
Arquivo para a ‘Cognição’ Categoria
Heidegger como leitor de Duns Scotus
Pouco se sabe sobre a origem do pensamento de Heidegger tendo como influencia Duns Scotus, a primeira observação é que sua tese de habilitação (mestrado) foi sobre a doutrina das categorias e da significação de Duns Scotus (Die Kategorien und Bedeutungslehre des Duns Scotus, 1915) que só isto vale uma profunda influência.
Claro a influencia direta foi de seu professor e mestre (de fenomenologia) Edmundo Husserl, porém o próprio Husserl teria estranhado ao ler seu trabalho sobre Ser e tempo, assim é preciso retornar ao Heidegger primeiro, que também sofria influência do idealismo de Kant e que fez o trabalho sobre Duns Scotus.
O interesse pelas Categorias remonta aos estudos de Porfírio e seu tradutor Boécio, a quem devemos a famosa “querela dos universais”, porém Heidegger a retoma a partir de Franz-Brentano.
Sua leitura da Tese de Franz Brentano (1862): “Os múltiplos significados do ente segundo Aristóteles” vem do clássico texto de Aristóteles “As Categorias”, a doutrina da significação que será retomada por Husserl, discípulo de Franz Brentano é assim denotada por Heidegger: “à medida que a doutrina das significações salienta as diferentes formações categoriais a partir de ‘significação em geral’ e põe o fundamento para toda a ulterior elaboração dos problemas lógicos de sentido e de validade” (HEIDEGGER 1978, p. 203).
É importante ressaltar que Heidegger esclareceu mais tarde que seus estudos da “Grammatica Speculativa” de Duns Scotus* era na verdade um texto ampliado de Tomás de Erfurt, Heidegger expõe a teoria do modus significandie sua relação com o modus intelligendie o modus essendi.
Husserl, a luz de suas Investigações Lógicas (publicadas em 1900/1901) e, elaborado no volume I das Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica (publicada em 1913), o que Scotus chamava de ens rationis (ente de razão), Husserl chama de sentido noemático, e o que Husserl chama de Noesis é para Scotus a intuição direta.
Retomando Porfírio (já abordamos em posts anteriores), Scotus escreve: “À primeira questão, deve-se dizer que o universal está numa coisa como num sujeito, porque a designa, não o intelecto. Mas o ininteligível está no efetuador e o conhecido no conhecedor.” (Scotus 1998, p. 826), em tradução direta do latim, onde é relacionado o modo objetivo com o subjetivo.
Para Scotus assim o ens rationis não é subjetivo no intelecto, não é algo que existe como uma “afecção da alma”, é algo que está de modo objetivo, como algo representado pelo intelecto, referente a um conteúdo pensado, isto se deve em parte, a ser chamado realista moderado.
Mas sua gramática é bem desenvolvida e não pode ser separada de uma raiz linguística, conforme explica Heidegger uma coisa é a forma linguística de uma expressão, que os medievais chamavam de “vozes” (Heidegger, 1978, p. 290-291) outra coisa o conteúdo da pressão, sua significação e entrelaçamento de juízos.
* Duns Scotus era um monge franciscano, embora professor viveu na pobreza colocando seus bens em comum.
ARISTÓTELES. Da Interpretação (Ed. Bilíngue). São Paulo: UNESP, 2013.
HEIDEGGER, M. Frühe Schriften -Gesammtausgabe (Primeiros Escritos – Edição Completa) Vol. I. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann, 1978.
HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. SP, Aparecida: Ideias & Letras, 2006.
SCOTUS, D. Opera Omnia -editio minor I: Opera Philosophica (a cura di Giovanni Lauriola). Bari: Alberobello, 1998.
Sobre o paliativo e a dor
Byung-Chul Han escreveu “Sociedade Paliativa: a dor hoje”, em plena pandemia (o livro original é de 2020), o que era praticamente um desafio a um mundo assustado com milhares de mortes, isolamento e uma corrida a medicamentos sem os devidos testes de contraindicações, mas o livro é sobre a modernidade onde “a dor é vista como um sinal de fraqueza” (Han, 2021, p. 13).
