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Verdade, método e liberdade
A verdade não é uma regra lógica ou mesmo uma busca científica, a ciência caminha em passos de construção do conhecimento, aquilo que é chamado de epistemologia, na sua raiz grande era a negação da doxa, da mera opinião.
A verdade dizia Sócrates (através dos discursos de Platão) “não está com os homens, mas entre os homens”, assim são precisos diálogos e contraposições de ideais para que se chegue ao que Hans-Georg Gadamer formula como “circulo hermenêutico” (já postamos aqui).
A hermenêutica é a arte de compreender o que está escrito ou falado, assim ela é a busca daquilo que cada autor formula, ou seu mapa mental, esta fidelidade exige assim um estudo não para colocar ideias ou palavra na boca do autor, mas descobrir sua intencionalidade.
As narrativas contemporâneas refletem esta ausência de hermenêutica, cada autor que dar ao outro o seu próprio discurso, isto só é possível restringindo a liberdade, ou intimidando o Outro, aquilo que na cultura atual é chamado de hater, ela é própria do autoritarismo dogmático, daqueles que só sabem ouvir o próprio discurso e se negam a entender o distinto.
A liberdade é essencial para o diálogo, para uma autêntica construção do conhecimento, e uma sincera busca pela verdade, é preciso ouvir o outro (o texto falado ou escrito) para se produzir uma nova fusão de horizontes, o processo compartilhado entre interlocutores.
A lógica da narrativa é a imposição de um discurso que se pretende único e verdadeiro, assim a liberdade não é permitida, os interlocutores são interrompidos ou calados em seu discurso, isto para que somente uma narrativa sobreviva e seus valores e argumentos sejam impostos.
A idolatria moderna do estado como única fonte de poder, ainda que se auto referencie como democrático, é a incapacidade de uma hermenêutica e de um método onde o diálogo é aberto.
É preciso suspender nossos conceitos, colocar entre parêntesis, um epoché.
O círculo hermenêutico não é um fim em si mesmo, Hans-Georg Gadamer faz uma longa reflexão sobre o pensamento de Dilthey, que julga romântico e em parte é uma das influências na hermenêutica de Schleiermacher e as via comprometidas com a razão cartesiana e sua lógica.
Presos a esta lógica, o dualismo sujeito e objeto permanece, e segundo Gadamer (1998, p. 340) ele remonta a Vico que já havia afirmado o primado epistemológico do mundo da história segundo o espírito humano, este tipo de conhecimento torna sujeito e objeto interligados.
Assim a verdade é ontológica, própria do espírito humano, própria de seu ser, nele há verdade.
GADAMER, H-G. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
O mal e sua ontologia
Ainda que o mal possa ser entificado, isto é ser tornado um ente, quer seja no sentido de mal sistêmico, quer seja no sentido de um ente que personifica o mal (daemons grego ou um demônio na teologia ou uma atitude), Husserl vai perceber a partir da influência de seu professor Franz Brentano (pai da psicologia social) que ele é “a unidade objetiva completa que corresponde ao sistema ideal de todas as verdades de fato, e dele é inseparável” (Husserl, 2005, p. 136).
Claro ele está falando da verdade, mas a entende como tendo um sentido objetivo, assim a sua negação, não é outra coisa senão a negação do Ser do ente, e que esta correspondência nega a sua Noesis e não permite que a verdade se externalize, sendo uma unidade objetiva do Ser, o noema exige uma visão consciente do objeto.
Isto porque cada tipo de objeto tem desdobramentos próprios possíveis, por assim dizer, tem um método próprio prescritos a priori por leis de essência determinadas pelo eidos da objetividade em questão* (Husserl, 2006, 309), isto quer dizer que é a essência da objetividade que pré-determina o tipo de desenvolvimento concordante que se tem da experiência dele, é uma vivência, e assim se não é verdadeiro é sua negação, é o mal.
