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Arquivo para a ‘Real’ Categoria

Sobre o ente e a essência: a ontologia escolástica

24 abr

Anselmo da Cantuária (1033-1109) é anterior a Tomás de Aquino (1223-1274) e influenciado por Boécio (480-534), já traçados em posts anteriores o caminho de Plotino até Boécio, passando por Porfírio (234-304 dC), e o seu nome verdadeiro seria Malco ou Telec, ele traduziu Enéada.

A influência de Aristóteles e Platão é grande, porém a tentativa de síntese de Aristóteles e Platão já em Isagoge de Porfírio, que foi traduzida para o latim por Boécio, sendo atribuída a Tomás de Aquino e por consequência a igreja católica é um equívoco, foi Anselmo da Cantuária o fundador de fato, da filosofia escolástica, com sua onto-teológica e seu “argumento ontológico” de Deus.

Deve-se a Boécio a “querela dos universais”, se eles existem ou são apenas nomes, o que dividiu o nominalismo e realismo, da Baixa Idade Média e inicio da Renascença.

Na adolescência Anselmo não teve aprovação do pai para ser monge, após uma doença, ele sai de casa e vai para a Normandia, lá seu conterrâneo Lanfranco o recebe como noviço na Abadia de Le Bec em 1059, e em 1063 se torna prior, quando escreve as obras Monológio e Proslógio.

Le Bec é por este período um centro de estudos, mas inicialmente protegido de Guilherme II, recebe terras que depois serão tomadas, é deste período as primeiras investigadas dos reis sobre as nomeações de bispos e até de papa (é uma história a parte), porém nomeado bispo da Cantuária (Canterbury, é até hoje é sede do bispado anglicano) (foto).

Ele se submete ao papa Urbano II (na mesma época havia Clemente III, considerado antipapa), foi o primeiro inclusive a falar contra o tráfico de escravos em 1102, num concílio em Westminster (revendo os fatos), não se submeteu à monarquia inglesa, e teve 2 exílios.

Em Proslógio,  a existência de Deus é um “a priori”, ou seja, através da razão, sem recorrer à experiência, parte do conceito que “um ser do qual não se pode pensar nada maior” (Deus) e argumenta que*, para ser o ser mais perfeito, Deus deve existe tanto na mente como na realidade. 

Tomás de Aquino sofreu influência de Santo Anselmo, e em sua obra de juventude “O ente e a essência” ele descreve a questão do ser e da realidade, distinguindo ente (aquilo que é, o ser) de essência (o que algo é), nela esclarece como o intelecto percebe inicialmente o ente e sua essência, explorando a relação entre substâncias simples e compostas. 

Para Duns Scotus (1265/1266-1308), um realista moderado para alguns, um nominalista na minha visão, os universais existem como entidades “in rebus” (nas coisas), mas não são separados deles como as ideias platonistas, e sim como uma “ratio” (razão) do intelecto.

Sua principal tese descrita em Ordinatio I, parte 1, qq. 1-2) é que “se há entre os entes um ente infinito atualmente existente”, para ele os universais “bondade” e “verdade” serão reais, isto está expresso biblicamente: “caminho, verdade e vida” (Jo, 14-6) e “só um é o bom” (Lc 18,19).

ANSELMO, St. Proslógio. Trad.: Ângelo Ricci, Ruy Afonso da Costa Nunes. São Paulo, SP; Nova Cutlural ed., 1988. (Coleção os Pensadores, Anselmo/Abelardo). (4ª. edição) (pdf)

AQUINO, S. T. O Ente e a Essência, R.J.: Mosteiro de São Bento, Editorial Presença, 1981.

SCOTUS, John Duns. Seleção de Textos. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

* ”Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim não existe porque “o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe”?4 Porém, o insipiente, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, ouve o que digo e o compreende.” (4 Salmo 13, 1).  Texto na Coleção Pensadores.

 
 

Liberdade, memória e eternidade

10 abr

O tema pode parecer apenas teológico, mas não é, tanto Hannah Arendt como Byung-Chul Han trataram este tema, claro além de autores de alcance teológico como Agostinho de Hipona e Thomas de Aquino, também por autores atuais como Kierkegaard, Heidegger e Ricoeur que delinearam algumas questões na problemática entre tempo e eterno.

