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Cosmovisão, filosofia e religião
A cosmovisão está mais estreitamente relacionada a filosofia e a cosmologia, mas na literatura ela não deixa de estar ligada a ciência e a religião, o geocentricismo (a terra como centro do universo) e a revolução copernicana que declarou o sol como centro do universo, correspondem a visões científicas e religiosas e ambas eram cosmovisões limitadas, no centro da nossa galáxia temos um buraco negro, por isto é correto pensar também nos “cosmos”.
Na visão ontológica de Heidegger, ele atualiza o termo Weltanschauung que aparece a primeira vez com Kant, que compreendia esta ideia de cosmovisão apenas através da experiência com o mundo sensível, para Heidegger são valores, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, e assim corresponde a uma “visão de mundo”.
A conexão com a cosmologia é importante, já salientamos a revolução copernicana, e hoje a influência das descobertas do observatório espacial James Webb tem contribuído até mesmo para uma visão mais ampla da criação do universo, e se não foi criado, e existiu “sempre” isto favorece ainda mais a cosmovisão do eterno e do infinito.
O universo também nos informa de fatos científicos e religiosos, a visão do paradoxo da informação teorizada por Stephen Hawking sobre pequenas radiações que “escapam” do buraco negro amplia a visão cosmológica e científica, enquanto a estrela guia que indicou o local do nascimento de Jesus poderia muito bem ser uma nova ou uma supernova, uma estrela que nasce ou que morre.
Os cientistas e observadores do cosmos aguardam para os próximos dias o nascimento de uma estrela “nova”, nome dado a conjuntos binários de uma estrela anã e uma gigante vermelha que explodem e dão um brilho mais intenso de uma estrela nascente.
O assunto tomou conta da fantasia dos astrônomos porque desde setembro de 2024 a TCrB (T Coronae Borealis) o sistema binário próximo a constelação da Coroa está para explodir.
Os astrônomos preveem que está explosão está próxima podendo ocorrer na madrugada do próximo dia 27 de março, a TCrB (agora já chamada de Blaze Star ou Estrela Flamejante) está a 3 mil anos luz de distância e a constelação da Coroa está próximo a da serpente (Serpens Caput) e da Bota (Bootes) (figura acima).
Enquanto observamos eclipses, cometas e meteoros, nossa visão ainda era geocêntrica, olhar para um universo mais amplo corresponde a uma visão de mundo mais ampla, saímos de nossa bolha terrestre para admitir realidades celestes e mais universais que nosso pálido ponto azul.
Esta expressão surgiu de quando a sonda Voyager 1, no dia 14 de fevereiro de 1990, estava a uma distância de seis bilhões de quilômetros da Terra (passando o planeta Saturno), e havendo cumprido sua missão, por sugestão de Carl Sagan, vira-se para a Terra e olha para trás tirando uma foto.
A paz e os horrores da guerra
As eleições na Alemanha, na qual os debates foram para polarizações jamais pensadas naquele país depois dos horrores da II Guerra Mundial fez muitas analistas pensarem que já estamos um pouco distantes daquele momento triste para a história da civilização e talvez não saibamos mais entender os horrores da guerra, não importam as narrativas, toda guerra é sempre algum tipo de saque, algum nível de genocídio e o que morre primeiro é a verdade.
Apesar de tentativas e propostas o conflito do leste europeu parece escalar em limites e em envolvimentos de forças antagônicas cada vez mais perigosos, a tentativa de um cessar-fogo não só fracasso, como também mostrou interesses diferentes daqueles que são declarados.
Também o cessar-fogo no médio oriente, depois de um primeiro ciclo, quando parecia que poderia entrar numa segunda fase, voltou a recrudescer, o exército israelense afirmou na última terça-feira (18/03) estar realizando “ataques extensivos” e o ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, disse que 400 palestinos ficaram feridos nos ataques.
No leste europeu, mesmo as propostas americanas de cessar-fogo inicial ter sido aceita, tanto o exército russo realizou ataques com drones a Kiev e fontes energéticas da Ucrânia, como a Ucrânia lançou ataques a uma base de armas nucleares na região de Engels (Oblast de Saratov), como também ataques a capital Moscou, inviabilizando qualquer cessar-fogo neste momento.
Uma análise da CNN, no sábado 22/05, o que a Rússia quer é muito, muito maior que o fim da Ucrânia como estado independente, há o desejo que a OTAN volte ao tamanho do que era no período soviético, países que hoje integram a OTAN estavam antes na esfera soviético-russa.
