Arquivo para junho, 2021
A possibilidade da clareira
Perscrutar e investigar o insondável é próprio do homem, porém há sempre a possibilidade do devaneio e de esquemas bem montados de pensamento que não levam a clareira, assim como um explorador na floresta, o risco de andar em círculos sem uma bússola, um rio de guia ou astros celestes são essenciais.
Isto ocorre desde os primórdios, alertava Heráclito em um fragmento “A φύσις gosta de se ocultar”.
A φύσις (“Physis kryptesthai philei”) foi deixada sem tradução porque ao pé da letra seria physis, mas isto era para os gregos a própria natureza e o que hoje está separado dela como Ser, a dicotomia em sujeito e objeto.
Em Heidegger, a verdade é este fundamento abissal, oculto mas possível de ser desvelado, isto está ligado neste autor pelo vínculo entre o ser e a verdade como sem-fundo, fundamento abissal, o insondável, porisso exploramos nos posts da semana passada a metáfora, ao contemplar o ser, isto se torna inefável.
O que poder-se-ia chamar de excesso ontológico nada mais é que o mistério do ser, sua escatologia sem fundamento único, ele nem é um fragmento do universo, nem é o próprio, parte dele e incógnito como ele.
A verdade é geralmente pensada como correção, concordância de enunciado com a que que enuncia, ou de uma coisa com o que já foi pensada previamente dela, uma hipótese que se procura torná-la verdade.
Pode-se pensar no relativismo, mas é exatamente o contrário, para Heidegger a verdade é sempre a verdade, a experiência de verdade, de Platão a Husserl, foi sempre uma adequação das representações, tentando escapar das metáforas, com a essência das próprias coisas.
Assim a verdade não é ser descobridor, mas é ser descoberto, o Dasein (ser aí) está aberto para si mesmo e para o mundo, e só nele pode-se alcançar a originalidade do fenômeno da verdade, o que os gregos chamaram de Alétheia, e que Heidegger vai além propondo ser instauradora do pertencer de Ser-homem.
Este é o sentido de originalidade do Ser, pensa o ser em seu sentido primordial como “presentar”, Ser é ser no presente, nele se desvela,
Assim o único sentido que poder-se-ia pensar a dialética como ontologia é aquele no qual o “traço básico do próprio presentar é determinado pelo permanecer velado e desvelado”, é o Ser em movimento.
A razão que estamos presos ao velamento do Ser (o seu esquecimento como dizia Heidegger) é a prisão a esquemas lógico-racionais que aos quais a verdade é ligada ao ente e desligada do Ser.
HEIDEGGER, Martin. Alétheia. Os pensadores. São Paulo : Abril Cultural, 1985, p. 126.
Da linguagem ao Ser
A linguagem enquanto fala e retórica é apenas aquilo que se exterioriza, porém se pensada como ontologia é a abertura (Erschlossenheit) a partir da apropriação silenciosa do si-mesmo, como Heidegger pensou em Ser e Tempo, seja a abertura (offenheit) pensada como clareira do ser (lichtung des Seins), aquela usada por pensadores e poetas, e que se mostra na medida que sua correspondência silenciosa como ser, expressa em Carta sobre o Humanismo.
Escreve neste texto: “O destino se apropria como clareira do Ser, que é, enquanto clareira. É a clareira que outorga a proximidade do ser. Nessa proximidade, na clareira do Da lugar, mora o homem como ex-sistente, sem que ele já possa hoje experimente e assumir esse mora” (Heidegger, 1967, p. 61)
Em termos gerais linguagem é um veículo da expressão de algo interno ao homem, isto é, uma ponte que vincula o dentro e o fora do homem, tal forma de falar é pensada como uma atividade que acontece na qual o homem é o próprio meio, por isto há o silêncio antes.
Mas segundo a concepção ontológica da linguagem, não é a linguagem que pertence ao homem, mas antes o próprio homem concebido ontologicamente como ser-para-a-morte resoluto ou ser ontologicamente que responde como mortal à solicitação silenciosa do Ser.
