.C.) pregava uma vida simples como uma vida selvagem (na natureza, a palavra kynós significa cão), a figura de Diógenes em seu barril é a mais emblemática (na pintura acima de Jean-Leon Gerome, 1860).
Embora discípulo de Sócrates, diferentemente de Platão optou apenas pelo estereótipo do mestre, ao contrário de educar e organizar uma “episteme” ele vai tornar tudo simples e relativo.
O contexto destes sofistas era a cidade-estado e a democracia de Atenas que se encontrava em crise.
A segunda parte do livro de Sloterdijk é uma crítica ao cinismo aplicado, estruturado em quatro partes: fisionômica, fenomenológica, lógica e histórica.
Sloterdijk, P. Crítica da Razão Cínica, trad. Marco Casanova e outros, SP: Estação liberdade, 2012
A metáfora e a harmonia
Ignorar a linguagem poética não é apenas ignorar a metáfora, as analogias de fato têm uma limitação metafísica, porém a metáfora vai além da analogia e há nela os pressupostos que ainda devem ser verificados pela ciência enquanto verdade.
Esclarece Paul Ricoeur: “o que permanece notável, para nós que viemos depois da crítica kantiana desse tipo de ontologia, é a maneira pela qual o pensador se comporta em relação às dificuldades internas à sua própria solução …. do problema categorial é retomada em suas grandes linhas” (Ricoeur, 2005, p. 419).
Isto não está preso apenas a ideia da analogia que foi reelaborada pelo tomismo, mas a principal fonte de todas as dificuldades “deve-se à necessidade de sustentar a predicação analógica por uma ontologia da participação” (p. 420), esta analogia está no nível dos nomes e dos predicados, assim “é da ordem conceptual” (p. 421).
O ataque à metáfora e a metafísica chegou até a modernidade, ele afirmou “O pensamento olha escutando e escuta olhando” (Heidegger apud Ricoeur, 2005, p. 436), e Jean Greisch diz que este “salto” situa a linguagem “o ´há´ e o es gibt [tem], não há transição possível” e este seria o desvio.
O próprio Ricoeur responde que o que faz esta enunciação como uma metáfora é a harmonia (einklang) entre ist e Grund no “nada é sem razão”, é preciso compreender a metáfora-enunciado.
Lembra a passagem bíblica sobre o farisaísmo incapaz de compreender a transcendência divina (Jo 6,42), “Não é este Jesus o filho de José ? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?”, e por isto também não podem compreender o pão do céu, o alimento divino, pois estão presos na alimentação apenas material.
Há sim uma metáfora-enunciado que liga o alimento material ao alimento divino, mas a harmonia é não se prender a uma submetendo-a a outra, conforme explicado no post anterior, este foi o grande argumento tomista para superar a analogia aristotélica: a ciência divina é para Deus, o que a ciência humana é para o criado” (Ricoeur, 2005, p. 423), citando o De Veritate de Aquino.
Claro que o problema da metáfora e da poética não se limita ao saber divino, mas não o impede.
Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.
Da metafísica à Ontologia
Não há o recurso desonroso de usar a metáfora para afirmar a metafísica, conforme perguntou Ricoeur, o recurso tomista “não se deteve na solução mais próximo do exemplarismo platônico adotado no comentário do Livro I das Sentenças, ainda sob influência de Alberto Magno” (p. 421).
Tomás de Aquino ao trabalhar ser, potência e ato (suas grandes categorias), concebe uma ordem de descendência “na série ser, substância e acidente” observa Ricoeur, “segundo a qual um recebe outro esse et rationem”, e assim estabelece outra analogia assim descrita na Distintio XXXV (q. 1, ar. 4):
“Há outra analogia [além da ordem de prioridade] quando um termo imita outro tanto quanto pode, mas não o iguala perfeitamente, e encontra-se essa analogia entre Deus e as criaturas” (Aquino apud Ricoeur, 2005, p. 421), e explica Ricoeur é necessário compreender este recurso de um termo comum entre Deus e as criaturas, e esta pode ser explicada assim:
“Entre Deus e as criaturas não há similitude por meio de algo comum, mas por imitação, donde se diz que a criatura é semelhante a Deus, mas não o inverso, como diz o Pseudo-Dionísio” (idem).
Essa participação por semelhança significa que “é o próprio Deus que comunica sua semelhança: a imagem diminuída assegura uma representação imperfeita e inadequada do exemplar divino” (Ricoeur, 2005, p. 422), e isto tem uma fragilidade: “a total disjunção entre atribuição dos nomes e atribuição categorial” (idem), assim o discurso teológico “perde todo apoio no discurso categorial do ser”.