Não há uma visão forte de que a paz é melhor do que qualquer guerra, sentar a mesa e travar o debate diplomático evita a morte de milhares de civis inocentes, deixa de alimentar uma crise mundial que afeta a vida, por razões óbvias, o equilíbrio econômico e o espirito fraterno.
Ainda há muito que caminhar na direção da paz, desarmar espírito não só nos países em guerra, mas entre aqueles que nas sombras alimentam um espírito genocida do ódio e do conflito, o perdão e a concórdia precisam partir de cada pessoa que deseja um mundo de paz.
A linguagem e os frutos
Hermenêutica é a arte ou técnica de interpretar e explicar textos, originaria do grego, ela também se aplica hoje à ontologia e a filosofia da linguagem, e serve para interpretação não só de textos e filosofias tradicionais, como os textos sagrados e jurídicos.
O problema grave da linguagem nos dias atuais é sua perspectiva de uma análise fragmentária e distorcida dos textos, enquanto a hermenêutica serve para uma verdadeira interpretação (aspetos etimológicos, de tradução e de significação), o uso da linguagem para justificativa do poder era mais próprio dos sofistas na modernidade antiga.
Assim os frutos de uma verdadeira expressão linguística, e de uma hermenêutica filosófica foi o de construir um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação, há vários autores, porém, destaco Hans-Georg Gadamer, e ela é fundamental para uma perspectiva humanística.
Gadamer reconstrói o conceito de pré-conceito, tirando a carga negativa de juízo antecipado que tinha adquirido na ilustração, dando um caráter essencial dentro da hermenêutica, uma vez que permite a fusão de horizontes, dentro do círculo hermenêutico anterior ao diálogo.
Assim rejeita a ideia de um conhecimento do passado por meio da razão pura, sem mediação da própria tradição do intérprete, uma vez que isto impede a fusão de horizontes e o diálogo.
O intérprete não realiza apenas uma atividade “reprodutiva” do texto, senão que o atualiza de acordo às circunstâncias do momento, por isso fala-se do seu labor “produtivo” (Gadamer, 1997), não há referência direta ao conceito de “labor” de Hannah Arendt, mas cabe bem no texto, uma atividade natural e não durável que se esgota ao ser realizada.
Assim é o uso produtivo da linguagem, palavras que são ações que acionam atitudes de ajuda, de socorro, de solidariedade e de diálogo, ainda que de diferentes interpretes, o importante é que uma linguagem humanitária leve a ações a favor da sociedade e de princípios frutíferos.
Não se colhem figos de espinheiros, a árvore boa não pode dar maus frutos, a linguagem que é dirigida a boas iniciativas humanitárias, não terá resultados negativos, assim facilmente ela caminha para um diálogo se realiza a “fusão de horizontes” como ponto de partida na interpretação, a base de um diálogo hermenêutico.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
A linguagem e a modernidade
As divergências e lutas filosóficas no final da idade média que marcaram as diferenças entre realistas e nominalistas terminaram por uma supressão da importância da linguagem, do exercício do pensamento em uma forma de subjetividade dualista, já que separa sujeitos de objetos.
Foi em parte pela crise do pensamento ocidental e em parte pela ausência de uma compreensão correta da importância da linguagem que no final do século XIX e início do século XX começa uma “reviravolta” linguística.
Como é marcado todo conhecimento na modernidade, também esta importante virada acabou sendo usada como uma metáfora na filosofia da linguagem, porém sua contribuição tanto para o pensamento contemporâneo como para a compreensão de que tipo de crise se vive, ela é uma resposta ampla e essencial: a palavra dá vida as nossas ações e sua meditação não pode ser separada de sua prática (veja o post anterior).
Há aqueles que preferem datar esta virada com o Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) ou ainda mais tarde ainda com o trabalho The Linguistic Turn: Essays in Philosophical Method que Richard Rorty editou em 1967, ele defendeu esta criação ao pensador Gustav Bergmann, mas aponta também Heidegger como um de seus fundadores.
O importante é verificar tanto o diálogo da viragem como a nova perspectiva lógica do Círculo de Viena (com quem Wittgenstein manteve contatos) como a relação com a hermenêutica filosófica nascida de Schleiermacher (“sobre os diferentes métodos de tradução”), era contemporâneo de Schelling, Hegel e Fichte, e assim sob alguma influência do idealismo alemão.