Em termos mais simplistas trata-se aqui da diferença entre o ente que “tem” uma linguagem, no sentido de capacidade de falar, e a concepção ontológica que pensa o homem como “sendo” por meio de ser possuidor da capacidade de falar, a linguagem aqui não é apenas a transmissão de informações, mas o modo no qual manifesta o próprio existir humano.
Neste contexto comunicação começa com o silêncio, é preciso um vazio, um epoché na comunicação, que pressupõe um Outro que será destinatário, não é assim receptor, mas destino de sua fala, e este é o modo pelo qual se manifesta o próprio existir humano.
Assim para Heidegger, mas de outro modo também para Niklas Luhmann, seria preciso rever toda a teoria da Comunicação, pois receptor e transmissor são eles próprios o meio não humanos, e não “substituem” o homem, não podem existir nem ter relação como se o homem fosse algo acessório, aí está toda a alucinação da Inteligência Artificial atual, colocar receptor e transmissor no lugar de fonte e destino, seria preciso prever uma “clareira” do ente “fora” do Ser.
Por isto a clareira é interna, já postamos em outro oportunidade aquilo que Heidegger afirma em sua obra magna Ser e Tempo: “Na medida em que o ser vige a partir da alethéia, pertence a ele o emergir auto-desvelante. Nós denominamos isso a ação de auto-iluminar-se e a iluminação, a clareira” (cf. Ser e Tempo). (* aletheia do grego: a- não, lethe- esquecimento, desvelar).
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 61.
A variante Delta e suspeitas da vacinação
Uma nova variação do vírus Delta originado na Índia apareceu e já se espalha, chamado de Delta Plus o vírus é mais letal e já há casos em vários países do mundo, no Brasil uma gestante é o primeiro caso noticiado, tinha 42 anos e faleceu dias após o contágio.
O crescimento de 30,6 % de infecções e 17,2% de mortes no Chile levantou suspeitas sobre a vacinação com ouso da CoronaVac, as mídias de redes sociais espalharam esta notícia, já que lá 90% da vacinação foi feita com a vacina, e não há variante Delta ainda e o país era um exemplo.
Segundo notícia dada por diversos centros de informação de imprensa (entre eles a AFP) esta correlação não é verdadeira porque o número de mortes não é proporcional a infecção, e entre os infectados e mortos são principalmente não há vacinados, disse a médica chilena Vivian L. Farias.
Outro aumento foi na Rússia, 20 mil casos novos, sendo 7.916 em Moscou, o maior número de casos confirmados num único dia desde 24 de janeiro, quando a vacinação não tinha se iniciado, as autoridades atribuem este aumento a variante Delta que estaria em alta no país, novas medidas de restrições estão sendo tomadas.
O grande problema lá é também a desconfiança da população, sobram vacinas e nem todos procuram a vacinação, os restaurantes estão pensando em servir apenas pessoas vacinadas e outras medidas neste sentido podem ser tomadas.
A vacinação no Brasil atingirá 70 milhões de vacinados com a primeira dose, a vacina Jannsen começa a chegar ao país, ela precisa apenas de uma dose, é de alta eficácia e em BH os primeiros a receber foram moradores de rua, a Pfizer enviou mais 936 mil doses e chega a 2,4 milhões de doses, 6 mil litros de insumos para a CoronaVac chegaram ao Brasil, dá para 10 milhões de doses.
Em junho, nos primeiros 24 dias, a média de vacinação por dia foi de 1 milhão de doses, porém por causa do aumento da demanda 2ª. dose da AstraZeneca em julho, ela tem um espaço de 12 semanas da primeira dose, a vacinação pode sofrer problemas, é preciso atentar a este aspecto.
Até o dia 20 de junho, o Ministério da saúde havia distribuídos 46,6 milhões de doses da AstraZeneca para a primeira aplicação (fonte uol), entretanto seriam necessários a partir de julho igual número de doses mais aqueles que receberão a primeira dose, assim seria necessário quase dobrar a fabricação mais 21,3 milhões de doses são os cálculos dos agentes de saúde.
