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Posts Tagged ‘clareira’

Em tempos de crise: onde está a clareira

01 jul

O homem sonha com a viagem a “vizinhança” da Terra que é a ida de homem a Marte, James Webb entrará em operação em julho olhando para os confins do universo, porém a realidade mais próxima dentro do planeta é o anuncio de uma provável recessão, mesmo que a guerra cesse.

Então o que acontece diante de nossos olhos, como é possível encontrar a clareira neste meio?

Nas conclusões da reunião do Fórum Mundial realizado em maio em Davos, disse Jane Fraser, CEO do Citigroup, um dos maiores bancos do mundo: “A Europa está bem no meio das tempestades” e ao contrário do que se imaginava, ainda que a Rússia enfrente problemas, a recessão será mundial.

Muito antes da crise atual Edgar Morin e Patrick Viveret escreveram “Como viver em tempo de crise ?”, a resposta estava em buscar mais solidariedade e compreensão parecia não antever uma pandemia e uma guerra, também Peter Sloterdijk ao escrever Se a Europa Despertar, olhava para a Europa dilacerada do pós-guerra de 1945 como uma metáfora da modernidade, ainda que previa uma derrapada violenta da política americana, porém talvez também não imaginasse uma guerra.

A resposta de todos que vão na manada ou no enxame (termo usado por Byung-Chul Han) para os comportamentos midiáticos de nosso tempo, seria vamos a guerra também, enfim as armas, pode parecer óbvio, mas não para aqueles que procuram a razão ex-sistencial de nossa vivência.

Não há fuga da realidade, muito menos alienação, é justamente seu oposto, encontrar dentro do real a verdade daquilo que é o Ser, seu designo e realização, dentro do hoje, único contato com o tempo eterno, já que o ontem não existe mais e o futuro é agora ainda mais incerto, não o Ser.

Onde estaria uma ascese com espiritualidade, onde olharíamos para o nosso passo planetário, e como olharíamos para o infinito através do olho do telescópio James Webb, com um olhar cético, de possibilidades de fuga ou como quão grande (e misterioso) o universo se revela diante da faísca terrena?

Tempos de refúgios, mas ainda mais especialmente de refúgios da alma, dentro daquilo que é o mais essencial do Ser, ao qual as filosofias, ideologias e mesmo a maioria das religiões não respondem, parecem todos dizer a mesmice do salve-se quem puder, tudo é permitido e guerra.

Quem são os seres mais próximos a sua volta? Onde está seu coração e sua alma diante de ameaças tão reais? Um sentimento de proteção ou abandono? enfim onde está a clareira ?

Não respondemos senão diante da “verdade”, aquela dita ao espelho e não às plateias e lives, só respondem aqueles que encontram a essência do Ser, cada vez há menos fugas possíveis.

Aos que creem é preciso responder a pergunta de Jesus aos seus discípulos mais próximos, aos que viviam ao lado dele e dividiam tudo, a comida, as preocupações e andanças, “quem dizem os homens que eu sou?” e foi Pedro que respondeu Mt 16,16: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”, e Jesus lhe promete as “chaves” do céu, não só como o eterno, mas também “a verdade”.

Popularmente no Brasil comemoramos São João e Santo Antônio com Festas, Pedro nem tanto.

 

O ser, a clareira e o humanismo

29 jun

No contexto em que Heidegger escreveu O ser e o tempo, é aquilo que permanece oculto dentro de um todo, onde deveria emergir o ser, isto é apropriado ao discurso da modernidade onde há uma redução a vida material humana, e uma divisão entre o que é subjetivo e objetivo no Ser.

Esta fragmentação emerge apenas em uma parte, na maioria das vezes é oposta ao ente ao qual o ser pertence, explicando de um modo diferente fazendo uma brincadeira: “o ser do ente”.

Ente e ser estão interligados, o ente é condicionado pelo ser, já que este possui um sentido mais amplo, esta definição mais ampla Heidegger definiu como Dasein, ou ser-aí para dizer este fato que há uma cosmovisão do ser em relação a um contexto mais amplo de sua vivência.