Pode haver a vivência da evidência nesta experiência do objeto, e isto colabora com seu status de ente enquanto um “ser verdadeiro” (Husserl, 2006, p. 309), aquilo que Husserl chamava de “Lebenswelt”, uma lógica da vida, neste caso da vivência experimentada com o objeto.
Se não entendemos que pequenas faltas, desconhecimento do Outro, da natureza como habitat, e tudo que nos afasta do Ser como construção da verdade, aqui ela é ontológica, estamos negando e alterando o sentido daquilo que será expresso no objeto, claro que é sempre uma influência da visão do mundo, e nela pode estar a essência da não verdade.
Agostinho de Hipona tinha dito isto de outra forma, o mal é a ausência do Amor, hoje podemos atualizar dizendo, a ausência da empatia, da solidariedade e do humanismo de todo homem, aquele que não é “do meu grupo”, “da minha bolha” ou até do “bem” num sentido lógico e não onto-lógico.
São atitudes que devemos repensar, julgamentos precipitados, visões unilaterais de mundo e do Ser, toda corrupção da alma, começa por uma corrupção da verdade, é uma negação do Ser de alguma forma, é ausência de uma visão de mundo completa, universal.
HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. Tradução de M. Suzuki. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006.
Entre a finitude e a eternidade
Os deuses e mitos gregos eram imortais, porém sua mistura com a natureza os tornava quase tão humanos como os homens, tinham vícios tanto que tinha uma deusa própria para eles, a deusa Cacia ou Kakía (Kακία), personificava o vício e a imoralidade, era oposta ao areté (virtude).
Já postamos sobre as diferenças de conceitos de imortalidade e eternidade em Hannah Arendt e na leitura dela por Byung-Chul Han (veja o post), a pergunta que fica é o quanto é possível no espaço-tempo que vivemos, poder estar conscientes e passíveis de vivenciar este desejo do eterno.
Há aqueles que esperam um grande milagre da ciência, congelam seus corpos a espera deste futuro (criogenia), o polêmico Raymond Kurzweil escreveu em 2005: The Singularity is Near: when humans transcend biology, e ficou por anos preparando seu corpo para imortalidade, porém agora aos 77 anos já reduziu a carga de remédios que tomava para isto, ele fez um software para computadores aos 15 anos e é um dos conselheiros de Bill Gates.
Porém o delírio humano não vai ceder a ideia mais plausível e generosa da eternidade, o universo está aí, agora com as fantásticas descobertas do megatelescópio James Webb já há a teoria que sempre esteve aí, e outra mais plausível ainda que o tempo é uma ilusão.
Uma citação de Byung-Chul sobre Heidegger (em seus Cadernos negros) é interessante: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” (Han, 2023, p. 63), claro a pergunta é filosófica, no entanto remete ao ser: “o pressentimento não saber deficiente, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proposicional” (idem).
É um “degrau preliminar na escada do saber” escreve citando Heidegger, vai estabelecer uma pré-categoria do consciente como Ser-Disposto [Gestimmt-Sein], explica: “não é um estado subjetivo que colore o mundo objetivo. Ela é o mundo … é mais objetiva que o objeto, sem, porém, ser ela própria um objeto” (pag. 66).
Assim nós “não podemos dispor da disposição. Ela nos toma” (pag. 67), não a atividade, mas o estar-lançado [Geworfenheit] como passividade ontológica originária define nosso ser-no-mundo originário” (idem, pg. 67), assim é preciso negá-la pois o mundo “se revela em sua indisponibilidade” (idem), a disposição precede toda atividade, e conclui, é de-finidora.
Defini até mesmo o nosso pensar, que significa “abrir nossos ouvidos”, escutar e corresponder e cita novamente Heidegger: “Philosophia é o corresponder verdadeiramente consumado que fala enquanto atenta ao chamado do ser do ente” (pg. 68).