Assim a linguagem oral e textual é traduzida numa linguagem e interpretada segundo uma hermenêutica (foto).
Já a abordagem hermenêutica filosófica que vem na linha de Husserl, Heidegger e seus sucessores (como Hannah Arendt e Peter Sloterdijk) fazem uma ruptura mais profunda e questionam até mesmo a filosofia o pensamento de seu tempo, com grandes lacunas.
A palavra viva é aquela que nos leva a ações concretas longe do individualismo e da falta de meditação (ou de contemplação) da modernidade, leva a gestos concretos de humanidade.
Trabalho, ação e contemplação
Hannah Arendt considerava que o labor, o trabalho e a ação são as três esferas da vida humana, que compõe a “vita activa”, pensamento que temos postado em torno do ensaio de Byung-Chul Han, que Arendt também usa, de complemento a Vita Contemplativa.
Não é próprio do homem moderno pensar desta forma, e isto colocou o pensamento humano e até mesmo o científico e religioso em ocaso, as narrativas surgem como consequência e não como causa disto, é pela fragmentação das atividades humanas que a interpretação da realidade fica sujeita a uma cosmovisão limitada.
O labor assegura a sobrevivência biológica do indivíduo e da espécie (Arendt, 1995) enquanto o trabalho ainda que não individualize o homem, estabelece uma relação com os objetos e com a transformação da natureza, e permite, isto é importante, demonstrar sua habilidade e inventividade artesanal (Arendt, 1995), porém a atividade e inventividade artesanal não está separada do pensamento, porque ali o homem concebe sua relação com a natureza como um todo.
Foi o trabalho industrial que destruiu esta ideia do todo que está entre o trabalho, o labor e a ação, porém ao notar que o trabalho artesanal incluía já também uma visão contemplativa, “Perché non parli?” disse Michelangelo ao completar sua obra “Moisés”, significando “porque não falar?” (foto).
Um detalhe pouco percebido, mas certamente concebido por Michelangelo ao realizar sua obra, é o apoio de seu braço direito sobre as tábuas da lei, diríamos um primeiro códice bíblico, já que a Torá era um rolo, e se comparada a estátua do pensador grego, este está apoiando sobre sua cabeça sobre o braço direito, Auguste Rodin fez sua versão por volta de 1880.
Assim o trabalho, o labor e a ação podem estar unidos a ideia da contemplação, se a fazê-lo pensamos como concepção de um pensador anterior e incluído no objeto, assim reunimos e resignificamos o trabalho e o labor, não mais como atitude alienada, mas como Ser ôntico.
Portanto, o trabalho humano e o seu labor devem estar unidos a ideia ontológica do Ser, e ela significa também um ato de amor à humanidade, ao Outro e àquele que irá usar, conceber ou apenas contemplar a ação do labor.
ARENDT, H. A condição humana. 7a. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
A psicopolítica e o autoritarismo
A visão de autoridade contemporânea está enraizada na ideia do poder da força, do dinheiro, do autoritarismo da manipulação da justiça e dos órgãos públicos a favor do estado, mas toda esta autoridade é uma autoridade que passa como grandes impérios passaram.
O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han passando por diversos autores: Nietzsche (Vontade de Poder), Hegel (Princípios de filosofia do direito), Luhmann (a comunicação do poder) e sua influência principal que é Heidegger (Ser e Tempo) estabelece o conceito de psicopolítica.
As modernas técnicas de poder através de narrativas que escondem os reais interesses do poder, usando principalmente as novas mídias, é o que Han chamou de psicopolítica, ela substitui e ultrapassa o conceito de biopolítica de Foucault.
Parte do conceito de Max Weber, citando-o: “poder significa na oportunidade, no interior de uma relação social, de impor a própria vontade também contra uma resistência, não se importando em que tal oportunidade esteja baseada” (Han, 2019, p. 22, citação de Economia e sociedade, de Weber), este autor já via a tendência moderna desta manipulação psicológica.
Este viés substitui elo conceito de “dominação” (já postamos aqui algo sobre isto), que é “obediência a uma ordem, que é sociologicamente “mais preciso” ao conceito de puro jogo de narrativas que mudam esta ordem de acordo com a necessidade temporal e social.