A preocupação da Organização Mundial da Saúde com a nova variante Delta que já está em 85 países é o temor que esta nova cepa consiga modificar-se a ponto de driblar as medidas de prevenção, tratamento e vacinas disponíveis, o próprio presidente da OMS acentuou este fato (vários órgãos de imprensa, no Brasil o Correio Braziliense e outros).
O círculo hermenêutico e a metáfora
Somos traídos quando julgamos conhecer e estamos ainda na etapa inicial da interpretação, aquela que ainda não iniciou um processo de epoché, colocar entre parênteses nossos pré-conceitos e iniciar uma verdadeira dialogia.
A metáfora nos ajuda a aproximar usando de linguagem poética uma relação de pertencimento, trazer o mundo a poesia e levar a poesia ao mundo, isto porque o poema projeta um mundo na sua dimensão ontológica, uma realidade que está entre o ver como da metáfora e o próprio ser.
Há além desta função no âmbito da inovação semântica, o desvelar de realidade mais profundas, por exemplo, explicar questões que são complexas de modo a permitir este pertencimento, esta proximidade, é a função por exemplo, das parábolas, a metonímia e a sinédoque.
Exemplos de parábolas mais conhecidas são as bíblicas, associar o Reino de Deus às sementes que crescem sem serem percebidas, ou ao grão de mostarda, uma pequenina semente que se torna uma árvore, isto para dizer que há uma força vivificadora no homem, e em todo homem.
Porém a metáfora, pelo uso de linguagem figurada corre sempre o risco de ficar na superfície.
Exemplificamos na semana passada a passagem bíblica em que Jesus ia para a obra margem do mar da galileia e uma tempestade ameaça a barca e Jesus acalma a tempestade (Marcos 4:35-41), porém a sutileza desta passagem é os significados metafóricos de ir a outra margem e da própria tempestade.
Precisava explicar coisas mais profundas e questionou os discípulos o medo das tempestades, e segue para a outra margem, significando lá um momento mais direto com os apóstolos, boa parte da exegese analítica (ver o post anterior) se fixa numa compreensão imediata que ir para a outra margem significa mudar a rota, quando na verdade além descansar (Jesus dormia na tempestade), as realidades mais profundas eram explicadas diretamente aos apóstolos.
Isto se comprova se verificarmos que depois Jesus retorna “a outra margem” onde volta a encontrar a multidão (Mc 5,21-43), e nesta multidão está além de uma mulher desconhecida que toca o manto do mestre e é curada de uma hemorragia de 12 anos, há um chefe de Sinagoga chamado Jairo.
Jairo tinha a filha nas últimas, e enquanto se encontrava com Jesus pedindo que impusesse as mãos na filha, chegam amigos de Jairo, que dizem que ela faleceu e Jesus diz que ela “apenas dorme”, vai a casa de Jairo e realiza o milagre pronunciando as palavras “Talitá cum” (na foto quadro pintado por Benito Sáez Garcia), menina levanta-se.
Esta sutileza, uma pessoa comum e um chefe da sinagoga, mostra bem claro que na “multidão” se encontram também autoridade religiosas que querem sinais (os judeus querem sinais e os gregos sabedoria) e assim a metáfora é complementada com “sinais” e uma “sabedoria” inerente a Jesus.
O que é compreender
Compreender se tornou na estrutura analítica ocidental um círculo vicioso que tende apenas a repetir aquilo que considera verdade partindo de algum aforisma histórico, o que Gadamer chama de historicismo romântico em sua crítica a Dilthey.
O esquecimento do ser ignora que o círculo hermenêutico que vai da interpretação até uma nova compreensão é a própria estrutura de um novo sentido, um sentido existência, que está no Ser.
