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Arquivo para a ‘Redes Sociais’ Categoria

Trabalho, ação e contemplação

19 mar

Hannah Arendt considerava que o labor, o trabalho e a ação são as três esferas da vida humana, que compõe a “vita activa”, pensamento que temos postado em torno do ensaio de Byung-Chul Han, que Arendt também usa, de complemento a Vita Contemplativa.

Não é próprio do homem moderno pensar desta forma, e isto colocou o pensamento humano e até mesmo o científico e religioso em ocaso, as narrativas surgem como consequência e não como causa disto, é pela fragmentação das atividades humanas que a interpretação da realidade fica sujeita a uma cosmovisão limitada.

O labor assegura a sobrevivência biológica do indivíduo e da espécie (Arendt, 1995) enquanto o trabalho ainda que não individualize o homem, estabelece uma relação com os objetos e com a transformação da natureza, e permite, isto é importante, demonstrar sua habilidade e inventividade artesanal (Arendt, 1995), porém a atividade e inventividade artesanal não está separada do pensamento, porque ali o homem concebe sua relação com a natureza como um todo.

Foi o trabalho industrial que destruiu esta ideia do todo que está entre o trabalho, o labor e a ação, porém ao notar que o trabalho artesanal incluía já também uma visão contemplativa, “Perché non parli?” disse Michelangelo ao completar sua obra “Moisés”, significando “porque não falar?” (foto).

Um detalhe pouco percebido, mas certamente concebido por Michelangelo ao realizar sua obra, é o apoio de seu braço direito sobre as tábuas da lei, diríamos um primeiro códice bíblico, já que a Torá era um rolo, e se comparada a estátua do pensador grego, este está apoiando sobre sua cabeça sobre o braço direito, Auguste Rodin fez sua versão por volta de 1880.

Assim o trabalho, o labor e a ação podem estar unidos a ideia da contemplação, se a fazê-lo pensamos como concepção de um pensador anterior e incluído no objeto, assim reunimos e resignificamos o trabalho e o labor, não mais como atitude alienada, mas como Ser ôntico.

Portanto, o trabalho humano e o seu labor devem estar unidos a ideia ontológica do Ser, e ela significa também um ato de amor à humanidade, ao Outro e àquele que irá usar, conceber ou apenas contemplar a ação do labor.

ARENDT, H. A condição humana. 7a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

 

A psicopolítica e o autoritarismo

18 mar

A visão de autoridade contemporânea está enraizada na ideia do poder da força, do dinheiro, do autoritarismo da manipulação da justiça e dos órgãos públicos a favor do estado, mas toda esta autoridade é uma autoridade que passa como grandes impérios passaram.

O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han passando por diversos autores: Nietzsche (Vontade de Poder), Hegel (Princípios de filosofia do direito), Luhmann (a comunicação do poder) e sua influência principal que é Heidegger (Ser e Tempo) estabelece o conceito de psicopolítica.

As modernas técnicas de poder através de narrativas que escondem os reais interesses do poder, usando principalmente as novas mídias, é o que Han chamou de psicopolítica, ela substitui e ultrapassa o conceito de biopolítica de Foucault.

Parte do conceito de Max Weber, citando-o: “poder significa na oportunidade, no interior de uma relação social, de impor a própria vontade também contra uma resistência, não se importando em que tal oportunidade esteja baseada” (Han, 2019, p. 22, citação de Economia e sociedade, de Weber), este autor já via a tendência moderna desta manipulação psicológica.

Este viés substitui elo conceito de “dominação” (já postamos aqui algo sobre isto), que é “obediência a uma ordem, que é sociologicamente “mais preciso” ao conceito de puro jogo de narrativas que mudam esta ordem de acordo com a necessidade temporal e social.

A raiz da ideia de Estado moderno, diferente do grego que era a superação do poder como um sofisma de manipulação, pura retórica, está em Hegel: “no anseio por uma ausência de limites, por uma infinitude que, entretanto, não seria o poder infinito” (pg. 123), e o que lhe retira a ideia do eterno e do transcendente, dizendo dos seus verdadeiros limites não é uma vontade ilimitada por poder: “A religião é fundamentalmente profundamente pacífica. Ela é bondade” (pg. 124), mas há quem a veja também só como um poder, isto é hegelianismo.