E faz uma reflexão sobre a Inteligência Artificial, ela “não pode pensar, pois ela não é capaz do pathos. Padecer e sofrer são estados que não podem ser alcançados por nenhuma máquina” (pg. 69), o homem pode chegar a renúncia pensou Heidegger: “A renúncia é uma paixão pelo indisponível … a renúncia doa” (pg. 71), o ser: “doa a si mesmo na renúncia. Assim, a renúncia se converte em um ´agradecimento´” (pg. 72) novamente citando Heidegger.
É certo que Heidegger este perto deste sentimento de eternidade, e Byung-Chul Han está bem próximo disto, escreveu: “a salvação da Terra depende dessa ética da inatividade” e citando Heidegger: “salvar significa, na verdade: deixar algo livre em sua própria essência” (pg. 73).
O agir segundo a Vita Activa
Conforme exposto anteriormente a Vita Activa não é separada da Vita Contemplativa, isto já estava elaborado em Hannah Arendt e será amplamente tratado em Vita Contemplativa de Byung Chul Han.
Para estabelecer paralelos é preciso entender que Arendt retoma Aristóteles que via três modos dignos da vida do homem, os povos submetidos a escravidão pela guerra permaneciam ligados aos senhores apenas para suprir as necessidades de manterem-se vivos, e o filósofo grego via de modo similar a vida dos artesãos e mercados.
Para ele o homem “político” era realmente livre e podia se dedicar ao contemplativo, assim a dignidade estava ligada a contemplação, mas vista como a vida da fortuna (a Eutychia) que personificava o destino, boa sorte, prosperidade e abundância.
Isto porque o homem ainda que aspirasse a imortalidade, é a vida sem a morte nesta terra, é uma vida “imanente” neste mundo, Arendt vai diferenciar da eternidade, que aspira um além do cosmos, ou o próprio cosmos pensado com criação da eternidade transcendente.
Já a imortalidade é continuidade no tempo, é vida sem morte nesta terra, é vida “imanente” a este mundo, a vida dos deuses do Olimpo era assim do modo como os gregos entendiam a natureza e sua “imortalidade” junto ao cosmos, sendo a mortalidade dos homens o que o distinguia no cosmo.
Byung-Chul descreve que “poucos antes do Vita activa ou sobre a vida ativa de Arendt, Heidegger proferiu uma palestra com o título Ciência e reflexão [Besinnung]. Em oposição à ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta para onde sempre já estamos” (Han, 2023, p. 62), assim “uma dimensão da inatividade é inerente à reflexão” (idem).
Para Hannah Arendt, labor e trabalho são dois elementos que compõem a atividade humana, juntamente com a ação, enquanto labor corresponde a atividade biológica do ser humano para sua sobrevivência como espécie, já o trabalho permite a criação de objetos e a transformação da natureza.
A sociedade da performance, do midiático e da impulsividade desloca o ser para uma ação que não é nem boa nem má, é pura reatividade e assim é incapaz do agir consciente, a ação do Ser.
É ainda fácil perceber aqueles que agem com sabedoria pelos resultados de suas ações, não a simples resposta a algum discurso ou ação, mas uma reflexão em ato, ainda que seja o silêncio.
HAN, B.-C. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Brazil, Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Silêncio, parte essencial da linguagem
A questão do silêncio é fundamental na valorização da linguagem, a palavra falada supõe que haja um interlocutor capaz do silêncio, se for profundo acontece o epoché (vazio interior) que todos os filósofos de certa forma impõe para que haja a articulação da palavra no pensamento, ela é antes e complementar a ação, Foucault foi um dos filósofos que percebeu esta lacuna já no século XIX.
No círculo hermenêutico ela é anterior ao processo de interpretação e necessária para que haja o diálogo e “fusão dos horizontes” como a hermenêutica filosófica exige, esse apenas agir sobre o impulso da linguagem omite uma parte essencial que é a reflexão, meditação ou para mentes que realmente buscam a verdade a contemplação, hoje há a impulsividade da ação.