Assim a circularidade da compreensão não é primeiramente uma exigência lógica, a partir de um método A ou B, mas o próprio desdobramento ontológico: “a reflexão hermenêutica de Heidegger tem o seu ponto alto não no fato de demonstrar que aqui prejaz um círculo, mas um círculo este tem um sentido ontológico positivo” (GADAMER, 2013, p. 355).
Heidegger (2014) em sua obra magna Ser e Tempo elaborou uma hermenêutica da facticidade a partir da analítica temporal da existência humana (Dasein), aqui facticidade é o modo de ser em seu Dasein que encontra, na existência temporal, a possibilidade de revelação, de clareira:
“A estrutura da temporalidade aparece assim como a determinação ontológica da subjetividade. Mas ela era mais que isso. A tese de Heidegger era o próprio ser é tempo” (Gadamer, 203, p. 345), eis a essência mais profunda da obra de Heidegger, que aponta para o círculo hermenêutico:
“O decisivo não é sair do círculo, mas nele penetrar de modo correto. Esse círculo do entender não é um círculo comum, em que se move um modo de conhecimento qualquer, mas é a expressão da existenciária estrutura-do-prévio do Dasein ele mesmo. O círculo não deve ser degradado em vitiosum nem ser também tolerado. Nele se abriga uma possibilidade positiva de conhecimento o mais originário, possibilidade que só pode ser verdadeiramente efetivada de modo autêntico, se a interpretação entende que sua primeira, constante e última tarefa consiste em não deixar que o ter- prévio, o ver-prévio e o conceber-prévio lhe sejam dados por ocorrências e conceitos populares” (Heidegger, 2014, p.433), mas dirigir-se as coisas mesmas.
O compreender visto assim pode parecer filosófico demais ou uma teorização sobre o pensar, não o é, pois, mesmo no esquecimento do Ser, estrutura atual de fragilidade do pensamento, este é o processo de aprendizagem que envolve desde o aprendizado da linguagem por uma criança até os mais elaborados métodos de descoberta e inovação, ou são apenas repetição de algo já feito, e assim sem a facticidade, pois é mera repetição.
GADAMER, H-G. Verdade e método Trad. Flávio Paulo Meurer, revisão da tradução de Enio Paulo Giachini. 13. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2013.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.
A linguagem como pluralidade
O problema da interpretação quando estamos pensando na linguagem surge como uma proposição demonstrativa, ocorre quando se torna tal interpretação como única e verdadeira, a proposta de Heidegger esta é uma das possibilidades da linguagem, mas não a única nem a principal, quando tratamos apenas de lógica ela não compreende a pluralidade da linguagem.
Isto está presente naquilo que hoje seja chama narrativa ou discurso, já tratamos em vários posts quando tratamos da Metáfora Viva de Paul Ricoeur, mas aqui a problemática é ontológica: o Ser.
A ciência e a técnica, assim como também a narrativa ideológica sequer tangencia o problema essencial da questão do ser, está voltada àquilo que se chama ciência natural ou da natureza:
“a ciência natural só pode observar o homem como algo simplesmente presente na natureza (…) dentro desse projeto científico-natural só podemos vê-lo como ente natural, quer dizer, temos a pretensão de determinar o ser-homem por meio de um método que absolutamente não foi projetado em relação à sua essência peculiar” (Heidegger, 2001, p. 53).
Este é o devaneio da tradição na concepção de linguagem e de verdade, aquela que traz a noção de finitude do ser: ser é tempo, assim por exemplo, acelerando o tempo pensamos em acelerar o ser, quando na verdade é o que provoca seu esvaziamento, tema comum dos heideggerianos.
Separamos o Ser ontológico do existencial, citando o próprio Heidegger, porque a analítica cai em outra armadilha que é ligar o ser ao sujeito, cópula e atributo, criando uma possibilidade estrutural da linguagem, ela é tentadora justamente por sua composição analítica, mas no fundo é essencialmente lógica e não onto-lógica, escapa-lhe o Ser.
