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Arquivo para a ‘Ciência da Informação’ Categoria

Silêncio e a resistência do espirito

26 mar

A guerra é ruidosa não só nas armas e bombas, mas principalmente no falatório que ela desperta no qual é impossível ter serenidade, pensar e dialogar; faz parte fundamental da insanidade que ela representa o aspecto ruidoso.

A resistência do espírito, estamos seguindo a linha de Edgar Morin, é a “arma” possível neste momento e quiçá em futuros ainda piores, ela significa, em muitos momentos se calar, fazer um silêncio tão profundo que indague o Outro que não desiste de argumentar suas razões para a guerra.

Na filosofia Plotino, que influenciou profundamente Santo Agostinho, embora sejam pensadores diferentes um cristão e o outro apenas estoico, o silêncio é um estágio de profundo conhecimento da realidade, do uno, unidade que tudo abarca sem sair de si.

Para ele quando um aspirante à verdade (o que é a verdade de fato, não a lógica racional), ele tem que ter a experiência da unidade, essa experiência é total e silenciosa.

O filósofo brasileiro Giacóia Junior busca na citação de Espinoza a reflexão sobre esta perspectiva de relação entre o barulho e o silêncio quando afirma que “certamente que a sorte da humanidade seria mais feliz se estivesse igualmente na potência do homem tanto falar como calar-se.  Mas a experiência ensina suficiente e superabundantemente que nada está menos em poder dos homens que sua língua (…) (cf. GIACOIA JUNIOR, 2014, P. 79).

Estar diante do silêncio é estar diante da verdade, e se a linguagem é morada do ser, vale a pena lembrar que o Verbo se fez carne (João 1,1) se não for aceito no sentido bíblico, pode ser pensado como sentido ontogênico ou filogênico, como afirma Barthes em seu livro O Rumor da língua, afirma que: “é a linguagem que ensina a definição do homem” e que não pode ser considerada “um simples instrumento, utilitário ou decorativo, do pensamento. O homem não preexiste à linguagem, nem filogeneticamente nem ontogeneticamente” (BARTHES, 1988, p.185).

Assim a verdade é um Ser, a linguagem é morada do Ser e o silêncio é seu ápice.

 

BARTHES, R. O Rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.

GIACOIA JUNIOR, O. “Por horas mais silenciosas” in: NOVAES, Mutações. São Paulo: Ed. SESC SP, 2014.

 

A verdade e as boas obras

22 mar

Não há verdade ontológica onde não ocorre o desvelamento do ser, e isto depende de sua realização mais profunda em contato com sua essência e deve produzir frutos para a vida, para o bem-estar pessoal e social e para os que creem para uma eternidade.

Os sofistas na antiguidade criavam verdades que podiam até ser lógicas, mas o objetivo era o do poder e de ter benesses junto aos que detinham fortuna e influencia, e isto não foi eliminado da vida cotidiana até os dias de hoje, grande parte da política é a negociação dos bens públicos, da fraude e para isto usam a não-verdade, e isto não é monopólio de um grupo.

Não há como manter esta lógica sem o autoritarismo, o cerceamento da liberdade e a calar a voz dos que sofrem com a ganância pelo poder e pela riqueza, grande parte da crise atual vem destes valores, ainda que culpem as mídias, elas estão também sob o controle destes poderes.

As mídias seguem a lógica ôntica na diferença ontólogica, desenvolvemos brevemente esta questão do modo como Heidegger e outros seguidores das diversas correntes ontológicas a veem, no âmbito da interpretação e do diálogo a lógica não podem ser ôntica, deve seguir a verdade ontológica que segue da fusão de horizontes no círculo hermenêutico (ver o post anterior).

O dualismo e a polarização seguem a verdade ôntica, culpar as mídias que nada fazem que não tenha sob controle de alguma forma, podendo ser até de algoritmos, o próprio homem, assim a lógica dual ôntica usada é instrumental e de certa forma sofismática porque visa o poder.