A raiz da ideia de Estado moderno, diferente do grego que era a superação do poder como um sofisma de manipulação, pura retórica, está em Hegel: “no anseio por uma ausência de limites, por uma infinitude que, entretanto, não seria o poder infinito” (pg. 123), e o que lhe retira a ideia do eterno e do transcendente, dizendo dos seus verdadeiros limites não é uma vontade ilimitada por poder: “A religião é fundamentalmente profundamente pacífica. Ela é bondade” (pg. 124), mas há quem a veja também só como um poder, isto é hegelianismo.
A ideia bíblica é oposta a esta prepotência, ainda que “religiosos” a usem, pois “Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10,43), “Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (Mateus 5:6), não há numa boa leitura bíblica nenhuma incitação ao ódio, à violência e a segregação de povos ou raças.
Assim é a ideia dos pequenos, das crianças e dos pacíficos que estão ligadas ao Reino divino.
HAN, B.C. O que é poder. Trad. Gabriel Salvi Philipson. RJ: Petrópolis, Vozes, 2019.
Linguagem, ser e reconciliação
Desde a filosofia antiga a linguagem é considerada ontologicamente ligada ao Ser, o Mundo das ideias de Platão (eidos) não é outra coisa senão isto, para Aristóteles linguagem é uma “ferramenta” do pensamento que permite representar a realidade.
Porém a modernidade, sob pretensa objetividade realista, ignorou esta realidade simples onde qualquer ação se inicia antes pelo pensamento e se transforma em linguagem, no dizer do pensador contemporâneo Heidegger a linguagem é “morada do ser”.
A “linguagem das máquinas” ou a codificação do pensamento já expresso numa “mensagem” humana e transformado em códigos, não é exatamente o que deve ser pensado em ontologia, todos os textos de Heidegger e também do filósofo Byung-Chul Han reclamam sobre esta visão técnica da linguagem, porém o século XX começou com a chamada virada linguística.
Assim a linguagem pensada por Alan Turing e Claude Shannon estão circunscritas ao universo das máquinas, enquanto a linguagem pensada ontologicamente é a “abertura do ser” e a busca de um universo de realização e reconciliação, diz Rainer Rilke (1875-1926): “Nós, violentos, nós duramos mais. Mas quando, em qual das vidas, seremos enfim abertos e acolhedores?”.
Byung-Chul Han lembra que o poema épico Ilíada se inicia com a frase: “Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades”, já fizemos diversos posts sobre o mito de Hades, deus do submundo para onde vão as almas, enfim a violência ainda marca nosso processo civilizatório.
A linguagem como expressão de nosso pensamento e nossa interioridade não pode ser separada da vida ativa (Hannah Arendt e Byun-Chul Han), Heidegger que teve forte influências sobre ambos, ela é ponte que vincula o dentro e o fora do homem, de tal forma que o falar é pensado como uma atividade que acontece por meio do homem e assim é ato ontológico (foto – Um mural em Teotihuacan, México, c. século II).
Esta visão da linguagem “por meio do homem” é assim anterior a sua difusão pelos meios (mídias) e não pode ser pensada como meros emissores e receptores uma vez que seja qual for o meio ele é precedido pela pensamento e linguagem humana e nela o ser se “abre”.
Pode-se dizer então que a violência é um aspecto da falta de abertura do ser motivada pelo pensamento e este é construído por metodologias e modos de entender a realidade como tendo um único caminho da violência onde a reconciliação pode parecer impossível.
O homem e a própria realidade não são binários: Ser e Não-Ser, afirmativo e negativo, no homem porque possui estágio interiores sensíveis e cognitivos onde se ativam os motores do pensamento capazes de sínteses, e na realidade pelas descobertas da física quântica e do universo complexo que a astronomia atual revelou.
Reconciliar, ativar mecanismos de diálogos, de entendimento são possíveis ontologicamente.
Comunicação, Shannon e os dados
Nascido na pequena cidade de Gaylord, Claude Shannon desde pequeno assistiu a criação de telégrafos usando os arames farpados da fazendas montanhosas em sua região, muito cedo construiu seu próprio telégrafo, diferente das empresas telefônicas da época, no campo continuavam usando o arame farpado mandando mensagens como teléfragos.
Shannon vai estudar na Universidade de Michigan interessado em matemática e na comunicação, onde descobre um anuncio pedindo monitores para o famoso Laboratório do MIT de Vannevar Bush, onde estudantes em final de suas teses procuravam uma máquina de tabular dados, diferente do computador histórico inglês de Charles Babbage, esta era apena uma máquina para tabular dados, poderíamos dizer uma ciência dos dados nascente.