Hans-Georg Gadamer foi o grande filósofo da hermenêutica, ele argumenta que não há só o conhecimento significativo das humanidades redutível ao das ciências naturais, uma lógica e uma linguagem apenas gramatical, há uma verdade mais profunda que o método científico.
Não é um simples retorno a metafísica, é o agir segundo o pensar, segundo uma articulação da consciência humana e coletiva, capaz de enxergar o outro e sua hermenêutica, capaz de rever o humanismo de todo homem, sem uma leitura vertical, da simples autoridade de poder.
Agamben em “A linguagem do silêncio” também fala desta articulação falsa da linguagem como um campo que procura apreender com a razão apenas ela é uma “experiência de linguagem que vai em direção ao pensamento sem jamais atingi-lo; ela é a tensão e infinita nostalgia, que jamais compreende o que quer apreender e jamais chega aonde quer ir” (Agamben, 2013, São Paulo, Revista Fronteira Z, p. 293).
O famoso canto das sereias que atraiam os marinheiros para a morte, na Odisseia de Homero (foto mosaico do sec. III Museu Nacional do Bardo, Túnis), é também esta falta de silêncio que Ulisses via em seus subordinados (Ulisses tapa os ouvidos e amarra os marinheiros no mastro do navio), tornou-se metáfora para o falatório que encantam seus seguidores, os maiores ditadores foram sempre bons oradores.
Assim colocar a contemplação em ação, requer uma verdadeira contemplação, a palavra lida é um guia sempre que é purificada por uma “arte de amar”, de solidarizar, de humanizar a ação.
Pequenas ações, ausência do pensar e grandes desastres
Li de um psicólogo: “Não são grandes ações que causam grandes efeitos!” é preciso estar atentos a pequenos vícios, pequenas faltas que julgamos toleráveis porque elas se tornam com o passar do tempo grandes problemas, a ideia de deixar livre tudo a nossa volta, torna-nos mais vulneráveis às frustações, as dificuldades da vida, as decepções e obstáculos.
Não se trata também da disciplina rígida dos ditadores e pessoas de pouco diálogo, donos da verdade, pseudo “pensadores” cada dia mais comum na vida cotidiana da sociedade midiática.
As ideias do simplificar, do fazer o que dá na “telha”, liberdade sem obrigações, um mundo sem obstáculos e sem dor (Byung-Chul Han: A sociedade paliativa: a dor hoje), cria um mundo de rebeldes sem medir consequências, ódios gratuitos, intolerância, bolhas e obstáculos ao diálogo, ao direito do Outro e do diferente, enfim a sociedade do ódio e da guerra.
Cada pessoa pode dar seu passo interior antes de levá-lo a sociedade, a ideia que toda ação é externa é própria do não-pensar, o agir impulsivamente e isto não tem apenas ligação com as novas mídias, mas a ausência de reflexão, de meditação e de contemplação (Vita Contemplativa, Hannah Arendt e Byung-Chul Han), pensamentos verborrágicos sem reflexão.
Explica Han citando Arendt: “Vita activa, de Hannah Arendt, começa com a distinção entre imortalidade e eternidade” (Han, 2023, p. 144), e prossegue: “Envolto pelo infinito, o ser humano, como ser moral, busca pela imortalidade ao criar obras que permanecem” (Han, p. 145), mas “em contrapartida, o objetiva da vita contemplativa não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante” (Han, p. 145).
Esclarece que ao escrever também a própria Arendt pode ter tido a intenção de ser imortal, mas “mesmo a escrita pode ser uma contemplação que nada tem a ver com a busca da imortalidade” (p. 146) e ela admira-se que Sócrates não tenha escrito, renunciando assim a imortalidade, não o cita, mas também Jesus não escreveu, os evangelhos só foram escritos pelos discípulos.
Assumir os pequenos tropeços, recomeçar e pensar porque tropeçou ajuda a caminhar.
HAN, B.-C. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis, RJ: Vozes, 2023.