Entre várias análises os pensamentos de E. Jünger (sobre a dor) e M. Heidegger (Acerca de Ernst Jünger), escreveu o primeiro “Me diga a sua relação com a dor e eu te direi quem és!” em replica “pretensamente irônica de Heidegger”, Han cita Heidegger que “observa: “Me diga a sua relação como ser, caso você sequer tenha alguma ideia a esse respeito, e te direi como você se se você se ´ocupará´ com a ´dor´ou se pode refletir sobre ela” (Han, 2021, p. 84-85).
Heidegger tem em mente, pontua Han, “antes, uma ontologia da dor” … “ele quer penetrar, por meio do ser, na “essência da dor” (idem, p. 85) … “Nós, porém, somos sem dor, não nos apropriamos [vereigen] a essência da dor” (citação de Han das Conferências de Bremen e Freiburg).
Cita mais a diante: “o pensamento é a dor, a paixão pelo segredo que ´se furta oscila oscila na retirada´”(citando outro texto de Heidegger A caminho da linguagem, p. 87), ela desvela o ser, ela é “santuário do ser”, ela chega até a vida” e este “santuário do nada, daquilo, a saber, que em todos os sentidos nunca é meramente um ente, mas que ao mesmo tempo, direciona, até mesmo como um segredo” (p. 89, citando novo texto Conferências e preleções).
E conclui, por raciocínio filosófico, que “a morte significa que o ser humana está em relação com o indisponível, com o inteiramente outro que não vem dele” (idem, p. 89), poderia ser muito bem também um desenvolvimento teológico, aquele que Heidegger, Arendt e Han diferenciam quando falam da imortalidade humano e da eternidade como o puro Ser.
Em “Vita Contemplativa” Han refletindo sobre Hannah Arendt escreve: “contudo, nenhum ser humano consegue, prossegue Arendt, demorar-se na experiência do eterno. Ele precisa retornar ao mundo circundante. Tão logo, porém, um pensador abandona a experiência do eterno e começa a escrever, ele se entrega a vita activa, cuja finalidade última é a imortalidade” (Han, 2023, p. 145).
Arendt se admira com o Sócrates que não escreve, disse Han, com isto renunciou a imortalidade, pode-se acrescentar que Jesus também não escreveu, e no seu caso sofre a “paixão” com dores sobre requintes de tortura pública, até sua morte pública ao lado de dois ladrões, com isto “viveu o inteiramente outro” como pensou Han, e pode experimentar a passagem (Páscoa) da vida para a morte e da morte para a vida, eis a razão também para Ele.
HAN, B.-C. Vita Contemplativa. Petrópolis, Vozes, 2023.
HAN, B.C. A sociedade paliativa: a dor hoje. Petrópolis, Vozes, 2021.
Escutar aquela voz “interior”
Qual a voz do mundo que escutamos? ou temos capacidade de desenvolver e saber escutar uma voz interior, tanto Hannah Arendt quanto Byung-Chul desenvolvem isto claramente, porém é preciso recuperar as raízes alemães, por isso Byung-Chul em suas traduções deixa de propósito os termos dispostos [gestimmtes] e ouvir e se colocar de acordo com a voz [stimme].
Assim ele explica como o ser-no-mundo originário articula o correntes e o estar disposto, “não podemos dispor da disposição, antes somos lançados nela, não a atividade”, mas o “corresponder” significa àquilo que “se dirige a nós como voz [Stimme] do ser” (p. 67), assim ouvir e escutar atentamente precede a ação e se dá à disposição.