No domingo inicia-se para os cristãos a semana santa, a verdade ontológica que foi manifestada como ser na pessoa de Jesus tinha que ser destruída pelo discurso do poder, até mesmo o poder religioso da época que não podia acreditar que a verdade é lógica do Ser e do homem, quando ele manifestava suas boa obras, quase sempre confrontava o poder.

É preciso ser contra a corrente para inverter a lógica da facilidade, do dinheiro fácil através da corrupção, do poder pelo poder e do desserviço a sociedade.

 

Diferença ontológica e círculo hermenêutico

21 mar

Antes do conceito ser explicado por Hans George Gadamer, o diálogo no círculo hermenêutico de Heidegger parecia construído sobre bases idealistas, embora não fosse exatamente isto, pois o conhecimento na hermenêutica não se dá pela re-velação do objeto ao sujeito, como foi visto por Kant, nem é mera projeção do objeto sobre o objeto, é na verdade uma “aparição”.

Sujeito e objeto tem horizontes próprio, a diferença ontológica os explica, embora ambos sejam dotados de historicidade, a realidade ôntica conforme explica em posts anterior tem uma verdade lógica, nela há uma crítica e superação da fenomenologia subjetivista (objetivista) de transcendental de Husserl, assim ali já foi superado o idealismo de base dogmática.

Assim a ontologia fundamental de Heidegger ganhou destaque na questão do sentido do ser é colocada como uma questão privilegiada, assim o ser dos entes não “é” em si mesmo um outro ente (Heidegger, 2002, p. 32), assim o Dasein (ser-aí, pré-sença) é o ente privilegiado que compreende o ser e tem acesso aos entes, é parte e condição essencial do ser humano.

Dito por Heidegger: “esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pre-senca.” (Heidegger, 2002, p. 33), mas não é subjetivo no sentido de ente (enti-dade), esta presença (ser-aí, dasein): “é um ente que, na compreensão de seu ser, com ele se relaciona e comporta.” (HEIDEGGER, 2002, p.90).

O círculo hermenêutico é explicitado e melhor desenvolvido por Hans-Georg Gadamer na obra Verdade e Método II (1959) que fala de manter um olha mais profundo para as coisas elas mesmas (fundamento da fenomenologia moderna), até o momento de superar as errâncias que atingem o processo de interpretação, quem quiser compreender um texto deve seguir este processo do círculo hermenêutico.

O intérprete tem de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um primeiro sentido no texto, o primeiro sentido somente se mostra porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva de um certo sentido. A compreensão do que está no texto consiste na elaboração desse projeto prévio, o qual sofre uma constante revisão à medida que aprofunda e amplia o sentido do texto (GADAMER, 2002, p. 75).

A abertura do ser-aí, ou seja, o ser deste ser-aí é a preocupação (cura, sorge), é uma luz que dá claridade da pre-sença, isto é, aquilo que torna “aberto” e também “claro” para si mesmo.

É a cura que funda toda abertura do pré e da temporalidade que o ilumina originariamente, Heidegger afirma que somente partindo do enraizamento da pré-sença na temporalidade que se consegue penetrar na possibilidade existencial do fenômeno, ser-no-mundo, que, no começo da analítica da pré-sença, fez-se conhecer como constituição fundamental (HEIDEGGER, 2002, p. 150).

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II: Complementos e Índice. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002.

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte I, Tradução Marcia Sá Cavalcante Schuback. 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

O que a ontologia contemporânea não é

20 mar

Fundamentada nos trabalhos de psicologia social, onde Franz Brentano trabalhou duas sub-categorias do tomismo: consciência e intenção, a fenomenologia moderna foi se derivando em Husserl e depois em Heidegger, desvio para uma ontologia chamada continental, em Nicolai Hartmann e junto dela surge uma doutrina conhecida como realismo estrutural ôntico (OSR).

Aquilo que parecia um desvelar, termo apropriado usado por Heidegger para inferir sua clareira, vai ficando novamente confuso, porque a OSR não só ganhou destaque como se subdividiu em três doutrinas: OSR1, que é a visão de que as relações são ontologicamente primitivas, mas os objetos e propriedades não o são; OSR2, que é a visão de que objetos e relações são ontologicamente primitivos, mas propriedades não; OSR3, que é a visão de que propriedades e relações são ontologicamente primitivas, mas os objetos não (Ladyman, 1998).