Narrativa, linguagens e oralidade
Retomando uma de Byung-Chul Han: “A narrativa é a capacidade do espírito de superar a contingência do corpo”, esta capacidade de superar a contingência do corpo, está ligada não apenas a lembrança da linguagem poética e conativa, porém aos sentidos e valores espirituais que a modernidade abandonou, sob o pretexto de criar uma visão “objetiva” (“A crise da narração”, Byung-Chul Han, 2023).
A contação das histórias dos povos, de suas culturas e religiões assim são fatores primordiais para a superação de um momento tão dramático da história da comunicação.
As linguagens desenvolvidas para as máquinas são capazes de produzir narrações com um conjunto de palavras que fazem parte de seu vocabulário, mas sem o imaginário daquelas vozes que realizam a contação, em especial de culturas orais, onde a escrita é secundária.
O texto dramático é também um gênero onde se apresentam atos, cenas, rubricas e falas, por isto é parte de uma forma teatral ou de a-presentação, no sentido que a presentação é ao mesmo tempo uma contação de uma história e sua negação, uma vez que envolve a ficção, canta história contagem tem sempre um aspecto presente, este é o sentido.
A disputa entre nominalistas e realistas na baixa idade média (séculos XI a XIV), terminou por negligenciar a importância da linguagem, porém a viragem linguística do final do século XIX fez retornar sua importância em estudos como a gramática, a semiótica, a etimologia e de modo mais amplo a linguística.
O início da modernidade é marcado pela ruptura entre a função metafísica da linguagem e o uso da objetividade como modo de expressão, porém esta é apenas uma das funções da linguagem, o linguista russo Roman Jacobson lembra das funções: fática, poética, conativa e metalinguística, na qual se inserem por exemplos os códigos modernos: morse, digital e quântico, onde “o “código explica o próprio código, ou seja, a linguagem explica a própria linguagem”, e este deve ser o único contexto onde se aplicam os conceitos de emissor/receptor.
A viragem linguística, ocorre em meio à crise do pensamento idealista e positivista na modernidade: Husserl, Heidegger, Hanna Arendt são fundamentais embora sejam mais lembrados: Noam Chomsky, Mikhail Bakhtin, Michel Foucault e Ferdinand de Saussure.
Noam Chomsky escreveu na década de 50 variações para esses estilos linguístico que são mais técnicos, envolvem uma gramática restrita e assim foi chamada de linguagem regular um tipo de linguagem formal que pode ser expressa por meio de expressões regulares. É utilizada na ciência da computação e na teoria formal de linguagem.
Ao proclamar textos numa cultura oral, por exemplo a bíblica, é preciso ter significação, e, em especial fazer uma hermenêutica de sua presentação (repete-a ao contar).
Linguagem, verdade e o eterno
Leibniz (1646-1716) teorizou que a verdade está relacionada a razão: “Entendo por razão, não a faculdade de raciocinar, que pode ser bem ou mal utilizada, mas o encadeamento das verdades que só pode produzir verdades, e uma verdade não pode ser contrária a outra”, assim de uma meia-verdade não pode surgir uma verdade, eis o problema das narrativas contemporâneas e a verdade está ligada ao Ser por meio da linguagem.
O projeto filosófico de Leibniz incluía uma “linguagem simbólica” que seria a própria da filosofia, chamou-a de “characterística universalis” através da qual poderíamos expressar a verdade, porém em seu tempo a divisão realismo x nominalismo determinou uma vitória do realismo iluminista, e Leibniz e seu discípulo Cristian Wolff (1679-1754) foram rechaçados (figura).
Para seu projeto Leibniz pensava em 3 princípios: Identificar e estruturar hierarquicamente as ideias simples, estipular um sistema adequado de signos e estabelecer regras lógicas para compor ideias complexas.