O laboratório do MIT era onde “professores e alunos procuravam o Analisador Diferencial em momentos de desespero e, quando era possível solucionar equações com uma margem de erro de 2%, o operador da Máquina Claude Shannon ficava feliz” (Gleick, 2013, p. 181).
Os circuitos desta máquina eram formados por interruptores comuns e interruptores especiais chamados relés, descendentes diretos do telégrafo e antecessores da lógica de 0 e 1, cuja lógica era conhecida por Bush, chamada de Álgebra de Boole, que Shannon aprendia ali.
Ali se uniam os dados tratados pelo Analisador diferencial de Bush e uma nova lógica nascente de 0 e 1, o outro ponto que apontamos no post anterior, a preocupação com uma linguagem inteligível para a máquina e o problema de codificação e decodificação das mensagens modificadas em sinais elétricos na lógica de 0 e 1.
O ponto importante e grande colaboração de Claude Shannon, expresso em sua Teoria Matemática da Comunicação que determinava a quantidade de sinais codificados seriam necessários para manter a integridade da mensagem antes do processo de codificação.
O chamado Teorema de Shannon determina que é necessário uma quantidade de sinais que sejam o dobro da frequência mais alta comunicada através do canal, entre o emissor que precede a mensagem enviada, e o receptor que decodifica o sinal reconstruindo a mensagem, para que esta mensagem não sofra alteração a quantidade de sinais do Teorema de Shannon precisa ser observada.
O problema do ruído depende exclusivamente da distância e da forma de captura do sinal que é amostrado (segmentado em uma quantidade que observe o teorema) enquanto o problema de emissor e receptor depende da transformação da mensagem em sinal (ou seja a transformação de sinal analógica em digital e vice-versa).
A mensagem enviada e a mensagem recebida dependem somente de fontes humanas, pois emissor e receptor são dispositivos elétricos, digitais ou fotônicos, dispositivos quânticos já estão em elaboração e poderão representar uma velocidade e integridade do sinal maiores.
GLEICK, J. Informação: uma história, uma teoria e uma enxurrada. Trad. Augusto Cali. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
O pensamento e a informática
As origens de quase todas realidades (se não considerarmos as divinas e eternas) vem do pensamento humano, a ideia da política na pólis grega, a ideia da “arte da guerra”, dos códigos do direito de Hamurabi (1792 a 1750 a.C.) até os contratualistas modernos, compilações de tratados religiosos, construções epistemológicas das ciências e a informática não poderia ficar de fora.
Em 1900 quando a física e a matemática pareciam dar um ar de precisão e certeza no universo científico, o positivismo ainda reinava no direito, um matemático alemão David Hilbert propôs 23 problema “finais” para a matemática num Congresso Internacional em Paris, no ano 1900.
Entre estes problemas estava o segundo problema: a solução finitista da consistência dos axiomas da aritmética que junto o sexto problema que era axiomatização da física, parecia dar um acabamento lógico e preciso a toda a ciência, porém já havia através de Husserl e Heidegger um retorno a questão do Ser e isto devolvia o pensamento a complexidade humana.
Kurt Gödel, membro do Circulo de Viena que fugia desta lógica e por isto eram chamados de neologicistas, provou a incompletude do segundo problema, ou a aritmética ou era consistente ou completa, permanecendo assim num paradoxo, chamado de Paradoxo de Gödel.
A questão da aritmética é importante para entender a origem da ideia de algoritmo, que anteriormente eram apenas formulas como a fórmula de Bhaskara (para equações de 2º. Grau), soluções complexas de equações diferenciais, enquanto a física tinha o problema de formular toda a física numa única teoria, a chamada Teoria da Física Padrão, mas a mecânica quântica e a teoria da relatividade geral, onde tempo e espaços não são absolutos mudaram este cenário.
O encontro de Claude Shannon e Alain Turing, que trabalhavam em projetos secretos das máquinas de codificação de transmissões (feita para o governo Roosevelt) e decodificação da máquina Enigma capturada dos nazistas (Projeto secreto de Turing) criará um novo evento.
Não podendo falar de seus projetos secretos (Gleick, 2013, p. 213) eles conversavam sobre este paradoxo de Gödel e se perguntavam sobre a possibilidade da máquina elaborar pensamentos, mesmo que fosse algo limitado, e ambos elaboraram teorias sobre a linguagem e sobre algoritmos.