Central para a ontologia de Heidegger, como dissemos no post anterior é a noção de diferença ontológica: a diferença entre ser como tal e entidades específicas, o erro da filosofia atual é além do esquecimento do ser, entender o ser como tal como uma espécie de entidade última, por exemplo, como “ideia, energia, substância, mônada ou vontade de poder”, as primeiras ligadas a filosofia “natural” contemporânea e as duas últimas a visão social e de poder.

Este erro teve que até mesmo ser retificado em sua “ontologia fundamental”, concentrando-se no sentido de ser, um projeto semelhante à meta-ontologia contemporânea, leia-se os trabalhos de Michael Inwood (ontologia fundamental) e Peter Van Inwagen, (meta-ontologia).

E tudo isto parece essencialmente teórico, mas não é, estamos discutindo as coisas e não-coisas ônticas (Byung Chul Han tem um ensaio) e estratégias e lógicas de poder, que esquecem o ser.

Nicolai Hartmann é um filósofo do século XX, embora sua perspectiva seja a “continental”, ele esclarece que as modalidades relativas dos sentidos dependem das modalidades absolutas e propõe esta realidade em quatro níveis: inanimado, biológica, psicológico e espiritual, que formam uma hierarquia, ainda que seu desenvolvimento seja excessivamente esquemático, há a questão do ser, da qual o homem contemporâneo escapa e não coloca apenas estes níveis em cheque, mas a própria civilização.

O esquecimento do ser é fundamental para compreender o destempero e a crise de sentido da vida que está em todas esferas humanas, da política, educacional até a espiritual.

Inwood, Michael. «Ontology and fundamental ontology»  A Heidegger Dictionary. [S.l.]: Wiley-Blackwell, 1999.

Inwagen, Peter Van. «Meta-Ontology». Erkenntnis. 48 (2–3): 233-50, 1998.

Ladyman, J. What is structural realism? Studies in the History and Philosophy of Science 1998.

 

A verdade ontológica

19 mar

Existe diferença entre a lógica que é fundamentada na razão puramente humana, e a ontológica fundamentada na realidade do Ser e sua existência, assim não é uma verdade final, mas escatológica, isto é, realiza tendo um início e um fim onde a existência se explica.

De modo meramente filosófico, a verdade ôntica e a ontológica sempre se referem de maneira diferente, ao ente em seu ser e ao ser do ente, e a relação entre elas é chamada diferença ontológica, pouco explorada na filosofia está embutida em qualquer teoria que trate do Ser.

A relação de latência entre ser e ente e entre presença e ser torna evidente que o fundamento da diferença ontológica é a presença, segundo Heidegger (pg. 102):

Desvelamento do ser é, porém, sempre verdade do ser do ente, seja este efetivamente real ou não. E vice-versa, no desvelamento do ente já sempre reside um desvelamento de seu ser. Verdade ôntica e verdade ontológica sempre se referem, de maneira diferente, ao ente em seu ser e ao ser do ente. Elas fazem essencialmente parte uma da outra em razão de sua relação com a diferença de ser e ente (diferença ontológica).

Trata-se de desvelamento porque re-velar é tirar uma camada do véu, porém encontrando outra que igualmente cobre a verdade, a razão humana e a própria ciência caminha assim, a princípio da falseabilidade de Karl Popper, ele alega que o fato de uma asserção poder ser mostrada falsa é um dos princípios para o estabelecimento de uma ciência segura.

Há uma relação circular entre verdade ôntica e verdade ontológica decorrente desta facticidade circular da presença [que é uma das traduções do Dasein de Heidegger] e esta relaciona-se com os entes compreendendo o ser, e relaciona-se com o ser compreendendo os entes.