Christian Wolf chega a elaborar um sistema de conceitos, diferente da árvore do conhecimento de Porfírio, mas também baseado no pensamento Aristotélico (Isagoge), é de Porfírio (232-304) que Boécio tira a famosa querela dos universais: se os universais seriam as coisas ou apenas palavras (categorias de Aristóteles) que atribuímos como nomes às coisas.
A ontologia moderna (fenomenológica), em especial em Hannah Arendt e seu interprete Byung-Chul Han cria novos conceitos que ligam este dualismo no pensamento sobre a Vita Activa e a Vita Contemplativa: “a busca pela imortalidade, pela glória imortal, é, segundo Arendt, “a fonte e o centro da vita activa” (Han, 2023, p. 145), mas “ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (idem).
Vive-se assim num paradoxo entre o eterno e o temporal: “tão longo, porém, um pensador abandona a experiência do eterno e começa a escrever, ele se entrega a vita activa, cuja finalidade última é a imortalidade” (pgs. 145-146).
Arendt “admira-se com o Sócrates que não escreve, que renuncia voluntariamente à imortalidade” (Han, 2023, p. 146), mesmo podendo a escrita “ser uma contemplação nada tem a ver com a busca pela imortalidade” (Han, 2023, p. 146), pode-se pensar também na experiência de Jesus que nada escreve, deve-se então seguir sua palavra e seu exemplo e não sua escrita, assim a oralidade tem “vita activa” enquanto a escrita busca a potência.
Arendt lembra também de Platão, mas Han julga isto “destorcido” da alegoria de Platão, “ela é o relato de um filósofo que se liberta das correntes que o prendem e seus companheiros” (pgs. 147-148), ele age quando retorna a caverna “com suas sombras, a um regime de verdade”.
Colocar as palavras na “vita activa” é, portanto, imitá-las, não sendo nem as proclamar sequer as citá-las, diz Han: “A vita activa sem a vita contemplativa é cega” (Han, 2023, p. 149).
Han, B.-C. Vita Contemplativa: ou sobre a inatividade. Trad. Lucas Machado, Petrópolis, RJ: Vozes: 2023.
A linguagem, o ser e o infinito
A linguagem e o ser são ontologicamente ligados, quer dizer, a linguagem é um modo do ser (ou sua morada) que Heidegger chama de Dasein e se apresenta na constituição fundamental do ser-no-mundo.
Porém os limites da linguagem não são limites para o ser, ela é a expressão da comunicação de nossa ligação com o outro e com o mundo, a marca característica da linguagem é o sinal (ou o signo como conceitua a semiótica) porque é ele que vai identificar o saber, ela o mostra o objeto e concede a ele uma “re-presentação” (aqui para lembrar o conceito de “presentar).
Já a eticidade como objetividade (este conceito é hegeliano que Heidegger usa) do representante (por isto usa o re-) dá a ele uma vigência presente do objeto, então é a palavra que produz o conhecimento concede uma verdade de correção de representação, então ela tem uma verdade lógica e assim outras correções serão necessárias, porém todas finitas no tempo.
Os limites da representação estão na escuta atenta e silenciosa ao outro do si-impessoal que todos trazemos em nossas relações, bem como é a escuta apropriada ao outro coexistente que o ser-aí dá a compreender o que realmente importa na relação consigo e com o outro.
Em seu trabalho “o caminho para a linguagem” (2003), escrito nos anos 50 (assim em sua maturidade, Heidegger falece em 1976), afirma que falar não é o mesmo que dizer, pois se pode falar muito sem nada dizer; por outro lado, ao calar-se e silenciar, alguém pode dizer muito, isto significa que falar pode ser apenas mostrar, aparecer, ver e deixar de ouvir.
Nada mais importante que em períodos midiáticos que desejamos ouvir parlatórios públicos e não ouvimos o outro em nosso silêncio interior, os gregos e a fenomenologia chamam de epoché, é tão importante que nenhuma filosofia ou religião realmente verdadeiras podem se abster deste recurso, assim temos uma filosofia vazia, pensadores de barriga cheia e vaidosos.