O esquema epistêmico de Hannah Arendt é bem mais profundo porque apresenta também o aspecto político: a memória, que tem referências a história, a narração, que tem a ver com a possibilidade ([hermenêutica] de resgatar os eventos, e a imortalidade, que coloca a ação do mundo concreto, tornando homens seres capazes de continuidade no tempo, visto assim:

“o sentido da Política é a liberdade” (ARENDT, 2002, p. 9).

Mneumônicos são inseridos em processos para preservar a narração, ou seja, sua memória.

Por outro lado, a imortalidade é aquilo que está sendo perpetuado pela memória e narração, porém a autora não se negou a ver uma diferença entre imortalidade e eternidade, apontamos no post anterior aquilo que é também a elaboração da autora, a ligação entre estas categorias.

Isso não nega e sim evidencia a concepção de imortalidade, que se impõe como aquilo que está sendo perpetuado no tempo pela memória, pela narração e também se desenvolve como uma Vita Activa, isto é o que compõe a tradição e a atualização de uma narrativa e neste ponto se confunde com a teologia, ou seja, ultrapassa o temporal e se desvela no eterno.

A tradição porém, foi gradativamente perdendo essa noção do público e do privado, a ponto desta fronteira entre os dois desaparecer, é fácil perceber isto na atualidade ao ver a exposição do privado até mesmo daquilo que é mais sagrado, e na concepção de Arendt, isto é um prejuízo vital, em vista da ação, categoria central para a constituição do mundo público, ela deixa de ser considerada em favor do respeito aos membros da sociedade.

Byung-Chul Han, no livro o Enxame sentencia: “o respeito é o alicerce da esfera pública. Onde ele desaparece, ela desmorona. A decadência da esfera pública e a recente ausência de respeito se condicionam reciprocamente.” (B.-C. Han, No exame, 2018, p. 12).

Arendt ressalta a ausência de empatia: “A morte da empatia humana é um dos primeiros e mais reveladores sinais de uma cultura à beira da barbárie”.

As religiões chamaram isto de aliança, porque todas elas têm um caráter simbólico, como a Arca da Aliança para o antigo testamento e a Paixão de Jesus para o novo testamento, este significado é o transcender a morte (eternidade), ultrapassá-la com todos seus valores: ódios, guerras, divisões e todo tipo de desumanidades praticamos pela finitude humana (Pillars of Creation, imagem do telescópio James Webb).

 

ARENDT, A. O que é Política. Tradução Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

 

 

 

Linguagem, ser e reconciliação

14 mar

Desde a filosofia antiga a linguagem é considerada ontologicamente ligada ao Ser, o Mundo das ideias de Platão (eidos) não é outra coisa senão isto, para Aristóteles linguagem é uma “ferramenta” do pensamento que permite representar a realidade.

Porém a modernidade, sob pretensa objetividade realista, ignorou esta realidade simples onde qualquer ação se inicia antes pelo pensamento e se transforma em linguagem, no dizer do pensador contemporâneo Heidegger a linguagem é “morada do ser”.

A “linguagem das máquinas” ou a codificação do pensamento já expresso numa “mensagem” humana e transformado em códigos, não é exatamente o que deve ser pensado em ontologia, todos os textos de Heidegger e também do filósofo Byung-Chul Han reclamam sobre esta visão técnica da linguagem, porém o século XX começou com a chamada virada linguística.

Assim a linguagem pensada por Alan Turing e Claude Shannon estão circunscritas ao universo das máquinas, enquanto a linguagem pensada ontologicamente é a “abertura do ser” e a busca de um universo de realização e reconciliação, diz Rainer Rilke (1875-1926): “Nós, violentos, nós duramos mais. Mas quando, em qual das vidas, seremos enfim abertos e acolhedores?”.

