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Arquivo para agosto, 2017

O vazio e a epoché em Husserl

03 ago

Se há alguma semelhança entre a epoché husserliana e a dúvida metódicaConscienciaPleiadeana de Descartes, é simples aparência, pois o epoché (colocar entre parêntesis) serviu para Husserl adentrar ao âmago das aparições das coisas à consciência.

Assim esta suposta semelhança entre os dois filósofos não autoriza quer dizer que a epoché, ao pôr o mundo de lado, ponha em dúvida a existência das coisas, e esta dúvida conduzirá o idealismo, com a Crítica da Razão “Pura”de Kant e outros que virão depois um dualismo entre o mundo objetivo e o subjetivo.

Com a epoché de Husserl não se pretende propriamente duvidar da existência do mundo e de seus objetos, nem muito menos ainda rejeitar a intuição que temos de conhece-lo, reduzindo a consciência a alguma espécie de transcendência.

O mundo ancorar-se-á apenas sob o aspecto como se apresenta na consciência “reduzido à consciência”, como já defendemos aqui, o método fenomenológico de Husserl promove uma revisão no cogito cartesiano.

O método husserliano da redução fenomenológica traz consigo ainda outras noções que devem ser aqui apresentadas: o transcendente e o transcendental, sendo o transcendente, a consciência como a vê Husserl, é a percepção cotidiana e habitual que temos das coisas do mundo, não uma cadeira mas esta cadeira, esta árvore, este livro, assim o transcendental “é a percepção que a consciência tem de si mesma” (ABBAGNANO, 2000, p. 973).

Pode-se então dizer que “o transcendente é o mundo exterior” enquanto o transcendental “é o mundo interior” da consciência (HUSSERL, 2008, p. 18), foi assim que redefiniu as noções de noema noese, pois existiam na antiguidade.

Este vazio para apreender o objeto, uma vez que acontece na ‘consciência pura’ ou ‘transcendental’, são as vivências perdem inteiramente o seu caráter psicológico e existencial para conservarem apenas a relação pura do sujeito plenamente purificado ao objeto enquanto consciente, e isto é o desocultar, o conhecer.

Há uma distinção entre o objeto percebido e o noema: “o noema é distinto do próprio objeto, que é a coisa; p. ex., o objeto da percepção da árvore é a árvore, mas o noema dessa percepção é o complexo dos predicados e dos modos de ser dados pela experiência.” (ABBAGNANO, 2000, p. 724).

Em que medida esta experiência pode ser “transcendental” é a questão final.

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre; EDIPUCRS, 2008.

 

Aspectos da fenomenologia

02 ago

Tanto as ciências chamadas “puras” como outras ciências experimentais,consciencia-intencionalidade partem dos dados empíricos ou hipóteses “práticas” para daí desenvolver seus postulados, Husserl advertia que  a instabilidade dos dados empíricos assim como boa parte dos postulados teóricos não fornecem o rigor necessário no que concerne à investigação filosófica.

Nos aspectos essenciais a ciência positivista ou estringe seu campo de análise ao experimental, ou considera como “fenômeno” regiões que estão veladas por algum rigor metodológico limitando uma análise geral mais compreensiva e não explicativa de determinados fenômenos.

O que Husserl entendia por “análise compreensiva” é aquela que se referência a consciência e esta por sua vez está fundada em vivências (Erlebnis) do mundo se dão na e pela consciência, de onde vez seu postulado “toda consciência é consciência de algo”.

É nesta perspectiva que Husserl toma de seu mestre Franz Brentano sua categoria mais essencial a intencionalidade, assim a intenção é uma característica geral desta consciência.

Eis o primeiro ponto na análise do fenômeno, então diferente do cogito cartesiano que ganha um significado novo a partir da intencionalidade (a consciência de algo) que ao contrário de ser “clara e distinta” como queria Descartes, é dirigida (tem intenção) de algo.

Além da intencionalidade Husserl considera a intuição e a evidência apodítica, sendo a intenção de um objeto (o exemplo é um livro sobre a mesa), havendo o “conteúdo significativo” (Bedeutungsintention) de algo, então “significamos intencionalmente” (meinen) algum objeto, sem considerar ainda a sua presença,

A intuição é então o preenchimento duma intenção, então pode considerar a “evidência” é a consciência da intenção, portanto é intuitiva, mas na medida que existe uma “consciência do fenômeno”, e neste sentido é apodítica, ou seja, é evidente por si, não há necessidade de provas.