A ideia bíblica é oposta a esta prepotência, ainda que “religiosos” a usem, pois “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10,43), “Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (Mateus 5:6), não há numa boa leitura bíblica nenhuma incitação ao ódio, à violência e a segregação de povos ou raças. 

Assim é a ideia dos pequenos, das crianças e dos pacíficos que estão ligadas ao Reino divino.

 

HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.

 

Paz duradoura ou trégua

17 mar

Nenhuma paz que submeta uma nação será duradoura, a opressão é sempre uma situação de indignidade para um povo, mas a negociação diplomática é melhor do que qualquer guerra, este parece ser um princípio para a Ucrânia atualmente pelas vidas perdidas (foto).

Entretanto, o Secretário de Estado dos EUA Marco Rubio pensa assim: “para acabar com este conflito de forma duradoura e sustentável” e também Putin já tem declarado uma visão muito parecida, uma vez que está em vantagem e conquistou pela guerra vários territórios ucranianos e está recuperando a região russa de Kursk.

A paz não pode ser a “pax romana”, conforme já analisamos em posts anteriores, aquela que o império romano considerava quando dominava um território, também já analisamos aqui os interesses financeiros, a Ucrânia é rica em terras raras e também grande produtora de grãos.

A Rússia ganha com a suspensão de seu bloqueio financeiro e os EUA vão querer as terras da Ucrânia, mas a Europa continua desconfiada de futuros avanços da Rússia e esta da OTAN.

No oriente médio, a Síria parece caminhar para um caminho constitucional, um plano de 5 anos proposto pelo presidente interino da Síria, Ahmed al Sharaa, e também o grupo do estado islâmico perdeu totalmente sua força.

No sul da península arábica, entretanto segue uma luta dos EUA contra os Houthis, que atacam os navios americanos no golfo pérsico, também lá é preciso evitar uma escalada que cresce, o Irã nega, porém, é praticamente certo pela posição xiita que há algum apoio ao grupo de Iêmen.

Os jornais noticiam que o gabinete de Israel prepara a retomada das negociações com o Hamas, desde que a primeira fase terminou no dia 2 de março, a exigência do Hamas é também que seja uma paz duradoura e que supere esta fase atual cercada de desconfianças.

Também ali problematizamos a “pax romana”, sem estabelecer um território livre para o povo palestino qualquer acordo será apenas uma trégua, e a guerra pode ser retomada a qualquer instante que algum conflito ou provocação aconteça de parte a parte.

O cenário apesar de muito delicado é otimista, os meios diplomáticos estão funcionando e forças políticas internacionais saíram do imobilismo, a esperança está em alta.

 

Pensadores de barriga-cheia

11 mar

A sociedade moderna se caracteriza por uma ausência de pensamento desenvolvido sério, o que se chama de “pensamento crítico” nada mais é do que a rejeição de algum pensador que tente pensar fora da bolha ideológica, ou das narrativas vulgares e superficiais.

Desconhecem as grandes obras clássicas, mesmo aquelas que professam seja Kant, Hegel ou Marx, literatura profunda de Zolá, Vitor Hugo, Proust, Balzac, Camus ou mais atuais como George Orwell, James Joyce, Gabriel Garcia Marques ou Jorge Luís Borges, eurocêntricos por seu conhecimento raso, preferem a crítica sem conteúdo dos pensadores que contestam todo o pensamento atual como fragmentário: Heidegger, Gadamer, Peter Sloterdijk e Byung-Chul Han.

Estão de barriga cheia de uma comida que enche o estomago, mas está longe de ser um alimento consiste que elabore uma crítica profunda e fundamentada do pensamento atual: o sociologismo decadente, a pouca meditação (leia-se Hannah Arent ou Byung-Chul Han sobre a Vita Contemplativa) e pouco conhecimento até mesmo do iluminismo tardio que professam.

No máximo conhecem o pensamento líquido e eurocêntrico de Bauman, a biopolítica de Foucault ou o revisionismo de Jean Jaurès, desconhecem a transdisciplinaridade de Edgar Morin (chama esta intelectualidade parcial de inteligência cega), a terceiro-incluído de Barsarab Nicolescu e a revolução da física quântica (não é mais um dualismo binário), o pensamento é datado na modernidade, e desconhecem sua origem na Grécia antiga.

