Multiculturalismo e diversidade
Como traçamos nos posts anteriores não há como falar de conflito e paz nos dias de hoje sem abordar a questão de fundo cultural e nelas as ideias filosóficas que são um pano de fundo e como não poderia deixar de ser é também discutido por Zizek.
O discurso da diversidade cultural, traduzido politicamente em multiculturalismo não resolveu os problemas do mundo contemporâneo, Ângela Merkel falando em 17 de outubro de 2010 a um encontro de jovens da União Democrata Cristão declarou: “Essa abordagem multicultural, que diz que simplesmente devemos viver lado a lado e sermos felizes uns com os outros, foi um completo fracasso” (pg. 51), e ali introduziu o debate da Leitkultur (cultura dominante) que insistiam “que todo estado é baseado em um espaço cultural predominante que deve ser respeitado pelos membros de outras culturas que vivem nesse mesmo espaço” (idem).
O que se constatou é que “o conflito sobre o multiculturalismo já é um conflito sobre a Leitkultur: não é um conflito entre culturas, mas um conflito entre visões diferentes sobre como culturas diferentes podem e devem coexistir, sobre as regras e as práticas que essas culturas devem compartilhar, se quiserem coexistir” (idem), e o que aconteceu foi que a cultura dominante queria ditara sua visão de diversidade particular.
Fui certa vez num diálogo entre cristãos e não-crentes cheio de animo e curiosidade e o que assisti era uma tentativa de impor uma visão particular de cristianismo sobre o ateísmo, dupla traição e nenhum diálogo.
Esclarece Zizek, ao falar dos gays: “Nesse nível, é claro, nunca somos tolerantes o suficiente, ou sempre somos tolerantes demais, negligenciado os direitos das mulheres etc. A única maneira de sair desse impasse é propor um projeto positivo universal, compartilhado por todos os interessados, e lutar por ele” (ibidem), este é o final do Cap. 3 “O retorno da má coisa étnica” que evito de propósito para apenas ouvir e calar, já que como branco de descendência europeia, sou parte da Leitkultur.
Assim como querem muitos pensadores europeus, Edgar Morin em sua defesa de uma cidadania global, Peter Sloterdijk que pede que a Europa desperte, a seu modo Zizek pede uma Leitkultur emancipadora positiva, “não apenas respeitar os outros, oferecer uma luta comum, porque hoje nossos problemas são comuns” (Zizek, 2012, p. 52).
O capítulo 4 poderia agora ser reescrito, uma vez que “o deserto da pós-ideologia” cedeu lutar ao retorno da luta ideológica do início do século passado, estamos andando em círculos e andamos para trás.
Todo o restante do livro fala da primavera árabe, dos movimentos “occupy” e finaliza para “além da inveja e do ressentimento”, aquele que Nietzsche desenhou tão bem, mas basta ver os discursos atuais e eles não são senão ressentimentos e ódios destilados e invejas mal sucedidas e “os sinais do futuro” da conclusão parecem agora obscurecidos por falta de sutilezas, clarezas e políticas sãs e interessadas no bem comum.
ZIZEK, Slavoj. O ano que sonhamos perigosamente. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2012.