Um último aspecto é o hylé, a “matéria subjetiva” que compõe uma percepção qualquer, embora hajam os “dados hiléticos” que seriam “dados constituídos pelos conteúdos sensíveis, que compreendem, além das sensações denominadas externas, também os sentimentos, impulsos, etc.” (dicionário ABBAGNANO, 2000, p. 499) . não são apenas a “matéria” sobre a qual a consciência se dá, e não são empíricos.

Aparece então o epoché husserliano, que é o colocar em parêntesis, exploraremos depois.

 

A importância da fenomenologia

01 ago

A importância da fenomenologia de Husserl, é que realizou de uma só vez aFenomenologia1 crítica ao psicologismo, através de seu posto mais avançado de seu mestre Franz Brentano, ao relativismo característico de nosso tempo e da modernidade e ao historicismo, em um trabalho pouco conhecido de J.F. Lyotard) ele frisou: “a esperança cartesiana de uma Mathesis universalis renasce em Husserl” (1957, p. 6), ainda que Lyotard mais tarde o critique.

O tema da epoché não é retornar a um retorno ao tema clássico da antiguidade, mas aquilo que chamou de “tese de um pressuposto: o homem está mergulhado em uma espécie de ´tese geral, isto é, uma compreensão implícita do mundo; o mundo é então essencialmente familiar ao homem, e, é dentro desta naturalidade que pretende-se dizer o que é conhecer o real:

“Eu tenho consciência de um mundo que se estende sem fim no espaço, que tem um desenvolvimento sem fim no tempo … descubro [o mundo] por uma intuição imediata, tenho experiência dele.” (1991, p. 37)

Ele entende por atitude natural, aquela  que não cessa “de realizar o mundo como ontologicamente válido … Minha vida em todos os seus atos é de parte a parte orientada ao ente que pertence a tal mundo, … são interesses por coisas do mundo, realizando-se em atos que concernem a essas coisas, enquanto elas são correlato de minha intenção.” (1989, p. 519).

Então é sobre esse “ser no mundo” (Husserl foi aluno de Heidegger e sua expressão é anterior), é um Selbstverständlichkeit, e isto não pode ser posto em dúvida, então como se realiza seu epoché ? é tornar-se cético e como isto como a abstenção ante a inconstância no “espetáculo do mundo”, ou o que Husserl definiu como “distância em relação às validações naturais ingênuas” (Husserl, 1989, 154), mas esclarece que não é a “crítica ao conhecimento”.

A consciência do meio natural como uma “realidade existente” (daseiende: talvez daí Heidegger tirou seu dasein), mas ele questiona a duração dessa atitude: “É algo que persiste tanto quanto dura a atitude, isto é, tanto quanto a vida da consciência vigilante segue seu curso natural” (Husserl, 1991, p. 96).

O importante e isto está em seu opúsculo Meditações Cartesianas, não se trata de estabelecer uma “dúvida universal” pois não põe o ser em dúvida, mas somente os seus atributos, assim assume tensões universalistas, e agora é a fenomenologia que pode, com propriedade, ser concebida como transcendental, uma vez que permite por epoché uma “alteração total da atitude natural da vida” (Husserl, 1989, p. 168), colocando em cheque a objetividade como tal.

A epoché é então “uma certa suspensão do ulgamento que se compõe com uma persuasão da verdade que permanece inabalada” (Husserl, 1991, p. 100)

Ao operarmos esta epoché original, já o estudo de Lyotard sobre fenomenologia me 1956 também apontava isto, mostra a insuficiência que o procedimento radical de Descartes como dúvida tinha limitações, dito por Husserl assim:

“sendo dado que toda tese ou todo julgamento pode ser modificado com plena liberdade, e que todo objeto sobre o qual refere-se o julgamento pode ser posto entre parênteses, não permaneceria margem para julgamentos não modificados, ainda menos para uma ciência.” (Husserl, 1989, p. 102).

HUSSERL, E. La crise des sciences européennes et la phénoménologie transcedentale. Trad. G. Grande. Paris: Gallimard, 1989.

HUSSERL, E. Idées directrices pour une phénoménologie. Trad. Paul Ricoeur. Paris> Gallimard, 1991.