Tal evasiva já era prevista por Heidegger: “a essência do ser em sua multiplicidade jamais pode ser em geral recolhida a partir da cópula e de suas significações” (Heidegger, 2003,p. 391).
A linguagem carrega sua própria relação hermenêutica. Heidegger, a partir de Ser e Tempo, realoca a questão da compreensão e da busca da verdade, que estava colocada no âmbito da teoria do conhecimento, e a lança para o plano existencial, neste caminho surge o círculo hermenêutico, não preso a mera opinião ou ao logicismo funcional, nem ao analítico.
A hermenêutica de Heidegger ilumina a finitude humana enfatizando sua pertença à linguagem como o lugar que o humano habita, a noção de logos como desvelamento, como aletheia como os gregos a pensavam, verdade e realidade.
HEIDEGGER, M. Seminário de Zollikon Petrópolis: Vozes, 2001.
HEIDEGGER, M. Os conceitos fundamentais da Metafísica: mundo, finitude, solidão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
O conhecimento e o fazer
A sociedade que vivemos é uma sociedade do desempenho, assim a chama Byung Chul Han que fez seu doutorado em Heidegger, é uma sociedade do fazer, mas não do saber-fazer.
Recordar “velhos teóricos”, endeusar teorias antigas que tiveram um funcionamento temporal determinado constitui o ocaso e a crise da filosofia, do pensamento não, porque o homem enquanto Ser é capaz de desvelar e descobrir, mas há um esquecimento do Ser.
O conhecimento não fechado em lógicas, com abertura e possibilidade de novas descobertas é o movimento constitutivo do tempo, não há algo totalmente compreendido e acabado, ele é constitutivo daquilo que acontece no tempo, e ele é que está sujeito a história, é um saber prático e da vida, um Lebenswelt como o chamava Husserl.
Heidegger partiu daí com influência direta de Husserl, o significado de sua Fenomenologia, supõe esta abertura para que se vejam as coisas como se manifestam, princípio do saber.
Assim não há algo compreendido, acabado, o que há é uma compreensibilidade num constante devir, implicando num saber prático, um saber-fazer mais do que objetivo de ciência, deve ser o fundamento de todo ato compreensivo como aquele que busca o conhecer.
A abertura essencial não é para a consciência hermenêutica como vista por Heidegger um ato primeiramente racional, é uma disposição afetiva, uma das estruturais existências do ser-ai, se mostra que compreender é sempre um compreender afetivamente, no sentido de “afetar”.
Segue-se ao afeto a interpretação, mas o que é interpretar aqui senão revisões e elaborações de sentido, postas em movimento, assim interpretação é para Heidegger:
“A interpretação de algo como algo funda-se essencialmente por ter-prévio, ver-prévio e conceito-prévio. A interpretação nunca é uma apreensão sem-pressupostos de algo previamente dado […]” (HEIDEGGER, 2014, p.427).
Um dos problemas filosóficos centrais de Heidegger é a questão acerca das possibilidades da linguagem, é a partir dela que o Ser elabora sua visão de mundo, da qual não pode escapar, ela que nos possibilita compreender o mundo, ela que elabora o ser-no-mundo.
Ser no mundo que implicaria num saber-fazer depende da visão de mundo, empobrecida e obscurecida pelo desempenho, pela exigência de eficiência e pela má articulação com o tempo.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo Tradução, organização, nota prévia, anexos e notas de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014.
A cepa Delta e novos perigos
A nova cepa indiana, chamada pela OMS de Delta, volta a infectar e pode se tornar dominante, ela é 40% mais transmissível e pode apresentar o dobro de risco de internação, além disso os sintomas enganam porque parecem mais um forte resfriado e as pessoas continuam a sair, segundo afirma o jornal inglês The Guardian.
Isto está fazendo o Reino Unido reavaliar a data de flexibilização, anteriormente prevista para o dia 21 de junho, e que agora deverá retardar.
