Arquivo para maio, 2022
Guerra avança sem perspectiva de paz
Finlândia e Suécia já pediram adesão a OTAN e a Rússia ameaça com retaliações, já tendo cortado o fornecimento de energia para a Finlândia, cresce o temor de um conflito na fronteira dos países.
Vários esforços foram feitos de negociações, o presidente da Finlândia Sauli Niinistö falou com Putin, também o chanceler da Alemanha Olaf Scholz, ambos sem resultado prático algum.
Já o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin conversou com o ministro chinês de Defesa Nacional, general Wei Fenghe, na quarta feita de abril, a primeira ligação feito no governo Biden, e o general chinês afirmou que ninguém pode negar que Taiwan pertencia a China, as relações também são tensas com a China.
As possibilidades de paz na Ucrânia são pequenas, tanto a Ucrânia como os países aliados da OTAN não aceitam a anexação da Criméia e não há possibilidade de aceitar a separação a região do Donbass da Ucrânia.
Internamente a Ucrânia retomou a região de Kharkiv e chegou a fronteira, agora os combates seguem em direção a Izium que é próximo a Donbass e assim atacam a retaguarda russa na região.
Por outro lado, as forças russas praticamente controlam a região de Mariupol, restando a última resistência na siderúrgica Azostal onde se tentava a retirada de civis e combatentes feridos (na noite de ontem foi feito), além de Odessa que se torna o próximo objetivo de guerra, isolando a Ucrânia de acesso ao mar.
Também vários graneleiros russos se apropriaram de grãos da Ucrânia e é importante lembrar que um dos maiores produtores de grãos do mundo é a Ucrânia e isto aperta mais a situação de crise na distribuição de grãos pelo mundo, o cenário aponta para uma alta também de grãos, além do impacto que já está acontecendo nos combustíveis.
A esperança de paz é sempre renovada, apesar do cenário tenso, e há forças lutando pela paz.
Covid 19 já volta a registrar alta
Em reportagem da revista Veja, especialistas afirmam que a variação de 20,4% em relação a duas semanas atrás, a avaliação é que acima de 15% já é classificada como uma média móvel alta.
Em outra reportagem da USP, o professor Esper Kallás, do Departamento de MOlésticas Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e infectologista coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da USP, fez uma análise do atual momento, afirmando que no começo da pandemia achava-se que ela teria o pico mas não traria surpresas, mas “o tempo mostrou que a gente estava errado”, acrescentou.
Segundo professor Kallás, o vírus se multiplicou de maneira muito rápida ao redor do planeta, o que favoreceu sua capacidade de modificação genética que resultou em novas variantes.
Disse textualmente à reportagem: “Isso fez com que o vírus se adaptasse com um objetivo principal, que era sua transmissibilidade, porque, do ponto de vista evolutivo, o que ele quer é se espalhar”, explica. Isso ocorre devido à seleção natural, ou seja, aqueles com maior capacidade de transmissão sobressaem em relação aos outros.
Além dele informou o professor também outros pesquisadores apontam, inclusive, que o coronavírus atual é o vírus mais transmissível já conhecido.
Em seu pior momento atual a média móvel de casos conhecidos atingiu a marca de 188 mil casos, foi caindo até estar próximo de 12 mil casos e estar abaixo de 100 mortes, agora já está prestes a atingir os 17 mil casos conhecidos diárias, voltando a ficar acima de 100 mortes diárias.
O momento é preocupante apontam especialistas, porém as autoridades sanitárias apostam numa nova queda, mesmo sem qualquer evidência, para justificar a liberação dos protocolos.
Não violência e ágape
A história contada até nossos dias é uma história de poder, onde a falta de respeito impera e por isso o amor agápe parece algo altruísta e heróico, e o é, porém é mais que isto é a segurança de uma humanidade mais pacífica, mais segura onde as nações e povos podem expressar sua cultura livremente.