É preciso negar autores que propõe paradigmas novos para que sua narrativa fixada em autores do século passado seja coerente, quando muito falam de culturas originárias sem conhecer os grandes sociólogos africanos e latinos modernos como: Achille Mbembe, Franz Fanon e Anibal Quijano.

A barriga está cheia de uma cultura já superada, até mesmo sem a necessária atualização e sem uma leitura completa das obras sobre as quais as posições se assentam, a psicopolítica de Byung-Chul Han, a esferologia de Peter Sloterdijk (Esferas I: bolhas) e a transdisciplinaridade de Morin não podem ser compreendidas, é um revisionismo raso e incompleto pela fragilidade das leituras.

A crítica fácil e a consequente narrativa se baseiam no caótico cenário social e cultural que enfrentamos, sem uma análise completa e radical, que escape das bolhas as quais estamos presos, que se compreenda e atualize o pensamento para além do dualismo idealista.

De fato, precisamos de poucas palavras e pensamentos, mas profundos que estão esquecidos ou adormecidos: que tipo de esperança temos para a sociedade de hoje? Que tipo de crença temos que não envolvem poder e dominação? Que é ciência é aquela que trata do homem todo para poder tratar também de todo homem? Qual nossa relação com o Outro? (Lévinas, Ricoeur, Buber e outros).

Sem ler Tomas de Aquino continuarão leitor de um livro só,  sem ler Santo Agostinho não sairão do maniqueísmo, porque o mal é a ausência de Amor e Perdão.

HAN, Byung-Chul. O que é poder? Trad. Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Bolhas. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2019.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Trad. Eliane Lisboa. 5.ed. Porto Alegre: Sulina, 2015. 120 p.

 

Sinais positivos no Oriente médio e negativos no Leste europeu

10 mar

Terminada a primeira fase das negociações, o porta-voz do grupo Hamas, Abdel-Latif Al-Qanoua, disse neste sábado (08/03) que vê sinais positivos nas negociações para uma segunda fase do cessar-fogo com Israel, e 50 ex-reféns pedem a Netanyahu que implemente um acordo amplo sobre o conflito, Israel e o Hamas discordam do futuro do conflito.

Os países europeus, cada vez mais independentes das opiniões americanas, apoiam o plano da reconstrução da faixa de Gaza, infelizmente na noite de ontem militantes do Hamas sofreram forte bombardeio de Israel.

Já no leste europeu a situação vai adquirindo lances dramáticos, tanto no campo da batalha onde a Ucrânia tem ameaças de perder mais território, Putin quer chegar até a cidade portuária de Odessa, o que torna a guerra no mar negro mais violenta e também cerca as tropas da Ucrânia em seu território invadido na região de Kursk.

A Ucrânia sofreu enormes bombardeios, e tem sua infraestrutura energética cada vez mais comprometida, Trump retirou seu apoio e agora a Ucrânia não conta mais com imagens de satélite que permitiam controlar os movimentos das tropas russas.

Embora ambos os lados do conflito falem em cessar-fogo, no campo de batalha, no envolvimento da Europa enfim na prática, apenas cresce a ferocidade de parte a parte e a militarização da Europa assusta qualquer analista sério, há um futuro sombrio neste conflito.

Em reunião da embaixadora Linda Thomas-Greenfield, representante dos EUA nas organizações das Nações Unidas (ONU), com o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Mauro Vieira, realizada em Brasília no início do mês, Linda afirmou que qualquer solução no leste europeu deve considerar o apoio à Ucrânia, e isto mostra a boa intenção americana.

O problema é que a Rússia rejeita qualquer concessão de território enquanto a Ucrânia quer todo seu território de volta, conforme já analisamos anteriores há interesses nas reservas de terras raras da região, e isto leva a um impasse.

O acordo sobre o transporte de grãos, que passa pelo estreito de Bósforo controlado pela Turquia, teve reunião na sexta-feira (07/03) ainda sem conclusões, mas ele é valido até maio.

A declaração do presidente Makron da França que disse que a Rússia é uma “imperialista revisionista” referindo-se ao período soviético, teve a resposta de Putin que a França se esqueceu do que “aconteceu com Napoleão” que perdeu a guerra justamente em solo russo.