A vacinação continua, porém, a eficácia de algumas vacinas começam a ser colocadas em cheque, a própria AstraZeneca já admite revezes na terceira fase de testes, feitos em escala maior de vacinados, alguns jornais falam em 33% porém a indicação oficial da OMS é de 63,09% um pouco acima da Coronavac que é em torno de 51% e abaixo da Pfizer que é de 70%, porém com a 2ª. dose os números ficam parecidos em torno dos 80%.
Um avanço nas pesquisas, feitas pelo hospital Beaumont em Dublin, finalmente explicou porque a coagulação de sangue em pacientes com Covid 19 que são níveis elevados de moléculas de VWF (Fator de von Willebrand) pró-coagulação e níveis baixos de ADMTSS (uma protease plasmática que é anticoagulante), devido a alterações em proteínas em casos graves de covid.
O Basil recebeu um lote de 824,4 mil doses da vacina Pfizer/BioNTech do consórcio Covax Facility que chegou no aeroporto de Viracopos em Campinas (SP), o primeiro lote desta vacina pelo consórcio, os outros foram comprados.
O Brasil chegou a triste marca de 500 mil mortes, com um número de mortes acima de 2 mil, e com um número de infectados na casa de 80 mil, ainda são números altos, porém o salto acima dos 3 mil significariam uma terceira onda que continua a nos ameaçar.
De acordo com o consórcio de empresas do Brasil mais de 63 milhões de pessoas receberam a primeira dose, totalizando quase 30% da população, e quase 80% das vacinas disponíveis foram utilizadas, acredita-se que este número possa chegar a 100 milhões e totalizar perto dos 50% da população com a primeira dose, número que reafirmamos será suficiente para segurar a 3ª. onda.
É preciso redobrar os cuidados e evitar aglomerações, medidas de isolamento mais rigorosas precisam ser tomadas.
A angustia, o ser finito e o temor
A angústia, enquanto categoria essencial, é o dado temporal mais significativo de nossa existência, o fato que o homem tem um fim, que ele morre e sua existência acaba, é a partir daí que Heidegger trabalha outro conceito que é o ser-para-a-morte [Sein-zum-tode].
Assim a morte é uma limitação da unidade originária do ser-aí, e significa a transcendência humana, o poder-ser, que contém uma possibilidade do não-ser, mas aqui só como negação, “o fim” do ser-no-mundo é a morte, este fim limita o poder-ser, que é a sua existência, e limita a totalidade possível do Dasein (1989, vol. II, p. 12)
É possível separar o medo do temor, deixar o primeiro dentro dos limites do finito, e o temor fora destes limites, aquilo que o imaginário humano penetra e projeta como não-ser, além da ser-para-a-morte, um ser-para-além-da-morte.
Byung Chul Han alerta que assim como a positividade a negatividade também é perigosa: “ela é definida pela negatividade da proibição. O verbo modal que a governa é o ´não-pode´ (…) A sociedade do desempenho, cada vez mais, está no processo de descartar a negatividade. A crescente desregulamentação está abolindo isso. O ilimitado ´poder´ é o verbo positivo modal da sociedade da conquista (…) proibições, comandos e leis são substituídos por projetos, iniciativas e motivação. A sociedade da disciplina ainda é governada pelo ´não´. Sua negatividade produz loucos e criminosos. Em contraste, a sociedade do desempenho cria depressivos e perdedores.”
Assim é possível pensar na negatividade como um processo importante, embora gere medo, e a partir dela gerar um processo do temor, que longe de negar as proibições, demonstra que elas podem nos levar a resultados mais amplos que os prometidos pelo desempenho, é o além-do-ser.
Nem a transcendência do idealismo que é mera projeção do ser sobre o objeto, o assim chamado subjetivismo, nem o ser-para-a-morte como transcendência fatal, mas um temor produzido pela negatividade que nos leva a reconhecer limites, tal como aqueles que foram impostos na Pandemia e que não geram a morte, nem se confundem com o negacionismo que é o positivo modal, negar que a vida humana precisa de limites em situações de perigo.
