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Arquivo para a ‘Mídia Digital’ Categoria

O pensamento e a informática

12 mar

As origens de quase todas realidades (se não considerarmos as divinas e eternas) vem do pensamento humano, a ideia da política na pólis grega, a ideia da “arte da guerra”, dos códigos do direito de Hamurabi (1792 a 1750 a.C.) até os contratualistas modernos, compilações de tratados religiosos, construções epistemológicas das ciências e a informática não poderia ficar de fora.

Em 1900 quando a física e a matemática pareciam dar um ar de precisão e certeza no universo científico, o positivismo ainda reinava no direito, um matemático alemão David Hilbert propôs 23 problema “finais” para a matemática num Congresso Internacional em Paris, no ano 1900.

Entre estes problemas estava o segundo problema: a solução finitista da consistência dos axiomas da aritmética que junto o sexto problema que era axiomatização da física, parecia dar um acabamento lógico e preciso a toda a ciência, porém já havia através de Husserl e Heidegger um retorno a questão do Ser e isto devolvia o pensamento a complexidade humana.

Kurt Gödel, membro do Circulo de Viena que fugia desta lógica e por isto eram chamados de neologicistas, provou a incompletude do segundo problema, ou a aritmética ou era consistente ou completa, permanecendo assim num paradoxo, chamado de Paradoxo de Gödel.

A questão da aritmética é importante para entender a origem da ideia de algoritmo, que anteriormente eram apenas formulas como a fórmula de Bhaskara (para equações de 2º. Grau), soluções complexas de equações diferenciais, enquanto a física tinha o problema de formular toda a física numa única teoria, a chamada Teoria da Física Padrão, mas a mecânica quântica e a teoria da relatividade geral, onde tempo e espaços não são absolutos mudaram este cenário.

O encontro de Claude Shannon e Alain Turing, que trabalhavam em projetos secretos das máquinas de codificação de transmissões (feita para o governo Roosevelt) e decodificação da máquina Enigma capturada dos nazistas (Projeto secreto de Turing) criará um novo evento.

Não podendo falar de seus projetos secretos (Gleick, 2013, p. 213) eles conversavam sobre este paradoxo de Gödel e se perguntavam sobre a possibilidade da máquina elaborar pensamentos, mesmo que fosse algo limitado, e ambos elaboraram teorias sobre a linguagem e sobre algoritmos.

Enquanto Turing elaborou uma máquina de estado que através de movimentos para frente e para trás de uma fita gravando símbolos elaborariam sentenças inteligíveis, já Shannon trabalhava num modelo semelhante (usando uma teoria chamada cadeia de Markov) que através de vocabulários finitos poderia compor sentenças e formular ideias mais amplas.

A contribuição definitiva de Alain Turing foi a chamada Máquina de Estado Finito, cujo modelo foi concluído por Alonzo Church, enquanto Claude Shannon deixou a contribuição de uma Teoria Matemática para a Comunicação, sua teoria estabelece qual a quantidade necessária para que a informação transmitida não seja prejudicada, porém nos limites da “máquina”.

A ideia reducionista que é possível realizar ações sem um necessário pensamento, elaborado, meditado e testado é parte de narrativas pseudocientíficas atuais.

GLEICK, J. Informação: uma história, uma teoria e uma enxurrada. Trad. Augusto Cali. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

 