Lembra Byung-Chul Han que a primeira palavra da Ilíada de homem é menin (cólera): “a primeira palavra da Ilíada é menin, a saber cólera, [Z o r n] . ´Cantem, deusas, a cólera de Aquiles, filho de Peleus´, assim começa a primeira narrativa da cultura ocidental” (HAN, 2018, p. 22)
Lembra logo de início que somente o respeito é simétrico (recíproco): “O poder é uma relação assimétrica. Ele se fundamenta numa relação hierárquica. O poder de comunicação não é dialógico. Diferentemente do poder, o respeito não é necessariamente uma relação assimétrica.” (Han , 2018, p. 18), assim somente poderá haver ágape, uma reciprocidade de amor sem interesses e sem condicionamentos, se for aprendido o respeito e o amor sem interesses.
De modo análogo o Ulysses de Joyce começa com “Buck” Mulligan e Stephen Dedalus na torre do Martello (foto) ao amanhecer do dia 16 de junho de 1906, o assunto é Haines o hospede de Mulligan e incômodo para Stephen, discutem nas entrelinhas, isto passa desapercebido para muitos interpretes, a filosofia protestante dos unionistas (os que querem a Irlanda unida a Inglaterra) e os católicos que querem a Irlanda independente, que Stephen se alinha.
Mulligan o chama ironicamente de jesuíta, e está logo no início da parte I: “Elevou o vaso (de barbear) e entoou: – Introibo ad altere dei. Parando, prescrutou a escura escada espiral e chamou asperamente: – Suba, Kinch, Suba, jesuíta execrável” (Joyce, 1983, p. 6)
O filósofo Han começa seu livro sobre o que é a cultura de massas de hoje, a cultura do “shitstorm”, um bullying de massas, ou literalmente: “O respeito está ligado aos nomes. Anonimato e respeito se excluem mutuamente. A comunicação anônima que é fornecida pela mídia digital desconstrói enormemente o respeito. Também o Shitstorm é anonimo” (HAN, 2018, p. 14).
Byung-Chul Han acredita que uma sociedade do futuro é possível a partir desta massificação atual onde ainda a ideia da guerra e do ódio estão presentes, mas se modificarão: “A sociedade do futuro terá que contar com um poder, o poder das massas.” (Han , 2018, p. 25).
Um poder das massas deve ser pacífico e solidário, as guerras são disputas de poderes verticais.
Não se trata de definir uma superestrutura de poder e uma lógica de estado e sim um novo e verdadeiro humanismo agápico, aquele que pode ser definido como o amor divino do “novo mandamento cristão (Jo 13, 33-34): “Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. 34Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.
HAN, Byung-Chul. No Enxame: perspectivas do digital. São Paulo: Trad. Lucas Machado. Ed, Vozes, 2018.
JOYCE, J. Ulysses. Trad. Antonio Houaiss, Portugal: Difel, 1983. pdf
Uma leitura do Ulysses de Joyce
Pode parecer complicado para um leitor desavisado a leitura de Ulysses de James Joyce, primeiro a sua divisão que pretende ter conexões com o Ulysses de Homero, assim por exemplo a Telemaquia (parte 1, capítulos 1 a 3) tem como foco os personagens (Telêmaco era filho de Ulysses) e Odisséia (parte II, capítulos 4 a 15) é o desenvolvimento da ação que se passa toda ela no dia 16 de junho de 1904, como já postamos depois de uma festa de amigos com Joyce tornou-se o Bloomsday.
Na parte I, são oito horas da manhã na torre Martelo, onde Stephen (filho de Bloom) mora com “Buck” Molligan, um inglês Haines amigo de Mulligan está presente, eles discutem a arte, que é o pano de fundo para posições éticas dos dois: a tensão entre os dois é porque Stephen de uma arte integra e que despreza as concessões (sociais) para o reconhecimento, enquanto Mulligan vê uma arte que cede a pressão social apoiado por Haines que pretende estudar o renascimento na Liteatura Irlandesa e admira o folclore, porém revela-se anti-semita, parte da xenofobia que os Blooms sofrem pela origem do pai Leopold Bloom, que é judeu-húngaro migrado.
