Hermenêutica e espiritualidade
Um ponto fundamental da hermenêutica desde a origem é resolver a questão da relação entre pessoas e com os objetos, sejam eles reais ou imateriais (virtual é outra coisa), e como estas se relacionam com o nosso mundo mental, dito subjetivo pelos idealistas, mas vinculado a eles na origem moderna da questão.
Se originalmente surge a ideia da intersubjetividade, pela diálogo e proximidade com o idealismo, o que a filosofia contemporânea vai recuperar é o ser-para-Outrem, ou a Empatia, e aqui não se trata de relações cordiais ou generosas, mas aquilo que vem da hermenêutica filosófica, como a fusão de horizontes, e nisto a empatia pode ser colocada como tendo algo “espiritual”.
Não por acaso Edith Stein, uma das discipulas de Husserl, que foi inclusive sua secretária, teve como tema principal a empatia, antes de sua vida religiosa (tornou-se uma irmã carmelita, mesmo sendo judia), porém não é difícil fazer um vínculo entre os dois momentos da vida de Stein.
Edith Stein vai refletir que o que chama de “eu puro” (ou o que prefiro o mais profundo do eu) está em consonância como o Outrem, de três modos singulares analisados pela autora: a vivencia no campo da investigação pura, que sempre se reporta aos dois polos da consciência: subjetivo (noesis) e objetivo (noema), na segunda diferencia a abordagem fenomenológica do ato empático de outras abordagens feitas no campo empírico (abordagem genética, psicológica, moral, ética, etc.) e terceiro apesar da capacidade de aprender com a vivência alheia o que é constitutiva do eu.
O “eu” sempre reconhece o fluxo da ipseidade (o que é próprio, correlato a hecceidade, princípio de Duns Scotto) e isto o leva a alteridade (o diferencia do outro). ´porém esta relação se vista dentro da fenomenologia hermenêutica o epoché (colocar entre parêntesis os conceitos) diferencia-se do código cartesiano porque não se trata do ego, pois é possível intuitivamente entender de modo empático a vivência do Outro, mas não de modo originário, e isto significa Identidade.
Teríamos dificuldades de afirmar uma unidade do Eu, de sua individualidade, se as relações que são chamadas de “intersubjetivas” (não gosto do nome pela origem idealista), pois não podemos identificar onde começa e termina a liberdade e responsabilidade de cada indivíduo.
Olhar o outro como consciência (que sempre tem a intenção dirigida a algo) significa tomar consciência de mim naquele aspecto para o qual a consciência é dirigida, diferentemente de encontrar o “meio termo”, “a verdade”, ocorre o que mais tarde Heidegger e Gadamer chamaram de fusão de horizontes, assim o diálogo pressupõe uma hermenêutica filosófica, no sentido de mergulhar no horizonte alheio e reencontrar o próprio, sendo necessário um epoché.
É interessante que nas leituras bíblicas Jesus vai perguntando aos discípulos quem era para eles*, e vão o descobrindo aos poucos e nunca totalmente, também Jesus olha e analisa cada um para ir formando uma comunidade com eles, alguns veem uma relação unilateral, mas é dialogal.
*Mt 16, 13-14: Jesus perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.