O recurso já apontado acima do ser como ato e potência, a semelhança direta ainda é próximo da univocidade, assim Aquino observa que a causalidade exemplar, por seu caráter formal, deve ser subordinada a causalidade eficiente, a única que funda a comunicação de ser subjacente à atribuição analógica. A descoberta do ser como ato torna-se então o fundamento ontológico da teoria da analogia” (RICOEUR, 2005, p. 422).
O discurso é demasiado filosófico, e simplifico aqui: Deus é puro ser em ato e potência, a criatura é ser em ato podendo sê-lo em potência, por isto Tomás de Aquino faz um desenvolvimento disto.
O Aquinate em De Veritate, faz distinção de dois tipos de analogia, uma proporcional (proportio), por exemplo um número e seu dobro, e outra de relação proporcional (proportionalitas) que é uma semelhança de relação, em números por exemplo, 6 está para 3 como 4 está para 2.
Claro isto não é só matemática, Ricoeur faz isto como recurso didático, o infinito e o finito são desproporcionais, mas pode-se dizer (a ciência divina é para Deus, o que a ciência humana é para o criado” (Ricoeur, 2005, p. 423) e que é uma citação do De veritate de Tomás de Aquino.
Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.
A metáfora e a metafísica
O auge e a decadência da metafísica de Aristóteles, na análise de Paul Ricoeur está “nas características não-cientificas da analogia, tomada sem seu sentido terminal, reagrupam-se a seus olhos em argumentação contra a analogia” (Ricoeur, 2005, p. 414), e como a analogia era ligada a questão do ser, com ela fica submersa as questões ontológicas.
Entretanto, esclarece Ricoeur, “é porque a ´investigação´ de uma ligação não-genérica do ser permanece uma tarefa para o pensamento, mesmo após o fracasso de Aristóteles, que o problema do ´fio condutor´continuará a ser apresentado até na filosofia moderna” (RICOEUR, 2005, p. 415).
Para o autor, enquanto “o gesto primeiro continua a ser a conquista de uma diferença entre a analogia transcendental e a semelhança poética” (Ricoeur, 2005, p. 416), que ele explicita e aqui não será alongado, o segundo “contra-exemplo” da “descontinuidade do discurso especulativo e o discurso poético” é muito mais grave, e nele vai desde o discurso de Kant a Heidegger.
Explica que isto foi feito num discurso misto que a doutrina da analogia entis alcançou em seu pleno desenvolvimento e que ficou chamada de ontoteologia, pela pretensão de ligar ao Ser a transcendência divina, mas ignorando o discurso tomista, que é “um testemunho inestimável”.
O que o Aquinate faz é “estabelecer o discurso teológico no nível de uma ciência e assim substraí- lo inteiramente às formas poéticas do discurso religioso, mesmo ao preço de uma ruptura entre a ciência de Deus e a hermenêutica bíblica” (p. 417).
Contudo o problema é mais complexo “que o da diversidade regulada das categorias do ser de Aristóteles”, “falar racionalmente do Deus criador da tradição judeu-cristã. A aposta é poder estender à questão dos nomes divinos a problemática da analogia suscitada pela equivocidade da noção de ser” (p. 417), lembre-se aqui a batalha entre nominalista e realistas medievais.
Explicando que a doutrina da analogia do ser nasceu “dessa ambição de envolver em uma única doutrina a relação horizontal das categorias à substância e a relação vertical das coisas criadas ao criador” (p. 419), ora este foi exatamente o projeto de uma ontoteologia.
Assim, o discurso tomista “reencontra uma alternativa semelhante: invocar um discurso comum a Deus e às criaturas seria arruinar a transcendência divina, assumir uma incomunicabilidade total das significações de um plano ao outro seria, em compensação, condenar-se ao agnosticismo mais completo” (p. 418), ele retoma o problema categorial “em suas grandes linhas” e “é o próprio conceito de analogia que deve ser incessantemente reelaborado” (p. 420).
Fica uma questão a responder, não estaria aqui um “retorno da metafísica à poesia, por um recurso desonroso à metáfora, conforme o argumento que Aristóteles opunha ao platonismos?” (p. 421).
A metáfora e a especulação
Não há no discurso filosófico (ou do pensamento bem estruturado) que seja livre de pressupostos.
Na metáfora viva, Paul Ricoeur esclarece que isto é “pela simples razão de que o trabalho do pensamento pelo qual se tematiza uma região do pensável põe em jogo conceitos operatórios que não podem, ao mesmo tempo ser tematizados” (Ricoeur, 2005, p. 391).
Estes postulados são fundamentais para compreender o discurso, a retórica e a mera especulação.