Byung-Chul Han lembra que o poema épico Ilíada se inicia com a frase: “Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades”, já fizemos diversos posts sobre o mito de Hades, deus do submundo para onde vão as almas, enfim a violência ainda marca nosso processo civilizatório.

A linguagem como expressão de nosso pensamento e nossa interioridade não pode ser separada da vida ativa (Hannah Arendt e Byun-Chul Han), Heidegger que teve forte influências sobre ambos, ela é ponte que vincula o dentro e o fora do homem, de tal forma que o falar é pensado como uma atividade que acontece por meio do homem e assim é ato ontológico (foto – Um mural em Teotihuacan, México, c. século II).

Esta visão da linguagem “por meio do homem” é assim anterior a sua difusão pelos meios (mídias) e não pode ser pensada como meros emissores e receptores uma vez que seja qual for o meio ele é precedido pela pensamento e linguagem humana e nela o ser se “abre”.

Pode-se dizer então que a violência é um aspecto da falta de abertura do ser motivada pelo pensamento e este é construído por metodologias e modos de entender a realidade como tendo um único caminho da violência onde a reconciliação pode parecer impossível.

O homem e a própria realidade não são binários: Ser e Não-Ser, afirmativo e negativo, no homem porque possui estágio interiores sensíveis e cognitivos onde se ativam os motores do pensamento capazes de sínteses, e na realidade pelas descobertas da física quântica e do universo complexo que a astronomia atual revelou.

Reconciliar, ativar mecanismos de diálogos, de entendimento são possíveis ontologicamente.

 

Pensadores de barriga-cheia

11 mar

A sociedade moderna se caracteriza por uma ausência de pensamento desenvolvido sério, o que se chama de “pensamento crítico” nada mais é do que a rejeição de algum pensador que tente pensar fora da bolha ideológica, ou das narrativas vulgares e superficiais.

Desconhecem as grandes obras clássicas, mesmo aquelas que professam seja Kant, Hegel ou Marx, literatura profunda de Zolá, Vitor Hugo, Proust, Balzac, Camus ou mais atuais como George Orwell, James Joyce, Gabriel Garcia Marques ou Jorge Luís Borges, eurocêntricos por seu conhecimento raso, preferem a crítica sem conteúdo dos pensadores que contestam todo o pensamento atual como fragmentário: Heidegger, Gadamer, Peter Sloterdijk e Byung-Chul Han.

Estão de barriga cheia de uma comida que enche o estomago, mas está longe de ser um alimento consiste que elabore uma crítica profunda e fundamentada do pensamento atual: o sociologismo decadente, a pouca meditação (leia-se Hannah Arent ou Byung-Chul Han sobre a Vita Contemplativa) e pouco conhecimento até mesmo do iluminismo tardio que professam.

No máximo conhecem o pensamento líquido e eurocêntrico de Bauman, a biopolítica de Foucault ou o revisionismo de Jean Jaurès, desconhecem a transdisciplinaridade de Edgar Morin (chama esta intelectualidade parcial de inteligência cega), a terceiro-incluído de Barsarab Nicolescu e a revolução da física quântica (não é mais um dualismo binário), o pensamento é datado na modernidade, e desconhecem sua origem na Grécia antiga.

É preciso negar autores que propõe paradigmas novos para que sua narrativa fixada em autores do século passado seja coerente, quando muito falam de culturas originárias sem conhecer os grandes sociólogos africanos e latinos modernos como: Achille Mbembe, Franz Fanon e Anibal Quijano.

A barriga está cheia de uma cultura já superada, até mesmo sem a necessária atualização e sem uma leitura completa das obras sobre as quais as posições se assentam, a psicopolítica de Byung-Chul Han, a esferologia de Peter Sloterdijk (Esferas I: bolhas) e a transdisciplinaridade de Morin não podem ser compreendidas, é um revisionismo raso e incompleto pela fragilidade das leituras.

A crítica fácil e a consequente narrativa se baseiam no caótico cenário social e cultural que enfrentamos, sem uma análise completa e radical, que escape das bolhas as quais estamos presos, que se compreenda e atualize o pensamento para além do dualismo idealista.