“Com a diferenciação, que é em si mesma clara, entre ôntico e ontológico – verdade ôntica e verdade ontológica, temos efetivamente os elementos diferentes de uma diferença, mas não a própria diferença”, dito de maneira explicita a relação das coisas com os seres, é diferente da relação dos seres entre si, há uma verdade ontológica que deve ser desvelada para a relação.

Assim, como a verdade ontológica e ôntica, assim como a diferença ontológica, contribuem para mostrar o caráter relacional do eu? Conflitos e relacionamentos envolvem este Ser que é relacional, mas sua compreensão vista como instrumental, coisificada ou de interesse nada é.

HEIDEGGER, M. Sobre a essência do fundamento. In: Heidegger: conferências e escritos filosóficos. Trad. de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores).

 

Infinito, paz e transformação

15 mar

A nossa de infinito, de até mesmo o paradoxo que representa a profunda mudança que ocorrem em fenômenos astronômicos como os buracos negros, onde até mesmo a física quântica é questionada, nos leva a uma nova cosmovisão de matéria e espiritualidade.

Edgar Morin fala em “resistência do espírito” em função do momento dramático que vivemos de crise civilizatória e ameaça de escalada nas guerras, sem um apelo realmente concreto pela paz o risco dos atuais conflitos escalarem e de surgirem novos é imenso.

Esta resistência requer tanto o posicionamento pessoal quanto o coletivo, defender de fato e viver a paz, praticá-la em nossos relacionamentos cotidianos, ao lado dos que passam por nossas vidas.

A paz depende de pessoas que plantem a paz, diz a leitura bíblica Jo 12,24: “em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto”, assim é preciso que semeie a paz aqueles que de fato a desejam, porém não no discurso, mas nas atitudes do dia a dia.

Não significa que não desejamos as mudanças, e que elas não sejam necessárias, também neste aspecto o grão de trigo deve cair na terra e “morrer”, mas esta morte vista justamente com o que desejamos: transformação, não desaparecimento ou morte terminal.

O olhar para o infinito, para o divino e o eterno é ir além de nossa materialidade, de nossos impulsos cotidianos e humanos, reservar um tempo para leitura, contemplação, meditação e recarregar nossas energias, a atitude pacífica depende deste equilíbrio humano/divino.

Sem uma ascese verdadeira e humanamente correspondida, ficamos naquilo que Peter Sloterdijk chama de “vida de exercícios”, fazemos os exercícios para tal, mas não temos uma ascensão humana (uma verdadeira ascese).

Aumentar nossa vida interior, transmiti-la nos relacionamentos eis a verdadeira ascese.

 

Leitura, afeto e feridas

13 mar

Alberto Manguel é um escritor argentino bem conhecido nos meios universitários, tanto devido tanto a relação com Jorge Luis Borges, que conheceu na adolescência e lia livros para ele, como também como autor de vários livros antologias e romances, entre eles um livro que destaco como obrigatório é Uma história da leitura, no original A History of Reading (1996).

Homem-mundo, em 1971 morou em Paris e em Londres, em 1972 retorna a Argentina mas como editor estrangeiro da editora  italiana Franco Maria Ricci, em 1976 mudou-se para o Taiti, em 1982, Alberto se mudou para Toronto, no Canadá, onde morou até 2000. 

Não parou ai, mudou-se para a região de Poitou-Charentes, na França, onde comprou e reformou um mosteiro medieval junto de seu atual parceiro Craig Stephenson, uma das reformas feitas foi para acomodar sua biblioteca de 40 mil livros.

Em 2020 doou toda a biblioteca para o futuro Centro de Estudos da História da Leitura (CEHL), e passou a viver em Lisboa, é colunista da revista Geist canadense.

Uma de suas frases famosas é “a crença banal de que o tempo cura as feridas é um engano: nós nos acostumamos a elas, o que não é a mesma coisa”, porém sua frase sobre a leitura que mais parece uma forte influência de Borges para quem a biblioteca era um paraíso, é sobre a leitura:

“O amor pela leitura é algo que se aprende mas não se ensina.
Da mesma forma que ninguém nos pode obrigar a enamorar-nos, ninguém nos pode obrigar a amar um livro.
São coisas que ocorrem por razões misteriosas, mas estou convencido que há um livro que espera por cada um de nós.
Em algum lugar da biblioteca há uma página que foi escrita somente para nós”.