Paul Ricoeur faz este estudo em torno das questões: “Qual a filosofia está implicada no movimento que conduz a investigação da retórica à semântica e do sentido â referência? “(idem).
Será na resposta a estas questões, e “sem chegar à concepção sugerida por Wittgenstein de uma heterogeneidade radical dos jogos de linguagem” (Ricoeur, 2005, p. 392) é possível reconhecer: “em seu princípio, a descontinuidade que assegura ao discurso especulativo sua autonomia” (idem).
Não explicitado por Ricoeur, mas Edgar Morin fala sobre o discurso moderno duas raízes que levam o discurso especulativo a uma forma moderna de obscurantismo: o fechamento em áreas do saber demasiadamente especializadas, que ele chama de hiperespecialização.
Aqui a metáfora pode ser confundida com a mera especulação e a filosofia estaria “induzida pelo funcionamento metafórico, caso pudesse mostrar que ela apenas reproduz no plano especulativo o funcionamento semântico do discurso poético” (idem).
Ele esclarece que a pedra de toque deste equívoco é “a doutrina aristotélica da unidade analógica das significações múltiplas do ser, ancestral da doutrina medieval da analogia do ser” (idem) que voltaremos no próximo post para entender as limitações metafísicas da ontologia aristotélica.
O segundo esclarecimento, mais fundamental é o discurso categorial, onde “não há nenhuma transição entre a metáfora poética e a equivocidade transcendental” que é a conjunção entre teologia e filosofia “em um discurso misto” que cria confusão entre analogia e metáfora” (Ricoeur, 2005, p. 393), e isto implicaria em “uma sub–repção, para retornar uma expressão kantiana?” (idem), por isto é necessário retornar a questão metafísica e nela a questão ontológica.
Cita como epígrafe a afirmação de Heidegger de que “o metafórico só existe no interior da metafísica”, é aqui o coração desta obra de Ricoeur, e ele chama de uma “segunda navegação”, alusão a “Mytologie blanche” de Jacques Derridá, passar da metáfora viva para a metáfora morta.
Ricoeur, P. Metáfora viva. trad. Dion David Macedo. BR, São Paulo: Edições Loyola, 2005.
Topologia da Violência
O livro a Topology of violence (não há ainda tradução em português), pode-se considerar uma sequencia da análise da Sociedade do Cansaço, em que mostra porque a sociedade está a beira de um colapso, e mostra que ao mesmo tempo um tese geral sobre seu desaparecimento, uma tendência de guerra que agora dá lugar ao outro, mudando a sua maneira de operar.
Suas ideias sobre a violência são inovadoras e fogem do senso comum, que pensa sempre na concepção moderna da sociedade em liberdade, individualidade e sua realização pessoal, vai em busca do lado obscuro do assunto, onde ele se inicia.
Essa violência é aquela que tende a eliminar o outro, anônimo, “subjetivado” e sistêmico, que não é relevado à medida que aceita a liberdade do antagonista.
Seu conceito de violência é então aquele que define como funcionando numa individualidade livre, motivado pela atividade de perseverar e não fracassar, e com a ambiência da eficiência renuncia até mesmo faz sacrifícios ao mesmo tempo, mas que entra num redemoinho de limitação, auto-exploração e colapso.
Tudo isto tem uma relação com a sedução, que ele explicou numa entrevista ao jornal El Pais que a sedução não pode ser confundida com compra: ““Penso que não apenas a Grécia, mas também a Espanha, estão em estado de choque após a crise financeira . O mesmo aconteceu na Coréia, após a crise asiática. O regime neoliberal instrumentaliza radicalmente esse estado de choque . E aí vem o diabo, que é chamado liberalismo ou Fundo Monetário Internacional , e dá dinheiro ou crédito em troca de almas humanas.”
Tudo isto para aumentar o crédito e dar maior incentivo a uma suposta eficiência, e ele explica que no final: “estamos todos exaustos e deprimidos. A sociedade da fadiga na Coréia do Sul está agora em um estágio mortal”, revelando o lado pouco conhecido do país de onde veio e que fala com propriedade.
E não é uma sociedade mais feliz, explica, “o invisível não existe, então tudo é entregue nu, sem segredo, para ser devorado imediatamente, como disse Baudrillard”, explica que tudo deveria ter um véu ainda que fino, uma interioridade.
Arroyo, Francesc. Aviso de derrumbe. entrevista de Byung Chul Han ao diário El País, Espanha.
O diálogo e o essencial
O essencial está distante da sociedade moderna porque é exigido de todo ser humano, até mesmo daqueles que tem alguma limitação física ou diferença social o máximo de desempenho, Byung-Chul Han no seu livro a Sociedade do Cansaço (Vozes, 2015), define-a também como sociedade do desempenho.