Porém longe de uma solução para o paradoxo da modernidade, aquilo que Heidegger chamou de manifestação do ser através da linguagem, incluindo a poética como uma das funções da linguagem,  fazendo ali uma morada do ser, que preservaria o ex-tático denominando na clareira.

A clareira seria nada mais que a verdade do ser, isto significa ela nos retiraria do abismo de nossa essência ex-sistente, e a clareira nos devolveria o “mundo” e a linguagem é o advento que revela e clareira o próprio ser, mas Sloterdijk respondendo a sua clareira no escrito de Heidegger Cartas para o Humanismo, faz uma resposta no livro Regras para o Parque Humano, dizendo do fracasso desta clareira e do humanismo.

Esta clareira não é nem o habitat nem o ambiente, e este se encontra em ruptura com a natureza, onde identifica o fracasso do ser humano como pastor do ser, cuja essência não seria cuidar do enfermo, mas sim guardar seu rebanho na clareira, a clareira é o mundo aberto e, neste caso a tarefa emprega-se no ser escolhido livremente e impregnando-se do próprio ser.

Antes de avançar na crítica, é preciso salientar o elogio de Sloterdijk a Heidegger, há um elogio a sua crítica ao Humanismo, reconceituando-o e buscando a essência do homem neste sistema.

O ponto de partida de Sloterdijk é a critica de Heidegger, onde busca um melhor entendimento sobre o que é o homem dentro deste humanismo, e uma maior compreensão da clareira.

A subjetividade deixa de ser um mero fundamental gramatical e se torna um fundamento enquanto representação humana, quer seja de seus sentimentos, quer seja de sua essência, e assim o fundamento passa a ser o eu, assim a modernidade abre uma relação objeto-sujeito.

Tudo então é para o homem, é antropocêntrico e o mundo se abre para a dominação, para a ciência e a técnica dominá-lo fundamentando todo o saber, mas qual é o saber sobre o Ser.

Ao trocar este vocabulário do humanismo para o seu próprio (subjetividade) Heidegger afirma segundo Sloterdijk, que a escola de domesticação do homem, que é mesmo uma escola, o projeto pedagógico iniciado pelos romanos, é uma escola fracassada, a domesticação não foi possível.

Dois acertos de Sloterdijk são um assombro para o futuro da civilização, primeiro uma necessidade positiva que é a coimunidade, a ideia de que só uma defesa conjunta do Ser supera o eu, a outra perigosa é que o projeto de domesticação fracassou e a clareira é um imperativo, não só uma narrativa humanista.

Diz textualmente Sloterdijk: “a história da clareira não pode ser desenvolvida apenas como narrativa da chegada dos seres humanos às casas das linguagens” e a partir daí que elabora sua antropotécnica, será o nosso próximo tópico.

SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano. Trad. José Oscar de Almeida Marques, São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

 

O Ser e a Verdade

10 jun

Em tempos de crises, fake News e pandemia, pouca verdade vem a tona, cada um e cada grupo quer interpretar a verdade segundo a sua narrativa, mas a verdade é o Ser, e sua morada está na linguagem, é preciso ter interioridade e Espírito de Verdade para habitá-la.

O jogo de palavras, a crueldade da guerra ou a manipulação política e até jurídica da verdade são instrumentos de esvaziar a verdade, também a pura subjetividade não é um exercício de fato espiritual, é como diz Sloterdijk parte de uma “sociedade de exercícios”, neste caso é desespiritualizado.

O círculo hermenêutico que propõe a fusão de horizontes e abertura de discursos e narrativas ortodoxas foi o caminho de Hans-Georg Gadamer para escrever sua obra magna “Verdade e Método”, nela o autor desenvolve a hermenêutica heideggeriana colocando-a diante do Ser.

A ausência de profundidade que desvele o Ser, a verdade mais alta e interior, faz derramar sobre as realidades as mentiras (fake-news é só um uso midiático delas), as narrativas que não dão conta da totalidade da verdade, os fanatismos, as guerras e as aberrações.

O homem fora de seu Ser é jogado no vazio sem sentido, não é o vazio da busca e da epoché, é o vazio da angustia e da ausência de caminhos sólidos, que nos conduzam a plena verdade.