De fato, precisamos de poucas palavras e pensamentos, mas profundos que estão esquecidos ou adormecidos: que tipo de esperança temos para a sociedade de hoje? Que tipo de crença temos que não envolvem poder e dominação? Que é ciência é aquela que trata do homem todo para poder tratar também de todo homem? Qual nossa relação com o Outro? (Lévinas, Ricoeur, Buber e outros).

Sem ler Tomas de Aquino continuarão leitor de um livro só,  sem ler Santo Agostinho não sairão do maniqueísmo, porque o mal é a ausência de Amor e Perdão.

HAN, Byung-Chul. O que é poder? Trad. Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.

SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Bolhas. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2019.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Trad. Eliane Lisboa. 5.ed. Porto Alegre: Sulina, 2015. 120 p.

 

A amizade e o Outro

28 fev

Em um mundo individualista, onde as pessoas buscam bolhas onde todos “tem o mesmo pensamento”, a amizade parece ser o caminho do mesmo e não do Outro, pior quando isto é visto como religião, afaste as más amizade, quando na verdade o Outro será sempre diferente, não há “alma gêmea”, “metade da laranja” ou qualquer outro conceito idealista, o próximo no sentido religioso será sempre Outro diferente do meu espelho.

Aristóteles vai de encontro ao sentido bíblico do próximo para definir amizade: “a amizade perfeita é aquela que existe entre homens que são bons (ver post anterior) e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos” (EN VIII, 1155/2021, p. 167).

Assim evitar “falsas” amizades é evitar um mundo sem virtudes e sem nenhum desejo de entendimento, assim oposto as definições idealistas de amizades, onde é há “afeto” entre narcisistas e egocêntricos.

Sobre amizades falsas Aristóteles alerta que não se revelam, nós é que tínhamos um conceito falso por interesse ou pouco conhecido, ele divide assim as amizades em três tipos: virtuoso (a principal de cima), a útil onde há interesses em comum e a agradável onde há um amo mútuo relacional, que torna capaz de suportar diferenças, mas quase sempre há conflitos.

Sobre a útil escreveu Paul Ricoeur em “Le socius et le prochain” (O sócio e o próximo), onde o próximo é um mundo onde o centro de relações pode ser de longa duração, mas mediado por circuitos coletivos complexos e anônimos, onde há interesses em comum, quando eles acabam a “sociedade” se desfaz.

A sabedoria bíblica sobre amizade pode ser encontrada no Eclesiástico 6,5-7: “Uma palavra amena multiplica os amigos e acalma os inimigos; uma língua afável multiplica as saudações. Sejam numerosos os que te saúdam, mas teus conselheiros, um entre mil.  Se queres adquirir um amigo, adquire-o na provação; e não te apresses em confiar nele”. 

Assim ressalta o conceito de empatia através de palavras amenas e reforça aquele conceito de Aristóteles que não “perdemos” amizade, não tínhamos um conceito correto sobre ele, no sentido bíblico “não te apresses em confiar nele”, e teus conselheiros “um entre mil” vemos a influência perversa de narrativas modernas de “coaching”, “influencers” e “ídolos”.

Encontrar a amizade exige sabedoria, num mundo de uma cultura rasa e de elaborações pouco profundas não é raro buscar segurança em “bolhas” artificiais e grupos que não entendem nem mesmo quais são os próprios fundamentos.

Um verdadeiro humanismo, uma verdadeira espiritualidade ou apenas “um caminho” precisa de um método, uma elaboração profunda e um exame detalhado das consequências.

ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2012

 

O ser, a linguagem e a palavra

20 fev

O verdadeiro significado da palavra, e por consequência da linguagem, é tema do pensamento humano desde sempre, Heidegger a considera como elemento característico de nossa humanidade, a partir dela é que se desvela (tira o véu) a verdade do ser.

Na alta idade média, nominalistas e realistas se dividiam sobre sua importância, os nominalistas viam que nenhuma substância metafísica se esconde por trás das palavras, as pretensas essenciais não são algo além das palavras ou signos que representam coisas sempre singulares.