Assim o “corresponder ouve a voz do chamado […] é sempre necessário … não apenas por acaso e às vezes, um disposto [gestimmtes]”, onde “o falar do corresponder recebe sua precisão” … “antes, ela concebe ao pensado uma De-finição [Be-Stimmheit]” (Han, 2023, p. 68), que vem dos o texto de Heidegger “O que é isto – A filosofia”
Explica Han: “pensar já é sempre disposto; ou seja, exposto a uma disposição que o fundamenta”, e citando novamente o texto de Heidegger: “todo pensar essencial exige que seus pensamentos e proposições sejam extraídos renovadamente, como minério, da disposição fundamental” (Heidegger, citado na p. 69).
Este pensar é no seu amigo, o que os gregos chamavam de pathos e Heidegger recupera, mas lembra na raízes latina o paschein*: “sofrer, aguentar, suportar, entregar, deixar-se carregar, deixar-se de-finir por [algo]” (p. 69), e acrescento aqui, [ou alguém] se pensar novamente na diferença que Arendt e Han fazem entre imortalidade e eternidade, grifo *nosso do hebraico (פַּסחָא), lembrando nosso post anterior sobre a “paixão civilizatória”.
Assim, pode-se reduzir (simplificar é sempre complicado), que podemos ouvir uma voz interior da consciência, mas Heideggeer e Han lembram que a disposição antecede a isto, quer dizer, muitas vezes estamos “escutando” porque temos funções auditivas, mas não temos a disposição e a atenção para de fato ouvir o que a consciência manda.
É claro que ter consciência é muito mais que ter convicções, muitas vezes nossas certezas e convicções atrapalham ouvir esta voz, porque somos humanos e erramos, queremos o eterno, mas nos contentamos como que é passageiro, ouvir exige “meditar”.
Pensar numa verdadeira “pachein” pode ajudar nos momentos de dificuldades, de contrariedades, enfim tudo o que de certa forma é normal na vida e devemos passar, enfim a paixão boa ou má é passagem para um outro lado.
HAN, B.-C. Vita Contemplativa Ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis: RJ, 2023.
O agir segundo a Vita Activa
Conforme exposto anteriormente a Vita Activa não é separada da Vita Contemplativa, isto já estava elaborado em Hannah Arendt e será amplamente tratado em Vita Contemplativa de Byung Chul Han.
Para estabelecer paralelos é preciso entender que Arendt retoma Aristóteles que via três modos dignos da vida do homem, os povos submetidos a escravidão pela guerra permaneciam ligados aos senhores apenas para suprir as necessidades de manterem-se vivos, e o filósofo grego via de modo similar a vida dos artesãos e mercados.
Para ele o homem “político” era realmente livre e podia se dedicar ao contemplativo, assim a dignidade estava ligada a contemplação, mas vista como a vida da fortuna (a Eutychia) que personificava o destino, boa sorte, prosperidade e abundância.
Isto porque o homem ainda que aspirasse a imortalidade, é a vida sem a morte nesta terra, é uma vida “imanente” neste mundo, Arendt vai diferenciar da eternidade, que aspira um além do cosmos, ou o próprio cosmos pensado com criação da eternidade transcendente.
Já a imortalidade é continuidade no tempo, é vida sem morte nesta terra, é vida “imanente” a este mundo, a vida dos deuses do Olimpo era assim do modo como os gregos entendiam a natureza e sua “imortalidade” junto ao cosmos, sendo a mortalidade dos homens o que o distinguia no cosmo.
Byung-Chul descreve que “poucos antes do Vita activa ou sobre a vida ativa de Arendt, Heidegger proferiu uma palestra com o título Ciência e reflexão [Besinnung]. Em oposição à ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta para onde sempre já estamos” (Han, 2023, p. 62), assim “uma dimensão da inatividade é inerente à reflexão” (idem).
Para Hannah Arendt, labor e trabalho são dois elementos que compõem a atividade humana, juntamente com a ação, enquanto labor corresponde a atividade biológica do ser humano para sua sobrevivência como espécie, já o trabalho permite a criação de objetos e a transformação da natureza.
A sociedade da performance, do midiático e da impulsividade desloca o ser para uma ação que não é nem boa nem má, é pura reatividade e assim é incapaz do agir consciente, a ação do Ser.