A leitura Bíblica de Marcos (Mc 4, 35-41), pode neste quadro do temor, desvelar novas coisas sobre o ser, diz a leitura que “ao despedir as multidões”, Jesus foi com os discípulos “para a outra margem”, diria longe do ser-aí da pura positividade do ser-no-mundo, o barco enfrenta forte ventania e ondas fortes começam a encher a barca, o temor toma conta dos discípulos, temem pela morte e dizem ao mestre “estamos perecendo”, o mestre diz para o vento e o mar: “cala-te”.
Não se trata de mágica nem de simples demonstração de poder, a frase dita por Jesus explica muito: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”, mas eles ainda sentiam “um grande medo”, é a angústia.
A angustia e o temor diante da existência
O traço constitutivo do Dasein, em Heidegger está além do fenômeno psicológico e ôntico, não sendo algo que se refere somente a um ente ou a algo dado, nos remete a totalidade do ser como um ser-no-mundo, isto é sua verdadeira dimensão ontológica, nela se explica a angustia do Ser.
A categoria surgiu com Kierkegaard porém para ele a angústia revela o nosso ser finito, o nada de nossa existência diante da infinitude de Deus, por seu caráter eterno, ao passo que Heidegger não pensa apenas como categoria ontológica tornando-a apenas um fenômeno da finitude humana.
Preso a finitude humana é que encontra-se em Heidegger a diferença entre angústia e temor (furcht), mas na obra Ser e tempo o temor também é uma existência fundamental mediante o qual o homem se encontra no mundo (Heidegger, 1989) e isto torna a angustia um estágio suave.
Já o temor constitui para o autor uma disposição anima forte [Befindlichkeit] é ela que nos remete a algo que tememos e com isso se manifesta o todo do mundo, em sua estranheza e assombro, ela é o que acontece antes que possamos realizar um ato de conhecimento do mundo.
Há nela uma força de revelação do mundo, mesmo que num primeiro momento seja só fuga, nela por exemplo a alegria ou a felicidade, explica o autor são muito transitórios e menos marcantes, este ser-aí encontra-se lançado [geworfen] em meio a estados de ânimos, capaz de suportar o peso da existência, e nela “O humor torna manifesto ‘como a gente se sente’. Neste ‘como a gente se sente’ o estar disposto traz o Ser em seu estar-aí” (HEIDEGGER, 1986, p. 134).
Dito de forma mais precisa, ou mais de acordo com o pensamento de Heidegger, o medo é uma disposição central na nossa existência pelo fato de que manifesta o mundo no ator de fuga do ser-aí de si mesmo, mesmo sendo o homem o tema objetivo de Heidegger e Kierkegaard, o endereço últimod e ambos é o temor não como um objeto fora dele, mas sim ele mesmo: o homem somente teme por algo determinado porque em última instância ele é afetado e interessado.
Faço uma digressão porque o estar “fora” para o mundo contemporâneo, Byung Chull Han e Hanna Arendt retomaram de forma diferente o “estar dentro” na “vitta contemplativa”, em Heidegger o medo se volta para quem teme e não para o que teme, em Kierkegaard o temor é a Deus, porém já em período do idealismo projetado sobre o mundo, não como um Ser “fora”.
O importante no discurso heideggeriano é que consegue estabelecer três formas de medo: o diante do que [wofür] tememos algo, o que nos ameaça (as dificuldades da co-presença), o próprio temer [fürchten] enquanto tal, que abre para nós o mundo (as esferas de Sloterdijk ajudam esta reflexão), e, e o porquê [worum] nós tememos, que é o nosso próprio estar-aí.
Por fim, o temor pode ter variações: ele pode ser o que é assustador; pode ser o horror e também a decepção” (Heidegger, 1986, p.142), porém a diferença entre medo e temor ajudaria a separar melhor a categoria de Heidegger de Kierkegaard, que temor é de algo “maior”.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo Traduçăo de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1989.