O passo para ir além, para estender o nosso conhecimento além da representação mundana é desvelar o mundo, já que sua re-velação é apenas um novo velamento, o desvelar nos faz ir além alcançar aquilo que para a objetividade presente parece impossível, não se trata nem de riqueza, nem de bens utilitários, nem de visibilidade pública, mas um encontro com o Ser.
Na Carta sobre o Humanismo (1949), no qual analisa seu período de viragem ao longo dos anos 30 e início dos anos 40, ele afirma que seu pensamento se dirigiu a relação do ser para a essência do homem, porém será este Heidegger que Peter Sloterdijk questiona porque somente viu uma face do processo, o esquecimento do ser, e deixou impensado o seu caráter propriamente domesticador, em seu livro: “Regras para o parque humano” em que questiona a bioengenharia, a tecnologia que recolocam a questão humanitária em crise novamente.
Alcançar o além dos limites humanos tem sido um desafio para o processo civilizatório e isto é divino.
HEIDEGGER, Martin. A caminho da linguagem. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2003.
Cosmovisão, filosofia e religião
A cosmovisão está mais estreitamente relacionada a filosofia e a cosmologia, mas na literatura ela não deixa de estar ligada a ciência e a religião, o geocentricismo (a terra como centro do universo) e a revolução copernicana que declarou o sol como centro do universo, correspondem a visões científicas e religiosas e ambas eram cosmovisões limitadas, no centro da nossa galáxia temos um buraco negro, por isto é correto pensar também nos “cosmos”.
Na visão ontológica de Heidegger, ele atualiza o termo Weltanschauung que aparece a primeira vez com Kant, que compreendia esta ideia de cosmovisão apenas através da experiência com o mundo sensível, para Heidegger são valores, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, e assim corresponde a uma “visão de mundo”.
A conexão com a cosmologia é importante, já salientamos a revolução copernicana, e hoje a influência das descobertas do observatório espacial James Webb tem contribuído até mesmo para uma visão mais ampla da criação do universo, e se não foi criado, e existiu “sempre” isto favorece ainda mais a cosmovisão do eterno e do infinito.
O universo também nos informa de fatos científicos e religiosos, a visão do paradoxo da informação teorizada por Stephen Hawking sobre pequenas radiações que “escapam” do buraco negro amplia a visão cosmológica e científica, enquanto a estrela guia que indicou o local do nascimento de Jesus poderia muito bem ser uma nova ou uma supernova, uma estrela que nasce ou que morre.
Os cientistas e observadores do cosmos aguardam para os próximos dias o nascimento de uma estrela “nova”, nome dado a conjuntos binários de uma estrela anã e uma gigante vermelha que explodem e dão um brilho mais intenso de uma estrela nascente.
O assunto tomou conta da fantasia dos astrônomos porque desde setembro de 2024 a TCrB (T Coronae Borealis) o sistema binário próximo a constelação da Coroa está para explodir.
Os astrônomos preveem que está explosão está próxima podendo ocorrer na madrugada do próximo dia 27 de março, a TCrB (agora já chamada de Blaze Star ou Estrela Flamejante) está a 3 mil anos luz de distância e a constelação da Coroa está próximo a da serpente (Serpens Caput) e da Bota (Bootes) (figura acima).
Enquanto observamos eclipses, cometas e meteoros, nossa visão ainda era geocêntrica, olhar para um universo mais amplo corresponde a uma visão de mundo mais ampla, saímos de nossa bolha terrestre para admitir realidades celestes e mais universais que nosso pálido ponto azul.
Esta expressão surgiu de quando a sonda Voyager 1, no dia 14 de fevereiro de 1990, estava a uma distância de seis bilhões de quilômetros da Terra (passando o planeta Saturno), e havendo cumprido sua missão, por sugestão de Carl Sagan, vira-se para a Terra e olha para trás tirando uma foto.