O mal e nossa mente

17 jan

Não gosto do gênero de terror, mesmo assim fui assistir no filme argentino O mal que nos Habita (foto), dirigido por Demián Rugna (Aterrorizados, the last gateway) e me fez reflexões sobre o mal que pode ser encontrado em regiões e locais onde percebem algo errado e saem a procura de explicações, no caso do filme, após encontrarem um corpo mutilado.
São muitas as mutilações contemporâneas: drogas, embriaguez, pornografia barata, roubos e tudo o que acompanha uma sociedade em crise, no caso do filme eles acabam descobrindo um homem com o corpo infectado pelo diabo e que está prestes a dar a luz a um demônio real.
Não cabe aqui a discussão sobre a realidade da existência desta entidade, pessoalmente creio, porém, o interessante do filme é a comunidade se reunir diante de um caos já instalado para tentar combate-lo e o tempo parece não estar a seu favor.
A metáfora que vejo é não apenas as guerras, como também diversos pensamentos e males já instalados e a população em busca desta “entidade” do mal, porém sem conseguir encontra-la, estamos num limiar civilizatório perigoso e o pior é aquilo que aprisiona a mente e a alma.
Ausência de perdão, fechamento em grupos concêntricos, mais do que bolhas são correntes culturais equivocadas onde um grupo procura eliminar o outro sem qualquer possibilidade de trégua e se pudéssemos denominar este “mal” seria o que Freud chamou de “mal estar civilizatório”, no caso do filme, não eliminar, mas tratar daquele “homem” infectado.
A exclusão e o combate ao “outro lado” parecem as respostas mais evidentes, porém ela só nos encaminha para um mal maior: a guerra, a exclusão e suas consequências.
Reconhecer nossos erros é o primeiro passo, mas deve ser complementado com o perdão aos que por algum motivo nos prejudicaram ou ofenderam e o terceiro é verificar a origem do mal social, este o mais difícil porque a maioria, sem a sabedoria necessária, prefere a exclusão.
Não se trata de tolerância ao mal, nem mesmo a inocência perante ele, é preciso testemunhar vivendo a esperança de um recomeço pessoal, dos que estão a nossa volta e social, vemos no caso do acordo de paz de Israel este passo difícil, pois os espíritos continuam armados, ontem houve novo bombardeio de Israel.
O mundo espera a paz, não haverá com espíritos armados, incapazes de dar o primeiro passo, pois de alguma forma estamos todos infectados por um clima de hostilidades.

 

Entre a guerra e a esperança

13 jan

Crescem em todo o mundo rumores de novas guerras, até mesmo os pacíficos Canadá e Groenlândia foram ameaçados por falas incompreensíveis do novo governo dos EUA de Donald Trump que toma posse em breve, a queda do governo Trudeau no Canadá, que foi comemorada pela população, demonstra as recentes fragilidades do país.

A guerra no leste europeu segue com pesadas baixas e agora já há muitos bombardeios em território russo: campos de petróleo e localizações estratégicas militares como as de Engels, a base aérea de Rostov do Don e da região de Lipetsk, enquanto a Ucrânia perde soldados e territórios. 

Também as bases dos rebeldes Houthis no Iêmen foram bombardeadas por Israel, gerando protestos em vários países árabes, o conflito segue com várias denuncias de organizações humanitárias e aliados antissemitas.

A tensão também ficou elevada com a pose do ditador Nicolas Maduro na Venezuela que segue sem qualquer possibilidade de solução pacífica por uma crise que já está além do ideológico, os governos do Chile e da Colômbia também contestam as fraudes nas eleições de lá, e o governo que aparentemente foi eleito Gonzales Urrutia chegou a ameaçar que iria à Venezuela para a posse, mas recuou após a prisão e soltura de sua vice Maria Corina Machado.

Também a guerra comercial entre China e EUA ganham novos contornos com o bloqueio de envio de materiais chineses para 28 empresas consideradas de uso suspeito de serviram tanto a propósitos civis quanto militares, em especial, aquelas que ajudam Taiwan a se armar.

Há esperança num quadro tão belicoso?  e a resposta sempre será sim, é bom lembrar que nestes momentos sempre surgiram líderes que proclamaram a paz: Mahatma Gandhi, o líder americano Martin Luther King, lideres religiosos sinceros (os que promovem a guerra devem ser colocados sob suspeita) e todos os milhões de pessoas que sabem que a guerra não traz benefícios e que em última instancia querem sempre o domínio de um povo sobre o outro.

Ainda que estas pessoas pareçam “idiotas” e ingênuas, a literatura é farta destes personagens, como já citamos na semana passada os personagens de Dostoiévski, lembro também de um filme dirigido pelo argentino Sebastián Boresztein (Um conto chinês, foto) que fala de uma amizade inesperada entre um ranzinza vendedor de ferragens e um migrante chinês chamado Jun.

A paz é sempre desejada em corações generosos e serenos, o conflito vive na cabeça de pessoas que olhar a todos com suspeita, veem inimigos onde não existem, ainda que falem de paz, o que querem é subjugar os que tem visões de mundo, cultura ou religião diferente.