Enquanto Turing elaborou uma máquina de estado que através de movimentos para frente e para trás de uma fita gravando símbolos elaborariam sentenças inteligíveis, já Shannon trabalhava num modelo semelhante (usando uma teoria chamada cadeia de Markov) que através de vocabulários finitos poderia compor sentenças e formular ideias mais amplas.
A contribuição definitiva de Alain Turing foi a chamada Máquina de Estado Finito, cujo modelo foi concluído por Alonzo Church, enquanto Claude Shannon deixou a contribuição de uma Teoria Matemática para a Comunicação, sua teoria estabelece qual a quantidade necessária para que a informação transmitida não seja prejudicada, porém nos limites da “máquina”.
A ideia reducionista que é possível realizar ações sem um necessário pensamento, elaborado, meditado e testado é parte de narrativas pseudocientíficas atuais.
GLEICK, J. Informação: uma história, uma teoria e uma enxurrada. Trad. Augusto Cali. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Pensadores de barriga-cheia
A sociedade moderna se caracteriza por uma ausência de pensamento desenvolvido sério, o que se chama de “pensamento crítico” nada mais é do que a rejeição de algum pensador que tente pensar fora da bolha ideológica, ou das narrativas vulgares e superficiais.
Desconhecem as grandes obras clássicas, mesmo aquelas que professam seja Kant, Hegel ou Marx, literatura profunda de Zolá, Vitor Hugo, Proust, Balzac, Camus ou mais atuais como George Orwell, James Joyce, Gabriel Garcia Marques ou Jorge Luís Borges, eurocêntricos por seu conhecimento raso, preferem a crítica sem conteúdo dos pensadores que contestam todo o pensamento atual como fragmentário: Heidegger, Gadamer, Peter Sloterdijk e Byung-Chul Han.
Estão de barriga cheia de uma comida que enche o estomago, mas está longe de ser um alimento consiste que elabore uma crítica profunda e fundamentada do pensamento atual: o sociologismo decadente, a pouca meditação (leia-se Hannah Arent ou Byung-Chul Han sobre a Vita Contemplativa) e pouco conhecimento até mesmo do iluminismo tardio que professam.
No máximo conhecem o pensamento líquido e eurocêntrico de Bauman, a biopolítica de Foucault ou o revisionismo de Jean Jaurès, desconhecem a transdisciplinaridade de Edgar Morin (chama esta intelectualidade parcial de inteligência cega), a terceiro-incluído de Barsarab Nicolescu e a revolução da física quântica (não é mais um dualismo binário), o pensamento é datado na modernidade, e desconhecem sua origem na Grécia antiga.
É preciso negar autores que propõe paradigmas novos para que sua narrativa fixada em autores do século passado seja coerente, quando muito falam de culturas originárias sem conhecer os grandes sociólogos africanos e latinos modernos como: Achille Mbembe, Franz Fanon e Anibal Quijano.
A barriga está cheia de uma cultura já superada, até mesmo sem a necessária atualização e sem uma leitura completa das obras sobre as quais as posições se assentam, a psicopolítica de Byung-Chul Han, a esferologia de Peter Sloterdijk (Esferas I: bolhas) e a transdisciplinaridade de Morin não podem ser compreendidas, é um revisionismo raso e incompleto pela fragilidade das leituras.
A crítica fácil e a consequente narrativa se baseiam no caótico cenário social e cultural que enfrentamos, sem uma análise completa e radical, que escape das bolhas as quais estamos presos, que se compreenda e atualize o pensamento para além do dualismo idealista.
De fato, precisamos de poucas palavras e pensamentos, mas profundos que estão esquecidos ou adormecidos: que tipo de esperança temos para a sociedade de hoje? Que tipo de crença temos que não envolvem poder e dominação? Que é ciência é aquela que trata do homem todo para poder tratar também de todo homem? Qual nossa relação com o Outro? (Lévinas, Ricoeur, Buber e outros).
Sem ler Tomas de Aquino continuarão leitor de um livro só, sem ler Santo Agostinho não sairão do maniqueísmo, porque o mal é a ausência de Amor e Perdão.
HAN, Byung-Chul. O que é poder? Trad. Gabriel Salvi Philipson. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I: Bolhas. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2019.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Trad. Eliane Lisboa. 5.ed. Porto Alegre: Sulina, 2015. 120 p.