Para os cristãos, a passagem bíblica João 16,12 é bastante forte: “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e até coisas futuras vos anunciará”.

Assim este espírito é capaz de desvelar até mesmo o futuro, agora tão incerto e temeroso, e só ele pode de fato nos libertar de um presente tão pesado e sombrio para o humanismo.

GADAMER, H. G. Verdade e Método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999.

 

Clareira, morada e Ser

09 jun

Para Heidegger o Ser tem morada e presença, e isto é o que potencializa a clareira enquanto destino, este vazio da modernidade é justamente o esvaziamento do Ser como Morada e Pré-sencia, necessário para que o Ser preencha este vazio, nele que o Ser de re-vela ou desvela, o conceito é confuso no português porque re-velar, seria velar de novo e desvelar seria presença.

Diz o texto heideggeriano: “O destino se apropria como a clareira do ser, que é enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do “Dar lugar”, mora o homem como ex-sistente, sem que ele possa hoje experimentar e assumir esse Morar” (HEIDEGGER, 1987).

A morada pode-se dizer que a casa do ser como linguagem, nela se consuma a manifestação do ser, diria a filosofia antiga isto é uma volta ao nominalismo, mas a viragem linguística superou isto, pois dela se irradia e se transforma em ação, como algo a partir do pensar, pois só do ato de pensar podemos retirar o processo do fazer e operar, então por isto a linguagem é “habitação”.

Nesta habitação preserva-se o ex-tático, e nela se determina a clareira, ela nos retira do abismo de nossa essência ex-sistente, a clareira é o “mundo”, e a linguagem é o advento que clareira e revela o próprio ser, isto foi contestado por Peter Sloterdijk, em sua resposta no livro Regras para o Parque Humano, onde revela a falência do projeto do humanismo, sim, mas o Humanismo que Heidegger revela em “Cartas para o Humanismo”, que nada mais é que a da modernidade.

Isto é fácil de ser demonstrado uma vez que Sloterdijk considera o humanismo que critica (de Heidegger) como pastor do ser, que sua essência e sua tarefa se originam em saber guardar o ser e corresponde ao mesmo, assim guardar seu rebanho na clareira, que é o mundo aberto, mas qual

Toda a obra de Sloterdijk fica então no entorno deste dilema da modernidade, vez por outra evocando termos que vem da teologia, em suas obras posteriores Esferas I, II e III: “Matrix in grêmio” que lembra a figura religiosa de Maria, ou o In-sein In-Sein tem, segundo Sloterdijk, uma origem antropológica, que é a experiência do feto no útero da mãe, sem a perspectiva cristã.

Será um discípulo seu, Byung Chul Han que abordará mais amplamente a questão do Ser enquanto questionamento na modernidade, certamente por sua origem oriental, a leitura da clareira vai a fundo na modernidade: A sociedade do cansaço, O aroma do tempo e A agonia do Eros, desvelam o drama da modernidade, espero ansioso algo de Chul Han sobre o panorama da guerra.

Porém um quadro da pandemia Chul Han já traçou em seu A sociedade paliativa e a dor hoje, já fizemos um post, o quanto o Ser se afasta da dor ou daquilo que pode se aproximar dela, então criamos uma série de paliativos, que é o distanciamento da clareira (conclusão minha).

HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Trad. Lucas Machado. Petrópolis: Vozes, 2021.

HEIDEGGER, M. HEIDEGGER, M. Carta sobre o humanismo. Tradução Revista de PINHARANDA GOMES, LISBOA: Guimarães Editores, 1987. (pdf).

SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano. Tradução: José de Alencar A. Marques. São Paulo: Estação liberdade, 1999.

 

Ser, clareira e desvelamento

08 jun

Toda questão material, humana e substancial desenvolvida no humanismo iluminista provocou um velamento do Ser, nele são as questões externas mais importantes e pensadas que as interiores, mesmo que e Kant a Hegel a questão do espírito tenha sido tratada, sempre resultou num dualismo entre a vida ativa (exterior) e a vida contemplativa (interior), esta traduzida como subjetividade (que é do sujeito) e aquela como objetividade.