Também é sua a frase: “Ler sempre é um ato de poder. E é uma das razões pelas quais o leitor é temido em quase todas as sociedades”, há outras é claro, mas para isto convido meu leitor a ler: “Uma história da leitura”.

MANGUEL, A. Uma história da leitura. Tradução Pedro Maia Soares. 1a ed. São Paulo : Companhia de Bolso, 2021.

 

Fim da história ou retorno das potências

11 mar

Quando Francis Fukuyama escreveu sobre o “O fim da História” estava sob o impacto da queda do Muro de Berlim em 1989, três décadas após Jim Sciutto disse na CNN que quando a guerra na Ucrânia começou, estávamos vivendo um “momento de 1939”, de fato, há uma ligação entre a primeira e a segunda guerra, o fim da segunda e a possibilidade de uma terceira.

O livro de Jim Sciutto “The Return of Great Powers”, fala sobre isto, “A invasão da Ucrânia pela Rússia faz parte disso, mas, na realidade, esta luta pelo poder tem impacto em todos os cantos do nosso mundo – de Helsinque a Pequim, da Austrália ao Pólo Norte. Esta é uma batalha com muitas frentes: no Ártico, nos oceanos e nos céus, nas ilhas artificiais e nos mapas redesenhados, e na tecnologia e no ciberespaço”.

Em primeiro lugar detectamos este fator secundário, mas fundamental ver a tecnologia não sob o prisma da dominação das mentes, do capital ou do socialismo, mas seu uso negativo em função das guerras e da luta pelo poder.

O Retorno das Grandes Potências analisa esta nova condição histórica, analisa esta nova realidade pós-guerra fria e pós queda do muro de Berlim, os governos russo e chinês cada vez mais alinhados e o ponto crítico de uma nova corrida armamentista nuclear global, e nos coloca uma questão: ao considerarmos resultados incertos, até mesmo aterrorizantes, será possível ao Ocidente, à Rússia e à China evitar uma nova Guerra Mundial?

Não é tão importante a análise feita por Jim Sciutto quanto os fatos e realidades que trás a tona para novos questionamentos e preocupações com resultados externos desta nova realidade mundial, um momento de forte turbulência no qual as possibilidades de paz vão se esgotando com o passar do tempo e o envolvimento cada vez maior de diversas nações.

O quadro da última semana aponta para isto, a Rússia não descartando um enfrentamento com o Ocidente e os Estados Unidos se preparando para um cenário de confronto nuclear, o retorno ao bom senso e ao desarme de espíritos exaltados passa por perdas e danos a algumas nações, não se trata de rendição, mas aceitação do quadro atual de “novo equilíbrio” para a paz.

Conforme afirma Edgar Morin é preciso neste tempo um espírito de resistência para um retorno ao caminho da fraternidade universal e a paz.

 

Serenidade e luz

08 mar

Somente há luz quando há serenidade, embora o texto de Heidegger não esteja diretamente ligado ao seu conceito de “clareira”, ele está indiretamente ligado, pois pede a reflexão, o puro pensamento, aquele que “medita” e não apenas age.

Heidegger esclarece que: “o enraizamento (die Bodentändigkeit) do Homem actual está ameaçado na sua mais íntima essência. Mais: a perda do enraizamento não é provocada somente por circunstâncias externas e fatalidades do destino, nem é o efeito da negligência e do modo superficial dos Homens. A perda do enraizamento provém do espírito da época no qual todos nós nascemos” (p. 17), é assim portanto a ausência desta clareira.

A dominação por modelos ideais e que “calculam” levam a um compromisso maior com as engrenagens da razão, do que as engrenagens do ser e da dignidade humana, vão além da ética que é profundamente ligada ao “ethos” do modo de ser e do caráter.