É ainda fácil perceber aqueles que agem com sabedoria pelos resultados de suas ações, não a simples resposta a algum discurso ou ação, mas uma reflexão em ato, ainda que seja o silêncio.
HAN, B.-C. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Brazil, Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Narrativa, linguagens e oralidade
Retomando uma de Byung-Chul Han: “A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo”, esta capacidade de superar a contingência do corpo, está ligada não apenas a lembrança da linguagem poética e conativa, porém aos sentidos e valores espirituais que a modernidade abandonou, sob o pretexto de criar uma visão “objetiva” (“A crise da narração”, Byung-Chul Han, 2023).
A contação das histórias dos povos, de suas culturas e religiões assim são fatores primordiais para a superação de um momento tão dramático da história da comunicação.
As linguagens desenvolvidas para as máquinas são capazes de produzir narrações com um conjunto de palavras que fazem parte de seu vocabulário, mas sem o imaginário daquelas vozes que realizam a contação, em especial de culturas orais, onde a escrita é secundária.
O texto dramático é também um gênero onde se apresentam atos, cenas, rubricas e falas, por isto é parte de uma forma teatral ou de a-presentação, no sentido que a presentação é ao mesmo tempo uma contação de uma história e sua negação, uma vez que envolve a ficção, canta história contagem tem sempre um aspecto presente, este é o sentido.
A disputa entre nominalistas e realistas na baixa idade média (séculos XI a XIV), terminou por negligenciar a importância da linguagem, porém a viragem linguística do final do século XIX fez retornar sua importância em estudos como a gramática, a semiótica, a etimologia e de modo mais amplo a linguística.
O início da modernidade é marcado pela ruptura entre a função metafísica da linguagem e o uso da objetividade como modo de expressão, porém esta é apenas uma das funções da linguagem, o linguista russo Roman Jacobson lembra das funções: fática, poética, conativa e metalinguística, na qual se inserem por exemplos os códigos modernos: morse, digital e quântico, onde “o “código explica o próprio código, ou seja, a linguagem explica a própria linguagem”, e este deve ser o único contexto onde se aplicam os conceitos de emissor/receptor.
A viragem linguística, ocorre em meio à crise do pensamento idealista e positivista na modernidade: Husserl, Heidegger, Hanna Arendt são fundamentais embora sejam mais lembrados: Noam Chomsky, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault e Ferdinand de Saussure.
Noam Chomsky escreveu na década de 50 variações para esses estilos linguístico que são mais técnicos, envolvem uma gramática restrita e assim foi chamada de linguagem regular um tipo de linguagem formal que pode ser expressa por meio de expressões regulares. É utilizada na ciência da computação e na teoria formal de linguagem.
Ao proclamar textos numa cultura oral, por exemplo a bíblica, é preciso ter significação, e, em especial fazer uma hermenêutica de sua presentação (repete-a ao contar).
Linguagem, verdade e o eterno
Leibniz (1646-1716) teorizou que a verdade está relacionada a razão: “Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra”, assim de uma meia-verdade não pode surgir uma verdade, eis o problema das narrativas contemporâneas e a verdade está ligada ao Ser por meio da linguagem.
O projeto filosófico de Leibniz incluía uma “linguagem simbólica” que seria a própria da filosofia, chamou-a de “characterística universalis” através da qual poderíamos expressar a verdade, porém em seu tempo a divisão realismo x nominalismo determinou uma vitória do realismo iluminista, e Leibniz e seu discípulo Cristian Wolff (1679-1754) foram rechaçados (figura).
Para seu projeto Leibniz pensava em 3 princípios: Identificar e estruturar hierarquicamente as ideias simples, estipular um sistema adequado de signos e estabelecer regras lógicas para compor ideias complexas.