Para Heidegger ela vai além, porque toca a questão profunda da verdade, é nela que foi decidido e desenvolvido o pensamento metafísico ocidental, para isto o pensador retomou a questão que os gregos chamavam “alétheia”, comumente traduzida apenas como verdade, mas o sufixo a-léthea, indica negação, assim, não-velada ou como Heidegger preferiu traduziu: desvelada.

O velamento está ligado a “presença” o [ón), que é a presença e a luz, sintetizada na questão que é motriz para o pensamento de Platão no mito da caverna, vir a luz, sair da caverna, em tempos de escuridão, significa encontrar a clareira e o desvelar.

A presença da luz, sintetizada na questão do Eidos, que foi traduzida no ocidente pela palavra ideia, não se pode esquecer que para os gregos a grande questão é o permanecer na luz, ou sair do dualismo objetivo/subjetivo que é ter a luz do Ser, não apenas interior, mas nos atos exteriores.

Ao questionar o fim da filosofia como tarefa do pensamento, o ato de questionar enquanto pensar torna-se pura interpretação de “dados”, não é mais a questão do “[on” (presença) e sim o que está presente apenas como coisa, que para Heidegger a partir da fenomenologia é adjetivo da “luz”, enquanto o pensar é um “livre aberto”, que nada possui de comum, nem do ponto de vista da linguagem, escreveu neste questionamento: “ claro, no sentido de livre aberto, não possui “nada” de comum, nem do ponto de vista linguístico, nem no atinente a coisa que é expressa com o adjetivo “luminoso”, que significa claro” (HEIDEGGER, 1979, p. 79).

Não se trata de abolir a tradição, ela teve um papel na história, mas desvela-la, trazer à luz.

Trata-se, portanto, do pensar livre sobre o mundo, em exercício permanente da visão de mundo.

HEIDEGGER, Martin. “O fim da filosofia e a tarefa do pensamento”. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 79.

 

Clareira e iluminação

21 mai

O que acontece de fato se encontramos a clareira, se por um processo de mudança de consciência, de auto-iluminação abandonamos velhas teorias e maquinações e nos “vemos”.

A resposta está no próprio Heidegger em sua principal obra Ser e tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alétheia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e tempo)”.

Já postamos sobre a diferença entre alétheia e verdade, porém agora pode-se a partir do texto acima desvelar um pouco mais profundo, o percurso da iluminação nos conduz a uma posse que dá sentido ao que somos e do que recebemos para ser.  Na iluminação há um sentido do ser e realiza um percurso ontológico e não meramente temporal ou espacial, esta ligação ao temporário oculta o sentido originário de todo espaço e tempo, de toda época e de toda relação com o mundo, está é a iluminação.

Não é definição minha, outros leitores de Heidegger fazem um raciocínio muito prático e parecido ao que é feito aqui, por exemplo, o texto de Manuel de Castro encontrado na Web, que afirma que “na iluminação o sentido de ser acontece em nós”, não é obra do acaso e há muitas outras possibilidades desta iluminação, todas as religiões por exemplo, procuram esta iluminação, os filósofos em sua maioria, acreditam tê-la encontrado, mas o que é ela de fato.

Lanço o recurso das religiões, em especial a cristã que professo, mas não deixo de imaginar que o mesmo seja possível em outras, há algo que pode ser chamado de “sementes do verbo” e que de alguma forma estão presentes nas grandes religiões, na cristã é a ação do “Espírito Santo”.

Este nodo que pode nos unir a uma iluminação, é aquele que nos “une a todos”, é aquele pensamento que Edgar Morin dizia: “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que une e distingue”, portanto viver em unidade com os outros diferentes.

A palavra que fala desta ação através de um dom especial do Espirito Santo que fazia a todos que ouviam compreenderem em sua própria língua (pode-se pensar numa metáfora conforme o entendimento possível de cada), diz a passagem (At 2,4-6):

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava. Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua”, em algum momento da nossa história isto pode acontecer.

O que se espera é um mundo mais fraterno onde o diferente possa viver em sua dignidade e ser entendido em sua própria língua.

 

CASTRO, Manuel Antônio de. “O ser e a aparência”. www.travessiapoetica.blogspot.com

 

Dicionário de Poética e Pensamento (ufrj.br)

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