Stephen vê em Haines o colonizador uma vez que o unionismo de Irlanda e Inglaterra domina o cenário irlandês conservador do início do século, enquanto Stephen defende a independência embora veja o provincianismo irlandês como pequeno e critica também seu catolicismo.
Proteus (deus dos mares e filho de Oceano na mitologia grega) revela a reflexão de Stephen sobre o visível e o invisível, o mundo objetivo como sinais que exigem interpretação (e contextualização), a transformação de tudo no tempo e no espaço, na própria mente. Desenvolve aqui de modo subliminar os temas da mãe, da mulher e da fertilidade, o Amor Filia.
Em Calipso o romance vai para a rua Eccles, n. 7 onde Leopold Bloom toma seu café da manhã e o prepara para si, para a mulher e para o gato, resolve comer rim de porco e vai ao açougue paa comprar, no caminho vê uma mulher que desperta devaneios, volta para casa recolhe a correspondência e vê uma carta da filha Milly, outra de Blazes Boylan endereçada a Molly.
Blazes havia organizado uma turnê de concertos para Molly e desconfia que a mulher o trai com Blazes, come o rim tostado, vai ao banheiro e fora da casa lê um jornal. Este capítulo prepara uma encarnação e Odisseu, pai espiritual de Stephen, o monólogo interior prevalece, mas agora o devaneio vai para os problemas do sionismo e o erotismo, no todo, é um espaço do Amor Eros.
Bloom lê uma carta endereçada a Henry Flower, seu pseudônimo, o nome remete a florescência ao desejo sexual que aflora (a correspondência direta em Homero é com os lotófagos, o povo que come Lótus (figura) e que são uma região de perigo na Odisséia), enfim revela a tensão moral de Bloom.
No final deste tópico está Molly na cama, refletindo sobre o marido, o encontro com Boylan, o passado, as esperanças, também ela suspeita de uma amante do marido, aspira grande futuro, é interrompida duas vezes pelo apito do trem (uma espécie de tempo passando) e outra por um início de menstruação, pensa no médico, nos filhos Stephen e o falecido, lembra o primeiro sexo feito com Bloom.
Há preocupações éticas e estéticas, especialmente com Stephen no livro, que traça o cenário da Irlanda do início do século, porém há uma ausência de o Amor Ágape, exceto na concepção de arte de Stephen, e esta é a ligação que James Joyce tenta fazer entre o seu Ulysses e o de Homero.
JOYCE, J. Ulysses, Trad. António Houaiss. Portugal: Difel, 1983. (pdf)
Ulisses, o drama moderno e a guerra
Toda estrutura do romance moderno se desenrola quase sempre em torno do herói romântico moderno, assim é preciso que ao final ele se realize dentro de seu objetivo pessoal e que tem a aparência de universal, o aforisma kantiano da ética: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”, mas ela parte do indivíduo e não do todo.
O todo fica para o holístico, e de certa forma para o místico, assim devem ser entendidos desde os personagens míticos de Ilíada e Odisséia do Ulisses de Homero (928 a.C.-898 a.C.) aos personagens de Ulisses de James Joyce (1882-1941).
Em ambos há um herói o Ulisses de Homero e Leopold Bloom de Joyce, uma mulher Penélope de Homero e Molly Bloom de Joyce, um filho Telêmaco de Ulisses de Homero e Stephen Dedalus no romance de Joyce, que vai estudar em Paris e quando volta vai morar numa forte circular chamado Torre do Martello, com um rival e Malachi Buck Bullighan, o romance é escrito no período da guerra entre 1914 e 1921 e uma visão de fim de mundo é um cenário para Joyce.