Já o realismo é um termo que pode se referir a diferentes conceitos, dependendo do conceito, assim esta corrente na filosofia defende a existência de uma realidade objetiva, que não depende da mente humana, esta objetividade construiu o pensamento moderno.

Embora fosse uma reação ao romantismo, em especial na literatura e na arte na Europa, em especial na França do final do século XIX, no século XX, há um certo retorno ao nominalismo, pela chamada viragem linguística, a sua característica principal é a relação entre linguagem e o pensamento como objeto de investigação filosófica.

Assim a palavra e a linguagem são parte da essência humana, e o dualismo objetividade x subjetividade é colocado em xeque, ainda que boa parte do pensamento esteja atrelado a este conceito do início da modernidade, onde a objetividade predomina.

É a linguagem e a palavra que são usadas antes de armas e de ódios crescentes serem usados, é dela que saem a nossa relação com o Outro, com os objetos e com a vida cotidiana, que palavra seguimos, as variações linguísticas são resultados de fatores sociais, geográficas, profissionais e situacionais, assim a narrativa atual que corresponde a um empobrecimento da linguagem é fruto do empobrecimento humano e da deterioração das relações sociais.

O número exponencial de doenças psíquicas que já afetam não só adultos, mas crianças em fase de escolaridade, afetam a dificuldade de comunicação verbal, assim é preciso cuidar a linguagem, as vezes agressiva e até mesmo litigiosa.

A sabedoria bíblica lembra (Mt 15:17-18): “Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e, depois é lançado em lugar escuso? Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem”. 

Prestemos mais atenção como o que falamos, como nos dirigimos ao Outro, nossa capacidade de escuta e de diálogo, buscar aquelas palavras que trazem crescimento e sabedoria e buscar sempre uma relação empática para comunicação de algo importante.

Dar atenção a palavra, em especial aquela que traz sabedoria, bom senso e empatia.

 

O mal e a verdade

07 fev

Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) ao romper com o maniqueísmo (a divisão entre o bem e o mal) torna-se cristão e para resolver o seu principal problema, vê que o mal é a ausência do bem e assim é a ausência da Verdade.

A partir do modelo de Agostinho, o mal para Leibniz estabeleceu os alicerces pelos quais um mundo com o mal traz mais bem e, portanto, é melhor um mundo sem o mal, em sua Monadologia estabeleceu: “uma imperfeição na parte pode ser necessária para uma perfeição no todo” e por isso as partes dependem do todo para a verdade (racional) como a concebia.

Leibniz (1646-1716) foi influenciado por Agostinho, e teorizou que a verdade está relacionada a razão: “Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra”, assim de uma meia-verdade não pode surgir uma verdade, eis o problema das narrativas contemporâneas.

Aqui é o central para estabelecer as virtudes, estas sim capazes de exercitar o bem moral, e dele decorre o bem público, o problema social atual não é decorrente apenas da procura do bem comum, é necessário para que ele seja crescente e sustentável que hajam virtudes morais.

Assim não há como justificar o roubo, pequenos desvios, diz a sabedoria bíblica: “quem não é fiel no pouco também não é fiel no muito” (Lucas 17:10-11), e uma sociedade permissiva não pode dar frutos para a construção do bem comum e de mais distribuição de bens.

O problema da verdade, é estabelecido pelo método na Fenomenologia, o filósofo alemão Husserl (1859-1938) vai dizer que a verdade se dá através dos fenômenos que são observáveis, perceptíveis e sensíveis: “chamamos a isso de fenomenologia”, assim a verdade tem um método que pode ser observado em tudo que ocorre a nossa volta.

relativismo moral faz com que verdade seja algo vinculado à moral daquele grupo, no post anterior lembramos que ele é primeiro tratado no livro Teeteto de Platão, cuja preocupação central era combater os sofistas e criar uma verdadeira cidadania, de um modo geral o livro é uma rejeição das teses que manifestam alguma forma de mistura entre razão e sensação. Precisamos defender e nos posicionar fortemente ao lado do bem moral e para isto é necessário um Amor fraterno, porém não pode estar separado das virtudes cardeais que lhe dão base: Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança.