 

Interioridade, verdade e conflitos

10 out

O abandono de concepções que levam a humanidade elaborar-se interiormente elevando os pensamentos e espiritualidades é apontado em inúmeras leituras contemporâneas, temos aqui postado aqui Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Peter Sloterdijk, Edgan Morin e Byung-Chul Han, entre outros, é claro.

Porém queremos aqui partir da questão do método e retornar a fenomenologia de Husserl, um dos primeiros a questionar “A crise das ciências Europeias e a fenomenologia transcendental – uma Introdução a Filosofia Fenomenológica” (edição brasileira da Forense Universitária, de 2012) que aponta esta questão e que na terceira parte esclarece a questão transcendental e os equívocos da ciência contemporânea.

Assim aponta seus questionamentos dos conceitos de “experiência exterior” e “interior”: “O absurdo principial de querer considerar seriamente homens e animais como realidades duplas, como vínculo entre duas realidades de espécie diversas, equiparáveis quanto ao sentido de realidade, e querer, assim, pesquisar também as mentes pelo método científico-corpóreo, ou seja, de modo natural-causal existindo espaço-temporalmente como corpos – resultou na pretensa obviedade de um método a configurar de modo análogo ao da ciência da natureza” (Husserl, 2012, pgs. 177-178).

Neste sentido vai questionar tanto o dualismo cartesiano como o fundamento de uma ciência que cria um “paralelismo” onde: “a natureza físico-matemática é a natureza objetivamente verdadeira; essa natureza deve ser a que se anuncia nas aparições meramente subjetiva” (pg. 179), e sua questão levantada é porque “não é a natureza do mundo da vida, este mero elemento subjetivo da experiência exterior, mas esta é contraposta à experiência exterior ?

A interioridade na filosofia é um aspecto fundante desde que observemos a questão ontológica do Ser, já presentes em Platão e Aristóteles, e que em Santo Agostinho vai ter um papel central na sua visão de mundo, onde busca um sentido profundo de “beatitude” da alma.

Esta interioridade reduzida a interior e visões imediatas de mundo, separam o homem do mundo, dos outros e passa a se projetar excessivamente sobre os objetos, “as coisas” até o ápice do mundo digital, chamado por Byung-Chul Han de “não coisas”, para falar de algo em alta atualmente, diz o autor: “inteligência artificial não pensa”.

Assim nos movemos mecanicamente para interesses para conflitos externo e que nos levam a posicionamentos cada vez mais litigiosos sobre valores e não-valores que justificam a violência.

O problema que aponta Husserl, é que tudo isto parte de um “método” ou seja o modo particular como olhamos o exterior e exercemos nossa interioridade, contrapostos nas origens por  Brentano e Dilthey: “como em geral no século XIX, no tempo dos esforços apaixonados para produzir uma psicologia rigorosamente científica, apresentável ao lado da ciência da natureza” (pg. 180), mas este psicologismo é superado pela crítica de Husserl a Brentano e depois por Hans-Georg Gadamer a Dilthey, como o vê como um historicismo romântico.

O que é o homem interiormente, porque esvaziou-se na modernidade, qual o retorno a vida ?

HUSSERL, E. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental: uma introdução à filosofia fenomenológica. Trad. Diogo Falcão Ferrer. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2012.

 

Desencantamento, narração e dor

07 jun

Chul Han lembra de um hábito muito conhecido em muitas sociedades que é o fato de contar histórias para as crianças dormirem, lembro que é antigo, pois são famosas As fábulas de Esopo (Grécia antiga), os contos dos Irmãos Grimm, as histórias organizadas por Charles Perrault e muitos outros, Han vai escolher uma história pouco conhecida (pelo menos aqui no Brasil) de Paul Maar do jovem Konrad que não sabia narrar e sua irmã Susanne que pede que ele conte uma história para ela dormir.

Os pais por outro lado gostavam de narrar, eram “quase viciados nisto” e quando o pai termina de contar uma história a mãe escreve R de Roland no papel e quando a mãe termina de contar história o pai escreve um O de Olivia, mas os pais percebem que Konrad não consegue narrar história e o mandam para um certa senhorita Muhse, ele chega a uma casa pequena e a senhorita que sabe que ele veio aprender a contar histórias pede que ele suba uma escada e leve um pacotinho para a irmã, mas a escada parece infinita até que encontra uma parede que se abre como uma porta.