Christian Wolf chega a elaborar um sistema de conceitos, diferente da árvore do conhecimento de Porfírio, mas também baseado no pensamento Aristotélico (Isagoge), é de Porfírio (232-304) que Boécio tira a famosa querela dos universais: se os universais seriam as coisas ou apenas palavras (categorias de Aristóteles) que atribuímos como nomes às coisas.
A ontologia moderna (fenomenológica), em especial em Hannah Arendt e seu interprete Byung-Chul Han cria novos conceitos que ligam este dualismo no pensamento sobre a Vita Activa e a Vita Contemplativa: “a busca pela imortalidade, pela glória imortal, é, segundo Arendt, “a fonte e o centro da vita activa” (Han, 2023, p. 145), mas “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem).
Vive-se assim num paradoxo entre o eterno e o temporal: “tão longo, porém, um pensador abandona a experiência do eterno e começa a escrever, ele se entrega a vita activa, cuja finalidade última é a imortalidade” (pgs. 145-146).
Arendt “admira-se com o Sócrates que não escreve, que renuncia voluntariamente à imortalidade” (Han, 2023, p. 146), mesmo podendo a escrita “ser uma contemplação nada tem a ver com a busca pela imortalidade” (Han, 2023, p. 146), pode-se pensar também na experiência de Jesus que nada escreve, deve-se então seguir sua palavra e seu exemplo e não sua escrita, assim a oralidade tem “vita activa” enquanto a escrita busca a potência.
Arendt lembra também de Platão, mas Han julga isto “destorcido” da alegoria de Platão, “ela é o relato de um filósofo que se liberta das correntes que o prendem e seus companheiros” (pgs. 147-148), ele age quando retorna a caverna “com suas sombras, a um regime de verdade”.
Colocar as palavras na “vita activa” é, portanto, imitá-las, não sendo nem as proclamar sequer as citá-las, diz Han: “A vita activa sem a vita contemplativa é cega” (Han, 2023, p. 149).
Han, B.-C. Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis, RJ: Vozes: 2023.
Cosmovisão, filosofia e religião
A cosmovisão está mais estreitamente relacionada a filosofia e a cosmologia, mas na literatura ela não deixa de estar ligada a ciência e a religião, o geocentricismo (a terra como centro do universo) e a revolução copernicana que declarou o sol como centro do universo, correspondem a visões científicas e religiosas e ambas eram cosmovisões limitadas, no centro da nossa galáxia temos um buraco negro, por isto é correto pensar também nos “cosmos”.
Na visão ontológica de Heidegger, ele atualiza o termo Weltanschauung que aparece a primeira vez com Kant, que compreendia esta ideia de cosmovisão apenas através da experiência com o mundo sensível, para Heidegger são valores, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, e assim corresponde a uma “visão de mundo”.
A conexão com a cosmologia é importante, já salientamos a revolução copernicana, e hoje a influência das descobertas do observatório espacial James Webb tem contribuído até mesmo para uma visão mais ampla da criação do universo, e se não foi criado, e existiu “sempre” isto favorece ainda mais a cosmovisão do eterno e do infinito.
O universo também nos informa de fatos científicos e religiosos, a visão do paradoxo da informação teorizada por Stephen Hawking sobre pequenas radiações que “escapam” do buraco negro amplia a visão cosmológica e científica, enquanto a estrela guia que indicou o local do nascimento de Jesus poderia muito bem ser uma nova ou uma supernova, uma estrela que nasce ou que morre.
Os cientistas e observadores do cosmos aguardam para os próximos dias o nascimento de uma estrela “nova”, nome dado a conjuntos binários de uma estrela anã e uma gigante vermelha que explodem e dão um brilho mais intenso de uma estrela nascente.
O assunto tomou conta da fantasia dos astrônomos porque desde setembro de 2024 a TCrB (T Coronae Borealis) o sistema binário próximo a constelação da Coroa está para explodir.
Os astrônomos preveem que está explosão está próxima podendo ocorrer na madrugada do próximo dia 27 de março, a TCrB (agora já chamada de Blaze Star ou Estrela Flamejante) está a 3 mil anos luz de distância e a constelação da Coroa está próximo a da serpente (Serpens Caput) e da Bota (Bootes) (figura acima).