Na Odisséia Ulisses ficará 10 anos fora do lar, deixando Penélope e Telêmaco, no romance de Joyce coloca Leopold Bloom em crise com as traições da mulher e a distância do filho, atualizando o amor filial (filia) e erótico (eros), porém o problema do amor agápe é colocado no centro da crise o que pode ser um fio condutor entre o romance clássico e o moderno.
Outro fio condutor é o tipo de herói, o herói épico é um guerreiro que vai a guerra por amor a seu povo enquanto o moderno enfrenta a guerra de modo individual, a moda de Dom Quixote e diante da ética Kantiana, a semana passada foram feitos post da Paz Perpétua de Kant e suas limitações, porém a raiz está no distanciamento dos ágape, um mundo de conquistas e poder onde o interesse prevalece sobre o bem comum.
O amor ágape não é apenas religioso ou mesmo altruísta, ele existe em instituições de acolhimento de pobres, exilados, tóxico-dependentes, emigrantes e esforços na Pandemia, sem eles o número de mortos e excluídos na sociedade já teria causado maiores crises sociais que as atuais e deixaria a civilização sem uma perspectiva e sem esperança.
JOYCE, J. Ulysses, Trad. António Houaiss. Portugal: Difel, 1983. (pdf)
HOMERO. Ilíada e Odisseia, trad. Carlos Alberto Nunes. Editora Nova Fronteira, 2015. (pdf)
Um especto ronda a Europa
Este era o texto inicial do Manifesto Comunista escrito em 1848 quando os operários não tinham os atuais direitos trabalhistas, com horas de jornadas de trabalho desumanas, sem férias, sem qualquer auxílio por doença e com contratos precários de trabalham com poucas garantias.
Há hoje um outro espectro, o de uma nova guerra mundial que teria efeitos devastadores devido a potência das atuais armas nucleares e uma escala de envolvimento realmente mundial, onde poucos países poderiam ficar fora do esforço de guerra.
A Ucrânia é apenas o primeiro cenário de uma disputa econômica, militar e até mesmo civilizatória que envolvem a Rússia e a China de um lado, com aliados menores como a Coréia do Norte, Bielorrússia, Cuba e Venezuela e certa simpatia de forças de esquerda mundiais.
O Dia da Vitória comemorado ontem na Rússia, sob o qual havia expectativas que se mostraram exageradas, a Rússia de fato foi decisiva na derrota da Alemanha nazista pela sangrenta Batalha de São Petersburgo (na época Leningrado), porém o desfile de aviões tão aguardado pelos caças e pelo chamado “avião do Apocalipse” (Tu-95MS) que transportaria armas atômicas, não aconteceu.
Vale lembrar que um ensaio foi feito antes do desfile e talvez não tenham ocorrido por estarem em posição de combate em outras regiões.
A Rússia alegou condições de tempo, mas as fotos (veja a foto acima) mostra um tempo bom, pelo discurso mais ameno, embora reivindica a guerra atual como um prolongamento da guerra que derrotou o nazismo, não teve nem a declaração formal de guerra a Ucrânia nem as ameaças esperadas a OTAN, também Zelensky, presidente da Ucrânia, declarou que “o mal voltou”.
Tradicionalmente o Dia da Vitória é bastante efusivo, em 2015 participaram 16.000 militares, 200 blindados e 150 aviões, mas em 2020 devido a pandemia a fez foi adiada e reduzida de tamanho para apenas 14.000 militares.
O discurso de Putin no desfile desse ano tratou de justificar a guerra na Ucrânia tentando cooptar a vitória sobre o nazismo, porém há nisto certa fragilidade, uma vez que ainda é preciso fortalecer a moral e justificar a guerra, que antes era chamada de “operação especial”.
Como analisa Hannah Arendt em “As origens do totalitarismo” este poder não segue uma lógica, assim o espectro da guerra ronda diversas nações da Europa e a pergunta é quem será a próxima.