Lá dentro está tudo escuro e vê uma coruja com voz e conversas estranhas e percebe que não tem piso e cai num longo encontrando ao final a senhorita Muhse que lhe dá outro pacote e pede que leve ao irmão dela no térreo pois não entregou o primeiro, Konrad fica confuso pois pensava ter caído para o térreo, e ele novamente cai nas “estranhas escuras” da casa e novamente chega a senhorita Muhse, que agora fuma um charuto fino, sabe que ele não entregou o pacote e lhe dá outro novamente, ele diz “não estou aqui para entregar pacotinhos, estou aqui para aprender a narrar”, ela vê que é um caso perdido, abre uma porta na parede e diz: “Boa triagem e tudo de pão” (ela sempre muda os ditados) e desta vez está de volta a casa dos pais (páginas 74 a 77).

Os pais e irmãzinha estão tomando café da manhã e ele diz animado: “tenho que contar para vocês. Vocês não vão acreditar no que vivi …”, o mundo de Konrad agora é outro e agora os pais escrevem K (de Konrad) no papel que eles anotavam suas narrações.

O desencantamento do mundo é quando tudo é reduzido a causalidade, a facticidade (as narrativas de hoje dizem os fatos não mentem, mas sob uma interpretação parcial), Walter Benjamin diz que “as crianças são os últimos habitantes do mundo encantado” (pg. 79), diria não há mais no mundo “adulto”: leveza, empatia e imaginação.

“As crianças de hoje caçam informações como ovos de Páscoa digitais” (pg. 80), hoje a “falta de interioridade narrativa distingue as fotografias das imagens de recordação … as fotografias retratam o dado sem internalizá-lo … não querem dizer nada … “  e é por isto que concluo que dados podem não ser, e quase sempre não são, informações.

Mais difícil ainda é entender o que é conhecimento como vivência: “a narrativa se opõe a facticidade cronológica” (pg. 81), lembra Han lendo Marcel Proust e também Benjamin que a aura é justamente a “distância do olhar que desperta no objeto observado” (pg. 82) e lembrará também Karl Kraus citado em Benjamin: “quanto mais de perto se olha para uma palavra, mais distante ela parece estar” (pg. 83).

A memória desnarrativizada é como uma “loja de sucatas” aqui o autor lembra Paul Virilio (Informação e Apocalipse) sendo o “depósito abarrotado de todo tipo de imagens completamente desordenadas, mal preservadas e de símbolos desgastados” (pg. 84), onde se torna “amontoado de dados ou informações [que] não tem uma história. Ele não é narrativo, mas cumulativo” (pg. 84).

Termina este capítulo de forma muito agradável e sensível, depois de citar trechos das obras de Susan Sontag, Adorno e Gershom Scholem, parafraseando este último escreve: “O fogo mítico na floresta foi esquecido. Não sabemos mais fazer orações. Também não somos capazes de meditações secretas” (pg. 89) e diria aproveitando o tópico Dor do livro “Coração de Heidegger: sobre o conceito de tonalidade” (veja posts anteriores) não sabemos mais o significado da dor, do afeto e perdemos qualquer noção do “todo”.

Han, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: Vozes, 2023. 

 

Narração, cultura digital e oralidade

06 jun

Ainda no trecho sobre a Pobreza e experiência, citando Walter Benjamin escreveu Byung-Chul: “Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do ´atual’. A crise econômica está diante da porta, atrás dela está uma sombra a próxima guerra” (Han, 2023, pg. 37-38, citando Pobreza e Experiência de Benjamin), era o limiar da 2ª. guerra mundial.

Em que a modernidade resume a felicidade, esclarece o autor “a felicidade não é um acontecimento pontual (pg. 43), hoje “quando tudo nos lança em um frenesi da atualidade, quando estamos no meio da tempestade de contingências, somos infelizes” (pg. 44), relembra Marcel Proust “Em busca do tempo perdido” que entendeu o “resgate do passado como tarefa do narrador” (pg. 45) e a vida moderna como “uma atrofia muscular”.

Discordando de Heidegger para reafirmar sua importância contextual (também para hoje): “Ser e tempo não é uma análise atemporal da existência humana, mas um reflexo da crise temporal da modernidade” (pg. 45), “o ser-si-mesmo de Heidegger é anterior ao contexto narrativo da vida produzido posteriormente. O ser-a-i se assegura de si mesmo antes de narrar a si mesmo uma história coerente referente ao mundo da interioridade” (pg. 47) e isto explica o livro que postamos anteriormente aqui O coração de Heidegger.