O clima mundial continua em uma tensão máxima, porém seguem esforços para alguma proposta que coloque os lados adversários numa mesa diplomática de negociação.

 

Pax romana e conflitos

03 mar

O encontro de sexta-feira (28/2) do presidente Zelensky com Trump e seu vice no “salão oval” da Casa Branca foi uma reafirmação de Trump de sua política de Pax Romana, onde os mais fracos devem ceder aos mais fortes, e ainda pediu gratidão de Zelensky aos EUA, não é diferente a política para o Oriente Médio, o controle dos palestinos por Israel e EUA.

Zelensky reagiu participando da cúpula em Londres, neste domingo (02/03) reafirmou a posição da Europa de apoio a Zelensky, o primeiro ministro Keir Starmer da Grã-Bretanha, afirmando que era “um momento único em uma geração para a segurança da Europa” que teme novos avanços de Putin sobre o continente, todos países estão se militarizando.

A Pax romana era a mera rendição de seus adversários pela força, isto constitui a tática tanto do imperialismo como das colonizações, que ainda acontecem no mundo contemporâneo, após o encontro Zelensky ainda se reuniu com Giorgia Meloni, premiê da Itália, que afirmou desejar fazer uma ponte entre Itália e EUA e uma futura conferência com os EUA.

A ideia de novo acordo de cessar-fogo no Oriente Médio (acabou dia 1º.) agora passa pela proposta americana de controle da faixa de Gaza e Israel suspendeu a ajuda humanitária para pressionar o Hamas.

No início da semana passada surpreendeu a posição da Turquia de apoio a Ucrânia, o presidente Recep Erdogan afirmando que a Ucrânia deve participar das negociações e a Turquia controla a passagem de navios pelo estreito de Bósforo (foto) por onde passam os navios da Rússia no caminho pelo Mar Negro, e a Turquia é importante também na paz para o Oriente Médio, onde pode ocupar um fiel da balança, e o país é membro da OTAN.

O autocrata turco disse ainda que é a favor da devolução total do território ucraniano: “O regresso da Crimeia à Ucrânia é uma exigência do direito internacional”, ponto dificílimo.

A situação é de fragilidade da Ucrânia, mas a Rússia precisa demonstrar um interesse real de desejo de paz, do mesmo modo que ela desconfia da OTAN, os países europeus temem um futuro avanço sobre a Europa, já há áreas de conflitos como a Transnístria na Moldávia, a Geórgia e Eslováquia.

Toda guerra envolve algum tipo de pilhagem, e o interesse são as terras raras da Ucrânia.

Também Trump manifestou interesses imperialistas sobre a Groenlândia e até mesmo territórios do México e do Canadá, lembre-se que boa parte do Novo México e estados próximos já pertenceram ao México (Texas, Califórnia e pedaços de estados vizinhos), o acordo de Guadalupe-Hidalgo de 1848 estabeleceu a nova fronteira americana, após várias guerras posterior a anexação do Texas no ano de 1821.

É preciso estabelecer o direito dos povos e muitos tratados internacionais já falam de respeito a fronteiras e respeito as leis nacionais, interferências são sempre conflituosas, é preciso lembrar também dos povos apátridas (os curdos e os palestinos, mas há outros).

Um novo mundo solidário exige uma nova visão de fronteiras, onde a emigração não seja um crime e cada povo possa viver em seu território e explorá-lo comercialmente sem guerras.

 

Uma marca expressiva deste blog

01 mar

tingimos no mês de fevereiro uma marca de quase dois mil acessos diários aos nossos conteúdos, 55980 no total onde bastariam mais 20 acessos e chegaríamos aos exatos 56 mil que divididos pelos 28 dias de fevereiro dariam 2 mil diários.

A preocupação principal deste blog é manter uma cultura saudável de diálogo, respeitando as diversas posições, procurando desviar a atual polarização sem omitir os excessos e arroubos de ódio e valentia que caracterizam o mundo contemporâneo e sem esquecer a boa cultura.

Não omitimos a nossa visão cristã, que ao nosso ver deve ser de diálogo e respeito com todas as outras culturas, de ecumenismo com as outras religiões e de defesa da vida, de maior justiça social e de reafirmação da cultura científica, sem esquecer que ela depende de método e de não optar pela atual polarização que distorce o verdadeiro saber científico, ignora as culturas originárias e outros povos que tem no seu desenvolvimento uma cultura própria.

