O autoritarismo e o antropotécnico
A construção dos estados modernos, essencial para uma etapa da construção da civilização moderna, já dissemos no post anterior, fundamentado nos textos de Petr Sloterdijk “Ira e tempo”, porém será uma conferência feita no final de século (não por acaso), com o título “Regras para o parque humano”, feita em 17 de julho de 1999, em conferência dedicada a Heidegger e Lévinas, no castelo de Elmau na Baviera (foto), que a questão da antropotécnica, visão mais ampla que a sociotécnica e a biopolítica, atinge a maturidade.
Dois pontos destacam-se na leitura deste trabalho depois transformado em livro (Sloterdijk, 2000) em ambos também tive uma reação pessoal na primeira leitura, uma visão humanista totalmente original dos meios de comunicação, o segundo especial para os heideggerianos (minha primeira leitura pré-conceituosa não permitiu), que é uma visão sobre a “clareira” incorporando a história natural e social, mas intertendo a polaridade heideggeriana da dimensão ontológica sobre a ôntica (Sloterdijk, 1999, p. 61), o que parecia mais absurda mas não era, a dimensão ôntica precede a ontológica.
A polêmica na conferência entretanto foi a declaração da falência do humanismo em domesticar a animalidade humana, e ele se perguntou se uma reforma das qualidades da espécie não caminharia para uma “tecnologia antropológica, uma antropotécnica” (Sloterdijk, 2000, p. 45), o que é claro causou espanto e um burburinho na conferência.
A crítica da razão cínica, que parece se comprar mais ainda com a história recente: “o bolchevismo, o fascismo e o americanismo … “ são “três variações dessa mesma força antropocêntrica e três candidaturas a um domínio humanitariamente ornado do mundo – dentr as quais o fascismo errou o passo ao exibir, mais abertamente que seus concorrentes, seu desprezo por valores inibitórios pacíficos educacionais (idem, p. 31).
A ideia que o homem é um animal racional parecia verdadeira, a resposta existencial e ontológica, a clareira de Heidegger, para quem o Ser se apresenta e o Ser escolhe para sua guarda, a busca desta pacificação, almejada pelo humanismo (ele o coloca no singular por entender que é o mesmo), e esta “escuta” do Ser seria capaz de conduzir a uma pacificação do ser humano maior que a alcançada pelos métodos humanistas anteriores, o que inquietante para Sloterdijk é como se organizaria esta sociedade formando por ouvintes do Ser? Qual seria esta “clareira” nova.
Não temos a resposta pronta, a não ser que esta “escuta” não foi feita adequadamente, e talvez um método diferente da “ira” possa ser testado, ainda não o foi, chamaríamos isto não da inversão entre o ôntico e o ontológico, mas sua bivalência, há algo de “matter” que é mais que o ôntico, é mãe e matéria ao mesmo tempo.