Após um discurso de algumas páginas sobre as novas mídias:  Phono sapiens, os selfies, o Facebook, é uma fixação do autor ainda que reconheça Benjamin anterior a isto, ainda que diga de modo correto: “eles são alinhados de forma sindética, sem nenhum nexo narrativo” (pg. 51), reconhece que sempre “A memória humana faz escolhas. Nesse aspecto, ela se diferencia de um banco de dados”, uma precisão técnica fundamental, por há quem confunda e as vezes ele também, com dados sem informação e informação sem conhecimento.

É anterior até mesmo ao surgimento da prensa de Gutenberg e pertence à cultura oral: “a narração autobiográfica pressupõe uma reflexão posterior sobre o que foi vivido, um trabalho de recordação consciente” (pg. 53) enquanto “a qualidade dos dados é melhor quanto menos consciência eles contêm” (idem), porém é preciso lembrar a busca semântica, a ligação dos dados (linked data) e o uso da Inteligência Artificial para a narração (é possivel com ética e supervisão humana) que tornem possível uma consciência além do “consciente libidinal” (idem) sem ética nem moral, sem o esquecimento do ser.

Sem citar a cultura oral, mas o trecho lembra ela: “se tudo o que foi vivenciado estiver presente sem distância, ou seja, estiver disponível, a recordação reaparece” (pg. 56) e acrescenta: “uma reprodução sem falhas da vivência não é uma narrativa, mas um relatório ou registro” (ibidem) e lembra que quem quiser narrar ou recordar “precisa ser capaz de esquecer ou deixar escapar muita coisa” (pg. 57) e não pode estar falando de outra coisa que não seja a cultura escrita, pois a oral é capaz de esquecer detalhes porém vai sempre recordar o que é vivido e através dela lembrar o essencial e lembrar a tradição.

Lembrar os mestres das culturas, seus ensinamentos e vivencias não é outra coisa senão a cultura oral, a cultura escrita é um “banco de dados”, uma memória sem reflexão.

Sem citar a cultura oral, mas o trecho lembra ela: “se tudo o que foi vivenciado estiver presente sem distância, ou seja, estiver disponível, a recordação reaparece” (pg. 56) e acrescenta: “uma reprodução sem falhas da vivência não é uma narrativa, mas um relatório ou registro” (ibidem) e lembra que quem quiser narrar ou recordar “precisa ser capaz de esquecer ou deixar escapar muita coisa” (pg. 57) e não pode estar falando de outra coisa que não seja a cultura escrita, pois a oral é capaz de esquecer detalhes porém vai sempre recordar o que é vivido e através dela lembrar o essencial e lembrar a tradição.

Lembrar os mestres das culturas, seus ensinamentos e vivencias não é outra coisa senão a cultura oral, a cultura escrita é um “banco de dados”, uma memória sem reflexão.

HAN, B.C. A crise da narração. Trad. Daniel Guilhermino. Petrópolis: Vozes, 2023. 

 

Poder em Foucault e Chul-han

16 abr

Michel Foucault rompeu com as concepções clássicas do termo poder e define como uma rede de relações onde todos os indivíduos estão envolvidos, e entendemos a rede aqui com o sentido moderno de rede embora fosse vago no seu tempo, os indivíduos são tanto geradores como destinatários do movimento destas relações, entretanto ele as identifica como biopoder, enquanto Chul-Han vai identificar como psicopoder, e de certa forma agrega as mídias a isto.

A ideologia de Estado, nascida de Hegel é a base de toda história de poder contemporâneo, o autoritarismo e as guerras modernas nasceram de uma nova ideia de imperialismo e colonialismo, na qual estados mais fortes controlam o poder não apenas pelas armas, mas antes pelo biopoder e agora pelo psicopoder.

O biopoder de Foucault, o estado é o primeiro nível de poder (ele chama de setor), o mercado o segundo nível, e, o terceiro é a sociedade civil, a ideia de 4º. poder da imprensa vem daí.

Ele estudou o poder não para desenvolver uma teoria sobre ele, mas para identificar aspectos da subjetividade (na ontologia seria a questão do Ser), ou seja, sujeito sobre os outros sujeitos.