Tendência de elevação da Covid 19
Em número publicados pelo próprio ministério da saúde, de variação nos dias 4 para 5 de maio, sábado e domingo em geral há subnotificação, o boletim epidemiológico já registra uma alta em torno de 8,9% com 21.682 novas infecções e 137 mortes pela doença.
Esta tendência vem se mantendo desde o início do mês e atingindo a taxa de 15% será considerada uma nova alta e uma nova onda, embora o número de mortes seja menor e se mantém uma média móvel abaixo de 100 mortes diárias, sendo média e tendo número acima de 100 poderá tornar a elevar-se, já que a média das infecções é maior e de mortes menor porque a cepa é menos letal que as anteriores.
O cálculo de médias móveis é feito por especialistas usando os registros dos últimos 14 dias e dividindo o total por 14, é possível assim ter uma visão mais ampla do atual momento da Covid.
Não há uma análise clara desta leve alta, talvez um efeito sazonal da chegada do frio que favorece as infecções respiratória, porém isto seria muito prematuro porque está acontecendo no hemisfério sul a menor de uma semana, talvez a maior capacidade de infecções da ômicron de segunda linhagem, a BA.2, o preocupante é que favorece a circulação do vírus e o perigo de novas variantes.
Exceto setores especializados que alertam para a questão, pouca atenção é dada a informação mais precisa sobre este futuro da SARS-Covid, apenas a situação da China que segue grave e agora até mesmo com denúncias de desumanidades devido a uma #lockdown excessivo e rigoroso.
Também o início do período eleitoral não favorece uma maior transparência da situação.
O Ser e a escuta na hermenêutica
Qualquer pessoa que tenha audição pode ouvir, porém é cada vez menos comum escutar com atenção o Outro, isto depende da concepção de Ser que intuitivamente temos, que em termos mais genéricos significam escutar com a alma e o coração aquilo que está sendo dito.
Toda a perspectiva da filosofia hermenêutica vai neste sentido e não por acaso tem como referência a obra Ser e Tempo de Heidegger, que entre outras coisas identifica a linguagem como “casa do ser”, assim escutar é ouvir com atenção o Outro, ou no caso da hermenêutica: o texto.
Esta desenvolvimento quando se trata de uma interpretação de texto (mas pode ser usado de modo mais amplo também para a comunicação oral) está expresso como círculo hermenêutico e foi mais completamente explicitado por Gadamer em sua obra “Verdade e método”.
Entre as etapas de “diálogo” hermenêutico está o reconhecimento de pré-conceitos, não no sentido negativo que é empregado no dia a dia, mas no sentido que temos um conjunto de conceitos pré-estabelecidos quando iniciamos uma leitura ou uma conversa, a leitura é uma escuta do autor pelo leitor.
A imediatez e os círculos viciosos das novas mídias impedem esta circulação e aceleram o processo que é chamado de “enxame” por Byung-Chull Han ou por “efeito manada” em diversos autores que não falam especificamente das novas mídias, mas de perigos decorrentes de processos como a guerra e o negacionismo diante de uma Pandemia ou perigos de contaminações diversos.
Na perspectiva bíblica isto significa “minhas escutam minha voz e me seguem” (Jo 10,27), no sentido atual é exatamente a leitura e interpretação de um texto, e a metodologia hermenêutica se aplica a isto, inclusive foi usada em seu início por Scheiermacher, mesmo antes de Husserl.
No caso bíblico é preciso atentar para a parte final do texto (Jo, 10, 29) onde se lê que o Pai (Deus) é que vai arrebata-las e “ninguém vai arrebata-las da mão do Pai”, neste sentido escutar é também ouvir o Espírito Santo através do qual entendemos melhor decisões e caminhos adotados.