 

 

Virtudes éticas, morais e cardeais

05 fev

A ética é importante para o bom convívio social e para o bom funcionamento das relações humanas no contexto social, elas deveriam ser base para aqueles que hoje contestam as relações morais e as distanciam das virtudes cardeais, por sua origem religiosa.

Alguns princípios são considerados centrais na ética como: autonomia, Beneficiência ou não maleficência (falar mal ou dar falso testemunho) e justiça, deveriam ser base para boa relação social.

Em tempos de relativismo moral, o relativismo político volta a ser tema, talvez tenhamos que retomar os princípios clássicos gregos para dar alguma serenidade ao debate social hoje.

A ética aristotélica era centrada na busca da felicidade e do bem-estar humano, através da virtude (areté) e do desenvolvimento moral.

A areté grega significa tanto virtude quando excelência, a busca de Platão e Aristóteles era de formar cidadãos “íntegros” de forma que pudessem fortalecer a sociedade moralmente, e superar a política que até este tempo sofria forte influência dos sofistas, argumentos discursivos que favorecessem os poderosos independentemente de suas atitudes.

O relativismo nasce aí, buscando apenas justificar o poder por meio de argumentação, a forte semelhança com as narrativas atuais é indicativo que alguma fissura na postura política está se alastrando na democracia moderna.

Os gregos antigos tiveram que superar o relativismo para chegar a democracia, defendiam que os valores morais e as verdades não podiam ser relativos aos contextos históricas e sociais.

O livro Teeteto de Platão é considerado um dos primeiros textos a abordar o confronte entre a verdade e o relativismo, seria ótimo reestuda-lo para a política atual, quando relativismo !!!

As virtudes cardeais devem ser vistas como um complemento, sem elas não chegaremos a uma verdadeira fraternidade e união dos povos, o amor fica esvaziado pela vulgarização atual, já abordamos a filósofa inglesa Philippa Foot (1920-2010) abordou com clareza a lacuna que existe na moral contemporânea das virtudes cardeais: coragem, prudência e temperança (ser mais serenos, quanta falta isto hoje faz) além da justiça que é abordada parcialmente.

Sem as virtudes cardeais temos dificuldades para incluir e viver em paz com todos.

 

A verdade e a justiça se encontrarão

24 jan

O encontro da verdade e a justiça ainda desafiam grande parte dos pensadores, Hans-Georg Gadamer, em seu livro Verdade e Método assinala os dois pontos que ainda são entraves para esta dicotomia: “A efetiva exemplaridade que teve a nova mecânica e seu triunfo para as ciências do século XVIII, assinalado pela mecânica celeste de Newton, continuava sendo para Helmholtz tão evidente, que bem longe dele estava indagar sobre quais as pré-condições filosóficas haviam possibilitado o surgimento dessa nova ciência no século XVII” (Gadamer, 1997, p. 42), e aponta isto em decorrência da Escola Occamista de Paris.

Wiliam Ockham (1276-1347) foi um monge escocês que estabeleceu o princípio da “Navalha de Ockham” que diz que entre duas explicações deve-se ficar com a mais e isto chegou até os estudos dos séculos XVII e XVIII, e Helmholtz foi aquele que tentou separar as ciências da natureza de sua derivação histórica, porque assim poderia se trabalhar as ciências do espírito.

Gadamer tem o mérito de desvendar (não é o desvelar que seria atingir a Verdade), ao analisar o romantismo histórico de Dilthey: “no que diz respeito a essa independência dos métodos das ciências do espírito, Dilthey continua vinculando-a ao antigo Natura parendo vincitur* “ (Gadamer, 1997, p. 44) e assim continuou prevalecendo princípios newtonianos nas “Ciências do Espírito” e assim as verdadeiras bases destas ciências ficam atreladas ao logicismo.

O significado do termo latino é “A natureza é superada ao dar a luz”, vincula o natural ao sobrenatural, e assim acaba por negá-lo, este era o intuito de Kant (sapere audi, ousar saber) e que ficou consagrado na modernidade por Hegel: “o real é apenas um aspecto do ideal”.