Isto é importante para diferencia-lo de Chul-Han, que parte das relações ontológicas entre os seres e identifica a ação de mídias e estruturas mídias que atuam sobre a psicologia do poder, assim sua ideia de poder (O que é poder) é como uma técnica de dominação que estabiliza e reproduz o sistema dominado por meio de uma programação e de um controle psicológicoc.

Foucault vê o biopoder, como no corpo como uma máquina de adestramento, já que a biopolítica, em meados do século XVIII, estava focada em controles reguladores da população, a ideia que era o aumento populacional que proporcionava a miséria e a fome.

Peter Sloterdijk que orientou a tese de doutorado de Chul-Han sobre Heidegger, defende que este processo de “adestramento” falhou e assim, o processo de controle desenvolve-se para o quarto poder, que Chul-Han focaliza excessivamente nas mídias, esquecendo do 4º. poder da imprensa, TVs e cinema que influenciaram enormemente.

Ele desenvolve patologias de autocentramento (narcisismo), instabilidade emocional (borderline) como respostas às demandas de uma sociedade intoxicada de exigências de eficiência, de aparência e de coerção disciplinar, escreveu o autor):

“É inerente à sociedade pré-moderna da soberania a violência da decapitação; seu medium é o sangue. A sociedade disciplinar moderna é, em grande medida, uma sociedade da negatividade, sendo regida e dominada pela coerção disciplinar, isto é, pela ‘ortopedia social’. Sua forma de violência é a deformação. Mas nem a decapitação e nem a deformação estão em condições de descrever a sociedade de desempenho pós-moderna. Ela é dominada por uma violência da positividade, que confunde liberdade e coerção. Sua manifestação patológica é a depressão” (Han 2018,  pp. 183-184).

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2018. 

 

A ascese como elevação humana e espiritual

16 mai

Não é específica de uma religião e também está definida na filosofia, do grego áskesis, “exercício espiritual”, derivado de ἀσκέω, “exercitar”, consiste em uma prática ou mais práticas que propiciam o desenvolvimento espiritual, a simples ideia de renúncia ao prazer ou as necessidades primárias, deve ser vista dentro de contextos ou períodos determinados, portanto não é normal geral e também seu contrário não significa apenas pecar, mas se deteriorar, enfraquecer ao deixar de fazer determinados exercícios.
Peter Sloterdijk, um agnóstico, fala desta ascese despiritualizada, no sentido que somos uma sociedade de exercícios, mas que eles não propiciam nem uma elevação humana nem espiritual, um claro exemplo disto é o número de academias que crescem no país e em muitos lugares do mundo, outro exemplo são as demonstrações de virilidade como uma elevação humana, claro é importante cuidar da saúde, mas algumas vezes excesso de exercícios e remédios fazem o contrário.
Do ponto de vista humano o que experimentamos é uma decadência que vai da moral ao religioso, assuntos tão claros até recentemente, hoje são vistos como tendo controvérsias quase absurdas a ponto do imoral ser considerado “normal” e “humano” e o religioso ser identificado com atrocidades.
A série crise humanitária não poderia deixar de atingir o econômico, não se trata das simples crises de mercados, elas estão no epicentro das guerras e das falácias econômicas, não é preciso ser economista para ver que formulas simplistas não funcionam em nenhum dos extremos: o capitalismo selvagem e o socialismo sem liberdade e sem qualidade humana.
Parece difícil reconhecer o que seria então uma verdadeira espiritualidade, mesmo havendo o princípio da ascese que significa a elevação humana nas relações sociais e na dignidade inerente a todo ser humano, no respeito a natureza e na preservação de seus benefícios, enfim no amor a vida.
Até mesmo para o conceito de paz voltamos na história, a pax romana parece ser o princípio para muitas guerras, qual seja aquela que submetia os territórios “inimigos” para declarar a paz, nem mesmo a paz eterna do idealismo contemporâneo é reivindicada, embora também tenha limitações (na foto, foto do brasileiro Felipe Dana ganhador do prémio Pulitzer).
É prenuncio de grandes tragédias, incluindo a guerra, o que se espera é que de alguma forma forças que ainda tenham um fundo humano e espiritual possam interpor esta realidade contemporânea e reverter o quadro perigoso que todos enfrentamos e poucos trabalham para sua reversão.