Esclareço também que nossa visão do cristianismo envolve uma verdadeira espiritualidade e reconhece uma cultura confusa sobre as suas verdadeiras raízes: solidárias, humanitárias e de empatia entre os povos, o fundamentalismo nada tem a ver com a ortodoxia a qual reconhece como valores teológicos: a caridade (infusa), a verdadeira esperança (Salmos 146:5, Jeremias 17:7,8, Efésios: 1, 18) e a verdadeira fé que acredita na verdade histórica e divina de Jesus.

Jamais negaremos a ciência e a boa cultura, lembrando que elas precisam de método e de boa narração tema quase sempre presente em nossas análises da sociedade e da cultura atual.

Porém nossa preocupação central no mundo contemporâneo é a paz, a empatia e a justiça.

Obrigado aos meus leitores, em especial aqueles que discordando, mantém o diálogo !!!

 

O mal-estar civilizatório

26 fev

A Sociedade do Cansaço é também uma sociedade que levou adultos, jovens e adolescentes aos psiquiatras ou a métodos alternativos, àqueles que tem pouco recursos levou a grupos fechados e de consciência social as vezes duvidosa.

O numero de doenças mentais em crianças e adolescentes devia atentar para esta situação.

Não por acaso Freud escreveu no início do século passado sobre este “Mal estar da civilização”  (Freud, 1930) o autor não vai discutir a questão psíquica em si, mas a distante entre os impulsos pulsionais e a civilização, ou seja a cultura contemporânea que leva o homem ao seu oposto tanto quanto a natureza quanto ao seu bem estar.

A intolerância aos erros, equivoco até mesmo científico, a exigência de eficácia em todos os campos, a falta de empatia e amor na vida cotidiana e em especial, de valores que são naturais e levam a uma verdadeira ascese humana, leva aos conflitos emocionais e sociais a limites perigosos.

Ao detectar este mal, o próprio Freud fundador da psiquiatria não levou a humanidade ao divã, e sinto apontou que há males culturais e estes sim devem ser sanados primeiro, não é o que foi feito, neste sentido Sloterdijk tem razão foi possível a “domesticação” humana (Regras para o parque humano), que causou grande discussão na Alemanha nos meses de setembro e outubro de 1999.

Ainda que as próprias religiões vivam sobre este mal civilizatório, a verdadeira ascese que é subir a montanha da sabedoria tendo sobre os pés valores que sustentam esta ascese é necessário para alcançar um verdadeiro estágio civilizatório, é preciso “amar na ausência” é preciso pretender os verdadeiros valores que levam a plenitude e ao verdadeiro e único conforto, empatia e amor.

Quando retiramos isto da sociedade, ela começa a caminhar para o isolamento, o ódio e os conflitos e o “mal-estar” são apenas as consequências da ausência deste estado “natural”, porém uma planta só evolui se cuidada em suas condições naturais: adubo, água e sol adequados.

A sabedoria, a serenidade e o equilíbrio são remédios possíveis para o espírito bélico atual.

FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930 [1929]). In: ______. O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Direção geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 73-171. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21) 

 

A pax romana e seus perigos

24 fev

Alertamos que a pax romana, aquela que Roma decretou após o fim de conflitos em seus territórios conquistados, esconde o ódio e a indignação que não elimina as guerras, nenhum povo dominado vai ficar confortável em ver seus bens, culturas e valores sendo negados.

É esta pax proposta por Trump tanto na Ucrânia como na faixa de Gaza, talvez provoque um desarme momentâneo, mas esconde futuros confrontes que libertariam povos do jugo, e mais crítico é que este clima hoje está disseminado por outros povos e nações.

O grupo palestino Hamas entregou a Israel seis reféns na manhã de sábado (22/2), os primeiros da lista foram Tal Shoham, 40 anos e Aversa Mengisto, 39, entregues no sul de Gaza, em Rafah à Cruz Vermelha e depois levados a Israel, e depois mais 3, até a tarde deviam ser entregues mais um que era muçulmano e não foi entregue a Cruz Vermelha.

