Arquivo para setembro 21st, 2017
Por uma ética sem autoritarismo
Substituímos o teocentrismo do Estado pelo estado teocêntrico, a autoridade até recentemente não podia ser questionada, agora o rei está nú, ou agora os políticos estão nus.
Como substituir o “comando e controle do Estado” e produzir cidadãos livres e responsáveis, eis o problema do filósofo Lévinas em seu ensaio “Liberté et commandement foi publicado originalmente na Revue de métaphysique et de morale, LVIII, 1953, p. 264-272, tradução italiana Libertà e comando (Liberdade e comando), In: E. Levinas, A. Peperzak, Ética prima come filosofia (Ética como filosofia primeira), organizado por F. Ciaramelli, Milão: Guerini e Associados, 1993, p. 15-19.
Levinas retoma a partir de Platão a ideia na qual podemos ser livres somente se aquilo que for comandado se apresentar como evidência ética para quem deve cumprir a ordem, ou como queria Kant em sua lei da razão: é a esta última que se obedece, e não à exterioridade do comando, diríamos em termos atuais a advertência da Autoridade.
Embora ser autônomo signifique entre outras coisas não seguir ao comando irracional, podendo haver um risco até mesmo de morte, se esse for o preço da liberdade.9 A morte de Sócrates é bela, ainda que injusta, talvez seja ainda mais bela exatamente porque injusta: ela atesta a possibilidade da rejeitá-la afirma Lévinas no ensaio.
O tirano pode matar, mas não pode sujeitar a vontade, enquanto permanecer livre a reserva interior, a oposição do pensamento, pois existe uma dimensão privada da consciência discordante, e isto significa que não há como negar a interioridade.
“Todavia as coisas não são tão simples assim” considera Levinas, pois o fato que há um espaço interior, o “logro” da autonomia, conceito caro a Kant e muitos idealistas, não é deve ser bem examinado, pois além da intimidação que pode chegar a tortura, temos hoje a propaganda televisiva, em rádios, mídias de redes e também em grupos de pressão, que vão dos lobbies econômicos aos grupos editoriais de jornais, TVs e sites.
O homem, cuja liberdade é por natureza “não heroica”, pois o homem é feito de “medo e amor”, e ambos podemos em certos momentos não agir com indignação julgando ser mais prudente o silêncio.
O que é minado ou obstruído, em grupos autoritários é a própria capacidade de divergência, reservada aos espíritos livres, não reconhecida nos tempos obscuros da escravidão interior, diz a Bíblia o Justo vive de sua fé, mas pode-se acrescentar de seus valores e de sua convicção, mas como permitir uma ética de diálogo e alteridade ?
A experiência do totalitarismo deveria ter-nos deixado um legado: criou-se uma “índole de escravo”, em que “o temor preenche a índole a tal ponto que não se enxerga mais, vê-se tudo pela ótica do temor”, dela se aproveitam tiranos e fundamentalistas.
Mas há um Levinas anterior a esta reflexão, nas páginas finais de O tempo e o outro, de 1947, que foram escritas seis anos antes do ensaio Liberdade e comando , foi desenvolvida de modo maduro a partir do texto de 1954, intitulado O eu e a totalidade, em que aparece a temática do “terceiro”, além do Mesmo e do Outro há o que ?
Talvez haja um Justo exatamente aí, onde não é exatamente a “justa medida” do meio, nem o temor e o amor, compreendido aqui como deixar de lado algo injusto, o terceiro talvez seja o justo quando ambos podemos abrir mão de sua posição, um epoché da equidade, em favor da humanidade como um todo.