Enquanto observamos eclipses, cometas e meteoros, nossa visão ainda era geocêntrica, olhar para um universo mais amplo corresponde a uma visão de mundo mais ampla, saímos de nossa bolha terrestre para admitir realidades celestes e mais universais que nosso pálido ponto azul.
Esta expressão surgiu de quando a sonda Voyager 1, no dia 14 de fevereiro de 1990, estava a uma distância de seis bilhões de quilômetros da Terra (passando o planeta Saturno), e havendo cumprido sua missão, por sugestão de Carl Sagan, vira-se para a Terra e olha para trás tirando uma foto.
A linguagem e a modernidade
As divergências e lutas filosóficas no final da idade média que marcaram as diferenças entre realistas e nominalistas terminaram por uma supressão da importância da linguagem, do exercício do pensamento em uma forma de subjetividade dualista, já que separa sujeitos de objetos.
Foi em parte pela crise do pensamento ocidental e em parte pela ausência de uma compreensão correta da importância da linguagem que no final do século XIX e início do século XX começa uma “reviravolta” linguística.
Como é marcado todo conhecimento na modernidade, também esta importante virada acabou sendo usada como uma metáfora na filosofia da linguagem, porém sua contribuição tanto para o pensamento contemporâneo como para a compreensão de que tipo de crise se vive, ela é uma resposta ampla e essencial: a palavra dá vida as nossas ações e sua meditação não pode ser separada de sua prática (veja o post anterior).
Há aqueles que preferem datar esta virada com o Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) ou ainda mais tarde ainda com o trabalho The Linguistic Turn: Essays in Philosophical Method que Richard Rorty editou em 1967, ele defendeu esta criação ao pensador Gustav Bergmann, mas aponta também Heidegger como um de seus fundadores.
O importante é verificar tanto o diálogo da viragem como a nova perspectiva lógica do Círculo de Viena (com quem Wittgenstein manteve contatos) como a relação com a hermenêutica filosófica nascida de Schleiermacher (“sobre os diferentes métodos de tradução”), era contemporâneo de Schelling, Hegel e Fichte, e assim sob alguma influência do idealismo alemão.
Assim a linguagem oral e textual é traduzida numa linguagem e interpretada segundo uma hermenêutica (foto).
Já a abordagem hermenêutica filosófica que vem na linha de Husserl, Heidegger e seus sucessores (como Hannah Arendt e Peter Sloterdijk) fazem uma ruptura mais profunda e questionam até mesmo a filosofia o pensamento de seu tempo, com grandes lacunas.
A palavra viva é aquela que nos leva a ações concretas longe do individualismo e da falta de meditação (ou de contemplação) da modernidade, leva a gestos concretos de humanidade.
A psicopolítica e o autoritarismo
A visão de autoridade contemporânea está enraizada na ideia do poder da força, do dinheiro, do autoritarismo da manipulação da justiça e dos órgãos públicos a favor do estado, mas toda esta autoridade é uma autoridade que passa como grandes impérios passaram.
O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han passando por diversos autores: Nietzsche (Vontade de Poder), Hegel (Princípios de filosofia do direito), Luhmann (a comunicação do poder) e sua influência principal que é Heidegger (Ser e Tempo) estabelece o conceito de psicopolítica.
As modernas técnicas de poder através de narrativas que escondem os reais interesses do poder, usando principalmente as novas mídias, é o que Han chamou de psicopolítica, ela substitui e ultrapassa o conceito de biopolítica de Foucault.
Parte do conceito de Max Weber, citando-o: “poder significa na oportunidade, no interior de uma relação social, de impor a própria vontade também contra uma resistência, não se importando em que tal oportunidade esteja baseada” (Han, 2019, p. 22, citação de Economia e sociedade, de Weber), este autor já via a tendência moderna desta manipulação psicológica.