Ela nos projeta para fora do essencial, ao contrário de uma “época imunológica” ela é uma “época neuronal”, a divisão entre “dentro e fora, amigo e inimigo ou entre o próprio e estranho”, é definido como “ataque e defesa” (HAN, 2015, p. 8) por isso ela tende para o confronto e não a paz.
A paz exige diálogo, e o essencial exige escolhas interiores que nos movam ao essencial exterior.
Este esgotamento do desempenho é o que “nos incapacita de fazer qualquer coisa” (Han, 2015, p. 76) e o diálogo se torna difícil, proselitista ou mesmo mera retórica, mas só ele pode levar a paz.
Edgar Morin, que completou 100 anos (veja o post anterior), estabeleceu como operador dialógico aquele capaz de operar: a razão e a emoção, o sensível e o inteligível, o real e o imaginário, a razão e os mitos, e, a ciência e a arte.
Pode-se ver que a polarização sempre se coloca de um dos lados, não articula “o dentro e o fora” como propõe Chul Han, então dialogizar é admitir a ligação estes polos e não sua mútua exclusão.
Devido a questão identitária, fortes em nossos tempos que envolvem culturas, religiões e nacionalidades, o polo entre a razão e os mitos torna-se exacerbado onde o diálogo é difícil.
É preciso respeitar o diferente ao dialogar, permitir-lhe também a palavra e não excluí-la com argumentos apenas racionais, há razões ontológicas, históricas, culturais e sociais para seus argumentos, e se não estivermos “desarmados” o diálogo não se realiza.
Ao enviar os discípulos para levar a “boa nova”, são interessantes as instruções dadas aos apóstolos, em Mc 6,8-10 ele pede para não levarem nada, nem mesmo bolsas ou sacolas, e ao entrar numa casa desejassem a paz, e fiquem ali até a vossa partida, e diz a leitura que curavam doentes e expulsavam demônios, o essencial e o diálogo têm esta potencialidade.
O desiquilíbrio da performance, do cansaço e da frivolidade levam a sociedade a exaustão e a dificuldade de diálogo, porque também estamos cheios “dentro” de convicções e razões.
HAN, B.-C. Sociedade do cansaço. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.
Ter consciência de Ser e viver com o essencial
A frase do filósofo Sócrates “a vida que não se examina não vale a pena ser vivida” não faria grande sucesso hoje, a frivolidade fez crescer aquilo que não é essencial como falsa necessidade de felicidade e um ambiente de dor e resiliência entra em choque com esta mentalidade.
Deve-se examinar neste contexto o que é consciência, e como pede a hermenêutica não existe consciência, a não ser a consciência de algo, a consciência fenomenológica não há dualismo entre sujeito e objeto, Ser é buscar examinar a consciência de algo, seja ele concreto ou abstrato.
A vida social requer alguma forma de mutualismo, estar bem e o Ser não negar sua sociabilidade, a vida pessoal requer exame do Ser, o equilíbrio com a natureza, também com sua própria implica a saúde, o equilíbrio e isto não está separado de interioridade e capacidade de reflexão pessoal.
A pura exterioridade leva ao não essencial, a performance, a imagem pública e a autovalorização pessoal são formas de exterioridade que podem levar ao consumismo e ao individualismo exagerado.
Ter consciência do todo é complexo, porém viver com no essencial torna a vida simples.
O essencial para se viver requer poucas coisas: vestimentas, alimentos e posses modestas podem levar a uma vida equilibrada e feliz, o contrário pode levar a um excesso de preocupação e stress.
No outro extremo não ter o essencial pode levar também ao desespero, aí estão as maiores e injustas situações sociais, uma sociedade que não se preocupa com isto está em desiquilíbrio e leva todos ao desiquilíbrio, também os que acumulam e tornam-se egoístas e consumistas.
A consciência do Ser na visão hegeliana estaria ligada ao Ser-em-si e para-si fica apenas na forma de percepção, fica na imaginação, a intencionalidade dos fenômenos que é negadora de outros objetos (externos) ou de si mesmo (internos) e por isto esta forma de consciência está relacionada ao nada.
A consciência não se consegue sem se identificar com nenhum ser-em-si (algo na fenomenologia) é nela que se aproxima em relação com outra consciência, isto ocorre porque uma ação ou escolha enquanto consciência percebe nesta relação a contingência e gratuidade da existência.
Assim esta consciência leva a reciprocidade, ao mutualismo e a uma existência que vale a pena, no dizer do filósofo Sócrates “porque ela se examina” e isto a vivifica e caminha para a plenitude.
A pura exterioridade é voluntarismo e a pura interioridade é falso essencialidade, e pode ser fuga.