Não se trata de um maniqueísmo puro, porque este também levou e leva ao dualismo social e político, mas aquele que exclui o outro, o diferente e esquece de sua dignidade humana, lembramos o discurso de Eduardo Galeano sobre a guerra e o mal que ela encerra (post).

O puro raciocínio da engrenagem calculista leva a cálculos precisos de negócios, gestões de empresas e até mesmo certa lógica educacional, mas esquecem os fundamentos da ética humana: o respeito a vida, a sociabilidade entre todos e o cuidado com o planeta.

O mal é assim visto como ausência de luz, impossibilidade de uma clareira que dignifique e mostre a verdade aos homens, e isto independe de qualquer lógica racional porque está na difusa lógica humana que une desiguais e iguala os diferentes.

Para os cristãos é fundamental lembra o princípio da luz que apaga toda escuridão, como uma pequena vela acesa num breu, a clareira cristã, assim afasta-se do erro e da discórdia (Jo 3,21): “Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” e não há nada mais divino que a verdade.

Se o enraizamento de Heidegger refere-se a sua perda no “espírito da época”, o enraizamento mais profundo é aquele que vem da origem humana, seja ela antropológica ou ontológica.

 

O não-pensamento na atualidade

07 mar

O texto de Heidegger sobre a Serenidade, feito em 1949 em cerimônia de comemoração do centenário de morte de Conradin Kreutzer, em sua cidade natal   Meßkirch,, que por ser também a cidade Natal de Martin Heidegger, este foi chamado a falar no evento, livro é parte desta seu discurso.

O texto da serenidade revela o quanto nós somos induzimos a um pensamento calcula que corre de oportunidade em oportunidade, é fundamental para se entender que isto que é atribuído ao mundo digital, já ocorria muito antes deste, e não está restrito ao universo digital: “este pensamento continua a ser um cálculo, mesmo que não opere com números, nem recorra á máquina de calcular, nem a um dispositivos para grandes cálculos” (pg. 13), mesmo muito anterior ao universo digital, fala dele e diz que não é dele que está falando.

A dinâmica, que muitos atribuem ao universo digital já era a muito presente no homem moderno: “o pensamento que calcula (rechnend Denken) nunca para, nunca chega a meditar. O pensamento que calcula não é um pensamento que medita (ein besinnliches Denken), não é um pensamento que reflecte (nachdenkt), não é o sentido que reina em tudo o que existe” (idem, pg. 13), isto é, do final da década de 40 e anterior aos computadores modernos.

Convém traduzir as palavras alemãs: ein besinnliches Denken (um pensamento contemplativo) e nachdenkt (pensar sobre) e das rechnend Denken (pensamento calculista).

Assim para o filósofo existem duas formas de pensamento: o que calcula e o que medita, e pode-se pensar que o segundo não se apercebe da realidade, “não contribui em nada para levar a cabo a práxis” (pg. 14), pode levar a pura reflexão, a meditação persistente ser “demasiada “elevada” para o entendimento comum” (idem).

O autor diz que a única coisa correta é que a verdade de um pensamento que medita surge tão pouco espontaneamente quanto o pensamento que calcula, ambos requerem esforços.

O fato que o homem contemporâneo está vinculado a uma forma de pensar é porque é esta a forma atual em que o pensamento foi elaborado e treinado, ligado a logos racional e ideal.

Porém pondera que cada um pode seguir os caminhos da reflexão dentro de seus limites e a sua maneira: “Não precisamos, portanto, de modo algum, de nos elevarmos às “regiões superiores” quando refletimos. Basta demorarmo-nos (verweilen) junto do que está perto e meditarmos sobre o que está mais próximo: aquilo que diz respeito a cada um de nós, aqui e agora; aqui, neste pedaço de terra natal; agora, na presente hora universal” (pg. 14).

Claro Heidegger refletia sobre a comemoração em sua cidade Natal, mas isto vale para todos os eventos que vivemos em nossas vidas.

Heidegger, M. Serenidade. Trad. de Maria Madalena Andrade e Olga Santos. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.