 

Visita a Roma, Contraofensiva e Prêmio Pulitzer

15 mai

A semana foi toda protagonizada pela Ucrânia: visita a Roma e ao papa, avanços em Backhmut e fotos da guerra chamaram a atenção ao ganhar o prêmio Pulitzer, as fotos são chocantes e talvez digam mais que palavras, já que hoje há até retóricas incompreensíveis a favor da guerra.
No plano estratégico, não há o analista português Germano Almeida apontou: “aqui no Ocidente não temos ainda conhecimento dos planos, portanto há uma ideia ucraniana de isto é só o começo e ninguém sabe onde é que na verdade essa contraofensiva pode ser feita porque a questão de Bakhmut pode ser uma primeira manobra de diversão [despiste] e o essencial e a ofensiva em massa ser noutro local”, disse Germano.
A visita a Itália, além do apoio já declarado do país, as visitas ao presidente italiano Sérgio Mattarela e com a primeira-ministra Giorgia Meloni, também participou de um talk show da TV italiana, sobre o papa tudo que se sabe é de um acordo humanitário a refugiados.
As imagens que ganharam o prêmio têm também a de um brasileiro na lista: o carioca Felipe Dana que filmou e fotografou cenas de Bucha, a mais cruel e violento massacre feito pela Rússia na ucrânia (primeira foto abaixo), vale lembrar que também a guerra do Vietnã teve prêmios sobre os horrores lá.
Algumas imagens do prémio Pulitzer 2023 (no total foram 30) dada a vários fotógrafos da Associated Press, incluindo o brasileiro, se palavras não comovem talvez as imagens o façam. 

 

 

Inteligência Artificial e planejamento

26 jan

Todos nós desejamos situações ideais e perfeitas, como diz Margaret Boden evidentemente isto não é restrito a IA, o nosso dia a dia, as nossas viagens e o futuro dependem deste planejamento, o simples voluntarismo, ou o simples desejo (está na moda mentalizar desejos) não resolvem nenhum problema e na maioria das vezes provocam ansiedade e frustração.

No caso da computação, “o planejamento possibilita que o programa – e/ou o usuário humano – descubra quais ações já foram realizadas e porquê. O ´por quê´ se refere à hierarquia do objetivo: esta ação foi realizada para satisfazer aquele pré-requisito, para alcançar tais e tais objetivos secundários” (Boden, 2020, p. 44), isto em alguns planejamentos de programas de computação é chamado de “engenharia de requisitos”.

No caso de IA, existe tanto um “encadeamento para a frente” como “encadeamento para trás”, que explicam e ajudam o programa a encontrar soluções, para isto existe também uma hierarquia, também existe uma hierarquia de tarefas e a autora acrescenta que tanto o planejamento como a hierarquia foi rejeitada por “roboticistas” da década de 1980, e hoje foi incorporada a área.

Existem vários condicionantes de IA que não são claramente expostos e que explicam melhor o que é a IA, por exemplo, “existe uma grande quantidade de hipóteses simplificadoras não matemáticas na IA que geralmente não são mencionadas. Uma delas é a hipótese (tácita) de que os problemas podem ser definidos sem levar em conta as emoções” (Boden, 2020, pg. 46) que é tratado no tópico seguinte e cujo assunto é apenas inicializado.

As redes neurais artificiais que auxiliaram muito o desenvolvimento da IA são bem diferentes de redes semânticas, uma vez que esta já são desenvolvidas a partir da experiência e da interação humana e só depois destes tópicos é que Capítulo 6 é que a autora faz a pergunta sobre o que é a Inteligência Artificial de verdade, como as perguntas capitais “Será que teriam egos, postural moral e livre-arbítrio? Seriam conscientes?” (Boden, 2020, p. 165), e esta pergunta não podemos fugir sem apresentar algum insight filosófico, teológico ou antropológico, talvez um síntese aprofundada dos três fosse mais interessante.

A pergunta em tempos de séria crise civilizatória e necessário uma pergunta anterior: a consciência humana o que seria? Como a tratamos? A ditadura do igual, do insensível e da padronização até mesmo do pensamento nos conduz a uma falsa impressão de que a máquina pode nos ultrapassar (o ponto de singularidade).

BODEN, Margaret A. Inteligência Artificial: uma brevíssima introdução. SP: Ed. UNESP, 2020.