Este viés substitui elo conceito de “dominação” (já postamos aqui algo sobre isto), que é “obediência a uma ordem, que é sociologicamente “mais preciso” ao conceito de puro jogo de narrativas que mudam esta ordem de acordo com a necessidade temporal e social.
A raiz da ideia de Estado moderno, diferente do grego que era a superação do poder como um sofisma de manipulação, pura retórica, está em Hegel: “no anseio por uma ausência de limites, por uma infinitude que, entretanto, não seria o poder infinito” (pg. 123), e o que lhe retira a ideia do eterno e do transcendente, dizendo dos seus verdadeiros limites não é uma vontade ilimitada por poder: “A religião é fundamentalmente profundamente pacífica. Ela é bondade” (pg. 124), mas há quem a veja também só como um poder, isto é hegelianismo.
A ideia bíblica é oposta a esta prepotência, ainda que “religiosos” a usem, pois “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10,43), “Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (Mateus 5:6), não há numa boa leitura bíblica nenhuma incitação ao ódio, à violência e a segregação de povos ou raças.
Assim é a ideia dos pequenos, das crianças e dos pacíficos que estão ligadas ao Reino divino.
HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.
Linguagem, ser e reconciliação
Desde a filosofia antiga a linguagem é considerada ontologicamente ligada ao Ser, o Mundo das ideias de Platão (eidos) não é outra coisa senão isto, para Aristóteles linguagem é uma “ferramenta” do pensamento que permite representar a realidade.
Porém a modernidade, sob pretensa objetividade realista, ignorou esta realidade simples onde qualquer ação se inicia antes pelo pensamento e se transforma em linguagem, no dizer do pensador contemporâneo Heidegger a linguagem é “morada do ser”.
A “linguagem das máquinas” ou a codificação do pensamento já expresso numa “mensagem” humana e transformado em códigos, não é exatamente o que deve ser pensado em ontologia, todos os textos de Heidegger e também do filósofo Byung-Chul Han reclamam sobre esta visão técnica da linguagem, porém o século XX começou com a chamada virada linguística.
Assim a linguagem pensada por Alan Turing e Claude Shannon estão circunscritas ao universo das máquinas, enquanto a linguagem pensada ontologicamente é a “abertura do ser” e a busca de um universo de realização e reconciliação, diz Rainer Rilke (1875-1926): “Nós, violentos, nós duramos mais. Mas quando, em qual das vidas, seremos enfim abertos e acolhedores?”.
Byung-Chul Han lembra que o poema épico Ilíada se inicia com a frase: “Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades”, já fizemos diversos posts sobre o mito de Hades, deus do submundo para onde vão as almas, enfim a violência ainda marca nosso processo civilizatório.
A linguagem como expressão de nosso pensamento e nossa interioridade não pode ser separada da vida ativa (Hannah Arendt e Byun-Chul Han), Heidegger que teve forte influências sobre ambos, ela é ponte que vincula o dentro e o fora do homem, de tal forma que o falar é pensado como uma atividade que acontece por meio do homem e assim é ato ontológico (foto – Um mural em Teotihuacan, México, c. século II).
Esta visão da linguagem “por meio do homem” é assim anterior a sua difusão pelos meios (mídias) e não pode ser pensada como meros emissores e receptores uma vez que seja qual for o meio ele é precedido pela pensamento e linguagem humana e nela o ser se “abre”.
Pode-se dizer então que a violência é um aspecto da falta de abertura do ser motivada pelo pensamento e este é construído por metodologias e modos de entender a realidade como tendo um único caminho da violência onde a reconciliação pode parecer impossível.
O homem e a própria realidade não são binários: Ser e Não-Ser, afirmativo e negativo, no homem porque possui estágio interiores sensíveis e cognitivos onde se ativam os motores do pensamento capazes de sínteses, e na realidade pelas descobertas da física quântica e do universo complexo que a astronomia atual revelou.
Reconciliar, ativar mecanismos de diálogos, de entendimento são possíveis ontologicamente.