Não há no idealismo o conceito de virtude (areté), e sim de formação como disciplina pessoal, Wilhelm Von Humboldt corrigiu isto: “Quando nós, porém, em nosso idioma dizemos formação, estamos com isso nos referindo a algo ao mesmo tempo mais íntimo, ou seja, à índole que vem do conhecimento e do sentimento do conjunto do empenho espiritual e moral, a se derramar harmonicamente na sensibilidade e no caráter” (Gadamer, 1997, p. 49).

Assim a modernidade aboliu a meta-física, o que está além do physis (desde os gregos significa a natureza) e do sobre-natural (aquilo que está acima da natureza, o superno natura).

Assim num reducionismo da verdade, quando procuramos a justiça pensamos ser correto usar meias-verdades (os meios justificam os fins) e quando dizemos defender a Verdade, achamos correto suprimir condições de justiça humana e divina para defende-la, há um vinculo entre elas a Justiça sem a Verdade está mutilada, a Verdade sem a Justiça é meia-verdade.

GADAMER, H.G. Verdade e método. Trad.de Flávio Paulo Meurer. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

 

Círculos virtuosos são inclusivos

22 jan

Na medida em que avançamos nas virtudes encontramos obstáculos, aqueles que estão nos vícios e na decadência tendem a tentar nos desanimar e mostrar que seus enganos estão certos, querem a nossa cumplicidade aos seus erros, porém não se trata de excluí-los e sim amá-los justamente com as virtudes que exercitamos: paciência, prudência, sabedoria e fortaleza.

Não é inclusivo aceitar as ofertas de facilidades que os vícios proporcionam, é sobretudo mostrar que as dificuldades e coragem de enfrenta-las que levam a um recomeço em virtudes e atitudes.

Todo vício já contém em si uma inclusão, é preciso reformar a crítica ao outro, tentar provar que estão errados aqueles que perdoam, que ajudam e que são solidários, pois estão paralisados na sua alma e assim precisam se alimentar e convencer a si próprios que seus erros têm fundamento.

Como afirmamos no post anterior, usando o livro de Philippa Foot, o Amor bastaria se fosse bem compreendido como síntese última de todas virtudes, mas não é assim, uma cultura que está no erro até mesmo palavras fortes precisam ser compreendidas com todos seus complementos, o amor eros não é senão um aspecto do Amor Ágape, e se mal compreendido é também um vício.

O mesmo para a generosidade, se não vista com prudência pode parecer altruísmo e podemos estar no intuito de ajudar, dando esmolas por exemplo, estar alimentando vícios de diversos tipos.

Também o Amor que não tem fortaleza (coragem) é mais fácil excluir, ignorar o diferente ou até mesmo agredi-los na ilusão que isto o tira dos vícios e erros, é muito comum na literatura atual os conselhos tirem de sua vida pessoas com problemas, com erros e que não constroem, enfim exclua.

A exclusão gera mesmo em que pensar estar num circulo virtuoso um novo vício, atitudes e comportamentos não inclusivos e não tolerantes, é preciso apontar os erros, mas com prudência.

Os níveis de agressividade e intolerância geram muitas divisões e no fim da linha vícios e erros que acabam por minar um circulo virtuoso, manter a postura moral, por exemplo, é fortaleza.

A privação de liberdade, de diálogo proveitoso, de escuta sincera em círculos virtuosos gera uma escalada ainda maior das virtudes, ao ponto de parecem lógicas e naturais, sem elas criamos as bolhas em que parecemos viver bem, porém sem a empatia e a resiliência para o convício social.

Assim grupos aparentemente inclusivos onde se auto-elogiam, se auto-ajudam ou se proclamam puros e virtuosos são na verdade círculos de exclusão e pouca vida, tendem a murchar e diminuir.

Verdadeiros círculos virtuosos atraem, inspiram e levam muitas pessoas a superar seus problemas, erros e dificuldades que são próprias da vida, este é um milagre que só as virtudes trazem, o fato que os valores estão sendo deteriorados é que quem os defendem não praticam.