No acordo Israel deve libertar 602 prisioneiros, assim completa a primeira fase do acordo, mas a ideia de manter Gaza sob controle proposta por Trump e aceita por Israel será um empecilho para a prorrogação do acordo de cessar fogo.

Na Ucrânia, a proposta de Trump é que entregue os territórios conquistados na guerra, e Trump chegou a chamar Zelensky de ditador, que a União Europeia negou dizendo que ele foi eleito numa eleição legítima, enquanto Putin frauda as eleições e não dá liberdade á oposição.

A Alemanha realizou eleições parlamentares, que de acordo com o número de cadeiras nomeará o novo chanceler, a centro esquerda SPD (Social Democrata) de Olaf Scholz perdeu para a CDU (União Democrata Cristã) de Fredrich Merz, que deverá ser o novo chanceler, mas depende de um acordo que terá que ser negociado com a extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha) que cresceu ao ponto de ser segundo colocada (quadro acima, antes do final da apuração no domingo).

O que chama a atenção na Alemanha, e isto acontece em muitos pontos da Europa e das Americas é o crescimento do discurso nacionalista de rejeição aos imigrantes e á perde de valores cujo discurso, inclusive na Alemanha, cresce entre os jovens, os Grüne são os verdes.

Sem enfrentar com clareza as ideias e pensamentos que se encontram por trás de atitudes aparentemente elogiáveis, não conseguiremos separar o joio do trigo e dizer de que lado está a capacidade civilizatória de fazer uma humanidade menos conflituosa e com respeito a todos.

Entre as vozes que defendem uma paz sem fronteiras, sem ódios e polarizações está o papa, agora fortemente debilitado de sua saúde e em um estado considerado critico, com 88 anos, ele colocou a igreja e as preocupações com a humanidade acima de sua saúde.

É preciso mais do que nunca homens públicos de paz, acima dos ódios e polarizações, que falem e pratiquem os valores que dizem defender.

 

O que é o Bem

18 fev

Esta é a questão que Aristóteles começa a desenvolver sua ética (A ética a Nicômaco): “Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem” Aristóteles (1991, p. 2).

A ideia de Sumo Bem de Platão, que se aproxima mais de uma ideia de divindade do “Mundo das Ideias” (ele dividia o mundo em mundo sensível e mundo das ideias) e a ideia de Bem em Aristóteles, como a ideia de uma escolha tanto na arte como na investigação, supõe que era esta a escolha para a vida social e política da polis grega, que levaria ao equilíbrio da política.

Assim se contrapunha ao mundo dos sofistas, onde toda lógica e escolha era pelo poder e pela posse dos bens terrenos, assim Aristóteles indica que ao falar de ética, fala da ética humana.

Lembra bem o autor que tanto ele como Platão se estabeleciam sobre princípios e não sujeitos a mera retórica e as justificativas de poder: “Platão havia levantado esta questão, perguntando, como costumava fazer: “Nosso caminho parte dos primeiros princípios ou se dirige para eles?” (Aristóteles, 1991, p. 5).

É esta perda de princípios, e o relativismo consequente dela, que faz o pensamento contemporâneo perder-se sobre o que é o Bem e até mesmo o que é a felicidade, tanto Platão como Aristóteles, não a perdem de vista, mas sabem que a felicidade depende da vida da polis.

Tomás de Aquino na baixa idade média não define o bem, mas sabia que ele também partia de princípios ou aquilo que chamava de “noção primária”, afirma: “como o bem move o desejo, nós o descrevemos dessa maneia como tudo o que deseja” e como tal pode se aproximar do bem ou distanciar-se dele.

Quando vemos o bem dessa maneira, podemos usar uma categoria aristotélica e tomista, de ver o bem como uma causa final, como uma perfeição a ser atingida.

O amor aos irmãos, a fraternidade universal não é uma “teoria”, mas um fim a ser atingido.

O equívoco de nosso tempo é pensar que podemos chegar ao bem com pequenos e grandes atalhos de nossas transgressões e maldades.

*Em Aristóteles as causas são: material, o que compõe o objeto ou o ser, a formal: a forma física e conceitual do objeto ou ser, a causa eficiente: o que faz o objeto ou ser, e, a causa final: para que serve objeto ou o ser.

 

Aristóteles. Ética a Nicômaco. tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim, Brasil: NOVA CULTURAL 1991 (Coleção os Pensadores).