O Ser, a interpretação e o diálogo
O conceito essencial da hermenêutica filosófica desenvolvida por Hans-Georg Gadamer critica o modelo do conhecimento tanto da interpretação histórica romântica, que visa apenas criticar ou aderir a uma reconstrução da intenção do autor (ela é feita principalmente relativa ao texto) e tem função tanto normativa quando teológica, quando olha-se para o Ser enquanto linguagem.
Assim corresponde à uma exigência de sentido do texto, aceita o vínculo com seu conteúdo, não visa explicitar o tema ou o conteúdo de um texto, aceita o caráter vinculativo do conteúdo, ou seja, tem uma orientação essencial ao modo humano de habitar o mundo, vinculante a cultura.
Compreender é nesta perspectiva aplicar, não de modo mecânico ou lógico (no sentido dual), e sim traduzir o texto para a própria linguagem da sua situação concreta, em sua totalidade.
Compreender é assim antes de tudo o ato compreendido, aplicado àquela situação ou aquele algo e assim nada tem a ver com um fazer e um saber técnico, ou seja, este última nada acrescenta ao modo de ser e á situação do intérprete, que é mera habilidade automática e causa-efeito.
Deve-se colocar em jogo então as regras dos preconceitos próprios, abrindo o diálogo que por eles são proporcionados, ocorre assim uma fusão de horizontes, depois em novo passo de ouvir o texto, e só então é possível aplicar um sentido ao texto e interrogar-se.
Neste contexto o diálogo é possível, senão há um fechamento dogmático sem a capacidade de ouvir o Outro além dos pré-conceitos e das intencionalidades dos leitores e/ou autores.
É preciso acentuar a necessidade de mediação que se faz através de ideários comuns que são transmitidos pela tradição histórica ou literária, para Gadamer, tal mediação é que faz pensar e transmitir práticas de relacionamento e de comunicação, e sem elas há dificuldade de diálogo.
A fenomenologia como método para o diálogo
A fenomenologia é essencial para um verdadeiro diálogo porque ela pressupõe um partir do zero, dito de forma filosófica, pressupõe um epoché (uma suspensão de juízo no sentido grego) porém a epoché fenomenológica é um colocar entre parêntesis, isto é, admite o diálogo com a tradição ou com o leitor ou interpretante do texto.
Ela surgiu como método em contraposição ao pensamento positivista, através dos estudos de Edmund Husserl (1859-1938), e como método de investigação filosófico vai captar a essência e o significado de determinada coisa, dito por Husserl: “não há consciência, apenas consciência de algo”, e isto vem de uma subcategoria que é a intencionalidade, Franz Brentano e Tomás de Aquino havia trabalho isto porém apenas com sentido psicológico ou mental.
Dito por Husserl ela é: “a descrição daquilo que aparece ou ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição”, assim parte da ideia que projetamos nossa intencionalidade ao descrever.
Heidegger vai colocá-la retomando a ontologia agora num plano diferente do psicológico e colocando-a como um método: “a expressão ‘fenomenologia’ significa, antes de tudo, um conceito de método”, neste sentido será também uma ruptura com o idealismo e o racionalismo tradicional.
“Uma das contribuições da fenomenologia para a filosofia está no modo de tratamento de juízos e significados. Martín Heidegger não separa a razão da emoção, nem o sujeito do objeto”.
A questão da existência do Ser volta-se para a preocupação com o modo de vivência humana, ou nossos pré-conceitos ou ainda nossas racionalizações, ela não pode isolar-se do relacionamento com o mundo e com os Outros, toda filosofia contemporânea busca um modo de Ser coisificado, isolado, seja objetivo ou subjetivo, pois também no campo da poética, da subjetividade e da religião este desvio é observado.
O Ser deve representar uma presença, um manifesto, ou uma relação com o Outro, e uma exigência é a simetria desta relação, onde cada um é capaz de fazer um “vazio” para conter o Outro, um epoché de seus pré-conceitos, sem o qual não há diálogo.
Uma primeira vista sobre este diálogo, está o círculo hermenêutico proposto na figura acima.